Processo nº 1017143-49.2018.8.11.0041
ID: 306711821
Tribunal: TJMT
Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1017143-49.2018.8.11.0041
Data de Disponibilização:
25/06/2025
Polo Ativo:
Advogados:
ANA CAROLINE APARECIDA SOUZA PEREIRA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1017143-49.2018.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Interpretação / Revisão de Contrato, Indenização…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1017143-49.2018.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Interpretação / Revisão de Contrato, Indenização por Dano Moral, Fornecimento de Água] Relator: Des(a). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Turma Julgadora: [DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [MARIA SIRLEY ROCHA - CPF: 697.957.971-15 (APELANTE), AGUAS CUIABA S.A. - CONCESSIONARIA DE SERVICOS PUBLICOS DE AGUA E ESGOTO - CNPJ: 14.995.581/0001-53 (APELADO), ANA CAROLINE APARECIDA SOUZA PEREIRA - CPF: 028.681.221-59 (ADVOGADO), DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA - CPF: 568.962.041-68 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE FATURAS C/C DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SERVIÇOS PÚBLICOS DE ÁGUA E ESGOTO. ALEGAÇÃO DE FRAUDE EM HIDRÔMETRO. NULIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. INOBSERVÂNCIA DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. COBRANÇA INDEVIDA. RECURSO PROVIDO. I. Caso em exame 1. Apelação cível interposta por MARIA SIRLEY ROCHA contra sentença que julgou totalmente improcedentes os pedidos formulados em ação revisional de faturas c/c declaração de inexistência de débito e indenização por danos morais, movida em face da concessionária ÁGUAS CUIABÁ S.A. A consumidora contesta a exigibilidade de multas no valor de R$ 1.010,57 cada uma, bem como a revisão de faturas com consumo elevado nos meses de janeiro (39m³) e fevereiro (56m³) de 2018, sob alegação de cobrança indevida decorrente de fraude no hidrômetro. II. Questão em discussão 2. Há três questões centrais em discussão: (i) saber se o procedimento administrativo instaurado pela concessionária para apuração de fraude no hidrômetro observou os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa; (ii) verificar se as cobranças impugnadas possuem fundamento técnico e legal adequado, considerando as irregularidades identificadas na prestação do serviço; e (iii) determinar se a suspensão do fornecimento de água com base em débito constituído irregularmente configura dano moral indenizável. III. Razões de decidir 3. O laudo pericial demonstrou que a concessionária não notificou previamente a consumidora para acompanhar a vistoria realizada no hidrômetro, violando os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa no procedimento administrativo, conforme orientação fixada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial n.º 1.412.433/RS. 4. A perícia técnica constatou que o hidrômetro que registrou os consumos questionados foi substituído pela concessionária sem aferição por órgão oficial e sem preservação adequada para análise judicial, comprometendo significativamente a possibilidade de comprovação técnica das alegações da empresa. 5. Ficou demonstrado que a concessionária emitiu faturas com base em estimativa de consumo durante longo período (05/2012 a 09/2018), sem realizar leitura efetiva do hidrômetro na maioria dos meses, prática irregular que viola a Resolução AMAES nº 05/2012 e compromete a confiabilidade das medições. 6. A perícia revelou deficiência na prestação do serviço, com pressão manométrica de apenas 6,0 m.c.a., muito inferior ao mínimo de 10,0 m.c.a. estabelecido pela norma ABNT NBR 12218, obrigando os moradores a adotarem medidas paliativas para armazenamento de água. 7. O hidrômetro encontrado na residência durante a perícia foi reprovado em teste laboratorial realizado pelo IPEM-MT, apresentando desempenho desfavorável aos ensaios do Regulamento Técnico Metrológico, demonstrando a precariedade dos equipamentos utilizados pela concessionária. 8. A inobservância do dever de preservação do hidrômetro originalmente instalado configura conduta processual contrária aos postulados da boa-fé objetiva e ao dever de cooperação previsto no artigo 6º do Código de Processo Civil, não podendo ser interpretada em desfavor da consumidora hipossuficiente. 9. Configura-se dano moral in re ipsa a suspensão indevida do fornecimento de água, serviço público essencial, com fundamento em débito constituído à margem do devido processo legal administrativo, dispensando comprovação específica do prejuízo extrapatrimonial. IV. Dispositivo e tese 10. Recurso conhecido e provido para reformar a sentença e julgar procedentes os pedidos iniciais, declarando a inexigibilidade das faturas de janeiro e fevereiro de 2018 e das multas aplicadas, condenando a apelada ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00. Tese de julgamento: "1. A constatação de fraude em medidor de consumo de água deve observar os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, sob pena de nulidade do procedimento administrativo e inexigibilidade dos débitos dele decorrentes. 2. A substituição de hidrômetro sem preservação adequada para perícia técnica e a emissão sistemática de faturas por estimativa sem justificativa legal configuram falha na prestação do serviço e comprometem a legitimidade das cobranças. 3. A suspensão indevida de serviço público essencial com base em débito irregularmente constituído caracteriza dano moral in re ipsa, dispensando prova específica do prejuízo extrapatrimonial." Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 5º, LIV e LV; Lei nº 8.078/90, art. 14; CPC, art. 6º; Resolução AMAES nº 05/2012, art. 58; ABNT NBR 12218. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1.412.433/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 25/04/2018; STJ, REsp 1.694.437/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 16/11/2017; Súmula 362/STJ. R E L A T Ó R I O EXMO. DES. LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO (RELATOR) Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de apelação apresentado por MARIA SIRLEY ROCHA, com assistência da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso, contra ÁGUAS CUIABÁ S.A. – CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇOS PÚBLICOS DE ÁGUA E ESGOTO, com o objetivo de reformar a sentença de mérito que julgou totalmente improcedentes os pedidos formulados na ação revisional de faturas c/c declaração de inexistência de débito, indenização por danos morais e pedido de tutela de urgência, proferida pelo Juízo da 5ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá. Alega a recorrente que foram lançadas duas multas no valor de R$ 1.010,57 cada na fatura de março de 2018, e que as faturas de janeiro e fevereiro do mesmo ano apresentaram valores exorbitantes e incompatíveis com o consumo real, o que resultou no corte do fornecimento de água de seu imóvel (matrícula n. 465646), impedindo-a de adimplir os débitos. Nas razões recursais, sustenta que: "o fornecimento foi suspenso sem que houvesse o devido processo administrativo, com desrespeito ao contraditório e à ampla defesa" Argumenta que o juízo de piso ignorou as conclusões periciais, as quais comprovaram, entre outras irregularidades, que o hidrômetro foi substituído sem preservação para perícia posterior, que o aparelho novo apresentou marcação em excesso, e que o fornecimento era intermitente e de baixa pressão, contrariando normas técnicas (NBR 12218 da ABNT). Pleiteia, ao final, a reforma integral da sentença, com o reconhecimento da procedência dos pedidos iniciais, inclusive indenizatórios, e a condenação da apelada em custas e honorários de sucumbência em favor da Defensoria Pública. Isenção do preparo, id.288195356. Contrarrazões, id. 288155506. É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMO. DES. LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO (RELATOR) Egrégia Câmara: Conforme o explicitado, cuida-se de apelação cível apresentado por MARIA SIRLEY ROCHA, com assistência da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso, contra ÁGUAS CUIABÁ S.A. – CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇOS PÚBLICOS DE ÁGUA E ESGOTO, com o objetivo de reformar a sentença de mérito que julgou totalmente improcedentes os pedidos formulados na ação revisional de faturas c/c declaração de inexistência de débito, indenização por danos morais e pedido de tutela de urgência, proferida pelo Juízo da 5ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá. Extrai-se da exordial que a parte autora insurge-se contra a exigibilidade de valores atinentes a supostas penalidades pecuniárias, lançadas sob a rubrica de multas, nos montantes de R$ 1.010,57 (mil e dez reais e cinquenta e sete centavos), cada um, aduzindo a existência de cobrança indevida. Postula, outrossim, a revisão de todas as faturas em que o consumo aferido ultrapassou a marca de 20m³ (vinte metros cúbicos), com destaque para aquelas referentes aos meses de janeiro e fevereiro do ano de 2018. Requer, ao final, a condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos morais, em razão dos alegados prejuízos extrapatrimoniais suportados. A Concessionária, em sede de contestação, sustentou a higidez jurídica das cobranças impugnadas, fundamentando-se na suposta constatação de ilícito consistente em fraude no ramal de ligação de água do imóvel, o que teria ensejado, segundo alega, a emissão de penalidades administrativas, bem como de faturas destinadas à recomposição do consumo pretérito não registrado. Para corroborar suas alegações, acostou aos autos documentos diversos, incluindo relatórios técnicos e ordens de serviço lavradas à época dos fatos. Foi realizada perícia técnica judicial. O laudo pericial apontou irregularidades nos procedimentos da concessionária, como ausência de notificação à consumidora, pressão da água inferior ao mínimo exigido por norma técnica (6 m.c.a. versus o mínimo de 10 m.c.a. pela ABNT NBR 12218), ausência de leituras mensais efetivas durante longo período e instalação de hidrômetro diverso daquele utilizado no período questionado. O Juízo a quo julgou os pedidos inicias improcedente reconhecendo a legalidade das multas e da cobrança, com base na constatação de fraude e reincidência da consumidora, nos seguintes termos: “ [...]É o relatório. Fundamento. Decido. (...) O caso deve ser analisado à luz do código consumerista, que prestigia a teoria da responsabilidade objetiva, segundo a qual é desnecessária para a caracterização do dever reparatório a comprovação da culpa do agente, ficando o consumidor responsável, apenas, em demonstrar a efetiva ocorrência do dano e do nexo causal, nos termos do art. 14 da Lei nº 8.078/90: “Art. 14. O fornecedor de serviço responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre a sua fruição e riscos. 1º. O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - o modo de seu fornecimento; II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi fornecido.” Assim, a isenção de indenizar somente ocorrerá se o fornecedor, de produtos ou de serviços, provar que não colocou o produto no mercado (art. 12, § 3º, I), ou que mesmo tendo colocado o produto no mercado ou fornecido o serviço, não existe o defeito apontado (art. 12, § 3º, II e 14, § 3º, I), ou ainda, que o dano decorrente se deu por culpa exclusiva da vítima ou de terceiro (art. 12, § 3º, III e 14, § 3º, II). Da alegada inexigibilidade das faturas e readequação dos valores A parte autora impugna os valores cobrados nas faturas, especialmente nos meses de janeiro e fevereiro de 2018, sob a alegação de irregularidade nos cálculos, incluindo multas e retroativos. Entretanto, restou devidamente comprovado nos autos, por meio do laudo pericial elaborado por profissional de confiança do Juízo, que houve intervenções indevidas na ligação de água do imóvel, com fraude no hidrômetro e religação por conta própria, inclusive de forma reincidente. A perícia constatou vestígios de manipulação no equipamento medidor, o que justifica a cobrança de valores retroativos e de multa, nos termos da Instrução Normativa nº 05/2012 da AMAES, aplicável à matéria. A propósito: Conforme já sedimentado pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso, a cobrança de multa por religação indevida ou fraude em hidrômetro é legal e prevista expressamente na regulamentação da agência reguladora, conforme exemplifica o seguinte julgado: AGRAVO INTERNO No RECURSO DE APELAÇÃO – DECISÃO MONOCRÁTICA – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C DANO MORAL – AUMENTO IMOTIVADO NA FATURA DE ÁGUA – ÔNUS DA CONCESSIONÁRIA – COMPROVAÇÃO DOS MOTIVOS – REVISÃO DEVIDA – PERÍCIA TÉCNICA COMPROVANDO A FRAUDE – RECURSO DESPROVIDO. É legítima a cobrança de recuperação de consumo de água, quando o procedimento de aferição da irregularidade observa o regramento estabelecido pela Resolução AMAES nº 05/2012, que é o caso dos autos, conforme ordem de serviço, histórico de faturas, relatório de fotografias, termo de ocorrência e inspeção e laudo pericial, portanto, a aplicação de multa se insere no exercício regular de direito. 3. Comprovada à regularidade da cobrança, não há que se falar em declaração de inexigibilidade da dívida, tampouco em indenização por danos morais . Com a inversão do hidrômetro pela própria usuária, conforme constatado pela vistoria realizada no imóvel pela requerida. Assim, considera-se regular e lícito o Termo de Ocorrência de Irregularidade - TOI, bem como da multa e faturas cobradas, nos termos do artigo art. 373, inciso II, do CPC/15.(TJ-MT - AGR: 10103751020188110041, Relator.: MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, Data de Julgamento: 23/08/2023, Segunda Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/08/2023) Ainda, o consumo registrado nas faturas posteriores à substituição do hidrômetro foi compatível com o volume real consumido, o que também foi confirmado no laudo pericial. Diante disso, não há que se falar em erro na medição ou cobrança indevida, sendo legítima a cobrança com base na leitura efetiva dos novos hidrômetros. Da legalidade da suspensão no fornecimento de água A suspensão no fornecimento decorreu do inadimplemento das faturas e da constatação de fraude na ligação, o que está expressamente autorizado pela legislação, em especial o art. 86 do Regulamento da AMAES e o art. 6º, §3º, II da Lei nº 8.987/1995, que dispõe: “§ 3º. Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando: (...) II - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.” Comprovada a notificação da autora e sua inadimplência, não se vislumbra ilegalidade na suspensão do fornecimento, tampouco violação ao direito do consumidor. Da impossibilidade da consignação parcial A autora requereu a consignação parcial de valores em montante significativamente inferior ao efetivamente devido. Contudo, conforme entendimento consolidado nos tribunais, o pagamento parcial não vincula o credor e não elide a mora, conforme dispõe o art. 334 do Código Civil. Da improcedência do pedido de danos morais Não há nos autos prova de ato ilícito ou abuso de direito praticado pela concessionária. Ao contrário, restou demonstrado que a parte autora praticou fraude reiterada, o que autoriza não apenas a aplicação de multa e suspensão dos serviços, como afasta qualquer alegação de dano moral. A cobrança decorrente de consumo real e a suspensão por inadimplência não configuram ato ilícito, conforme reiterado entendimento do eg. Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso? APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO REVISIONAL COM CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO C/C DANOS MORAIS – CONSUMO DE ÁGUA – FATURA COM VALOR ALTO – VISTORIA REALIZADA NA PRESENÇA DO CONSUMIDOR –IRREGULARIDADE CONSTATADA – DESVIO DE RAMAL – AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO - SUSPENSÃO DOS SERVIÇOS POR FALTA DE PAGAMENTO – DEVER DE INDENIZAR INEXISTENTE - PRECEDENTES - RECURSO NÃO PROVIDO. I - Não há que se falar em cobrança indevida e nem no dever de indenizar, caso, durante vistoria realizada na presença do consumidor, seja constatada a existência de fraude/desvio de ramal no relógio medidor de consumo de água. II – É licita a suspensão dos serviços de abastecimento de água por falta de pagamento pelos produtos contratados, disponibilizados e utilizados.(TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 0029397-08 .2017.8.11.0041, Relator.: SERLY MARCONDES ALVES, Data de Julgamento: 15/03/2023, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 21/03/2023) Conceder indenização à parte que se utilizou de meios fraudulentos para obter o serviço de forma irregular configuraria indevido prêmio à torpeza, em descompasso com os princípios da boa-fé objetiva e da vedação ao enriquecimento ilícito. Sendo assim, analisando os documentos acostados e tendo por base o laudo pericial que analisou o hidrômetro e vistoriou a residência, conclui-se que não restou caracterizada a falha na prestação do serviço da ré, já que o expert confirmou a ocorrência de fraude no medidor. Percebe-se assim que a cobrança de multa é legítima. Posto isto, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais deduzidos na presente ação em desfavor de Águas Cuiabá S.A. [...]” Pois bem. A questão central trazida a julgamento diz respeito à legitimidade das cobranças realizadas pela concessionária Águas Cuiabá, especialmente nas faturas de Janeiro (39m³) e Fevereiro (56m³) de 2018, além das multas aplicadas sob a alegação de fraude no hidrômetro e religação por conta própria. Sabe-se que a relação jurídica estabelecida entre as partes configura, inequivocamente, relação de consumo, submetendo-se ao regime protetivo estabelecido pela Lei nº 8.078/90. Nesse contexto, a responsabilidade da fornecedora é objetiva, independentemente da demonstração de culpa, conforme preceitua o art. 14 do referido diploma legal. Após detida e acurada análise dos autos, notadamente no que tange à fase instrutória, em cujo bojo foi realizada perícia técnica culminando na apresentação de laudo (id. 288155495) subscrito pela Engenheira Sanitarista Sra. Vania Tarcila Borges, constato que a r. sentença objurgada não se coaduna com os elementos probatórios coligidos aos autos, razão pela qual revela-se imperiosa sua reforma. Cumpre, de início, salientar que o Colendo Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do Recurso Especial n.º 1.412.433/RS, processado sob a égide do rito dos recursos repetitivos, firmou entendimento vinculante no sentido de que a constatação de fraude em medidor de consumo – no caso em questão notadamente em hidrômetros – deve, necessariamente, observar as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, sob pena de nulidade do procedimento administrativo e de ineficácia das sanções dele decorrentes. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC/1973 (ATUAL 1 .036 DO CPC/2015) E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. SERVIÇOS PÚBLICOS. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. FRAUDE NO MEDIDOR DE CONSUMO . CORTE ADMINISTRATIVO DO SERVIÇO. DÉBITOS DO CONSUMIDOR. CRITÉRIOS. ANÁLISE DA CONTROVÉRSIA SUBMETIDA AO RITO DO ART . 543-C DO CPC/1973 (ATUAL 1.036 DO CPC/2015) (...) TESE REPETITIVA 15. Para fins dos arts. 1 .036 e seguintes do CPC/2015, fica assim resolvida a controvérsia repetitiva: Na hipótese de débito estrito de recuperação de consumo efetivo por fraude no aparelho medidor atribuída ao consumidor, desde que apurado em observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa, é possível o corte administrativo do fornecimento do serviço de energia elétrica, mediante prévio aviso ao consumidor, pelo inadimplemento do consumo recuperado correspondente ao período de 90 (noventa) dias anterior à constatação da fraude, contanto que executado o corte em até 90 (noventa) dias após o vencimento do débito, sem prejuízo do direito de a concessionária utilizar os meios judiciais ordinários de cobrança da dívida, inclusive antecedente aos mencionados 90 (noventa) dias de retroação. RESOLUÇÃO DO CASO CONCRETO 16. Na hipótese dos autos, o Tribunal Estadual declarou a ilegalidade do corte de energia por se lastrear em débitos não relacionados ao último mês de consumo.17 . Os débitos em litígio são concernentes à recuperação de consumo do valor de R$ 9.418,94 (nove mil, quatrocentos e dezoito reais e noventa e quatro centavos) por fraude constatada no aparelho medidor no período de cinco anos (15.12.2000 a 15 .12.2005) anteriores à constatação, não sendo lícita a imposição de corte administrativo do serviço pela inadimplência de todo esse período, conforme os parâmetros estipulados no presente julgamento.18. O pleito recursal relativo ao cálculo da recuperação de consumo não merece conhecimento por aplicação do óbice da Súmula 7/STJ .19. Recurso Especial não provido. Acórdão submetido ao regime dos arts. 1 .036 e seguintes do CPC/2015. (STJ - REsp: 1412433 RS 2013/0112062-1, Relator.: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 25/04/2018, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 28/09/2018 RSTJ vol. 251 p. 75) No caso em exame, o laudo pericial é claro ao apontar diversas falhas no procedimento adotado pela concessionária. Na página 06 do laudo, id. 288155495, a perita registrou que: "Conforme declarado na inicial e confirmado pelo LAUDO PERICIAL, a Apelante JAMAIS recebeu qualquer notificação prévia para acompanhar a vistoria que seria realizada no hidrômetro instalado em sua residência." Esse fato, por si só, já compromete a legitimidade da cobrança, pois viola o direito ao contraditório e à ampla defesa no procedimento administrativo. Outro ponto crucial revelado pela perícia refere-se à impossibilidade de aferição do hidrômetro que efetivamente registrou os consumos impugnados. Conforme constatado pela perita na página 12 do laudo: "O hidrômetro retirado no ato da perícia foi o de n.º Y19S625106 e NÃO é o mesmo aparelho em que foram realizadas medições de leituras no período reclamado pela requerente Maria Sirley Rocha." Posteriormente, na página 24 do laudo, id. 288155495, a perita esclarece: "Prosseguindo, também DEMONSTROU o laudo pericial que o hidrômetro que registrou os consumos reclamados, fora substituído pela Concessionária, não tendo sido submetido a perícia por órgão oficial, tampouco preservado de forma adequada para análise e verificação da perícia designada pelo Juízo." Logo, a substituição do hidrômetro sem a devida aferição por órgão oficial e sem a preservação adequada para possibilitar uma perícia judicial comprometeu significativamente a possibilidade de comprovação técnica das alegações da concessionária. A perita também constatou que, por longo período, a concessionária emitiu faturas com base em estimativa de consumo, sem realizar a leitura efetiva do hidrômetro. Na página 17 do laudo, verifica-se que: "Igualmente, a prova pericial COMPROVOU que durante o período de 05/2012 a 09/2018, na maioria dos meses não houve a leitura em campo pela Ré, mas somente a emissão de faturas com base na média de consumo – leitura por estimativa." O laudo ainda aponta que na maioria dos meses não houve leitura em campo pela concessionária, vejamos: De 05/2012 a 01/2013: faturas cobradas pela taxa mínima de 10 m³; De 02/2013 a 12/2014: faturas cobradas por 20 m³, considerando consumo medido e média de consumo; De 01/2015 a 07/2016: faturas cobradas pela taxa mínima de 10 m³, com leitura fixa em 0604 – sem consumo; De 08/2016 a 06/2017: faturas cobradas por 20 m³, sem constar registro de leituras e cadastro de hidrômetro; De 07/2017 a 02/2018: faturas cobradas pelo consumo medido no hidrômetro (39 m³ em janeiro/2018 e 56 m³ em fevereiro/2018); De 03/2018 a 09/2018: faturas cobradas por 20 m³, sem leituras. Essa prática viola a Resolução AMAES e compromete a confiabilidade das medições eventualmente realizadas. A propósito, convém colacionar o disposto no art. 58 da Resolução Normativa de nº. 05/2012, editada pela Agência Reguladora deste município da Capital, AMAES – Agência Municipal de Regulação dos Serviços Públicos de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário do Município de Cuiabá, verbis: Art. 58. Caso o livre acesso ao medidor seja impedido, o cálculo para emissão da fatura de fornecimento será a média de consumo com base nos 6 (seis) últimos meses medidos (ou no número de meses com medição disponível, quando o histórico de medição inferior a 6 meses), sem prejuízo das demais sanções previstas em Lei. Com efeito, depreende-se do teor da Resolução pertinente que, estando regularmente instalado hidrômetro no imóvel, revela-se juridicamente inadmissível a adoção de critérios estimativos ou de médias aritméticas para fins de aferição do consumo, salvo nas hipóteses expressamente excepcionadas pelo ordenamento jurídico — notadamente, quando comprovada a impossibilidade material de realização da leitura efetiva do aparelho medidor. Logo, a cobrança por estimativa foi realizada de forma irregular pela concessionária. Outro aspecto relevante identificado pela perícia diz respeito à deficiência na prestação do serviço pela concessionária. Conforme registrado no id. 288155495, página 11 do laudo: "Ao iniciar seus trabalhos, o técnico da requerida Águas Cuiabá utilizou o manômetro para medição da pressão manométrica, tendo sido constatado uma pressão de 6,0 m.c.a., MUITO abaixo do que determina a Norma da ABNT NBR 12218 para Projeto de rede de distribuição de água para abastecimento público que estabelece que as redes de abastecimento de água tenham pressão mínima de 10,0 m.c.a e máxima de 50,0 m.c.a." Essa deficiência na prestação do serviço obrigou os moradores a adotarem medidas paliativas, como a instalação de caixas d'água no solo do quintal para armazenar água, conforme registrado pela perita. Cumpre destacar, ademais, ainda, que o hidrômetro encontrado na residência durante a perícia — ainda que não se trate do mesmo equipamento responsável pelos registros de consumo objeto da impugnação — foi reprovado em teste laboratorial realizado pelo IPEM-MT, conforme registra a perita na página 26 do laudo: "O hidrômetro de nº Y19S625106 retirado na data da perícia em 02/02/2024 e aferido na data de 19/02/2024, obteve resultado REPROVADO pelo Regulamento Técnico Metrológico (RTM), anexo à Portaria Inmetro n.º 295 de 29 de junho de 2018, apresentando desempenho desfavorável aos ensaios realizados." A própria perita concluiu, na página 27 do laudo de id. 288155494, que seria adequado o cancelamento dos valores cobrados a título de retroativo: "As cobranças das multas são válidas e embasadas no Regulamento AMAES RESOLUÇÃO NORMATIVA Nº 05 DE 26 DE NOVEMBRO DE 2012 CAPÍTULO XIV DAS PROIBIÇÕES, INFRAÇÕES E PENALIDADES, porém, esta perita entende que uma boa solução seria CANCELAR valores atribuídos a título de retroativo, mesmo que previsto expressamente no Regulamento da AMAES, para um devido acordo entre as partes envolvidas e solução dos problemas apontados." Não obstante constem nos autos registros alusivos à suposta prática de fraude no imóvel — inclusive com referência à eventual admissão dos fatos por parte do morador, conforme consignado à página 13 do laudo de id. 288155495 —, tal circunstância, por si só, não é apta a convalidar as graves falhas procedimentais verificadas nos autos. Dentre essas, destacam-se, com especial relevo, a inobservância do dever de notificação prévia da parte consumidora, a ausência de preservação do hidrômetro originalmente instalado, o que inviabilizou a realização de perícia técnica retrospectiva, e a emissão reiterada de faturas com base em estimativas de consumo, prática esta de caráter excepcional, admitida apenas nos estritos termos da legislação aplicável. A jurisprudência deste Tribunal é firme no sentido de que a não observância do procedimento previsto para apuração de irregularidades implica na nulidade de eventual débito: RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE REVISÃO DE CONSUMO DE ÁGUA – AUMENTO NA FATURA - LAUDO PERICIAL JUDICIAL QUE ATESTA A IRREGULARIDADE DO HIDRÔMETRO – INSURGÊNCIA RECURSAL – REJEITADA – SENTENÇA MANTIDA - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. I - Constatado através de laudo técnico pericial a existência de irregularidade na leitura do hidrômetro, correta a sentença de manteve a exigibilidade das faturas questionadas. II - Nos termos do art. 85, § 11º, majoro os honorários advocatícios de 10% para 15% sobre o valor da ação, dispensando sua exigibilidade frente à existência da assistência judiciária gratuita . (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 1002723-80.2020.8.11 .0037, Relator.: SEBASTIAO DE MORAES FILHO, Data de Julgamento: 21/02/2024, Segunda Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/02/2024) "Ao constatar desvio de energia do ramal de entrada da unidade consumidora, devem ser respeitadas as garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório, sob pena de nulidade. 2. A não observância do procedimento previsto no art. 129 da resolução n. 414/2010 da ANEEL implica na nulidade de eventual débito apurado durante a fiscalização da concessionária de energia." (TJ-MT - AC: 10003650420188110041 MT, Relator.: SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, Data de Julgamento: 15/09/2020, Primeira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 16/09/2020) Diante do contexto probatório, verifica-se que a concessionária não se desincumbiu satisfatoriamente do ônus de comprovar a regularidade das cobranças impugnadas, especialmente considerando que houve a inversão do ônus da prova em favor da consumidora. A impossibilidade de realização de perícia técnica no hidrômetro originalmente instalado — decorrente da conduta exclusiva da Concessionária, que procedeu à sua remoção sem assegurar a devida preservação do equipamento — não pode, sob qualquer perspectiva, ser interpretada em desfavor da parte consumidora, notoriamente hipossuficiente na relação jurídico-consumerista. Ao revés, a inobservância do dever de preservação do referido medidor configura manifesta conduta processual dissonante dos postulados da boa-fé objetiva, princípio basilar que deve reger não apenas as relações contratuais de consumo, mas também orientar o comportamento das partes no curso do processo judicial, em consonância com o dever de cooperação consagrado no artigo 6º do Código de Processo Civil. Por derradeiro, e pelo exposto, constato que a r. sentença de primeiro grau não se sustenta diante do conjunto probatório dos autos, impondo-se sua reforma. Com efeito, a Concessionária apelada não logrou êxito em demonstrar a regularidade do procedimento administrativo instaurado para apuração da alegada fraude, tampouco comprovou a legitimidade das cobranças impugnadas. A nulidade do referido procedimento é manifesta, sobretudo pela inobservância dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, agravada pelas relevantes irregularidades constatadas no laudo pericial, entre as quais se destacam: (i) a pressão manométrica inferior ao mínimo previsto na norma técnica aplicável; (ii) o fornecimento intermitente de água; (iii) a emissão de faturas por estimativa sem justificativa idônea; e (iv) a reprovação do hidrômetro em teste oficial realizado por órgão competente. Tais elementos impõem o reconhecimento da inexigibilidade das faturas questionadas pela parte apelante, com o consequente cancelamento dos respectivos débitos. No que tange ao pleito indenizatório por danos morais, entendo configurado o abalo extrapatrimonial in re ipsa, diante da indevida suspensão do fornecimento de água — serviço público essencial — com fundamento em débito cuja constituição se deu à margem do devido processo legal administrativo, circunstância que, por sua própria gravidade, dispensa a comprovação do prejuízo. Nesse sentido: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO DE ÁGUA EM RAZÃO DE DÉBITOS PRETÉRITOS . DANO MORAL IN RE IPSA. PRECEDENTES DO STJ. 1. O Tribunal de origem, embora tenha reconhecido que a interrupção do fornecimento de água configura falha na prestação do serviço, entendeu que inexiste o dever de indenizar . 2. O STJ pacificou o entendimento de que, na hipótese em a concessionária de serviço público interrompe o fornecimento de água como forma de compelir o usuário ao pagamento de débitos pretéritos, é desnecessária a efetiva comprovação dos danos morais, por constituírem dano in re ipsa. Precedentes: AgRg no AREsp 371.875/PE, Rel . Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 4.4.2016; AgRg no AREsp 493.663/RJ, Rel . Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 14.8.2014. 3 . Os autos devem ser devolvidos à origem, a fim de que o Tribunal a quo prossiga no exame do recurso de Apelação, em especial no tocante ao pedido de majoração do quantum indenizatório. 4. Recurso Especial provido. (STJ - REsp: 1694437 RJ 2017/0182678-1, Relator.: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 16/11/2017, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/12/2017) Considerando as peculiaridades do caso concreto, notadamente a natureza da violação, a posição de hipossuficiência da consumidora e os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, fixo a indenização por danos morais em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), valor que se revela adequado para atender às finalidades reparatória e pedagógica da condenação. Ante o exposto, CONHEÇO e DOU PROVIMENTO ao recurso para reformar a sentença e julgar procedentes os pedidos iniciais, declarando a inexigibilidade das faturas de Janeiro e Fevereiro de 2018, bem como das multas aplicadas pela concessionária apelada, e condenando a apelada ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), com correção monetária pelo IPCA a partir desta data (Súmula 362/STJ) e juros de mora de 1% ao mês a partir da citação (art. 405 CC/02), por se tratar de relação contratual. Inverto os ônus sucumbenciais, condenando a apelada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 15% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, §2º, do CPC. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 17/06/2025
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