Processo nº 1017792-38.2023.8.11.0041
ID: 294870831
Tribunal: TJMT
Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1017792-38.2023.8.11.0041
Data de Disponibilização:
10/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
DIEGO GOMES DIAS
OAB/SP XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1017792-38.2023.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Alienação Fiduciária, Contratos Bancários, Inter…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1017792-38.2023.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Alienação Fiduciária, Contratos Bancários, Interpretação / Revisão de Contrato] Relator: Des(a). MARCOS REGENOLD FERNANDES Turma Julgadora: [DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [SANDRO NUNES DE ARRUDA - CPF: 904.987.801-63 (APELADO), DIEGO GOMES DIAS - CPF: 323.505.598-31 (ADVOGADO), BANCO HONDA S/A. - CNPJ: 03.634.220/0001-65 (APELANTE), LUCIA GUEDES GARCIA LAURIA - CPF: 125.560.468-99 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. JUROS REMUNERATÓRIOS EM CONFORMIDADE COM A TAXA MÉDIA DE MERCADO. AUSÊNCIA DE ONEROSIDADE EXCESSIVA. TARIFA DE REGISTRO. EFETIVA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. LEGALIDADE DA COBRANÇA. CONTRATO LIVREMENTE PACTUADO. PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME Apelação cível interposta por Banco Honda S/A contra sentença que julgou parcialmente procedente ação revisional ajuizada por Sandro Nunes de Arruda, determinando a limitação dos juros remuneratórios à taxa de 1,71% ao mês e a exclusão da tarifa de registro do contrato, com devolução dos valores pagos de forma simples. O banco requer a reforma integral da sentença para julgar a ação improcedente. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (i) definir se os juros remuneratórios contratados são abusivos e passíveis de limitação judicial; (ii) estabelecer se é válida a cobrança da tarifa de registro do contrato, à luz da efetiva prestação do serviço e do princípio da boa-fé objetiva. III. RAZÕES DE DECIDIR Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor às relações firmadas com instituições financeiras, permitindo a revisão de cláusulas contratuais abusivas (Súmula 297/STJ). A revisão judicial dos juros remuneratórios somente é cabível em hipóteses excepcionais, quando demonstrada abusividade evidente e desproporcionalidade em relação à taxa média de mercado. Os juros contratados no percentual de 1,99% ao mês não superam em uma vez e meia a taxa média de mercado à época da contratação (1,52% a.m.), inexistindo, portanto, abusividade a justificar intervenção judicial. A tarifa de registro do contrato, no valor de R$ 261,00, corresponde a percentual reduzido do montante financiado e teve sua efetiva prestação comprovada nos autos, não configurando onerosidade excessiva nem ilicitude contratual. Não demonstrada prática abusiva ou vício na formação da vontade, deve ser preservado o equilíbrio contratual, respeitando-se a autonomia da vontade das partes e o princípio do pacta sunt servanda. A ausência de recurso da parte autora impede o conhecimento de novos pedidos formulados em contrarrazões, por força dos princípios da non reformatio in pejus e da devolutividade limitada. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso provido. Tese de julgamento: “1. A revisão judicial de juros remuneratórios somente é admitida quando comprovada a abusividade em relação à taxa média de mercado, o que não se verifica quando o percentual contratado está dentro dos limites razoáveis. 2. A tarifa de registro contratual é válida quando há efetiva prestação do serviço e inexistência de onerosidade excessiva, sendo legítima sua cobrança nos termos da cláusula contratual expressamente pactuada. 3. O contrato bancário, ainda que de adesão, deve ser respeitado em sua integralidade, salvo demonstração de cláusulas abusivas ou violação à boa-fé objetiva, o que não se configurou no caso.” R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. MARCOS REGENOLD FERNANDES (RELATOR): Colenda Câmara: Trata-se de recurso de apelação interposto por BANCO HONDA S/A contra sentença prolatada pelo MM. Juiz de Direito André Luciano Costa Gahyva, da 1ª Vara Cível de Diamantino, que, nos autos da presente Ação Revisional de Contrato Bancário, julgou parcialmente procedente a demanda ajuizada por Sandro Nunes de Arruda, para revisar os juros remuneratórios do contrato colacionado aos autos, fixando-os mensalmente em 1,71%e excluir a cobrança de tarifa de registro, procedendo com a sua devolução de forma simples. Em suas razões recursais, a parte apelante sustenta, em síntese, a validade na contratação de seguro de proteção financeira pelo financiado, suscitando, neste ponto, a liberalidade de contratação e o dever de observância aos princípios da lealdade, boa-fé contratual e pacta sunt servanda. Alega que os juros previstos no contrato possuem amparo legal e não resultam em onerosidade excessiva ao Apelado, que realizou a contratação de forma livre e consciente. Quanto à tarifa afastada na sentença, afirma que o registro foi efetivamente realizado, mas que tal fato teria sido ignorado pelo magistrado a quo. Diante disso, requer o provimento do recurso, a fim de reformar a sentença e julgar totalmente improcedente a demanda. Contrarrazões em ID 286408395. Cumpridos os requisitos de admissibilidade, submeto o recurso ao julgamento colegiado. É o relatório. Inclua-se em pauta. V O T O R E L A T O R EXMO. SR. DES. MARCOS REGENOLD FERNANDES (RELATOR): Colenda Câmara: Como visto, trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença que julgou parcialmente procedente a demanda ajuizada pelo consumidor, para revisar os juros remuneratórios do contrato colacionado aos autos, fixando-os mensalmente em 1,71%e excluir a cobrança de tarifa de registro, procedendo com a sua devolução de forma simples. Na origem, o apelado ajuizou ação revisional alegando ter firmado contrato de financiamento de veículo com o apelante, com pagamento parcelado em 48 prestações de R$ 404,69. Sustentou a abusividade na cobrança de custo de registro, serviços de terceiros, tarifa de cadastro e taxa de juros mensal superior ao patamar de mercado. Postulou a revisão contratual com limitação dos juros remuneratórios, exclusão das tarifas questionadas e restituição em dobro dos valores pagos indevidamente. O apelante, devidamente citado, apresentou contestação refutando as alegações iniciais e sustentando a legalidade de todas as cobranças contratuais, nos termos da jurisprudência consolidada dos tribunais superiores. O MM. Juiz a quo julgou parcialmente procedente o pedido, nos seguintes termos: “Vistos. Trata-se de Ação Revisional de Contrato Bancário com pedido de Tutela Antecipada proposta por SANDRO NUNES DE ARRUDA em face de BANCO HONDA S.A, ambos devidamente qualificados nos autos. Afirma o requerente que pactuou com a requerida contrato de financiamento do veículo, com pagamento por meio de 48 parcelas de R$ 404,69 (quatrocentos e quatro reais e sessenta e nove centavos). Assevera que está sendo cobrado custo de registro, serviço de terceiros e tarifa de cadastro, todas de forma ilegal, bem como que a taxa de juros mensal está acima do patamar praticado no mercado. Requereu a antecipação de tutela para limitar a parcela paga a título de financiamento à taxa pactuada, cujo valor recai a R$ 345,03 e proibir a inclusão da parte autora em órgãos de proteção ao crédito, mantendo o veículo em sua posse. Pugnou, no mérito, pela revisão do contrato em relação aos juros remuneratórios, encargos de tarifa de cadastro e registro de contrato, bem como pela restituição em dobro. Foi indeferido o pedido de antecipação da tutela, no id. 137675287. Devidamente citada, a parte requerida apresentou contestação, no id. 142588800. As partes pugnaram pelo julgamento antecipado da lide, nos ids. 162795181 e 164228717. Os autos vieram-me conclusos. É O RELATÓRIO. FUNDAMENTO E DECIDO. Por não vislumbrar a necessidade de dilação probatória, eis que os documentos encartados já são suficientes, nos termos do art. 355, inciso I, do NCPC, passo ao julgamento antecipado da lide. Da Aplicação do Código de Defesa do Consumidor De início, ressalto meu entendimento de que, em face da regra disposta no art. 3º, do Código de Defesa do Consumidor, em que existam relações entre o fornecedor que desenvolve atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços e o consumidor, previsto no art. 2º, do Código de Defesa do Consumidor, aplica-se a legislação protetiva consumerista. Inexistem dúvidas de que as partes entabularam relação contratual e a elas ficam vinculadas, bem como de que devem resguardar o princípio da boa-fé objetiva. Observo, ainda, que o princípio contratual da soberania dos pactos (pacta sunt servanda), apesar de mitigado pelo Código de Defesa do Consumidor, não foi de todo derrogado, a contrario sensu, o CDC vem para garantir a aplicação de referido princípio, ou seja, é garantida a obrigatoriedade contratual, salvo se restar comprovado o locupletamento do fornecedor, ante a hipossuficiência do consumidor. De sorte que, nas relações de consumo, o contrato faz lei entre as partes, desde que exista o equilíbrio entre as mesmas. Assim, demonstrada está a possibilidade da declaração de revisão das cláusulas abusivas pactuadas, muito embora vigore o princípio do pacta sunt servanda. Considerando que o artigo 6.º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor permite a revisão e modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais entre as partes, relativiza-se, pois, o princípio da pacta sunt servanda a fim de assegurar a real concretização dos conceitos norteadores do equilíbrio da relação contratual. Deste modo, aplico o Código de Defesa do Consumidor, ante a relação de consumo estabelecida entre as partes, com a consequente inversão do ônus da prova em favor da parte autora. Da Inépcia da Inicial Alega a inépcia da inicial, ante a ausência de causa de pedir e pedido. Insta registrar que a inépcia da inicial é definida quando a petição inicial não está apta a produzir efeitos jurídicos em decorrência de vícios que a tornem confusa, contraditória, incoerente, ou, ainda, lhe faltem requisitos exigidos pela lei, conforme determina o artigo 330, caput e § 1º, do NCPC. Vejamos: Art. 330. A petição inicial será indeferida quando: I - for inepta; (...) § 1o Considera-se inepta a petição inicial quando: I - lhe faltar pedido ou causa de pedir; II - o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico; III - da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; IV - contiver pedidos incompatíveis entre si. No caso em comento, não restou demonstrado quaisquer requisitos que ensejassem a inépcia da inicial. Portanto, refuto a preliminar de inépcia da inicial. Da Impugnação a Justiça Gratuita Insta salientar que o pedido de gratuidade da justiça pode ser requerido na inicial, contestação, em petição para ingresso de terceiro e recurso. Vejamos o que dispõe o art. 99, do NCPC: “Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso.” Ademais, presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida pela própria pessoa natural. Vejamos: “Art. 99. (...). § 3o Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural.” No caso em comento, a parte impugnada juntou requerimento de gratuidade de justiça, informando a sua insuficiência no id. 117940389, sendo recebida a inicial e deferido os benefícios da justiça gratuita, no id. 137675287. Pois bem. Sustenta o impugnante que estão ausentes os documentos comprobatórios da hipossuficiência econômica da parte impugnada, capaz de autorizar o deferimento da justiça gratuita. Todavia, sequer juntou documentos que comprovassem que a mesma possui condições de arcar com as referidas custas. Dessa forma, não restou comprovado nos autos, fatos a demonstrar condições financeiras suficientes para arcar com as custas processuais iniciais, bem como a afastar a presunção de incapacidade econômica para suportar o pagamento de despesas processuais e honorários advocatícios, não havendo, assim, motivos para ser revogado o benefício outrora concedido. Dos Juros Remuneratórios Alega a parte Requerente que os juros remuneratórios estão impostos de forma ilegal, contrariando dispositivos legais. Destarte, os juros remuneratórios, também chamados compensatórios, têm por fim remunerar o mutuante pelo uso do capital emprestado. Sua natureza é distinta dos juros moratórios, estes devidos em caso de inadimplência, com o objetivo de ressarcir o mutuante pela mora no cumprimento da obrigação. Inúmeras ações judiciais são distribuídas, diariamente, com o objetivo de rever os encargos incidentes sobre débitos contratuais, sob o argumento de que a atual prática dos juros representa uma distorção econômica que merece correção jurídica. Apesar de entendimentos contrários, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça é uníssono em admitir a aplicação de juros em taxas superiores a 12% ao ano. A limitação dos juros, no patamar constitucional, só seria aplicável nos contratos com legislação específica, tais como mútuo rural. A jurisprudência vem se consolidando na afirmativa de que as taxas de juros são livremente pactuáveis, conforme Resolução 1064/85 do Conselho Monetário Nacional, devendo ser revistas, em havendo demonstração da abusividade. No caso em tela, restou demonstrado no contrato que os juros remuneratórios aplicados, mensalmente, foram de 1,98 % ao mês. Ressalta-se que foi demonstrada abusividade no montante contratado, notadamente quando observamos que não estão dentro do limite de mercado para operações de igual natureza, conforme estabelecido pelo Banco Central do Brasil, tendo em vista, que no ano de 2019, a taxa de juros remuneratórios para pessoa física/veículos foi de 1,71% ao mês. Desta forma, ante a ilegalidade dos juros pactuados, uma vez que não seguem a média de mercado para o período, determino a revisão do contrato discutido. Da Tarifa de Registro Alega a parte requerente que a tarifa de registro é devidamente abusiva, sendo ilegal sua cobrança. Vislumbra-se que é abusiva a cobrança referente a tarifa de registro, pois não pode a instituição financeira transferir ao contratante devedor os custos inerentes a própria atividade. Nesse sentido: [...] Desta forma, ante a ilegalidade da tarifa, determino a restituição da mesma, de forma simples. Da Tarifa de Cadastro Alega a parte requerente que a tarifa de cadastro é devidamente abusiva, sendo ilegal sua cobrança. Ressalta-se a possibilidade da cobrança de tarifa de cadastro, uma vez que esteja expressamente tipificada no contrato, devendo a mesma ser cobrada, somente, no início do relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira. Nesse sentido, vejamos o que preceitua o Tribunal de Justiça de Mato Grosso: [...] Desta forma, mostra-se possível a referida cobrança. Da Repetição de Indébito É pacifico o entendimento jurisprudencial de que, uma vez constatada a ilegalidade das cláusulas contratadas, torna-se devida a repetição de indébito, na forma simples, tendo em vista que não existe comprovação da má-fé do requerido. A Corte Superior já se posicionou na vertente de ser possível, tanto a compensação de créditos, quanto a devolução da quantia paga indevidamente, em obediência ao princípio que veda o enriquecimento ilícito, de sorte que as mesmas deverão ser operadas de forma simples - e não em dobro -, ante a falta de comprovação da má-fé da instituição financeira. Precedentes (REsp 401.589/RJ, AgRg no Ag 570.214/MG e REsp 505.734/MA). Sendo assim, é indevida a restituição do valor pago indevidamente em dobro, no que tange as cláusulas revisadas nestes tópicos, devendo o mesmo ser restituído na forma simples. Isto posto, com fulcro no art. 487, I do NCPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO da parte Requerente, e, de consequência, determino: a. REVISAR os juros remuneratórios do contrato colacionado aos autos, fixando-os mensalmente em 1,71%. b. EXCLUIR a cobrança de tarifa de registro, procedendo com a sua devolução de forma simples. Condeno a parte requerida as despesas e honorários advocatícios em 10% sobre o valor da causa, a ser devidamente atualizado, com fulcro no art. 86, parágrafo único, do NCPC. Desta decisão deverão ser intimadas as partes, via patronos. P.R.I.C. Diamantino/MT, data do ato indicada na assinatura digital. (assinado digitalmente) ANDRÉ LUCIANO COSTA GAHYVA Juiz de Direito” Em suas razões recursais, o apelante sustenta, em síntese, a legalidade dos juros remuneratórios, sob o fundamento de que os juros pactuados (1,99% a.m.) estão em conformidade com a regulamentação do Sistema Financeiro Nacional, não havendo limitação legal específica. Defende, também, a validade da tarifa de registro, eis que a cobrança se refere ao custo efetivo do registro do contrato junto ao DETRAN, em cumprimento às determinações legais (art. 1.361 do CC e Resolução CONTRAN 320/09). Invoca, ainda, a aplicação das Súmulas do STJ - Invoca a Súmula 381 (contratos bancários), Súmula 596 (juros remuneratórios) e Súmula 539 (capitalização de juros). Diante disso, requer a total improcedência da ação. Nas contrarrazões, o apelado defende a manutenção da sentença, alegando a abusividade dos juros, a ilegalidade da tarifa de registro e a necessidade de aplicação do CDC. Nesta oportunidade, suscita a possibilidade de modulação temporal do Tema 929 do STJ para que seja determinada a restituição em dobro dos valores pagos a maior. Feita esta breve contextualização, passo ao exame do mérito. De proêmio, impende ressaltar que a relação jurídica estabelecida entre as partes é inequivocamente de consumo, atraindo a incidência do Código de Defesa do Consumidor, conforme pacífica jurisprudência cristalizada na Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras." Nesse contexto, imperativa a análise da controvérsia sob o prisma da vulnerabilidade do consumidor e dos princípios da boa-fé objetiva, transparência e dever de informação que norteiam as relações consumeristas. Isto posto, uma vez que é pacífica a aplicação do CDC às relações bancárias, é possível a revisão contratual para declarar a nulidade das cláusulas abusivas, nos termos do art. 51, IV, do CDC. Todavia, para que haja a intervenção do Poder Judiciário, é necessário que as taxas praticadas no contrato resultem em inequívoco desequilíbrio entre as partes, a ponto de impingir ao consumidor onerosidade excessiva, o que não se verifica no caso em tela. Na linha de julgamento do Superior Tribunal de Justiça, a abusividade das taxas de juros remuneratórios contratadas somente emergirá quando o percentual avençado for superior a uma vez e meia, ou ao dobro ou ao triplo da taxa média de mercado (REsp. nº 1.359.365), ou seja, a mera superação da taxa média de mercado não é suficiente para caracterizar abusividade, sendo necessário que a discrepância seja substancial e injustificada. Ainda, o STJ, no REsp. 1.061.530/RS, entendeu ser admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situação excepcionais, “desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do caso concreto”. Comprovada a abusividade, o percentual excedente, como regra, deverá ser reduzido ao patamar da taxa média. Contudo, ao realizar pesquisa das taxas de juros praticadas à época da contratação, verificou-se que a taxa média praticada em setembro de 2019 era de 1,52% a.m. (https://www3.bcb.gov.br/sgspub/consultarvalores/consultarValoresSeries.do?method=consultarValores). Isto posto, denota-se que a cobrança de juros remuneratórios a 1.99% a.m. não se revela abusiva, visto que, em um cálculo simples, uma vez e meia a taxa média praticada totaliza 2.28% a.m., e, tendo em vista que a interpretação da abusividade deve levar em consideração as peculiaridades do caso concreto e o percentual apenas não deve ultrapassar o dobro ou mesmo o triplo da taxa média praticada pelo mercado, entendo que a cobrança um pouco superior a uma vez e meia não é abusiva ou excessivamente onerosa à consumidora, muito menos torna necessária a intervenção do Poder Judiciário. A propósito: “[...] 1. De acordo com a orientação adotada no julgamento do REsp. 1.061.530/RS, sob o rito do art. 543-C do CPC/73, "é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, § 1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante as peculiaridades do julgamento em concreto." 2. . Prevaleceu o entendimento de que a taxa média de mercado apurada pelo Banco Central para cada segmento de crédito é referencial útil para o controle da abusividade, mas o simples fato de a taxa efetiva cobrada no contrato estar acima da taxa média de mercado não significa, por si só, abuso. Ao contrário, a média de mercado não pode ser considerada o limite, justamente porque é média; incorpora as menores e maiores taxas praticadas pelo mercado, em operações de diferentes níveis de risco. Foi expressamente rejeitada a possibilidade de o Poder Judiciário estabelecer aprioristicamente um teto para taxa de juros, adotando como parâmetro máximo o dobro ou qualquer outro percentual em relação à taxa média. (...)” (STJ, AgInt no AREsp 1493171/RS, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, j. 17/11/2020, p. 10/03/2021) (g.n) Impende consignar que, não obstante as assertivas expendidas pela parte Autora acerca da ilicitude dos atos praticados pela instituição financeira, tal alegação não encontra substrato probatório idôneo nos autos. Com efeito, em que pese a relevância da matéria trazida à baila, verifica-se que a parte demandante não se desincumbiu satisfatoriamente do ônus probatório que lhe competia, nos termos do artigo 373, inciso I, do Código de Processo Civil, uma vez que os elementos coligidos aos autos – notadamente os cálculos elaborados unilateralmente – não se mostram aptos a conferir verossimilhança às suas alegações. Consigne-se que o princípio do pacta sunt servanda pode ser mitigado em relações consumeristas, admitindo-se a revisão de cláusulas desproporcionais, porém, para que haja intervenção judicial, é necessário que a taxa de juros contratual seja significativamente superior à média de mercado, o que não ocorre no presente caso. Nesse sentido: “[...] O contrato deve ser interpretado de forma a prestigiar a livre e soberana manifestação de vontades celebrada entre as partes, prevalecendo a regra do pacta sunt servanda, devendo cada parte arcar com a parcela correspondente a obrigação assumida, sob pena de enriquecimento indevido. Sentença mantida. Recurso desprovido.” (TJSP, ApCiv 1004742-18.2018.8.26.0100, Relator: Felipe Ferreira, Data de Julgamento: 09/05/2019, 26ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 09/05/2019) "[...] Se livremente negociado e aceito, o contrato faz lei entre as partes, devendo, por isso, prevalecer sob pena de violação ao princípio do pacta sunt servanda. Entendimento contrário só serviria para provocar insegurança aos contratantes, acarretando inegável desequilíbrio à relação jurídica". (TJSP, ApCiv 1082870-86.2017.8.26.0100, Relator: Renato Sartorelli, Data de Julgamento: 09/08/2018, 26ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 10/08/2018) A propósito, o contrato de adesão é regulado pelo Código Civil (arts. 423 e 424) e pelo Código de Defesa do Consumidor (art. 54), de modo que a mera pactuação nessa forma por si só não implica abusividade contratual ou presunção de onerosidade excessiva para o aderente, sobretudo quando pactuado espontaneamente pela parte. Nessa linha de intelecção: “Contratos bancários. Ação de revisão contratual. Empréstimo pessoal. cédula de crédito bancário. Contrato de adesão. O fato de o contrato ser de adesão não implica seja ele abusivo, nem significa que o consentimento manifestado para sua formação seja, a priori, viciado. (...)” (TJSP, ApCiv 1034437-44.2023.8.26.0002, Relator: Sandra Galhardo Esteves, Data de Julgamento: 15/02/2024, 12ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 15/02/2024) (g.n) Prosseguindo, como é cediço, as questões jurídicas relativas à abusividade da tarifa de registro de contrato foram analisadas pelo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 1.578.553/SP, submetido ao rito do art. 1.036, §1º, do CPC/15 (Tema 958). Nesse julgamento, firmou-se o entendimento de que a tarifa de registro de contrato é, em princípio, válida, mas sua cobrança está condicionada à inexistência de onerosidade excessiva ou à efetiva prestação do serviço, cabendo à instituição financeira comprovar a realização do registro. Não obstante a interpretação adotada pela colenda Corte Superior acerca da matéria, no presente caso, o juiz sentenciante entendeu se tratar de cobrança ilícita, sob o seguinte fundamento: “Da Tarifa de Registro Alega a parte requerente que a tarifa de registro é devidamente abusiva, sendo ilegal sua cobrança. Vislumbra-se que é abusiva a cobrança referente a tarifa de registro, pois não pode a instituição financeira transferir ao contratante devedor os custos inerentes a própria atividade. Nesse sentido: [...] Desta forma, ante a ilegalidade da tarifa, determino a restituição da mesma, de forma simples.” Apesar do costumeiro acerto do Juízo a quo, em observância ao princípio da boa-fé contratual e do pacta sunt servanda, ao analisar detidamente os autos, constata-se que a instituição financeira comprovou a efetivação do registro do contrato junto ao DETRAN, conforme documentação juntada ao processo pelo próprio apelado, caracterizando, assim, a efetiva prestação do serviço de registro. No que concerne à suposta ilicitude da cobrança, o apelante não trouxe elementos que demonstrassem que o valor cobrado (R$ 261,00) seria excessivamente oneroso a ponto de justificar sua revisão judicial, limitando-se a argumentar genericamente sobre sua abusividade. Ademais, houve expressa pactuação na cláusula de características da operação, prevendo a cobrança de despesas referentes aos serviços de registro do contrato (R$ 261,00) no contrato formalizado entre as partes. Como visto, não se verifica onerosidade excessiva, uma vez que tais valores correspondem a apenas 2,10% do valor total da operação (R$ 12.395,13). Assim, não há fundamento para a revisão das respectivas cláusulas contratuais, por consequência, a sentença deve ser reformada nesse ponto. Nesse sentido: “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO – CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO – ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – IMPROCEDÊNCIA – TARIFAS DE AVALIAÇÃO DE BEM, REGISTRO DE CONTRATO E CADASTRO – VALIDADE – AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE – PRECEDENTES DO STJ PELO SISTEMA REPETITIVO – TEMA 958 – SEGURO CONTRATADO – VÍCIO DE CONSENTIMENTO OU VENDA CASADA NÃO CONFIGURADA – LEGALIDADE – REPETIÇÃO DE INDÉBITO – DESCABIMENTO – RECURSO DESPROVIDO. Consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial repetitivo – TEMA 958, não há ilegalidade na cobrança em contrato bancário, de tarifa de avaliação do bem dado em garantia fiduciária, tampouco de repasse de despesa com o registro do contrato, (i) desde que não haja abusividade da cobrança por serviço não efetivamente prestado, (...). (TJMT, ApCiv 1000763-74.2023.8.11.0008, r. Marilsen Andrade Addario, Segunda Câmara de Direito Privado, j. 21/08/2024)”. (g.n) Portanto, deve ser mantida a tarifa de registro de contrato, conforme decidido na sentença, uma vez que comprovada a efetiva prestação do serviço, em consonância com o entendimento firmado pelo STJ no julgamento do Tema Repetitivo nº 958. Assim entendo, pois a relativização do princípio pacta sunt servanda, a fim de estabelecer o equilíbrio contratual, só é admitida quando demonstrada a onerosidade excessiva ao consumidor, o que possibilita a revisão de cláusulas pactuadas. Uma vez não verificada a abusividade da conduta da Ré na hipótese, a aludida mitigação do instituto não é cabível. É o entendimento: “PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE LICENÇA DE USO DE SOFTWARE. AÇÃO ANULATÓRIA DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. O contrato deve ser interpretado de forma a prestigiar a livre e soberana manifestação de vontades celebrada entre as partes, prevalecendo a regra do pacta sunt servanda, devendo cada parte arcar com a parcela correspondente a obrigação assumida, sob pena de enriquecimento indevido. Sentença mantida. Recurso desprovido.” (TJSP, ApCiv 1004742-18.2018.8.26.0100, j. 09/05/2019) (g.n) “PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – RESCISÃO CONTRATUAL ANTECIPADA – IMPOSIÇÃO DE MULTA – CABIMENTO – PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA - RECURSO IMPROVIDO. Se livremente negociado e aceito, o contrato faz lei entre as partes, devendo, por isso, prevalecer sob pena de violação ao princípio do pacta sunt servanda. Entendimento contrário só serviria para provocar insegurança aos contratantes, acarretando inegável desequilíbrio à relação jurídica". (TJSP, ApCiv 1082870-86.2017.8.26.0100, j. 09/08/2018) Por corolário lógico, não havendo prática ilícita no contrato firmado entre as partes quanto à tarifa impugnada ou excessividade nos valores cobrados, não há falar em nulidade das cláusulas nele previstas, revisão das tarifas e recálculo das parcelas, tampouco em restituição de valores neste ponto. No que concerne aos pedidos da parte apelada, cumpre esclarecer que, em virtude da manifesta inadequação da via eleita, os pedidos realizados em contrarrazões não comportam conhecimento. Com efeito, as contrarrazões se prestam tão somente a impugnar os fundamentos de eventual recurso interposto, com vistas a defender a manutenção da decisão prolatada. Sendo assim, não constituem via adequada para suscitar pedidos de reforma do decisum. À vista disso, a irresignação da parte apelada com a sentença que condenou a instituição financeira à restituição simples (e não em dobro) dos valores pagos a maior, exigiria a interposição de recurso de apelação. Todavia, o prazo legal para sua apresentação finalizou no dia 03/04/2025, de tal modo que se operou a preclusão das pretensões apresentadas, sobretudo considerando que os pedidos foram realizados em forma diversa da prevista em lei. A fim de corroborar este entendimento, colaciono precedente da colenda Corte Superior: "As contrarrazões são cabíveis apenas para impugnar os fundamentos de eventual recurso interposto, com o intuito de manutenção da decisão exarada, mostrando-se via inadequada para suscitar pedidos de reforma de decisão, consoante os princípios da non reformatio in pejus e do tantum devolutum quantum appellatum. Precedentes." (EDcl no REsp 1.584.898/PE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, p. 10/08/2016). Por fim, visando evitar a oposição de embargos declaratórios, saliento que reputo prequestionados todos os dispositivos legais invocados. Ressalta-se que os pedidos formulados foram examinados com base na legislação pertinente e jurisprudência dominante, sendo desnecessário exame pontual de cada artigo suscitado no recurso. Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso de apelação interposto por Banco Honda S/A. para, reformando a sentença, julgar IMPROCEDENTE a demanda ajuizada por Sandro Nunes de Arruda, devendo a relação jurídica das partes retornar ao status quo ante quanto ao contrato de nº 2277289-2. Por conseguinte, provido o recurso e modificada a sentença, inverto os ônus sucumbenciais, condenando a parte apelada ao pagamento dos honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa, mantida a suspensão da exigibilidade por se tratar de pessoa beneficiária da justiça gratuita (art. 98, §3º, CPC). É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 03/06/2025
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