Processo nº 0006080-88.2014.8.11.0007
ID: 335524599
Tribunal: TJMT
Órgão: Quarta Câmara Criminal
Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO
Nº Processo: 0006080-88.2014.8.11.0007
Data de Disponibilização:
28/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
CLODOMIR DE SOUZA MACEDO
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 0006080-88.2014.8.11.0007 Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Assunto: [Homicídio Qualificado] Relator: Des(a). LIDIO …
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 0006080-88.2014.8.11.0007 Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Assunto: [Homicídio Qualificado] Relator: Des(a). LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO Turma Julgadora: [DES(A). LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO, DES(A). HELIO NISHIYAMA, DES(A). JUVENAL PEREIRA DA SILVA] Parte(s): [DAVID SOUZA DA SILVA - CPF: 002.000.781-78 (RECORRENTE), CLODOMIR DE SOUZA MACEDO - CPF: 395.173.651-87 (ADVOGADO), DURVAL DE SOUZA DA SILVA - CPF: 003.759.131-22 (RECORRENTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (RECORRIDO), LUAN DE OLIVEIRA TEODORO - CPF: 029.648.081-98 (VÍTIMA), JOAQUIM MOURÃO DE OLIVEIRA (ASSISTENTE), REINALDO GOMES DA SILVA - CPF: 384.563.541-04 (ASSISTENTE), NORMA (ASSISTENTE)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). JUVENAL PEREIRA DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. E M E N T A: DIREITO PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO. DECISÃO DE PRONÚNCIA. STANDARD PROBATÓRIO DA FASE INSTRUTÓRIA. INDÍCIOS DE AUTORIA. MATERIALIDADE COMPROVADA. INVIABILIDADE DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. QUALIFICADORAS DO MOTIVO TORPE, MEIO CRUEL E RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA. PRESENÇA DE INDÍCIOS MÍNIMOS. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame: Recurso em Sentido Estrito interposto contra decisão prolatada pelo juízo da 4ª Vara da Comarca de Alta Floresta (MT) que pronunciou os recorrentes como incursos nas penas do artigo 121, § 2º, incisos I, III e IV do Código Penal. A defesa postulou a absolvição sumária, alegando falta de provas e o decote das qualificadoras. II. Questão em discussão: Há duas questões em discussão: (i) apurar se a decisão de pronúncia encontra respaldo em prova da materialidade e indícios suficientes de autoria; (ii) verificar a possibilidade de exclusão das qualificadoras constantes da denúncia. III. Razões de decidir: 1. O juízo de pronúncia exige apenas a presença de prova da materialidade e indícios suficientes de autoria, nos termos do art. 413 do Código de Processo Penal, não se exigindo juízo de certeza quanto à responsabilidade penal do acusado. 2. A negativa de autoria e a versão de que o disparo foi acidental são teses defensivas que não afastam, nesta fase processual, os indícios colhidos durante a instrução, devendo ser submetidas à apreciação do Conselho de Sentença. 3. A materialidade encontra-se comprovada pelo exame necroscópico, bem como pelos relatos das testemunhas, suficientes para autorizar o prosseguimento da ação penal. 4. As qualificadoras do motivo torpe, meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima encontram respaldo em elementos mínimos dos autos e não são manifestamente improcedentes ou descabidas, devendo ser decididas pelo Tribunal do Júri. IV. Dispositivo e Tese: Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. A decisão de pronúncia deve ser mantida quando presentes indícios suficientes de autoria e prova da materialidade do delito. 2. A negativa de autoria e de motivação diversa configuram teses defensivas a serem apreciadas pelo Tribunal do Júri. 3. As qualificadoras somente podem ser afastadas na fase de pronúncia quando manifestamente improcedentes ou descabidas, o que não se verifica quando presentes indícios mínimos de sua ocorrência. Dispositivos relevantes citados: Art. 413 do Código de Processo Penal; art. 121, §2º, incisos II e IV, c/c art. 14, II, do Código Penal. Jurisprudência relevante citada: STJ – RHC 115.443/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, j. em 27/10/2020, DJe 03/11/2020; TJMT – RSE n. 0006080-88.2014.8.11.0007, Rel. Des. Juvenal Pereira da Silva, Primeira Câmara Criminal, j. em 01/07/2024, N.U 1009667-26.2022.8.11.0006, Rel. Des. PAULO DA CUNHA, Primeira Câmara Criminal, j. em 21/05/2024, publicado no DJE 24/05/2024; N.U 1015006-86.2021.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PAULO DA CUNHA, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 21/05/2024, Publicado no DJE 24/05/2024. Enunciado Orientativo n. 02 TCCR/TJMT. RELATÓRIO EXMO. SR. DES. LÍDIO MODESTO DA SILVA FILHO Egrégia Câmara: Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pela defesa de DURVAL DE SOUZA DA SILVA e DAVID SOUZA DA SILVA contra decisão prolatada pelo juízo da 4ª Vara da Comarca de Alta Floresta (MT) que os pronunciou como incursos nas penas do artigo 121, § 2º, incisos I, III e IV do Código Penal (homicídio qualificado pelo motivo torpe, meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima), submetendo-os a julgamento perante o e. Tribunal do Júri (Id. 294694986). Os recorrentes requerem: 1) a impronúncia de DURVAL DE SOUZA DA SILVA por ausência de prova da autoria; e 2) para o réu DAVID SOUZA DA SILVA, o afastamento das qualificadoras do motivo torpe, meio cruel e do recurso que dificultou a defesa da vítima (ID 294694995). Nas contrarrazões o Ministério Público pugnou pelo desprovimento do recurso (Id. 294694997). Em juízo de retratação, o Juízo singular manteve em todos os seus termos a decisão anteriormente proferida, determinando a remessa dos autos e este e. Tribunal (Id. 294694998). Instada a se manifestar, a Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do d. Procurador Almir Tadeu de Arruda Guimarães, opinou pelo desprovimento do recurso (Id. 299081878). É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMO. SR. DES. LÍDIO MODESTO DA SILVA FILHO Egrégia Câmara: Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso interposto e passo à análise do mérito. No caso em testilha, o recorrente sustenta a desclassificação para o delito de lesão corporal, alegando que não se comprovou a existência de animus necandi, pois o disparo de arma de fogo não teria sido direcionado à vítima, não havendo qualquer intenção de atingi-la, sustentando ter ocorrido desistência voluntária, pois os supostos atos de agressão foram cessados de modo voluntário. Subsidiariamente, caso seja mantida a pronúncia, requer sejam afastadas as qualificadoras, reconhecido o bis in idem em relação às qualificadoras. Para melhor compreensão da pretensão recursal, faz-se necessária a transcrição de parte do que consta na denúncia acerca dos fatos: (...) No dia 07 de julho de 2014, por volta de 15h5Omin, na Rua Tiradentes, s/n°, bairro Cidade Bela, nesta cidade e comarca de Alta Floresta/MT, os denunciados DAVID SOUZA DA SILVA e DURVAL DE SOUZA DA SILVA, conscientes e dolosamente, imbuídos de inequívoco "animus necandi", por motivo torpe (vingança), utilizando de meio cruel (diversas facadas) e mediante recurso que dificultou a defesa da vítima (maior número, dissimulação e por trás), mataram a vítima Luan de Oliveira Teodoro. Segundo emerge do incluso caderno investigativo, na ocasião dos fatos, o denunciado DAVID SOUZA DA SILVA em união de desígnios com o denunciado DURVAL DE SOUZA DA SILVA, mataram a vítima Luan de Oliveira Teodoro, em razão da vítima ter acusado o denunciado David de comercializar os terrenos da antiga garagem da "Satélite", ocorrendo o crime dentro deste contexto (vingança). Infere-se que o denunciado DAVID praticou o crime em união de desígnios com seu irmão DURVAL, o qual teria chamado LUAN para conversar dissimuladamente em termos amigáveis. Em certo momento, enquanto DAVID se aproximava por trás, sem que a vítima percebesse. DURVAL segurou a vítima enquanto o denunciado DAVID desferiu os primeiros golpes de arma branca (faca) (recurso que dificultou a defesa da vítima). Ato contínuo, colhe-se, que a vítima conseguiu empreender fuga na tentativa de se livrar das agressões, tendo, inclusive, suplicado para que o denunciado não a matasse. Contudo, demonstrando o intenso ânimo homicida, o denunciado DAVID DE SOUZA DA SILVA perseguiu a vítima por cerca de 100 metros (laudo de fl. 79-IP) e desferiu vários golpes de arma branca em seu desfavor, provocando as lesões que lhe causaram a morte. Extrai-se do caderno informativo que o denunciado desferiu pelo menos 8 (oito) golpes de arma branca contra a vítima, sendo que esta tentou se defender utilizando as mãos, conforme descrição do laudo de fls. 48/49, circunstâncias que causaram intencionalmente sofrimento desnecessário à vítima (meio cruel). Por fim, existem no feito em tela elementos robustos que consubstanciam a materialidade e autoria delitiva, caracterizados pelas declarações das testemunhas de fls. 19/20, 25/26, 36/37, 90/93 e 98/104-IP, boletim de ocorrência de fls. 04/05-IP, confissão dos denunciados de fls. 10/14- IP, laudo pericial em local do crime de fls. 42/80-IP e relatório final da Autoridade Policial de fls. 106/112-IP. (…). Após o regular trâmite processual, o juízo de origem prolatou a sentença pronunciando os recorrentes pelas supostas práticas dos crimes previstos no artigo 121, § 2º, incisos I, III e IV do Código Penal (homicídio qualificado pelo motivo torpe, meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima), submetendo-os a julgamento perante o e. Tribunal do Júri (Id. 294694986). I – Standard probatório: Sabe-se que o processo do júri, utilizado para julgar crimes dolosos contra a vida e seus casos correlatos (conforme o art. 5º, XXXVIII, da Constituição Federal de 1988), consiste em duas etapas distintas. A primeira delas, chamada de judicium accusationis, ocorre diante de um juiz singular e tem como objetivo analisar os fatos apresentados na acusação inicial para determinar se há justificativa para levar o acusado a julgamento pelo Tribunal do Júri. A sentença de pronúncia constitui uma avaliação preliminar da admissibilidade da acusação, levando em consideração a existência de um crime doloso contra a vida, não sendo discutido, nessa fase, o mérito do crime, mas sim se a acusação deve ser aceita ou rejeitada, havendo pronúncia em caso de existência de fundamento para o convencimento acerca da materialidade do fato e presentes indícios suficientes da autoria ou da participação do acusado no crime (art. 413, do CPP). A acusação tem, após o recebimento da denúncia, a oportunidade de fortalecer os indícios colhidos durante a apuração indiciária com ganho de consistência probatória para que ao analisar os autos na primeira etapa do processo, possa o magistrado ter à sua disposição elementos que indiquem de maneira forte que o acusado participou ou seja o autor do crime. Estes indícios, a serem sopesados pelo magistrado que prolata uma decisão de submissão do acusado ao Júri Popular, devem ter um nível de certeza mais elevado que o necessário para o recebimento da denúncia, devendo não ser comprobatório de certeza, mas deve estar próximo desta. Sobre este aspecto ponderou o decano de nosso Tribunal, o Des. Orlando de Almeida Perri, em seu artigo O standard de provas na decisão de pronúncia e as informações do inquérito policial. Basta de juiz-pilatos! (Publicado em Migalhas: https://www.migalhas.com.br/depeso/330397/o-standard-de-provas-na-decisao-de-pronuncia-e-as-informacoes-do-inquerito-policial--basta-de-juiz-pilatos---elenao): Assim, os indícios para a pronúncia devem ser vistos como aqueles que sejam necessários e suficientes para uma condenação, não em nível de certeza plena, mas de uma certeza aproximada. Esta, a mens legis que o juiz deve considerar, pois não se admite que o réu seja levado a júri sem que existam provas que despontem uma probabilidade elevada (não elevadíssima) de ser ele o autor do crime (grifos meus). Nos termos do art. 415, do CPP, o juiz poderá absolver o acusado sumariamente quando: (I) estiver comprovada a inexistência do delito; (II) estiver provado não ser ele autor ou partícipe do fato; (III) o fato não constituir infração penal; e, por fim, (IV) estiver demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime. Com exceção dos casos de inimputabilidade para os quais seja cabível a aplicação de medida de segurança, quaisquer dessas hipóteses absolutórias devem exsurgirincontestáveisnos autos, para que esteja preenchido o standard probatório necessário. Em que pese a divergência jurisprudencial e doutrinária sobre a existência ou não do princípio in dubio pro societate quanto à sentença de pronúncia, torna-se preferível que sejam utilizados os standards probatórios em seu lugar, que advém da previsão legal, e, portanto, menos influenciáveis por questões políticas e ideológicas, além daquelas inescapáveis à própria elaboração da lei pelos legisladores. Com o devido respeito aos entendimentos dissonantes quanto à máxima do in dubio pro societate, pronunciando o réu e o mandando a júri, é a crítica doutrinária: Não há dispositivo constitucional ou legal que sufrague o princípio in dubio pro societate, para permitir a pronúncia de um réu. Nada obstante, o seu uso tem sido reiterado, banalizado, na jurisprudência dos tribunais. Se a dúvida autoriza a pronúncia, o efeito prático será a remessa de muitos a júri, lançando-os à sorte do julgamento popular, constituído de pessoas que, geralmente, não dominam a dogmática das categorias probatórias. A aplicação do cânone de que “na dúvida, a decisão deve ser a favor da sociedade” tem sido objeto de enfática crítica doutrinária. (...). Se o juiz da instrução preliminar verificar que absolveria por insuficiência de provas o réu, caso fosse a sua atribuição julgar singularmente a questão, é porque não deve pronunciar. (...). Sobre o in dubio pro societate, Fauzi Hassan Chukr sublinha que “tal ‘princípio’ não existe fora do seu mero emprego retórico (e este emprego existe à saciedade) e ele nada mais é que o fruto direto das manipulações ideológicas que alteraram as estruturas do Tribunal do Júri e que afastaram o juiz natural do momento de admissibilidade”. A admissibilidade deve ser um funil rigoroso, a fim de controlar a permeabilidade entre a situação de inocente, cuja presunção é assegurada constitucionalmente, àquela de submetido a um julgamento perante leigos. Nesse contexto, André Gracia observa que o cunho da primeira fase do rito do júri consiste em “delimitar a justa causa” para que um réu não seja “levado à sessão do Tribunal do Júri de maneira leviana”, isto é, sem base probatória justificadora de validade de eventual condenação. Nesse sentido, Paulo Thiago dias aponta que a adoção do in dubio pro societate ou do “in dubio contra reum é antidemocrático e, portanto, autoritário, em face do que “o Judiciário se distancia do seu papel contramajoritário” e perde “a posição de guardião último dos direitos fundamentais e parte para uma atuação menos científica e liberal”. Em outros termos, o autor aviva que “a decisão de pronúncia não é somente uma decisão destinada a transferir o acusado (quase como um objeto) para ser julgado perante o júri. A decisão de pronúncia é garantidora: do grau de civilidade da sociedade, da democraticidade, da liberdade, da dignidade, do respeito aos acusados e do devido processo penal legal e convencional. (TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. CURSO DE PROCESSO PENAL E EXECUÇÃO PENAL. 19ª Eed. São Paulo: 2024. p. 739-740) (grifos meus). O STF já havia feito críticas ao in dubio pro societate na fase da pronúncia, fundamentando que a decisão deveria ser baseada em critérios técnicos, lógicos e racionais. Na fase de pronúncia deve-se adotar a teoria racionalista da prova, na qual não deve haver critérios de valoração das provas rigidamente definidos na lei, no entanto, por outro lado, o juízo sobre os fatos deve ser pautado por critérios de lógica e racionalidade, podendo ser controlado em âmbito recursal ordinário. Para a pronúncia, não se exige uma certeza além da dúvida razoável, necessária para a condenação. Contudo, a submissão de um acusado ao julgamento pelo Tribunal do Júri pressupõe a existência de um lastro probatório consistente no sentido da tese acusatória. Ou seja, requer-se um standard probatório um pouco inferior, mas ainda assim dependente de uma preponderância de provas incriminatórias. STF. 2ª Turma. ARE 1067392/CE, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 26/3/2019 (Info 935). Destaco trecho do voto do Ministro Gilmar Mendes que acarretou no informativo 935 do STF: 3. Do standard probatório para a decisão de pronúncia e a incongruência do in dubio pro societate Em seu acórdão, o TJ consignou que “a decisão vergastada trouxe argumentos plausíveis a absolvição dos apelados”, mas também afirmou que “ali se admitiu que havia outros elementos que apontavam para a culpabilidade dos réus”, reconhecendo assim claramente uma situação de dúvida. Entretanto, em lugar de considerar a motivação do juízo de primeiro grau, formada a partir de relatos de testemunhas presenciais ouvidas em juízo os quais afastaram a participação dos pacientes nas agressões, o TJ optou por dar maior valor a depoimento de ouvir-dizer e declarações prestadas na fase investigatória e não reiteradas em juízo com respeito ao contraditório. Ou seja, diante de um estado de dúvida, em que há uma preponderância de provas no sentido da não participação dos acusados nas agressões e alguns elementos incriminatórios de menor força probatória, o Tribunal optou por alterar a decisão de primeiro grau e pronunciar os imputados. Considerando tal narrativa, percebe-se a lógica confusa e equivocada ocasionada pelo suposto “princípio in dubio pro societate”, que, além de não encontrar qualquer amparo constitucional ou legal, acarreta o completo desvirtuamento das premissas racionais de valoração da prova. Além de desenfocar o debate e não apresentar base normativa, o in dubio pro societate desvirtua por completo o sistema bifásico do procedimento do júri brasileiro, esvaziando a função da decisão de pronúncia. Diante, disso, afirma-se na doutrina que: “Ao se delimitar a análise da legitimidade do in dubio pro societate no espaço atual do direito brasileiro não há como sustentá-la por duas razões básicas: a primeira se dá pela absoluta ausência de previsão legal desse brocardo e, ainda, pela ausência de qualquer princípio ou regra orientadora que lhe confira suporte político-jurídico de modo a ensejar a sua aplicação; a segunda razão se dá em face da existência expressa da presunção de inocência no ordenamento constitucional brasileiro, conferindo, por meio de seu aspecto probatório, todo o suporte político-jurídico do in dubio pro reo ao atribuir o ônus da prova à acusação, desonerando o réu dessa incumbência probatória”. (NOGUEIRA, Rafael Fecury. Pronúncia: valoração da prova e limites à motivação. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, 2012. p. 215) Nesse sentido, em crítica à aceitação de um in dubio pro societate, afirma-se que “não se pode admitir que juízes pactuem com acusações infundadas, escondendo-se atrás de um princípio não recepcionado pela Constituição, para, burocraticamente, pronunciar réus, enviando-lhes para o Tribunal do Júri e desconsiderando o imenso risco que representa o julgamento nesse complexo ritual judiciário”. (LOPES JR., Aury. Direito processual penal. Saraiva, 2018. p. 799) Assim, ressalta-se que “com a adoção do in dubio pro societate, o Judiciário se distancia de seu papel de órgão contramajoritário, no contexto democrático e constitucional, perdendo a posição de guardião último dos direitos fundamentais”. (DIAS, Paulo T. F. A decisão de pronúncia baseada no in dubio pro societate. EMais, 2018. p. 202) A questão aqui em debate, em realidade, deve ser resolvida a partir da teoria da prova no processo penal, em uma vertente cognitivista, que acarreta critérios racionais para valoração da prova e standards probatórios a serem atendidos para legitimação da decisão judicial sobre fatos. Sem dúvidas, para a pronúncia, não se exige uma certeza além da dúvida razoável, necessária para a condenação. Contudo, a submissão de um acusado ao julgamento pelo Tribunal do Júri pressupõe a existência de um lastro probatório consistente no sentido da tese acusatória. Ou seja, requer-se um standard probatório um pouco inferior, mas ainda assim dependente de uma preponderância de provas incriminatórias. Conforme o art. 414 do CPP, “não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado”. Nos termos assentados pela doutrina: “Não se exige, pois, que haja certeza de autoria. Bastará a existência de elementos de convicção que permitam ao juiz concluir, com bom grau de probabilidade, que foi o acusado o autor do delito. Isso não se confunde, obviamente, com o in dubio pro societate. Não se trata de uma regra de solução para o caso de dúvida, mas sim de estabelecer requisitos que, do ponto de vista do convencimento judicial, não se identificam com a certeza, mas com a probabilidade. Quando a lei exige para uma medida qualquer que existam ‘indícios de autoria’, não é preciso que haja certeza da autoria, mas é necessário que o juiz esteja convencido de que estes ‘indícios’ estão presentes. Se houver dúvida quanto à existência dos ‘indícios suficientes de autoria’, o juiz deve impronunciar o acusado, como consequência inafastável do in dubio pro reo”. (BADARÓ, Gustavo H. Ônus da prova no processo penal, RT, 2004. p. 390- 391) Na doutrina específica, afirma-se, inclusive, que o standard probatório para a pronúncia deve ser mais elevado do que a “preponderância de provas”: “Vislumbrando-se o espaço existente entre os standards de preponderância da prova e o da prova além da dúvida razoável, i. e., entre a mera probabilidade e a prova plena, respectivamente, vê-se que o critério de probabilidade proposta pelo standard da prova clara e convincente atende ao juízo pretendido com a decisão”. (NOGUEIRA, Rafael Fecury. Pronúncia: valoração da prova e limites à motivação. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, 2012. p. 178) Como visto, neste caso concreto, conforme reconhecido pelo juízo de primeiro grau e também em conformidade com os argumentos aportados pelo Tribunal, há uma preponderância de provas no sentido da não participação dos imputados José Reginaldo e Cleiton nas agressões que ocasionaram o falecimento da vítima. Ainda que se considere os elementos indicados para justificar a pronúncia em segundo grau e se reconheça um estado de dúvida diante de um lastro probatório que contenha elementos incriminatórios e absolutórios, igualmente a impronúncia se impõe. Se houver uma dúvida sobre a preponderância de provas, deve então ser aplicado o in dubio pro reo, imposto nos termos constitucionais (art. 5º, LVII, CF), convencionais (art. 8.2, CADH) e legais (arts. 413 e 414, CPP) no ordenamento brasileiro. Muito embora existam vários outros julgados nesse sentido, ressalto o entendimento firmado no julgamento do REsp 2.091.647/DF, finalizado em 26/09/2023, em que a Sexta Turma do STJ adotou o posicionamento de banir de seu léxico o in dubio pro societate: RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO SIMPLES. DECISÃO DE PRONÚNCIA. IN DUBIO PRO SOCIETATE. NÃO APLICAÇÃO. STANDARD PROBATÓRIO. ELEVADA PROBABILIDADE. NÃO ATINGIMENTO. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA OU PARTICIPAÇÃO. DESPRONÚNCIA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A Constituição Federal determinou ao Tribunal do Júri a competência para julgar os crimes dolosos contra a vida e os delitos a eles conexos, conferindo-lhe a soberania de seus vereditos. Entretanto, a fim de reduzir o erro judiciário (art. 5º, LXXV, CF), seja para absolver, seja para condenar, exige-se uma prévia instrução, sob o crivo do contraditório e com a garantia da ampla defesa, perante o juiz togado, que encerra a primeira etapa do procedimento previsto no Código de Processo Penal, com a finalidade de submeter a julgamento no Tribunal do Júri somente os casos em que se verifiquem a comprovação da materialidade e a existência de indícios suficientes de autoria, nos termos do art. 413, caput e § 1º, do CPP. 2. Assim, tem essa fase inicial do procedimento bifásico do Tribunal do Júri o objetivo de avaliar a suficiência ou não de razões para levar o acusado ao seu juízo natural. O juízo da acusação (judicium accusationis) funciona como um importante filtro pelo qual devem passar somente as acusações fundadas, viáveis, plausíveis e idôneas a serem objeto de decisão pelo juízo da causa (judicium causae). A pronúncia consubstancia, dessa forma, um juízo de admissibilidade da acusação, razão pela qual o Juiz precisa estar "convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação" (art. 413, caput, do CPP). 3. A leitura do referido dispositivo legal permite extrair dois standards probatórios distintos: um para a materialidade, outro para a autoria e a participação. Ao usar a expressão "convencido da materialidade", o legislador impôs, nesse ponto, a certeza de que o fato existiu; já em relação à autoria e à participação, esse convencimento diz respeito apenas à presença de indícios suficientes, não à sua demonstração plena, exame que competirá somente aos jurados. 4. A desnecessidade de prova cabal da autoria para a pronúncia levou parte da doutrina - acolhida durante tempo considerável pela jurisprudência - a defender a existência do in dubio pro societate, princípio que alegadamente se aplicaria a essa fase processual. Todavia, o fato de não se exigir um juízo de certeza quanto à autoria nessa fase não significa legitimar a aplicação da máxima in dubio pro societate - que não tem amparo no ordenamento jurídico brasileiro - e admitir que toda e qualquer dúvida autorize uma pronúncia. Aliás, o próprio nome do suposto princípio parte de premissa equivocada, uma vez que nenhuma sociedade democrática se favorece pela possível condenação duvidosa e injusta de inocentes. 5. O in dubio pro societate, "na verdade, não constitui princípio algum, tratando-se de critério que se mostra compatível com regimes de perfil autocrático que absurdamente preconizam, como acima referido, o primado da ideia de que todos são culpados até prova em contrário (!?!?), em absoluta desconformidade com a presunção de inocência [...]" (Voto do Ministro Celso de Mello no ARE n. 1.067.392/AC, Rel. Ministro Gilmar Mendes, 2ª T., DJe 2/7/2020). Não pode o juiz, na pronúncia, "lavar as mãos" - tal qual Pôncio Pilatos - e invocar o "in dubio pro societate" como escusa para eximir-se de sua responsabilidade de filtrar adequadamente a causa, submetendo ao Tribunal popular acusações não fundadas em indícios sólidos e robustos de autoria delitiva. 6. Não há falar que a negativa de aplicação do in dubio pro societate na pronúncia implicaria violação da soberania dos vereditos ou usurpação da competência dos jurados, a qual só se inaugura na segunda etapa do procedimento bifásico. Trata-se, apenas, de analisar os requisitos para a submissão do acusado ao tribunal popular sob o prisma dos standards probatórios, os quais representam, em breve síntese, "regras que determinam o grau de confirmação que uma hipótese deve ter, a partir das provas, para poder ser considerada provada para os fins de se adotar uma determinada decisão" (FERRER BELTRÁN, Jordi. Prueba sin convicción: estándares de prueba y debido proceso. Madrid: Marcial Pons, 2021, p. 24) ou, nas palavras de Gustavo Badaró, "critérios que estabelecem o grau de confirmação probatória necessário para que o julgador considere um enunciado fático como provado, sendo aceito como verdadeiro" (BADARÓ, Gustavo H. Epistemologia judiciária e prova penal. 2 ed., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023, p. 241). 7. Segundo Ferrer-Beltrán, "o grau de exigência probatória dos distintos standards de prova para distintas fases do procedimento deve seguir uma tendência ascendente" (op. cit., p. 102), isto é, progressiva, pois, como explica Caio Massena, "não seria razoável, a título de exemplo, para o recebimento da denúncia - antes, portanto, da própria instrução probatória, realizada em contraditório - exigir um standard de prova tão alto quanto aquele exigido para a condenação" (MASSENA, Caio Badaró. Prisão preventiva e standards de prova: propostas para o processo penal brasileiro. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, v. 7, n. 3, p. 1.631-1.668, set./dez. 2021). 8. Essa tendência geral ascendente e progressiva decorre, também, de uma importante função política dos standards probatórios, qual seja, a de distribuir os riscos de erro entre as partes (acusação e defesa), erros estes que podem ser tanto falsos positivos (considerar provada uma hipótese falsa, por exemplo: condenação de um inocente) quanto falsos negativos (considerar não provada uma hipótese verdadeira, por exemplo: absolvição de um culpado) (FERRER-BELTRÁN, op. cit., p. 115-137). Deveras, quanto mais embrionária a etapa da persecução penal e menos invasiva, restritiva e severa a medida ou decisão a ser adotada, mais tolerável é o risco de um eventual falso positivo (atingir um inocente) e, portanto, é mais atribuível à defesa suportar o risco desse erro; por outro lado, quanto mais se avança na persecução penal e mais invasiva, restritiva e severa se torna a medida ou decisão a ser adotada, menos tolerável é o risco de atingir um inocente e, portanto, é mais atribuível à acusação suportar o risco desse erro. 9. É preciso, assim, levar em conta a gravidade do erro que pode decorrer de cada tipo de decisão; ser alvo da abertura de uma investigação é menos grave para o indivíduo do que ter uma denúncia recebida contra si, o que, por sua vez, é menos grave do que ser pronunciado e, por fim, do que ser condenado. Como a pronúncia se situa na penúltima etapa (antes apenas da condenação) e se trata de medida consideravelmente danosa para o acusado - que será submetido a julgamento imotivado por jurados leigos -, o standard deve ser razoavelmente elevado e o risco de erro deve ser suportado mais pela acusação do que pela defesa, ainda que não se exija um juízo de total certeza para submeter o réu ao Tribunal do Júri. 10. Deve-se distinguir a dúvida que recai sobre a autoria - a qual, se existentes indícios suficientes contra o acusado, só será dirimida ao final pelos jurados, porque é deles a competência para o derradeiro juízo de fato da causa - da dúvida quanto à própria presença dos indícios suficientes de autoria (metadúvida, dúvida de segundo grau ou de segunda ordem), que deve ser resolvida em favor do réu pelo magistrado na fase de pronúncia. Vale dizer, também na pronúncia - ainda que com contornos em certa medida distintos - tem aplicação o in dubio pro reo, consectário do princípio da presunção de inocência, pedra angular do devido processo legal. 11. Assim, o standard probatório para a decisão de pronúncia, quanto à autoria e a participação, situa-se entre o da simples preponderância de provas incriminatórias sobre as absolutórias (mera probabilidade ou hipótese acusatória mais provável que a defensiva) - típico do recebimento da denúncia - e o da certeza além de qualquer dúvida razoável (BARD ou outro standard que se tenha por equivalente) - necessário somente para a condenação. Exige-se para a pronúncia, portanto, elevada probabilidade de que o réu seja autor ou partícipe do delito a ele imputado. 12. A adoção desse standard desponta como solução possível para conciliar os interesses em disputa dentro das balizas do ordenamento. Resguarda-se, assim, a função primordial de controle prévio da pronúncia sem invadir a competência dos jurados e sem permitir que o réu seja condenado pelo simples fato de a hipótese acusatória ser mais provável do que a sua negativa. 13. Na hipótese dos autos, segundo o policial Eduardo, no dia dos fatos, ele ouviu disparos de arma de fogo e, em seguida, uma moradora do bairro, onde ele também residia, bateu à sua porta e informou que os atiradores estavam em um veículo Siena de cor preta. O policial, então, saiu com um colega de farda para acompanhar e abordar o veículo, o que foi feito. Na ocasião, estavam no carro o recorrente (condutor) e os corréus (passageiros). Em revista, foram encontradas armas de fogo com os corréus e, na delegacia, eles confessaram o crime e confirmaram a versão do recorrente de que ele havia sido apenas solicitado como motorista para levá-los até o local, esperar em uma farmácia por alguns minutos e trazê-los de volta, e não tinha relação com os fatos. Uma testemunha sigilosa e o irmão do recorrente foram ouvidos e afirmaram que ele trabalhava há cerca de cinco anos com transporte de passageiros. 14. Não há nenhum indício robusto de que o recorrente haja participado conscientemente do crime, porque: a) nenhum objeto ilícito foi apreendido com ele; b) nenhum elemento indicativo de que ele conhecesse ou tivesse relação com os corréus nem com a vítima foi apresentado; c) não consta que ele haja tentado empreender fuga dos policiais na condução do veículo quando determinada a sua abordagem d) os corréus negaram conhecer o acusado e afirmaram que ele era apenas motorista; e) as testemunhas de defesa confirmaram que o acusado trabalhava com transporte de passageiros. Ademais, a confirmar a fragilidade dos indícios existentes contra ele, o recorrente - ao contrário dos corréus - foi solto na audiência de custódia e o Ministério Público inicialmente nem sequer ofereceu denúncia em seu desfavor porque entendeu que ainda não tinha elementos suficientes para tanto. Só depois da instrução e da pronúncia dos corréus é que, mesmo sem nenhuma prova nova, decidiu denunciá-lo quando instado pelo Magistrado a se manifestar sobre a situação do acusado. 15. Uma vez que não foi apontada a presença de indícios suficientes de participação do recorrente no delito que pudessem demonstrar, com elevada probabilidade, o seu envolvimento no crime, a despronúncia é medida de rigor. 16. Recurso especial provido para despronunciar o acusado. (REsp n. 2.091.647/DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, j. em 26/09/2023, DJe de 03/10/2023)” (grifos meus). Entendimento que vem alcançando também algumas decisões, até mesmo na Quinta Turma do STJ: PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO TENTADO. PRONÚNCIA. INEXISTÊNCIA, NO CASO CONCRETO, DE INDÍCIOS MÍNIMOS PARA CORROBORAR COM ALTO GRAU DE PROBABILIDADE A HIPÓTESE DA ACUSAÇÃO SOBRE A AUTORIA. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 155, 156, 413 E 414 DO CPP. AGRAVO CONHECIDO PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL, A FIM DE RESTABELECER A DECISÃO DE IMPRONÚNCIA, COM COMUNICAÇÃO DOS FATOS À CORREGEDORIA DA POLÍCIA. 1. Pelo entendimento deste colegiado, vale na etapa da pronúncia o brocardo in dubio pro societate. Em minha visão pessoal, a rigor, o in dubio pro societate não existe. Quando nos referimos a ele como "princípio", o utilizamos na verdade como uma simples metáfora ou um atalho argumentativo, para expressar, em poucas palavras, que a pronúncia tem standards probatórios próprios, não se confundindo com uma sentença condenatória. 2. De todo modo, não proponho alterarmos o entendimento da Turma sobre a aplicação do in dubio pro societate. Apenas registro aqui minha visão particular a seu respeito, alinhada à nova orientação da Sexta Turma firmada no julgamento do REsp 2.091.647/DF, finalizado em 26/9/2023, quando aquele colegiado baniu de seu léxico o in dubio pro societate. 3. Não obstante essa breve ressalva, permanece na fase de pronúncia o ônus da acusação (art. 156 do CPP) de comprovar, com provas produzidas sob o crivo do contraditório (art. 155 do CPP), a hipótese por ela vertida na denúncia, com um nível de corroboração suficiente para aquela etapa processual (art. 413 do CPP). 4. Quanto à materialidade, o art. 413 do CPP exige da pronúncia e da sentença o mesmo nível de segurança, de modo que ambas devem seguir, nesse ponto, o mais alto standard do processo penal. A incerteza quanto à existência do fato em si torna inviável o julgamento popular, como decidiu esta Turma no recente julgamento do AgRg no AgRg no REsp n. 1.991.574/SP, relator Ministro João Batista Moreira, DJe de 8/11/2023, em que recebeu a adesão da maioria do colegiado a fundamentação do voto-vista do Ministro Joel Ilan Paciornik. 5. Em relação à autoria, o que diferencia pronúncia e sentença é o standard probatório exigido para se ter como provada a hipótese acusatória e a profundidade da cognição judicial a ser exercida em cada etapa processual. 6. A pronúncia é uma garantia do réu contra o risco de ocorrência de erros judiciários. Para que o acusado seja pronunciado, então, não basta à hipótese acusatória sobre a autoria ser possível, coerente ou a melhor; além de tudo isso, a pronúncia exige que a imputação esteja fortemente corroborada, com alto grau de probabilidade, por provas claras e convincentes, e que o conjunto probatório seja completo, sem a omissão de provas importantes para a elucidação dos fatos. Suspeitas, boatos e a mera possibilidade de que o réu tenha sido o autor do crime não bastam para a pronúncia. Inteligência dos arts. 155, 156, 413 e 414 do CPP. (...). 11. O Tribunal local não examinou minimamente os dados probatórios técnicos valorados pelo juiz singular, nem explicou o porquê de estar equivocada sua valoração. Na verdade, a Corte estadual apenas invocou genericamente o in dubio pro societate para pronunciar o recorrente, mas não dedicou uma linha sequer à análise das provas periciais, tampouco às contradições entre elas e o testemunho dos policiais. 12. Agravo conhecido e recurso especial provido, a fim de restabelecer a decisão de impronúncia, com determinação de comunicação dos fatos à Corregedoria da PM/SP. (AREsp n. 2.236.994/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, j. em 21/11/2023, DJe de 28/11/2023) (grifos meus). RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRONÚNCIA FUNDADA EXCLUSIVAMENTE EM TESTEMUNHOS INDIRETOS. INAPLICABILIDADE DO IN DUBIO PRO SOCIETATE. NULIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. A Constituição Federal consagra, como consectário da presunção de inocência (art. 5º, LVII) o in dubio pro reo. Há de se reconhecer que o in dubio pro societate não pode ser utilizado para suprir lacunas probatórias, ainda que o standard exigido para a pronúncia seja menos rigoroso do que aquele para a condenação. 2. Se houver uma dúvida sobre a preponderância de provas, deve então ser aplicado o in dubio pro reo, imposto nos termos constitucionais (art. 5º, LVII, CF), convencionais (art. 8.2, CADH) e legais (arts. 413 e 414, CPP) no ordenamento brasileiro. 2. É entendimento desta Corte que "o testemunho de 'ouvir dizer' ou hearsay testimony não é suficiente para fundamentar a pronúncia, não podendo esta, também, encontrar-se baseada exclusivamente em elementos colhidos durante o inquérito policial, nos termos do art. 155 do CPP". Precedentes. 3. O lastro probatório que embasou a pronúncia consiste, exclusivamente, em testemunhos indiretos por ouvir dizer. As instâncias ordinárias fazem notória e exclusiva referência a declarações e testemunhos prestados por pessoas que não presenciaram o fato para embasar a pronúncia do recorrente. A única testemunha direta da dinâmica delituosa, afirmou "ter presenciado a hora que várias pessoas chegaram e arrebataram a vítima, que dentre as pessoas que arrebataram a vítima reconheceu L que inclusive atirou". Ou seja, o recorrente não foi identificado como autor ou partícipe do fato, havendo, sim, o reconhecimento de pessoa diversa. 4. Recurso provido para despronunciar o recorrente. (RHC n. 172.039/CE, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, j. em 02/04/2024, DJe de 23/05/2024) (grifos meus). Veja-se que no TJMT vários são os casos em que se discutiu o tema da sentença de pronúncia sem qualquer menção ao in dubio pro societate, limitando-se tão somente ao standard probatório previsto em lei: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – HOMICÍDIO QUALIFICADO POR RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA (CP, ART. 121, § 2º, IV) – SENTENÇA DE PRONÚNCIA – RECURSO DEFENSIVO – PRETENDIDA A DESPRONÚNCIA – AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA – POSSIBILIDADE – INDÍCIOS DE AUTORIA INSUFICIENTES – VERSÃO DA TESTEMUNHA FRÁGIL E ISOLADA – DÚVIDA RELEVANTE QUE IMPEDE A SUBMISSÃO AO TRIBUNAL DO JÚRI – RECURSO DEFENSIVO PROVIDO. A primeira fase do processo do Tribunal do Júri constitui verdadeiro filtro das teses acusatórias, identificando a plausibilidade das versões apresentadas e com o propósito de evitar a submissão de casos temerários à decisão do Tribunal do Júri. A condição de não se exigir um juízo de certeza quanto à autoria também não significa admitir que qualquer dúvida autorize uma decisão de pronúncia. É impositiva a impronúncia do agente, quando há dúvida sobre o seu envolvimento na prática do crime de homicídio, em estrita observância ao inabalável e inafastável princípio do in dubio pro reo, positivado em nosso ordenamento jurídico e aplicável aos casos de Tribunal do Júri. (N.U 0019529-65.2013.8.11.0002, Rel. Des. PAULO DA CUNHA, Primeira Câmara Criminal, j. em 12/12/2023, Publicado no DJE 18/12/2023) (grifos meus). RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO [MOTIVO FÚTIL E RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA] – PRONÚNCIA – PEDIDO DE DESPRONÚNCIA OU AFASTAMENTO DAS QUALIFICADORAS E ISENÇÃO DAS CUSTAS PROCESSUAIS – DECLARAÇÕES DE TESTEMUNHA PRESENCIAL E POLICIAIS MILITARES – INEXISTÊNCIA DE LAUDO NO LOCAL DO FATO – NÃO APREENSÃO DA ARMA DE FOGO – VÍTIMA NÃO OUVIDA EM JUÍZO – AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE – ENTENDIMENTO DO STJ – LIÇÃO DOUTRINÁRIA – ACÓRDÃO DO TJMT – DESPRONÚNCIA - RECURSO PROVIDO. O juízo de probabilidade inerente a pronúncia não autoriza, em si, o “imenso risco de submeter alguém ao júri quando não houver elementos probatórios suficientes (verossimilhança) de autoria e materialidade” (JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional, Volume II, Lúmen Júris Editora, 2009, Rio de Janeiro, p. 261/262). Exige-se a probabilidade de que o réu seja autor ou partícipe do delito a ele imputado (STJ, REsp nº 2091647/DF). “As atividades cingidas à identificação da materialidade e da autoria do ilícito penal, e à verificação das circunstâncias em que a infração se operou, devem se revestir de todas as formalidades previstas em lei, sob o risco de limitar a garantia a direitos fundamentais, especialmente o de liberdade” (SAAD NETO, Cláudio. O Direito à Prova Pericial no Processo Penal. São Paulo. Thomson Reuters Brasil, 2023. p. 202). “Não se pode [...] submeter todo e qualquer acusado ao julgamento pelo Tribunal Popular do Júri, sem que haja nos autos indícios suficientes de autoria da prática do crime doloso contra a vida, devendo o juiz atuar como um filtro selecionador de julgamentos pelo Júri, só remetendo a este caso com prova séria de autoria e de materialidade [...]” (RSE nº 1003671-70.2019.8.11.0000). Recurso provido para despronunciar o recorrente da tentativa de homicídio qualificado pelo motivo fútil e recurso que dificultou a defesa da vítima (art. 121, § 2º, II e IV, c/c art. 14, II, ambos do CP). (N.U 0002205-05.2018.8.11.0029, Rel. Des. MARCOS MACHADO, Primeira Câmara Criminal, j. em 14/11/2023, Publicado no DJE 17/11/2023) (grifos meus). RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA. PRONÚNCIA. RECURSO DA DEFESA. ALMEJADA DESPRONÚNCIA/DESCLASSIFICAÇÃO. PROCEDÊNCIA. INDICIOS INSUFICIENTES DE AUTORIA. PRONÚNCIA FUNDADA EM PROVAS INQUISITORIAIS E EM TESTEMUNHO INDIRETO. DECISÃO REFORMADA. DESPRONUNCIA DECRETADA. ACERVO PROBATÓRIO ESCASSO. RECURSO PROVIDO EM DISSONÂNCIA COM O PARECER MINISTERIAL. 1. A sentença de pronúncia não pode estar lastreada somente em indícios colhidos exclusivamente no inquérito policial, por expressa vedação legal (art. 155 do CPP) e deve ser reformada para que se despronuncie o recorrente, quando houver nos autos, como in casu, somente uma declaração judicializada de testemunha que por via indireta tomou conhecimento do fato delituoso, e afirma que o narrado na exordial acusatória seria inverídico, acrescentando, ainda, que a vítima se encontrava em estado de nítido efeito de substância entorpecente. 2. A decisão de pronúncia para ser idônea deve ser lastreada em prova direta da existência do crime e de indícios que sejam suficientes para o convencimento de que há plausibilidade na submissão do recorrente a julgamento pelo Tribunal do júri, eis, que se revela temerário submeter a causa a julgadores leigos, sem que se tenha, mediante observância do princípio do contraditório e ampla defesa, obtido provas que sejam suficientes para afastar a possibilidade de ser levado a julgamento acusado sobre quem não se obteve elementos mínimos de convicção de que seja um provável autor do crime sob investigação. (N.U 0000367-18.2000.8.11.0042, Rel. Des. RONDON BASSIL DOWER FILHO, Terceira Câmara Criminal, j. em 16/08/2023, Publicado no DJE 05/09/2023) (grifos meus). Essa discussão de que o princípio da presunção de inocência e sua regra de julgamento in dubio pro reo seria suplantado pelo in dubio pro societate, na sentença de pronúncia pode levar ao equívoco de que o juiz da primeira fase do procedimento especial dos crimes dolosos contra a vida seja mero expectador, que age como Pôncio Pilatos e simplesmente “lave as mãos”, mandando ao crivo do júri popular todo acusado sem distinção, já que nesta primeira fase, havendo sempre a versão do réu e a do Ministério Público, esta deveria prevalecer por estar supostamente representando a sociedade. Afinal, para que então serviria a primeira fase do procedimento especial do júri acaso fosse possível haver pronúncia apenas com elementos probatórios colhidos na fase policial e que na dúvida sempre fosse o acusado pronunciado? Ela seria dispensável e inútil se assim o fosse, melhor que fosse suprimida. A representação da sociedade se dá quando a justiça é feita, condenando aquele que praticou o crime, quando presentes os requisitos para isso, e absolvendo aquele que provado inocente ou quando não houver prova o suficiente para tanto. Encaminhar alguém para ser submetido a julgamento perante o tribunal do júri sem substrato probatório mínimo, ampliando a chance de erro judicial, de injustiças, não parece ser a vontade da sociedade (Se é que ela existe. Quem e como ela foi consultada?). Se um caso sob análise de um magistrado togado fosse por ele julgado e este se deparasse com uma dúvida acerca da autoria, imediatamente iria absolver o réu. Nesta quadra, em se deparando com idêntica situação, porém em um caso de crime doloso contra a vida, não é crível a submissão de alguém para ser analisado por quem desconhece a forma de se apreciar uma prova e de quem não se cobra tal técnica, podendo o réu correr o risco de ser condenado com base em qualquer prova ou em grau manifestamente insuficiente, sobretudo porque o julgamento é guiado pela íntima convicção e consciência dos jurados, sendo que deve ser considerado, ainda, que pode “o júri ser formado por homens com a mesma envergadura moral daqueles que compuseram a multidão que condenou Jesus (Ibid, PERRI, Orlando). Não desconsiderando a importância, a origem e a força que as expressões contêm e carregam consigo, tampouco das consequências da adoção entre uma máxima ou outra, o uso dos standards probatórios soluciona a questão de maneira que me parece mais apropriada e técnica do que ficar atado ao conflito, ao meu sentir infrutífero, entre o uso ou não do in dubio pro societate. Quando falamos sobre os standards probatórios, “padrões mínimos” exigidos pela lei, a pergunta a ser feita é “o que é necessário”, em termos de prova (qualidade e credibilidade) para se prolatar uma decisão judicial? Mas afinal, o que é standard de prova? Podemos definir como os critérios para aferir a suficiência probatória, o “quanto” de prova é necessário para proferir uma decisão, o grau de confirmação da hipótese acusatória. É o preenchimento desse critério de suficiência que legitima a decisão. O standard é preenchido, atingido, quando o grau de confirmação alcança o padrão adotado. É um marco que determina “o grau mínimo de prova” exigido para considerar-se provado um fato. Suzan HAACK acrescenta ainda que standard probatório está relacionado com o “grau de confiança que a sociedade crê que o juiz deveria ter ao decidir”. E prossegue a autora explicando que standards de prova são graus de “aval”, confiabilidade, credibilidade, confiança (sempre subjetivo, portanto). Esses graus de “aval” não são probabilidades matemáticas. (LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 19ª ed. São Paulo: SaraivaJur. 2022. p. 410 - 411). Evidente que isso depende de qual decisão judicial será prolatada. Para se prolatar uma sentença condenatória necessário seria a demonstrar a materialidade e a autoria do crime, isto é, que o conjunto probatório carreado aos autos evidenciasse com segurança que tal pessoa praticou aquele crime. Vale lembrar que no Processo Penal Brasileiro cabe à acusação o ônus de comprovar as acusações feitas, somente assim estaria afastada a presunção de inocência e o princípio in dubio pro reo, previstos na Constituição Federal, bem como a máxima "além da dúvida razoável" prevista na Convenção Americana de Direitos Humanos, para ao final da instrução processual ser possível emitir um juízo condenatório, sendo caso contrário à hipótese de absolvição. Sobre o assunto o professor Aury Lopes Jr, assevera: E quais são os principais padrões probatórios (standard) adotados? Basicamente, a partir da matriz teórica mais bem elaborada, que é anglo-saxã, são estabelecidos os seguintes padrões: (...). Prova além de toda a dúvida razoável (beyond/any resonable doubt – BARD), (...). E no Brasil, existe um standard probatório? Podemos trabalhar com o “além de toda a dúvida razoável”? (...). O in dúbio pro reo é uma manifestação da presunção de inocência enquanto regra probatória e também como regra para o juiz, no sentido de que não só não incumbe ao réu nenhuma carga probatória, mas também no sentido de que para condená-lo é preciso prova robusta e que supere a dúvida razoável. Na dúvida, a absolvição se impõe. E essa opção também é fruto de determinada escolha no tema e da gestão do erro judiciário: na dúvida, preferimos absolver o responsável a condenar um inocente. Portanto, ao consagrar a presunção de inocência e seu subprincípio in dubio pro reo, a Constituição e a Convenção Americana sinalizam a possibilidade de adoção do standard probatório de “além de toda a dúvida razoável”, que somente preenchido autoriza um juízo condenatório (LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 19ª ed. São Paulo: SaraivaJur. 2022. p. 411 - 412). Já para o recebimento da denúncia e decretação de uma prisão preventiva, o standard probatório do BARD pode ser reduzido, bastando, por exemplo, haver justa causa, consistente na demonstração da existência e tipicidade do crime, não haver causa de extinção da punibilidade, ou, em que a inocência da pessoa fosse verificável de plano e sem dúvida, quando ausentes indícios de autoria ou materialidade do delito. E, arremata o processualista penal gaúcho: Compreendido que, para um juízo condenatório, é preciso superar o standard de “além de toda a dúvida razoável”, admite-se um menor nível de exigência probatória para determinadas decisões interlocutórias, que não se confundem com a sentença final. Portanto, perfeitamente sustentável um rebaixamento do standard probatório conforme a fase procedimental. Assim, é razoável e lógico que a exigência probatória seja menor para receber uma acusação ou decretar uma medida cautelar do que o exigido para proferir uma sentença condenatória. É por isso que o CPP fala de indícios razoáveis, indícios suficientes etc. para decisões interlocutórias com menor exigência probatória (rebaixamento de standard) (LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 19ª ed. São Paulo: SaraivaJur. 2022. p. 415). Qual seria o standard probatório necessário para a sentença de pronúncia? Não poderia ser apenas o mesmo exigido para o recebimento da denúncia ou decretação de uma medida cautelar (indícios de autoria e materialidade), pois do contrário a primeira etapa do procedimento especial seria inútil. Portanto, deve ser algo entre o necessário para o início de uma ação penal e o necessário para se prolatar um decreto condenatório. Sendo imprescindível que haja indícios suficientes de autoria e materialidade e que ao menos alguma destas provas tenha sido produzida em contraditório judicial na primeira etapa do procedimento especial. É isso que se extrai do Código de Processo Penal em uma interpretação sistemática, corroborado pela doutrina e jurisprudência abalizadas, conforme já mencionado alhures. Há que se considerar que na fase de pronúncia deve o magistrado, caso tenha certeza de que o acusado não tenha participado ou praticado o crime, absolvê-lo. Pode, ainda, realizar a desclassificação, caso haja elementos para tanto. Na dúvida quanto à autoria, deve o magistrado se ater no princípio in dubio pro reo, pois a presunção de inocência é princípio soberano na Constituição Federal, de maneira que nesta hipótese, caberia a impronúncia do acusado. Neste sentido, Disse Perri, em artigo de sua autoria, citado alhures: Aqui reside o equívoco de parte da doutrina e da jurisprudência em achar que o in dubio pro reo, como corolário do princípio da presunção de inocência, tem seu âmbito de aplicação apenas se for para absolver o réu. Este é o grande equívoco, que leva a um outro maior, totalmente inverso e descabido, que é o propalado in dubio pro societate, que tem sido fonte de incontáveis injustiças. A impronúncia não impõe que o juiz esteja absolutamente seguro de que o réu não foi o autor ou partícipe do crime, o que, de resto, conduziria à absolvição (CPP, art. 415, II). Basta que ressaiam dúvidas ao juiz. E a dúvida que autoriza a impronúncia tem ramificação calibrosa no princípio da presunção de inocência. O in dubio pro reo, como manifestação do princípio da presunção de inocência, vigora em todas as fases do processo penal, inclusive na pronúncia, quando houver dúvidas sobre a existência do crime ou de quem seja seu autor. (...). Se o que a Constituição Federal presume é a inocência, a desconstituição dessa presunção é sempre de quem quer desacreditá-la” (Ibid, PERRI, Orlando). Nos termos do art. 413, caput, do CPP, a sentença de pronúncia será fundamentadamente prolatada pelo juiz quando convencido da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação e prova da materialidade dos fatos. No caso em apreço, a r. sentença de pronúncia realizou um minucioso exame das provas, asseverando: (...) I. DA MATERIALIDADE DELITIVA A materialidade delitiva encontra-se, em tese, demonstrada pelo Boletim de Ocorrência n.º 2014.18298 (id. 68791399 – pág. 44), pelo Laudo Pericial de Necrópsia n.º 510.01.04.2014-0058 (id. 68791399 – págs. 49/51), pelo Laudo Pericial do Local n.º 510.2.06.2016.009268-01 (id. 94181712), bem como pelos depoimentos colhidos em juízo e pelo interrogatório da acusada. II. DOS INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA No que se refere aos indícios de autoria, observa-se a existência de elementos que, em tese, apontam para a participação dos acusados nos fatos, especialmente a partir dos depoimentos prestados em sede judicial pela vítima e pelas testemunhas. Os indícios suficientes de autoria emergem dos depoimentos colhidos nos autos, tanto na fase investigatória quanto em juízo. Em juízo, a testemunha Antônio Soares Brito relatou, em síntese, que, no dia dos fatos, trabalhava em uma obra próxima ao local do crime, conhecido como antiga Satélite. Embora não tenha presenciado o momento exato das agressões, afirmou que sua motocicleta foi utilizada por um dos envolvidos para se deslocar até o local onde a vítima foi morta. Declarou não conhecer pessoalmente os acusados nem a vítima, mas percebeu movimentação estranha quando sua moto foi levada e, posteriormente, abandonada. Segundo afirmou, após os fatos, ouviu de populares que o autor das facadas seria “o rapaz da moto”, sem, contudo, indicar com certeza quem seria essa pessoa. Acrescentou que viu a vítima caída ao chão e que houve divergência quanto à cor do veículo que teria dado apoio à fuga do autor. Não soube precisar o motivo do crime e declarou-se emocionalmente abalado, deixando o local logo após o ocorrido. Sua fala não implicou diretamente o acusado Durval, mas confirmou elementos circunstanciais que, em tese, reforçam a presença de David no local dos fatos. Também ouvida em juízo, a testemunha Michele Santana dos Santos apresentou os fatos da seguinte maneira: MINISTÉRIO PÚBLICO A senhora era convivente do Luan? (1:15) Sim. (1:16) Há quanto tempo vocês estavam juntos? (1:20) Tinha uns 7 ou 8 meses morando na mesma casa. (1:25) O crime ocorreu lá no pátio da Satélite, né? (1:29) Sim. (1:30) Vocês estavam morando lá ou o que estavam fazendo lá? (1:34) Nós estávamos morando. (1:36) A senhora conhecia o David, o Davi, o Durval? (1:41) Sim, conhecia. (1:43) Qual era a relação que eles tinham com o Luan, com a senhora? (1:48) Com o Luan, a gente se conhecia há muitos anos. (1:51) O David viu ele crescer. (1:53) Eu, para mim, no começo, eles eram amigos. (1:57) O David falava que o Luan era o filho mais velho dele. (2:01) O David dizia o quê? (2:04) Que o Luan era o filho mais velho dele. (2:07) Considerava como o filho mais velho dele. (2:09) Isso. (2:11) Como que era essa invasão, esse grilo? (2:14) Explica para a gente conseguir entender. (2:18) Quando eu fui parar lá, eu conheci o Luan, mas a gente não tinha nada ainda. (2:24) Aí fizeram uma inscrição, o David era o chefe. (2:28) Colocou as pessoas que não tinham casa. (2:32) Moravam de aluguel para a gente tentar fazer o loteamento para construir. (2:37) E foi onde eu fui parar. (2:39) Ele era o chefe. (2:40) O chefe do... (2:43) Isso. (2:44) Chefe do quê? (2:45) Lá, da onde invadiu. (2:49) Entendi. Havia um grupo de pessoas e quem liderava esse grupo de pessoas era o David. (2:54) É, ele coordenava. (2:55) Era muita gente lá, Michele? (2:59) Quantos lotes? (3:00) Só que na época quem morava só era eu, o David, o Luan, a Norma e mais um casal que não me recordo. (3:09) Já faz oito anos, né? (3:11) Mas a senhora lembra mais ou menos quantos lotes havia sido dividido lá? (3:16) Olha, no total eu não lembro, mas era bastante. (3:22) Mais ou menos quantos? Só para a gente entender. (3:25) Ah, eu acho que eram mais de vinte. (3:28) Mais de vinte? (3:29) Isso. (3:30) Entendi. Morando efetivamente só essas pessoas que a senhora mencionou. (3:35) Isso. (3:36) Antes desse fato, a senhora soube de alguma intriga, alguma rusga, alguma coisa entre eles? (3:43) Não. Tudo ocorreu lá mesmo. (3:46) Entendi. Conta para nós o que que se deu aquele dia, que a senhora saiba, se recorda, para a gente conseguir entender, por favor. (3:54) O Luan estava trabalhando, chegou volta com as meia-dia em casa, ele chegou e discutiu na porta de casa. (4:03) O Luan chegou na casa da senhora, onde vocês moravam? (4:07) Não, o David. (4:08) Oi? (4:09) O David. (4:11) Ah, o David chegou na casa de vocês. (4:14) Isso. (4:16) O Luan estava trabalhando em casa. (4:19) Não, tinha acabado de desfazer a casa de serviço. (4:21) Entendi. O Luan chegou na casa de vocês e o David chegou lá também, posteriormente. (4:26) Isso. Pouco depois. (4:29) Aí eles discutiram, o David falou que ia tomar o terreno dele, aí ele falou que não, que não aceitava, aí começaram a discutir. (4:37) E por que essa discussão? Qual que era o conteúdo dessa discussão? (4:41) Por causa do dinheiro. (4:44) Tá, mas qual que era a desavença entre eles em relação ao terreno? (4:48) Que o David ia passar o terreno para outra pessoa. (4:51) O David estava vendendo esses terrenos? (4:55) Olha, se estava vendendo, eu não sei o que dizer. (4:58) Para mim, ele não vendeu, sou sincera. (5:01) Para mim, ele não vendeu. (5:03) Então, por que ele queria tirar o Luan de lá? (5:07) Porque quando começou lá, aí depois, na casa que o David deu para mim morar, o Luan ficou lá nos primeiros dias. (5:15) Aí quando a gente começou a se relacionar, nós estávamos na mesma casa, aí ele falou assim que não ia dar, (5:20) eu acho, mas o Luan, porque nós estávamos no mesmo terreno, foi uma coisa assim. (5:26) Durante essa discussão, o David estava sozinho, discutindo com o Luan, ou tinha mais alguém? (5:31) Não, estava só o David, eu e as crianças. (5:36) Durante a discussão. (5:38) Entendi. (5:39) E essa discussão foi só verbal? (5:41) Chegou a ter algum empurra-empurra, alguma troca de soco, alguma coisa? (5:46) Não, troca de soco não. (5:47) Não foi verbal, aí o Luan pegou uns tesouros, tinha uma pilha de tesouros na construção, foi para cima dele. (5:54) Aí eu peguei, segurei ele, mandei parar e o David foi embora. (5:59) Entendi. (6:00) Quanto tempo depois que teve as facadas? (6:05) Será por volta de meio dia, aí ele voltou, eram umas três horas, três e pouquinho. (6:11) Entendi. (6:12) Nesse meio tempo, o que o Luan fez, conversou com a senhora, estava preocupado? (6:18) Não, eu falei para ele que a pessoa não se discutia com o homem, que não terminaria bem. (6:26) Ele chamou para a casa do pai dele, nós que estávamos indo, chegou o meu tio. (6:31) Aí depois chegou o amigo, começou o jogo da Copa, ele mandou o menino buscar uma Coca, (6:37) e ele ficou esperando a Coca chegar, foi na hora que o irmão do David chegou e chamou o Luan. (6:43) Entendi. (6:48) Nessa primeira discussão que teve por volta do meio dia, entre o David e o Luan, (6:55) só escutou ameaça entre um e outro? (6:59) Foi só discussão mesmo. (7:02) O David não ameaçou o Luan. (7:04) Nós chamamos ele de moleque, essas coisas, mas falavam que ia se matar, não. (7:09) Entendi. (7:10) Depois, quando voltaram, foi o Durval que voltou? (7:16) O Tuca? (7:16) Tuca. (7:18) Isso, às três da tarde. (7:21) Isso. (7:22) Ele voltou primeiro. (7:25) Ah, o Tuca chegou primeiro, o Durval. (7:28) Chegou, chamou o Luan, estava dentro do carro dele. (7:32) Aí ele chamou o Luan, o Luan foi conversar com ele, na hora que eu saí para fora, (7:36) eu chamei o Luan, ele estava discussado no carro do Tuca, só me chamou, (7:41) só deu a mão para trás assim, (7:43) espera aí, Dida, que eu já vou. (7:45) Aí eu vi uma moto vindo, mas o David não tinha moto. (7:50) Ele já chegou, já desferindo as facadas nas costas do Luan, (7:54) na porta do carro do Tuca. (7:56) O Luan estava conversando com o Tuca, debruçado na porta do carro do Tuca? (8:01) Isso. (8:02) O Tuca estava dentro do carro? (8:04) Estava dentro do carro. (8:05) Não chegou a desembarcar? (8:07) Não, no momento é o Luan. (8:11) E o Luan, quando saiu ali para conversar com o Tuca, estava tranquilo, (8:14) estava nervoso, preocupado com alguma coisa? (8:17) Estava tranquilo, eu estava dentro de casa, eu só escutei a porta do carro bater. (8:22) No momento que o David chegou e deu as facadas, a senhora viu já no início (8:27) ou só depois, quando começou a ter barulho, gritaria alguma coisa? (8:30) Não, só estava lá fora, foi lá que eu chamei. (8:33) Aí eu vi a moto vindo, mas não vi o que era isso. (8:36) Ele não tinha moto. (8:38) A senhora não percebeu que era o David vindo? (8:39) Não, no momento eu não. (8:42) A senhora notou se o Luan percebeu que era o David vindo? (8:46) Não, por causa que ele estava de costas, estava debruçado no carro, conversando com o Tuca. (8:53) Quando o David chegou e deu a primeira facada, o Luan ainda estava de costas? (8:58) Estava de costas. (9:00) Então ele nem viu a primeira facada? (9:02) Não. (9:04) E quantas facadas ele deu ali naquele momento, naquele local? (9:09) Naquele local foram seis. (9:12) E depois? (9:14) Aí depois o Luan saiu correndo... (9:17) e andou um pouco, aí ele tentou entrar na casa da outra mulher, (9:21) na hora que ele foi entrar ele tinha problema nos joelhos, escorregou no chinelo, (9:25) e o Tuca parou o carro, o David desceu e deu uma em cima do coração. (9:29) Já caído no chão. (9:31) Entendi. Então nessa perseguição ao Luan, foram os dois de carro? (9:36) Foi, os dois. (9:38) O David deu as primeiras facadas, as seis facadas, (9:42) o Luan conseguiu se desvencilhar e saiu correndo, (9:45) o David entrou no carro e saiu ele e o Tuca atrás do Luan. (9:51) Isso. (9:51) E lá na frente alcançaram... (9:53) Foi atrás, era o caminho de ir, o Luan foi para o caminho de sair da satélite e eles foram atrás. (9:58) Na hora que ele viu o Luan entrando, o Luan caiu, ele desceu e deu outra facada em cima do coração, (10:03) que foi a que matou ele na hora. (10:05) Entendi, a senhora chegou a visualizar essa segunda facada ou ficou só sabendo? (10:10) Não, eu corri atrás, o Luan morreu no meu colo. (10:13) A senhora correu atrás do Luan e do pessoal. (10:18) Quando o carro para e o David desce, a senhora viu essa cena então? (10:23) Sim. (10:25) A dona da casa tinha saído naquele dia que tinha ganhado a nenê e ela estava em estado de choque. (10:32) Nesse segundo momento, nessa facada no coração, a senhora viu se foi só uma ou foi mais de uma facada? (10:39) Ele estava de frente, então só foi uma. (10:42) Tinha outra na barriga, mas eu não sei se foi na hora. (10:45) Eu sei que a do coração foi. (10:47) Mas se teve mais facadas nesse segundo momento, a senhora não sabe dizer? (10:51) Não, só a do coração que eu vi. (10:54) E o que o Luan dizia? (10:56) Você não escutou ele falar alguma coisa, pedir piedade, algum sentido? (11:00) A única coisa que ele falou para mim é que ele estava deitado no meu colo, segurando a minha mão. (11:05) Vida, não deixa eu morrer. Só isso e já morreu. (11:08) Foi 3h42 da tarde que eu liguei para meu irmão. (11:13) Mas durante as facadas ele falava alguma coisa para o David? (11:17) Na hora, na hora assim, na facada. (11:21) Ele estava assim, meu filho na época tinha 5 anos e ele estava na hora de bicicleta.(11:26) Eu peguei meu filho e fui jogar para dentro. (11:28) Acho que instinto de mãe. (11:31) E eu fiquei cega. (11:34) O meu tio que está na hora fala que eu fui até uma capacetada no David, o que eu não lebro. (11:41) Eu não lembro. (11:42) Quando a senhora foi ouvir na delegacia, Michelle, (11:45) eu estou perguntando porque a senhora relatou, você não lembra, não tem problema. (11:49) A senhora teria relatado para o delegado o seguinte, (11:52) que o Luan, que estava no momento, ergueu as mãos e disse, (11:56) pelo amor de Deus, cara, não me mate. (11:58) E daí deu mais dois golpes de faca. (12:02) A senhora lembra dessa cena? (12:04) Foi, ele gritou. (12:06) Isso foi no primeiro local das facadas ou lá no segundo local? (12:10) No segundo. (12:13) Muita gente viu ali ou tinha pouca gente? (12:16) Tinha o Davi. (12:19) Ele até faleceu. (12:22) Tinha o Abel. (12:24) E tinha outro menino que trabalhava no frigorífico. (12:27) E da segunda vez, na hora que ele caiu, (12:30) ele tirou outra facada. (12:31) Tinha a Norma e o filho dela. (12:34) Foi na frente da casa dela. (12:38) Esse Davi, o Bel ou o Gessé, (12:42) algum deles entrou no meio da confusão? (12:44) Não. (12:46) A senhora viu se algum deles estava armado, (12:49) tinha faca, revólver, espigada? (12:52) Não, o Davi entrou, (12:54) tinha uma construção e pegou uma enxada (12:59) para ir para cima deles. (13:01) E o Tuca pediu para ninguém entrar. (13:04) Entendi. (13:05) Então o Davi tentou entrar com uma enxada no meio das facadas ali. (13:10) Isso. (13:11) E o Tuca falou que não era para entrar. (13:14) Isso. (13:15) Isso foi no primeiro momento ou no segundo momento? (13:18) No primeiro. (13:20) A senhora viu alguém com espigada ali? (13:24) Não. (13:25) Não vi. Tem uma situação que diz que o Abel estava com espigada, eu não vi. (13:33) Entendi. (13:33) A senhora disse que lá na primeira discussão, (13:36) por volta do meio-dia, (13:37) o Luan chegou a pegar um tijolo (13:40) para tentar arremessar no David. (13:43) Lá pelas três da tarde, (13:45) quando aconteceu a facada, (13:47) a senhora viu se o Luan tinha alguma coisa nas mãos? (13:49) Tinha alguma arma? (13:50) Tinha como se defender? (13:52) Nada, nada, nada. (13:55) E dessas pessoas, os amigos ali, (13:57) o Bel, o Jessé, o Davi, (14:00) alguém tinha alguma coisa para se defender (14:02) além dessa enxada que a senhora mencionou que o Davi pegou? (14:05) Se o Bel tinha, eu não sei, (14:07) porque ele morava dentro de um ônibus. (14:09) Mas eu não vi. (14:09) Mas o Davi, a única coisa que ele tentou pegar foi a enxada. (14:13) Essa espigada, (14:14) a senhora falou que alguém comentou de espigada? (14:17) Você falou de arma. (14:18) Na época, falaram que o Bel tinha pegado espigada, (14:21) eu não vi. (14:22) Eu fiquei muito cega na hora, (14:25) meus filhos tudo vendo, (14:27) tudo gritando. (14:28) Nesse contexto das facadas, (14:30) de onde começou até lá no final, (14:32) a senhora não viu o Bel com espigada? (14:36) Não, não vi. (14:38) E se pegou depois? (14:39) A espigada antes, a senhora também não viu. (14:41) Não, depois não pegou. (14:42) Se foi, foi ali naquele momento, assim, (14:45) das primeiras facadas no carro. (14:47) Depois não foi. (14:48) Porque eu fiquei gritando para ele chamar o bombeiro, (14:51) ficou todo mundo traumatizado, (14:54) e meus filhos gritando, (14:56) pedindo para mim não deixar o Luan morrer. (15:01) A senhora percebeu o que o Tuca queria conversar com o Luan, (15:06) quando ele chamou ele? (15:07) Quando eu saí, a única coisa que eu ouvi o Tuca falando, (15:10) falando assim, (15:11) você e o David, nós crescemos todos juntos, (15:14) você tem que parar com essa desavença, (15:16) só foi isso que eu ouvi. (15:17) Aí o Devid já chegou, (15:19) porque quando eu saí lá fora do carro, (15:21) eles já estavam conversando, (15:23) a única coisa que eu ouvi do Tuca foi isso, (15:25) somente isso. (15:26) Mas ele falou num tom tranquilo, (15:30) de conciliação, (15:31) ou estava brigando com o Luan? (15:32) Olha, eu não parei de conversar com ele, (15:34) mas ele não estava tão apertado, não. (15:38) Entendi. O Luan tinha sido preso (15:42) Tinha. (15:43) Antes de eu conhecê-lo, sim. (15:45) E tinha problema com o quê? (15:49) Ele foi preso por tráfico. (15:53) Entendi. (15:53) A senhora sabe se o David ou o Durval (15:55) chegou a ser preso também? (15:59) Olha, o David, o que eu saiba, (16:01) eles já tinham matado um rapaz, (16:03) e o Tuca também um, né? (16:06) Pelo que eu sei, na cidade. (16:08) Fazia tempo que o Luan tinha sido preso (16:11) ou tinha sido recente? (16:14) Não, fazia mais de ano já. (16:17) Tinha alguma discussão entre eles (16:18) sobre essa prisão, (16:20) de um ameaçar o outro, (16:21) ou dizer que o outro tinha anunciado, (16:23) alguma coisa assim? (16:25) O David discutiu um dia com ele, (16:27) e antes. (16:29) O quê que era? (16:31) Ah, discutiram, não estava perto, (16:34) ele tinha uma, (16:36) como que fala aquelas armas, (16:38) 22? (16:40) Ah, revólver. (16:42) Que atira de, (16:45) não para matar de uma vez, (16:46) atira aquelas, não sei falar. (16:48) Aham. (16:49) Há um aí, na época começou a discussão, (16:52) que diz que foi o David que denunciou a arma dele. (16:55) Essa arma? (16:56) Essa arma era do Luan. (16:59) Era. (17:00) Daí teve uma discussão entre o Luan e o David, (17:03) e o Luan acusava o David (17:04) de ter denunciado a existência da arma? (17:07) Isso. (17:09) E ele perdeu essa arma? (17:10) Perdeu. (17:11) O Ivo levou, (17:13) aí ele foi detido, (17:15) aí eu fui lá. (17:17) Isso, quando isso aconteceu, (17:19) já tinha essa invasão, (17:20) vocês já moravam lá, (17:21) ou foi em outro contexto? (17:23) Já, já morava, já tinha, (17:25) acho que foi uns, (17:28) da arma acho que foi uns três meses antes. (17:31) Uns três meses antes. (17:33) Isso. (17:34) Além dessa discussão, (17:39) ali tinha alguma outra encrenca entre eles? (17:44) Não que eu saiba, (17:45) só isso mesmo. (17:48) Você sabe se o Luan tinha ameaçado (17:50) o Davi, o Durval, (17:52) o David, né, o Durval, (17:54) de fazer alguma coisa com ele, (17:57) com eles, (17:57) por terem denunciado a arma dele, (17:59) alguma coisa nesse sentido? (18:01) Não. (18:03) Você sabe que teve uma discussão, (18:05) mas ameaças você não sabe? (18:07) Não. (18:09) A motivação do crime, (18:10) o que você sabe sobre isso? (18:12) Por que que o Davi e o Durval (18:14) resolveram matar o Luan? (18:18) Sinceramente, (18:18) eu não entendo porque o Davi (18:20) matou o Luan daquela forma. (18:24) Fora essa discussão anterior, (18:26) envolvendo a arma, (18:27) você não sabe de mais nada? (18:29) Não. (18:30) O Davi todo dia conversava com o Luan, (18:33) antes disso. (18:34) O Luan comprava as coisas para o filho do Davi, (18:39) ele sabe disso. (18:41) Só se ele mentiu. (18:43) Ele sabe disso aí, (18:44) ele matou o Luan numa covardia. (18:48) Numa covardia, (18:49) não precisava daquilo que ele fez. (18:51) Uma pessoa que ele batia no ombro, (18:54) falava que era o filho mais zero dele, (18:56) aí depois fazia aquela crueldade que ele fez. (19:00) Entendi. (19:01) O Luan tinha filhos? (19:03) Não. (19:04) Não tinha. (19:06) Mãe, pai? (19:09) O pai dele sim, (19:09) morava aqui na floresta, (19:11) mãe dele em Curitiba. (19:13) [...] DEFENSORIA PÚBLICA [...] (19:37) Michele, (19:40) tu falou na delegacia que (19:42) depois que o Luan (19:44) te conheceu, (19:45) ele virou uma pessoa pacífica (19:47) e que não teria se envolvido em mais nada. (19:51) Por que ele andava armado? (19:55) Quando ele... (19:56) Ele só tinha essa arma mesmo, (19:59) que era dele. (19:59) Eu nem gostava por causa das minhas crianças. (20:03) Ele mudou. (20:04) Por causa que ele já tinha sido... (20:06) Quantas armas ele tinha? (20:09) Oi? (20:10) Quantas armas ele tinha? (20:12) Quando eu casei com ele, (20:14) ele tinha... (20:15) Quando eu comecei a se envolver com ele, (20:16) ele tinha uma... (20:18) Essa arma que eu falei, (20:19) ele tinha um .38. (20:21) Se for pra mim ficar com você, (20:23) eu não quero se perder de casa. (20:24) Eu tinha um auxílio, (20:25) criança é danada, ele desfez. (20:27) Vendeu pra lá. (20:28) Só ficou essa mesmo, (20:29) que era de tirinho lá. (20:32) Porque a informação que tem aqui (20:34) dos processos que aconteceram (20:35) em junho de 2014 (20:44) é que ele tinha um revolver taurus (20:44) e um rifle winchester, e um rifle de pressão (20:47) além de várias munições. (20:50) Não. (20:51) Era normal ele andar armado? (20:54) Ele não andava armado. (20:56) Na minha época, não. (20:58) Mas em junho de 2014, (21:00) vocês estavam juntos? (21:02) Estávamos, mas ele não andava armado. (21:09) Além disso, (21:11) nessa época que ele foi... (21:14) morto, né? (21:17) Especificamente em junho de 2014, (21:19) um pouco antes dos fatos, né? (21:21) Ele estava comercializando (21:23) algum tipo de entorpecente? (21:25) Não, estava trabalhando no regional, (21:27) de pintura. (21:29) Ele usava algum tipo de entorpecente? (21:33) Usava. (21:34) O que ele usava? (21:36) Maconha. (21:43) A senhora sabe onde é que ele guardava (21:44) essas armas que ele tinha? (21:47) Oi? (21:48) A senhora sabe onde é que ele guardava (21:49) essas armas que ele tinha (21:50) até ele ser preso com elas? (21:56) Não. (22:09) No dia dos fatos, (22:10) quanto tempo depois (22:12) do falecimento do Luan, (22:14) o David e o Durval foram presos? (22:19) Eles não foram presos. (22:20) Eles mataram o Luan na sexta, (22:22) na quinta, ele se apresentou. (22:25) Entendi. (22:25) Eles não foram presos na hora? (22:28) Eles foragiram. (22:32) A senhora sabe se o David andava armado? (22:37) Não, nunca vi. (22:38) A senhora narrou aqui, (22:45) algo que está no processo também, (22:47) que a relação dos dois (22:49) era uma relação que inicialmente era boa (22:51) e depois eles começaram a ter, (22:54) a brigar, né? (22:55) Sim. (22:56) A senhora sabe especificar mais ou menos (22:58) quanto tempo antes do Luan falecer (23:00) essas brigas começaram? (23:02) Acho que uns três meses. (23:08) E há quanto tempo, (23:11) também, (23:12) contando retroativamente (23:14) da data da morte do Luan, (23:17) vocês estavam nessa função (23:18) desse, vamos dizer assim, (23:20) loteamento do satélite? (23:22) Quanto tempo fazia que já estavam (23:24) envolvidos nisso? (23:27) Ai, deixa eu ver certinho. (23:31) Mais ou menos, (23:32) não precisa ser uma coisa muito exata, (23:33) pode ser... (23:35) Ele morreu em julho, (23:36) acho que foi uns quatro meses, (23:43) aproximadamente, um pouquinho mais, (23:45) não lembro direito, (23:46) foi algo mais ou menos (23:49) no início do ano, então. (23:53) Isso. E vocês foram os primeiros a se mudar, (23:55) os primeiros a ir para esse local? (23:58) Sim. (24:00) E aí, daí, (24:02) vocês começaram a, (24:03) começou a ter um povoamento, (24:06) vamos dizer assim, isso? (24:06) Isso. (24:09) Hoje a senhora não mora mais nesse local? (24:12) Oi? (24:13) Hoje a senhora não mora mais (24:15) nesse local? (24:17) Não, depois que aconteceu isso aí, (24:19) eles tiraram todo mundo. (24:22) Entendi. (24:23) Eles tiraram todo mundo do local. [...] JUÍZO (24:35) Michele, quando a senhora diz (24:36) eles tiraram todo mundo do local, (24:38) quem seriam eles? (24:41) Por favor, não entendi. (24:44) A senhora acabou de responder (24:45) ao defensor, (24:47) disse que logo depois desse acontecimento, (24:49) eles tiraram todo mundo do local. (24:52) Esse eles seriam quem? (24:55) Ou os proprietários do terreno? (24:58) Eu, a Norma, (25:01) o David, (25:02) que mora na casa dele, (25:03) que ele morava lá também, (25:05) desocupou, fizeram a desocupação (25:07) para todo mundo que tinha lote (25:09) ou que morava lá, saiu. (25:11) Na tragédia que aconteceu. (25:16) Mas quem que fez todo mundo sair, (25:17) foi o David? (25:19) Não, foi a justiça mesmo, (25:22) que deu a ordem de despejo para todo mundo. (25:26) Foi a justiça mesmo, entendi. (25:28) MINISTÉRIO PÚBLICO Sabe me dizer (25:41) se havia alguma rusga (25:43) entre o Luan (25:44) e o David, o Durval, (25:47) no sentido do Luan (25:49) acusar os dois de estar vendendo (25:50) os terrenos lá do grilo? (25:53) Sim, também. (25:55) Tinha isso? (25:57) Tinha. (25:57) A senhora disse que para a senhora (25:59) não foi vendido, né? (26:01) Não, para mim não. (26:02) A senhora sabe se foi vendido (26:05) para mais alguém lá (26:06) ou teve notícia disso? (26:09) Se estavam comercializando mesmo? (26:11) Assim, prova eu não tenho, (26:13) mas correu boato (26:14) que sim ele tinha vendido alguns, (26:16) mas para mim não foi. (26:18) Mas só ali o boato mesmo. [...] Em depoimento judicial, o Policial Militar Manuel Joacir de Campos relatou ter sido acionado pelo 190 para atender uma ocorrência de homicídio no dia 07/07/2014, no bairro Cidade Bela. Ao chegar ao local, encontrou a vítima, Luan de Oliveira Teodoro, já falecida por golpes de arma branca no peito. Segundo informações prestadas pela esposa da vítima e testemunhas, os acusados, David Sousa da Silva (vulgo "Bibi") e Durval de Sousa da Silva (vulgo "Tuca"), teriam chegado ao local em uma motocicleta, iniciando uma discussão motivada pela venda indevida de terrenos, momento em que David teria atacado a vítima, inicialmente ferindo-a na perna e, após perseguição, aplicando golpes fatais no peito. Em seguida, David teria fugido utilizando uma motocicleta que estava estacionada no local. A testemunha confirmou ter ouvido relatos semelhantes de outras testemunhas presentes, destacando que os acusados eram conhecidos na comunidade, porém afirmou não ter realizado detenções anteriores envolvendo os envolvidos, nem possuía informações sobre eventual fuga posterior com auxílio de Durval. O Policial Militar Walice Cebalho da Silva, em juízo, afirmou ter atendido a ocorrência do homicídio de Luan de Oliveira Teodoro, ocorrido 07/07/2014, motivado por uma discussão sobre a venda indevida de terrenos na antiga garagem da empresa Satélite. Walice relatou que foi informado pela convivente da vítima e outra testemunha de que o acusado, David de Souza da Silva ("Bibi"), teria desferido diversos golpes de faca contra a vítima após uma discussão sobre a comercialização irregular desses terrenos, os quais deveriam ser doados e não vendidos. Embora não tenha recordado detalhes específicos sobre eventual perseguição da vítima, Walice confirmou a motivação relatada para o crime, associada diretamente ao conflito pela venda dos lotes. A testemunha, Elisabeth Aparecida Alves, em juízo, afirmou conhecer superficialmente os envolvidos David ("Bibi"), Durval ("Tuca") e a vítima, Luan, devido à ocupação irregular de terrenos na antiga garagem da Satélite, onde ela e seu esposo estavam construindo uma casa. Ela não estava presente no momento do crime e ficou sabendo dos fatos somente mais tarde naquele dia, por comentários dos moradores locais. Elisabeth relatou que ouviu dizer que David teria matado Luan com golpes de faca, mas não sabia da participação de Durval. Ela também negou que David estivesse vendendo terrenos, destacando que ele atuava como uma espécie de líder comunitário que ajudava as famílias da ocupação. Elisabeth mencionou ainda que havia rumores sobre o envolvimento de Luan com drogas, embora não tivesse conhecimento detalhado sobre seu histórico criminal. O Investigador de Polícia Ilvio Paulo Balsan confirmou conhecer os acusados David e Durval, bem como a vítima Luan, esclarecendo que participou diretamente de uma prisão anterior de Luan por posse de arma e possível receptação de objetos furtados, ressaltando que ele já era conhecido no meio policial em Alta Floresta. Afirmou não ter conhecimento sobre o incêndio da casa de David, nem se havia conflito direto entre eles anteriormente. Destacou não se lembrar se David ou Durval residiam no mesmo local que Luan, nem se estes haviam denunciado Luan à polícia. Ressaltou que não participou diretamente da investigação do homicídio de Luan e que tinha apenas informações superficiais sobre o ocorrido. Silvana Barbosa Marcelino, ouvida em juízo como informante por ser esposa do réu David, relatou que seu marido, David, foi acusado por Luan, vizinho próximo, de tê-lo denunciado à polícia após uma prisão por porte de drogas e armas. A partir disso, iniciaram-se ameaças frequentes, inclusive contra seus filhos pequenos. Silvana presenciou diretamente ameaças feitas por Luan, afirmando que mataria David e até mesmo seus filhos. No dia dos fatos, Silvana viu David e Luan discutindo em meio a um grupo onde Luan incentivava terceiros a pegar uma arma, a qual aparentemente falhou. Preocupada, ela retirou os filhos do local e avisou o cunhado para que fosse ajudar David. Posteriormente, soube que David feriu Luan com uma faca encontrada no local durante a briga. Negou que o conflito tivesse relação com supostas vendas ilegais de terrenos por David. Silvana afirmou que Luan já era conhecido pela prática de tráfico e que ele havia invadido uma propriedade. Após o episódio, sua casa foi incendiada por terceiros, perdendo todos os seus bens. Em juízo, ambos os réus exerceram o direito constitucional de permanecer em silêncio durante o interrogatório. Diante das provas constantes nos autos, especialmente no que se refere à materialidade do fato e aos indícios de autoria, entende-se preenchidos os requisitos legais para o prosseguimento da ação penal, nos termos do art. 413 do Código de Processo Penal. Nesta fase processual, exige-se apenas a presença de prova da materialidade e de indícios suficientes de autoria, sendo incabível qualquer juízo aprofundado sobre justificativas ou circunstâncias excludentes, as quais competem à apreciação do Tribunal Popular. Assim, os pleitos defensivos não comportam acolhimento neste momento processual, uma vez que se encontram presentes os pressupostos legais para a pronúncia, cabendo ao Tribunal do Júri o julgamento do mérito da imputação. Portanto, considerando o juízo de admissibilidade, com a presença de prova da materialidade e indícios suficientes de autoria, impõe-se a submissão dos acusados a julgamento pelo Tribunal do Júri. III. DA IMPOSSIBILIDADE DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA (ART. 415 DO CPP) A Defesa pugnou pela absolvição sumária de Durval de Souza da Silva, ao argumento de ausência de indícios mínimos de sua participação na empreitada criminosa, requerendo, assim, o reconhecimento da hipótese do art. 415, inciso I, do Código de Processo Penal. Com efeito, consoante a farta prova colhida nos autos, especialmente os depoimentos judiciais da testemunha Michele Santana dos Santos, que presenciou parte significativa da dinâmica do crime, verifica-se a presença de indícios suficientes da participação de Durval, ainda que em atuação de menor evidência física, o que, nesta fase processual, não autoriza o afastamento da imputação. Depreende-se do conjunto probatório que o réu Durval, ao chamar a vítima para uma conversa em tom conciliador, possibilitou o ataque inesperado pelas costas perpetrado por David, criando um cenário de falsa tranquilidade que visou desmobilizar qualquer reação defensiva por parte da vítima. Esse comportamento revela, em tese, o concurso de pessoas, e a eventual menor participação não é hipótese de absolvição sumária, mas sim matéria de valoração pelo Conselho de Sentença. Ressalte-se que a absolvição sumária, conforme o art. 415 do CPP, constitui medida excepcional e de juízo de mérito, só admissível quando a prova for clara, inequívoca e cabal a justificar a exclusão da punibilidade ou da autoria, o que não se verifica nos autos. Neste caso, os indícios da participação de Durval são plausíveis, consistentes e convergentes, ainda que controvertidos, o que recomenda a submissão da causa ao Tribunal do Júri, a quem compete a análise aprofundada dos fatos e das teses defensivas. Assim, AFASTO a hipótese de absolvição sumária, uma vez que não se encontram presentes quaisquer das situações previstas no art. 415 do Código de Processo Penal. IV. DAS QUALIFICADORAS a) Motivo Torpe (art. 121, § 2º, inciso I do CP) No que se refere ao motivo torpe tipificada no art. 121, § 2º, inciso I do CP, deve ser mantida, por ora, eis que, a razão do crime deu-se, em tese, pelo fato de a vítima ter acusado o réu David pela comercialização ilegal dos terrenos pertencentes à antiga garagem da empresa Satélite, os quais, supostamente, deveriam ser objetos de doação, indicando-se, portanto, o crime como ato de vingança, o qual deverá ser esclarecido e julgado pelo conselho de sentença. Quanto à tese defensiva de que a suposta desavença teria origem em outras razões, como alegadas ameaças proferidas pela vítima ao réu David e seus filhos, verifica-se a existência de contradições entre os depoimentos prestados pela testemunha Michele e pela informante Silvana. Diante dessa divergência e da ausência de certeza quanto à motivação do crime, a análise aprofundada sobre tal questão compete exclusivamente ao Tribunal do Júri, razão pela qual não se mostra possível o afastamento da qualificadora nesta fase processual. b) Meio Cruel (art. 121, § 2º, inciso III do CP) Quanto à qualificadora relativa ao meio cruel, prevista no art. 121, § 2º, inciso III, do Código Penal, entende-se, igualmente, que deve ser mantida. Consta dos autos que, no momento da execução do delito, teriam sido desferidos, em tese, ao menos oito golpes de arma branca contra a vítima, que ainda tentou se defender com as mãos. Há relatos, inclusive, de que a vítima teria implorado por sua vida, segundo narrativas de testemunhas. Tais elementos sugerem, em tese, a ocorrência de sofrimento exacerbado devendo ser sunbmetida à apreciação ao Tribunal Popular. No tocante à alegação defensiva de que tal qualificadora deveria ser afastada, sob o argumento de que o Laudo Pericial constante no ID 68791399 teria respondido "prejudicado" à respectiva indagação, impende esclarecer que: PRENÇA DE MULTIPLAS LESÕES PERFURO CORTANTE E INCISAS. E1: FERIMENTO PERFUROCORTANTE 1 CM. REGIÃO TORÁCICA DIREITA. E2: FERIMENTO PERFURO CORTANTE 2 CM. REGIÃO MAMILAR ESQUERDA. E3: FERIMENTO PERFURO CORTANTE 4 CM. REGIÃO REGIÃO EPIGÁSTRICA. E4: FERIMENTO PERFURO CORTANTE 2.5 CM. FLANCO DIREITO. E5: FERIMENTO PERFURO CORTANTE 3 CM. REGIÃO MAMILAR DIREITA. ES: FERIMENTO PERFURO CORTANTE 3.5 CM. REGIÃO LOMBAR DIREITA. FERIMENTOS INCISOS INTERTIGIDAIS 'ENTRE 1° E 2° QUIRODACTILO DIREITO E ESQUERDO Neste ponto, verifica-se a existência de múltiplas lesões (facadas), circunstância que, conforme entendimento consolidado do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, revela-se suficiente para justificar o envio da qualificadora à apreciação do Conselho de Sentença. Observe-se: DIREITO PENAL – RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO QUALIFICADO – MOTIVO FÚTIL, MEIO CRUEL E RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA – PEDIDO DE EXCLUSÃO DAS QUALIFICADORAS – IMPROCEDÊNCIA – RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. O Recorrente foi pronunciado por homicídio qualificado, com as qualificadoras de motivo fútil, meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima. A defesa recorre pleiteando o decote das referidas qualificadoras, sob o argumento de que são manifestamente improcedentes. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão é saber se as qualificadoras devem ser excluídas da pronúncia, por serem manifestamente improcedentes, ou se devem ser submetidas à análise do Tribunal do Júri. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A sentença de pronúncia é um juízo de admissibilidade da acusação e, conforme entendimento consolidado, as qualificadoras só devem ser excluídas quando manifestamente improcedentes, o que não ocorre no presente caso. 4. A qualificadora do motivo fútil encontra suporte no fato de que o crime foi motivado pela não aceitação do término do relacionamento pelo Recorrente, o que, em tese, pode configurar motivo insignificante e desproporcional. 5. A qualificadora do meio cruel está fundamentada na brutalidade do crime, evidenciada pela quantidade excessiva de golpes desferidos contra a vítima (18 facadas), conforme consta do laudo necroscópico e depoimentos, denotando um sofrimento desnecessário à vítima. 6. A qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima está lastreada no relato testemunhal, que indica que a vítima foi em encurralada e golpeada de forma que impediu qualquer reação. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Recurso desprovido. Tese de julgamento: “1. As qualificadoras do motivo fútil, meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima, quando amparadas em indícios mínimos, devem ser submetidas ao Tribunal do Júri. 2. A exclusão de qualificadoras na fase de pronúncia só é admitida quando forem manifestamente improcedentes.” Dispositivos relevantes citados: CPP, art. 413; CF, art. 5º, XXXVIII. Jurisprudência aplicável: TJ-CE 001354763920138060025; TJ-SC 5008673-02.2023.8.24.0080; TJ-MT 00038272920208110004; TJ-MT 0003665-85.2017.8.11.0021 e STJ 1977510 SP 2021/0393380-9. (N.U 0001504-24.2015.8.11.0005, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, MARCOS REGENOLD FERNANDES, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 05/11/2024, Publicado no DJE 11/11/2024) c) Recurso que Dificultou a Defesa da Vítima (art. 121, § 2º, inciso IV do CP) Por fim, quanto à qualificadora prevista no art. 121, § 2º, inciso IV, do Código Penal (recurso que dificultou a defesa da vítima), entende-se que também deve ser mantida nesta fase processual. Há indícios de que o réu Durval teria distraído intencionalmente a vítima, mediante conversa que aparentava intenção de apaziguar a situação, permitindo que o réu David se aproximasse pelas costas sem ser notado, surpreendendo-a com os primeiros golpes de faca e impedindo, assim, qualquer reação defensiva. Cumpre ressaltar que, em sede de pronúncia, as qualificadoras do crime de homicídio somente devem ser afastadas quando se apresentarem manifestamente improcedentes (vide: STF, HC 97.230/RN), o que não se verifica nos presentes autos. Os depoimentos colhidos ao longo da instrução processual indicam, em tese, a existência das qualificadoras de motivo torpe, meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima. Compete ao Conselho de Sentença, portanto, verificar a efetiva ocorrência ou não das referidas circunstâncias qualificadoras. À míngua de prova incontroversa que afaste a tipicidade da conduta ou comprove, de forma inequívoca, a presença de excludentes de ilicitude ou de tipicidade, impõe-se a submissão da matéria ao julgamento pelo Tribunal do Júri, nos termos do art. 5º, inciso XXXVIII, alínea “d”, da Constituição Federal. Dessa forma, considerando que não se verificam, nesta fase, as hipóteses previstas no art. 415, incisos I a IV, do Código de Processo Penal, e diante da existência de prova da materialidade delitiva e de indícios suficientes de autoria ou participação, entende-se cabível a pronúncia dos acusados DAVID SOUZA DA SILVA e DURVAL DE SOUZA DA SILVA, nos termos da denúncia. VI. DISPOSITIVO Ante o exposto, com fundamento no art. 413 do Código de Processo Penal, PRONUNCIO os acusados DAVID SOUZA DA SILVA e DURVAL DE SOUZA DA SILVA, já qualificados nos autos, como incursos nas sanções do art. 121, § 2º, incisos I, III e IV, do Código Penal, em razão dos fatos praticados contra a vítima Luan de Oliveira Teodoro. (...). (grifos meus). Da simples análise do conjunto probatório constante nos autos, verifica-se que o Juízo de primeiro grau agiu acertadamente ao pronunciar os acusados, pois devidamente preenchido o standard probatório necessário. Isso porque, os indícios de autoria e as provas da materialidade delitiva estão devidamente demonstrados nos autos, havendo prova produzida em contraditório judicial, especialmente pelas declarações da testemunha judicial Michele Santana dos Santos, que relatou ter presenciado os fatos, a motivação do crime, o desferimento dos golpes de faca que teriam ocorrido de surpresa, narrando que a vítima morreu agonizando em seus braços, além dos depoimentos das demais testemunhas policiais que diligenciaram no caso. Diante desse quadro, entendo que não há falar-se em absolvição sumária ou impronúncia. As teses de falta de provas para pronúncia, para serem reconhecidas devem estar demonstradas de modo insofismável nesta fase, o que não ocorre no caso, devendo as teses defensivas, de decote das qualificadoras, serem submetidas ao crivo do Tribunal do Júri para julgamento, cabendo ao jurado decidir neste caso se as versões dos fatos apresentadas pela defesa ou pela acusação devem prosperar. A propósito, perfilhando esse entendimento: PROCESSO PENAL. PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRONÚNCIA. INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA. ART. 155 DO CPP. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO PARA REFORMA. VIA INADEQUADA. MESMA IMPOSSIBILIDADE QUANTO AO DECOTE DE QUALIFICADORA. SOBERANIA DO JÚRI. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. IDONEIDADE. I - Segundo atual entendimento predominante neste Superior Tribunal de Justiça admitem-se tão somente "indícios suficientes de autoria ou de participação" (art. 413 do CPP), para a pronúncia perante o Tribunal do Júri. II - No caso, o contexto dos autos e das provas que formam o conjunto probatório (provas testemunhais produzidas em juízo e imagens de câmeras de monitoramento - prova não repetível) é apto à confirmação da sentença de pronúncia pelo crime de homicídio qualificado, porquanto, segundo as instâncias ordinárias, "o réu caminhou em direção da vítima Carlos Alexandre Soares com uma faca nas mãos, atingindo-a com um golpe nas costas e fugindo do local" (fl. 52). Apesar da afirmação defensiva de que o paciente não estava envolvido na briga que antecedeu o homicídio, a fundamentação expendida pelas instâncias de origem demonstra a existência de indícios suficientes da autoria do crime, de acordo com as provas orais e com as imagens de videomonitoramento. (...). Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no HC: 891631 SC 2024/0048297-3, Rel. Min. MESSOD AZULAY NETO, T5 - Quinta Turma, j. em 20/05/2024, Data de Publicação: DJe 24/05/2024) (grifos meus). RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - HOMICÍDIO TENTADO QUALIFICADO - MATERIALIDADE COMPROVADA - INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA - LEGÍTIMA DEFESA - NÃO COMPROVADA - ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA - IMPOSSIBILIDADE - DESCLASSIFICAÇÃO PARA LESÃO CORPORAL - ANIMUS NECANDI - MANUTENÇÃO DA DECISÃO DE PRONÚNCIA - DECOTE DAS QUALIFICORAS - INVIAVEL - RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. A sentença de pronúncia deve observar os limites inerentes ao juízo de admissibilidade da acusação, restringindo-se a declinar as razões para o convencimento acerca da materialidade do fato e de indícios suficientes de autoria. Comprovados nos autos a materialidade e os indícios de autoria do crime de homicídio qualificado, incabível a absolvição sumária, fundada na alegação de legítima defesa, uma vez que não evidenciado nos autos elementos probatórios seguros acerca do cometimento do crime sob a excludente de ilicitude. Não há que se falar em desclassificação do crime de homicídio para o delito de lesão corporal, se a prova dos autos não afasta, com segurança, a presença de 'animus necandi' na conduta do agente, devendo a matéria ser levada à apreciação do egrégio Tribunal do Júri, juiz natural da causa - A incidência ou não das qualificadoras no crime de homicídio é questão a ser sopesada e decidida pelo Tribunal do Júri, não cabendo a esta Corte, em princípio, tal mister, salvo se completamente distorcido de amparo nos elementos cognitivos dos autos, o que não ocorre na hipótese -Recurso conhecido e não provido. (TJMG - Rec em Sentido Estrito: 10175130015365001, Rel. Wanderley Paiva, 1ª Câmara Criminal, j. em 22/11/2022, Data de Publicação: 30/11/2022) (grifos meus). RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. TENTATIVA. DESPRONÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE. PRESENÇA DE INDÍCIOS DE AUTORIA E DE PROVA DA MATERIALIDADE DELITIVA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. LEGÍTIMA DEFESA. INCABÍVEL O RECONHECIMENTO DA EXCLUDENTE DE ILICITUDE. EXISTÊNCIA DE MAIS DE UMA VERSÃO PARA OS FATOS. EXCLUSÃO DAS QUALIFICADORAS. MATÉRIAS A SEREM APRECIADAS PELO CONSELHO DE SENTENÇA. DÚVIDAS SUBMETIDAS AO TRIBUNAL DO JÚRI - JUIZ NATURAL. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. Trata-se, a decisão de pronúncia, de juízo de probabilidade, de mera admissão da acusação. Havendo nos autos versão que sustenta a prática do crime pelo agente, considerando que o laudo médico e as declarações da vítima dão conta do crime que foi cometido com várias facadas e de surpresa. Portanto, não há que se falar em despronúncia, que demanda ausência de prova da materialidade ou de indícios da autoria delitiva. O reconhecimento de qualquer excludente de ilicitude só pode ocorrer, na fase de pronúncia, quando a sua ocorrência for incontroversa e estreme de dúvidas. Na fase de pronúncia, a exclusão das qualificadoras só é possível quando demonstrada de forma incontroversa, dada a competência constitucional do Tribunal do Júri para a análise da sua ocorrência. Recurso conhecido e improvido. (Classe: Recurso em Sentido Estrito, Número do Processo: 0508600-47.2014.8.05.0001, Relator (a): Francisco de Oliveira Bispo, Segunda Câmara Criminal - Segunda Turma, Publicado em: 16/05/2019) (TJBA - RSE: 05086004720148050001, Rel. Francisco de Oliveira Bispo, Segunda Câmara Criminal - Data de Publicação: 16/05/2019). AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIOS QUALIFICADOS E VILIPÊNDIO A CADÁVER. PRONÚNCIA. INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA. QUALIFICADORA. EXCLUSÃO. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A decisão de pronúncia é juízo de mera admissibilidade da acusação, prelibatório, competindo aos jurados o julgamento do mérito da causa, competência esta consagrada constitucionalmente. No caso, a decisão de pronúncia, corroborada quando do exame do recurso em sentido estrito, deixou assente a possibilidade de o agravante ser o autor dos delitos em comento diante do acervo probatório produzido, de modo que, amealhados indícios suficientes de autoria, não há reparos a fazer quanto à decisão de pronúncia, já que as provas conclusivas e os juízos de certeza e de verdade real revelam-se necessários apenas na formação do juízo condenatório, após o percurso de toda a marcha processual. [...] (AgRg no HC n. 894.353/MG, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 22/4/2024, DJe de 25/4/2024) (grifos meus). No mesmo sentido é o entendimento deste Sodalício: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - PRONÚNCIA - HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO MOTIVO TORPE E RECURSO QUE IMPOSSIBILITOU A DEFESA DA VÍTIMA (ARTIGO 121, § 2°, INCISOS I E IV, DO CP) E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA (ART. 2º, §2º, DA LEI 12.850/2013) - PRETENDIDA A IMPRONÚNCIA - IMPOSSIBILIDADE - MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA - RECURSO NÃO PROVIDO. A decisão de pronúncia encerra mero juízo de admissibilidade da acusação, sendo exigido tão somente a certeza da materialidade do crime e indícios suficientes de sua autoria. (N.U 1009667-26.2022.8.11.0006, Rel. Des. PAULO DA CUNHA, Primeira Câmara Criminal, j. em 21/05/2024, publicado no DJE 24/05/2024) (grifos meus). Dessa forma, estando presentes os indícios de autoria, bem como provada a existência do crime e, diante da existência de versões conflitantes entre teses de acusação e defesa que teriam elementos mínimos nos autos, esta análise deve ser realizada com prudência, sem que se possa, por ora, afastá-la de forma categórica, tampouco reconhecê-la de plano. Verifico que o conjunto probatório apresentado até o momento é suficiente para justificar a submissão do recorrente ao julgamento pelo Tribunal do Júri, considerando-se que a motivação em tese para o cometimento do crime ultrapassa a tipificação penal básica, sem qualquer indício de inadmissibilidade que permita sua exclusão monocrática. Diante desse quadro, o pleito recursal não merece acolhimento, devendo os pronunciados serem submetidos ao crivo do Tribunal Popular. Do mesmo modo ocorre em relação às qualificadoras. Não obstante a negativa de autoria dos recorrentes e versões que apontam outras motivações e meios do crime, há nos autos elementos mínimos a apontar a ocorrências das qualificadoras do motivo torpe, meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima, cabendo ao conselho de sentença julgar se os motivos do crime consistentes em dívida ou disputa por terrenos são torpes ou não, se a pluralidades de golpes de faca como ocorreram seriam ou não meio cruel, bem como se a dinâmica dos golpes teriam ocorrido pelas costas e de inopino, e se isso configuraria ou não recurso que dificultou a defesa da vítima. Nesse sentido entende o STJ: 2. As qualificadoras só podem ser excluídas da decisão de pronúncia se foram manifestamente improcedentes, isto é, se estiverem completamente destituídas de amparo nos autos [...] sob pena de usurpação da competência do juiz natural da causa para o pleno exame dos fatos, qual seja, o Tribunal do Júri (RHC n. 119.158/PI, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 55/2020, DJe de 13/5/2020) [...] 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 894.353/MG, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 22/4/2024, DJe de 25/4/2024) (grifos meus). Assume relevo, ainda, o disposto no Enunciado Orientativo n. 02, da Turma de Câmaras Criminais Reunidas do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, que dispõe que somente se admite a exclusão das qualificadoras na pronúncia quando manifestamente improcedentes, sob pena de se suprimir a competência constitucional do Tribunal do Júri. Nesse sentido: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – PRONÚNCIA – HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO MOTIVO FÚTIL, PERIGO COMUM E RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA (ART. 121, § 2º, INCISOS II, III E IV, C/C ARTIGO 14, II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL) – PLEITO DE EXCLUSÃO DAS QUALIFICADORAS – IMPOSSIBILIDADE – CONJUNTO PROBATÓRIO QUE AUTORIZA A MANUTENÇÃO DAS QUALIFICADORAS – RECURSO NÃO PROVIDO, EM CONSONÂNCIA COM O PARECER MINISTERIAL. O decote das qualificadoras, na fase de pronúncia, só é permitido se as provas orais e documentais apontem para a manifesta improcedência, pois compete ao Tribunal do Júri a inteireza da acusação. (N.U 1015006-86.2021.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PAULO DA CUNHA, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 21/05/2024, Publicado no DJE 24/05/2024) (grifos meus). Diante desse quadro, o pleito recursal não merece acolhimento, devendo ser mantidas as qualificadoras da r. sentença de pronúncia. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso interposto por DURVAL DE SOUZA DA SILVA e DAVID SOUZA DA SILVA, mantendo incólume a r. sentença de pronúncia por estes e seus próprios fundamentos. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 22/07/2025
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