Processo nº 5311164-42.2025.8.09.0051
ID: 282159277
Tribunal: TJGO
Órgão: Goiânia - UPJ Juizados da Fazenda Pública: 1º, 2º, 3º e 4º (1º Núcleo da Justiça 4.0 Permanente)
Classe: Procedimento do Juizado Especial da Fazenda Pública
Nº Processo: 5311164-42.2025.8.09.0051
Data de Disponibilização:
28/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ABIRON DE MORAIS
OAB/GO XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO
Comarca de Goiânia - 3º Juízo de Justiça 4.0
Juizado de Fazenda Pública Municipal e Estadual
Gabinete da Juíza Jordana Brandão Alvarenga Pinheiro
gab3jefaz@tjgo.jus.br
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PODER JUDICIÁRIO
Comarca de Goiânia - 3º Juízo de Justiça 4.0
Juizado de Fazenda Pública Municipal e Estadual
Gabinete da Juíza Jordana Brandão Alvarenga Pinheiro
gab3jefaz@tjgo.jus.br
SENTENÇA
Trata-se de Ação de Conhecimento proposta em desfavor do ESTADO DE GOIÁS.
Alega a parte autora, em síntese, que é pessoa portadora de deficiência auditiva (CID H90.3) e que, desta forma, faz jus à isenção do Imposto sobre a Propriedade de Veículo Automotor (IPVA) e do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), quando da aquisição de veículos automotores novos.
Por tais razões, intentou com a presente demanda, pugnando pelo julgamento de procedência da ação para reconhecer o seu direito à isenção tributária, com a declaração da inexigibilidade dos impostos mencionados.
Recebida a inicial, foi determinada a citação da parte demandada, a qual apresentou contestação aos termos iniciais argumentando, em suma, que a legislação de regência apresenta rol de situações que caracterizem deficiência para fins e concessão de isenção de tributo, e que tal rol deve ser interpretado de forma literal. Continua afirmando que o requerente não preencheu os requisitos para fazer jus à isenção pretendida.
Em sendo assim, requer o julgamento de improcedência da ação.
É o relatório.
Decido.
Pois bem. Tratam os presentes autos de Ação de Conhecimento na qual a parte autora busca o reconhecimento do seu direito à isenção de tributos decorrentes da aquisição de propriedade de veículo automotor.
1 Do julgamento antecipado
Conforme preceituam os artigos 219 e 335 do Código de Processo Civil, o prazo ordinário para contestação é estabelecido em 15 (quinze) dias úteis, sendo certo que, após o oferecimento de defesa, é facultado à parte autora a apresentação de réplica, cuja previsão se limita às hipóteses em que a irresignação da parte demandada contempla questões preliminares, ou ainda, apresenta indicação de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito reclamado na peça inicial, conforme se extrai da literalidade dos artigos 337, 350 e 351 da legislação processual.
No caso dos autos, a parte requerida não opôs qualquer defesa indireta na contestação, não levantou questões preliminares e tampouco juntou documentação.
Portanto, não evidenciada a necessidade de abertura de prazo para que a parte autora apresente réplica à contestação, entendo como sendo necessário o julgamento antecipado da lide, nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, uma vez que se trata de matéria unicamente de direito e as partes não pugnaram por maior dilação probatória, sendo os documentos acostados à inicial suficientes para o convencimento deste Juízo.
Outrossim, em se tratando de demandas que tramitam sob o rito dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, consigno a possibilidade de julgamento em lote, lista ou bloco de processos, em conformidade com o disposto no Enunciado nº 10 do Fórum Nacional dos Juizados Especiais (FONAJE XXXII, Encontro Armação de Búzios, RJ).
Nesse viés, considerando-se que o relatório detalhado da ação resta dispensado em face do que dispõe o artigo 38 da Lei nº 9.099/95, estando presentes as condições da ação e os pressupostos processuais, passo diretamente à análise do meritum causae.
2 Dos fundamentos
2.1 Da isenção tributária
É certo que, ocorrendo o fato gerador do tributo, o contribuinte fica obrigado a promover o respectivo recolhimento, dever cuja inobservância pode acarretar a imposição de penalidades de âmbito tributário e até penal, além de viabilizar a cobrança por meio de inscrição na dívida ativa e de instauração da Ação de Execução Fiscal.
No entanto, ao teor do que dispõe o artigo 175, inciso I, do Código Tributário Nacional, a isenção é uma das hipóteses de exclusão do crédito tributário, que dispensa o pagamento do respectivo tributo.
O Código Tributário do Estado de Goiás (Lei Estadual nº 11.651/1991), em seu artigo 41, inciso I, instituiu a isenção tributária como um dos benefícios fiscais da lei local, código que, a exemplo da legislação federal, confere à isenção o poder de excluir o crédito tributário (artigo 184, inciso I, do Código Tributário do Estado de Goiás).
Em se tratando de isenção, a lei de regência é enfática em exigir prévia previsão legal para sua ocorrência, conforme se extrai do artigo 176 do Código Tributário Nacional:
Art. 176. A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração.
Parágrafo único. A isenção pode ser restrita a determinada região do território da entidade tributante, em função de condições a ela peculiares.
As legislações que concedem isenções tributárias podem ser modificadas a qualquer momento, sendo possível, inclusive, a revogação do benefício, salvo quando a hipótese de incidência é por tempo determinado e em função de condições previamente especificadas (artigo 178 do Código Tributário Nacional).
É necessário que se tenha em mente que, quando a isenção é de caráter geral, resta-se viabilizada a sua incidência de forma automática, ao passo que, nas situações específicas e que dependam de provas de determinadas condições pelo contribuinte, nos moldes do disposto no artigo 179 do Código Tributário Nacional, é indispensável que seja formalizado prévio requerimento para que o interessado demonstre o preenchimento dos pressupostos legais.
Ademais, em matéria tributária e, em especial, que se refira à outorga de isenção tributária, a interpretação da lei deve sempre ser literal, não havendo espaço para aplicação extensiva ou analógica, consoante prescreve o artigo 111 do Código Tributário Nacional:
Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:
I - suspensão ou exclusão do crédito tributário;
II - outorga de isenção;
III - dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.
Reforço, a título de exemplo, que o Superior Tribunal de Justiça, ao tratar de isenção tributária em sede de julgamento de recursos repetitivos (Tema 250), fixou tese reafirmando que o rol de isenção previsto na Lei Federal nº 7.713/88 é taxativo e não permite interpretação extensiva.
No mais, para que as hipóteses de isenção sejam corretamente analisadas em cada caso concreto, há de se considerar que os decretos em matéria tributária integram o rol de fontes do Direito Tributário.
Esta conclusão confere aos decretos o status de lei em sentido amplo (lato sensu) e decorre do que dispõe o artigo 96 do Código Tributário Nacional:
Art. 96. A expressão "legislação tributária" compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes.
Nota-se que o próprio legislador se dedicou a conceituar a expressão “legislação tributária” no respectivo código, o que decorre do fato de que muitas regulamentações estão previstas em decretos e em fontes secundárias ou complementares do Direito Tributário, cujas regras devem ser observadas na cobrança e na outorga de isenções de tributos.
2.2 Da isenção do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS)
O Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) tem como fato gerador as operações comerciais que envolvem a circulação de mercadorias e a prestação de serviços, cuja competência tributária é dos Estados e do Distrito Federal, conforme se depreende do artigo 155, inciso II, da Constituição Federal.
Ao teor do que dispõe o artigo 146, inciso III, da Constituição Federal, apenas a lei complementar poderá estabelecer normas gerais em matéria tributária, razão pela qual a regulamentação do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) foi instituída pela Lei Complementar nº 87/96, que tem por objeto a criação de normas gerais acerca das operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.
O fato gerador do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) foi regulado pelo artigo 11 do Código Tributário Estadual, sendo que o artigo 13 do mesmo diploma determina que a incidência do imposto é devida no momento em que o consumidor final adquire o produto ou entra no território goiano.
O artigo 186, parágrafo único, do Código Tributário Estadual, determina que “a concessão de isenção do ICMS obedecerá ao disposto na Seção II do Capítulo II do Livro Primeiro deste Código”, sendo que, além das normas gerais, o anexo IX do Decerto nº 4.852/1997, também conhecido como Regulamento do Código Tributário do Estado de Goiás, especificou as regras complementares a serem observadas para esta hipótese de isenção.
Repriso que, em matéria de Direito Tributário, os decretos e os regulamentos devem ser interpretados como sendo legislação tributária em sentido amplo, de modo que a sua observância é de cunho obrigatório.
Nesse contexto, o artigo 7º, inciso XIV, do Regulamento do Código Tributário do Estado de Goiás, com redação dada pelo Decreto nº 10.160/2022, estabelece as condições do veículo que podem alcançar o benefício fiscal de exclusão do crédito tributário:
Art. 7º. São isentos de ICMS, observado o § 1º quanto ao término de vigência do benefício: (…)
XIV - a saída de veículo automotor novo cujo preço de venda ao consumidor sugerido pelo fabricante, incluídos os tributos incidentes, não seja superior a R$ 70.000,00 (setenta mil reais), destinado a pessoa portadora de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, síndrome de Down ou autista, diretamente ou por intermédio de seu representante legal, com a manutenção do crédito e observado o seguinte (Convênio ICMS n° 38, de 30 de março de 2012):
o) a isenção de que trata este inciso alcança o veículo automotor novo cujo preço de venda ao consumidor sugerido pelo fabricante for superior a R$ 70.000,00 (setenta mil reais), desde que esse preço sugerido não ultrapasse R$ 100.000,00 (cem mil reais), incluídos os tributos incidentes, com a aplicação da isenção parcial do ICMS limitada à parcela da operação no valor de R$ 70.000,00 (setenta mil reais).
O convênio ICMS nº 38/2012 também confere a isenção deste tributo às pessoas com deficiência:
Cláusula primeira. Ficam isentas do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS - as saídas internas e interestaduais de veículo automotor novo quando adquirido por pessoas com deficiência física, visual, mental severa ou profunda, síndrome de Down ou autistas, diretamente ou por intermédio de seu representante legal. (...)
§ 2º O benefício previsto nesta cláusula somente se aplica a veículo automotor novo cujo preço de venda ao consumidor sugerido pelo fabricante, incluídos os tributos incidentes, não seja superior a R$ 70.000,00 (setenta mil reais).
Desse modo, do compulso detalhado da norma de regência, é possível dessumir que a pessoa cuja deficiência se amolda às hipóteses taxativas de isenção farão jus à exclusão total do crédito tributário do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) quando o veículo adquirido, já com a inclusão dos tributos incidentes, não for superior a R$ 70.000,00 (setenta mil reais).
Não é de se olvidar que a regulamentação legal exige que o teto da isenção seja auferido com a inclusão dos tributos incidentes, ou seja, trata-se do valor global da transação, que é a soma do produto e de todos os encargos tributários aplicáveis, de modo que, ultrapassado este importe, o contribuinte não fará jus à isenção total.
De mais a mais, com o advento do Decreto nº 10.160/2022, passou-se a admitir a incidência de isenção parcial do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para a aquisição de veículos cujo valor seja superior a R$ 70.000,00 (setenta mil reais) e que não ultrapasse o montante de R$ 100.000,00 (cem mil reais), conjectura em que se fará a aplicação parcial do tributo, limitada à parcela da operação no valor de R$ 70.000,00 (setenta mil reais).
Nesse contexto, para fazer jus à isenção, basta que o contribuinte seja portador de alguma das enfermidades descritas na norma regulamentadora e que o veículo adquirido não tenha valor superior ao teto estabelecido, ressalvando-se, ainda, a possibilidade de adoção da isenção parcial para os automóveis adquiridos entre R$ 70.000,00 (setenta mil reais) e 100.000,00 (cem mil reais).
Destaco, nesse ponto, que, muito embora a legislação federal tenha fixado o teto da isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) em R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), este limite não pode ser aplicado às hipóteses de isenção do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e do Imposto sobre a Propriedade de Veículo Automotor (IPVA), mormente ao se considerar que se tratam de tributos distintos e que têm como competência legislativa tributária órgão diverso.
O princípio da especialidade exige que a norma que regulamenta cada tributo seja aplicada em detrimento de qualquer outra norma que discipline outro crédito tributário, além de que, em decorrência da separação dos poderes, não cabe ao Poder Judiciário proferir decisão capaz de configurar atuação legislativa direta e positiva, sobretudo em matéria de ampliação de benefício fiscal, cuja interpretação normativa deve ser necessariamente literal.
Logo, o teto da isenção dos impostos Estaduais, em especial o benefício fiscal de exclusão do crédito tributário do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e do Imposto sobre Propriedade de Veículo Automotor (IPVA) para os veículos automotores adquiridos por pessoas com deficiência, não podem ser regulados por norma federal.
Na mesma linha é a jurisprudencial do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás nesse mesmo sentido:
RECURSO INOMINADO. DIREITO TRIBUTÁRIO. IPVA. ICMS. ISENÇÃO. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. VALOR DO VEÍCULO PREVISTO EM NORMA ESTADUAL. LEGALIDADE TRIBUTÁRIA. LIMITE QUANTITATIVO. PREVALÊNCIA DA NORMA ESTADUAL. RECURSO PROVIDO. (...) 4. Passa-se à análise do mérito. Como observado, a sentença considerou o valor de R$200.000,00 para o preço do veículo, tal qual previsto na Lei Federal n° 8.989/95, que trata sobre a isenção do IPI, imposto federal. No entanto, o poder de isentar submete-se às idênticas balizas do poder de tributar, com destaque para o princípio da legalidade tributária que necessita de lei específica para veiculação de quaisquer desonerações tributárias (art.150, §6º, CRFB/88). No caso do IPVA e do ICMS, tributos de competência estadual, sua regulamentação ocorreu por meio do Código Tributário Estadual (CTE) e do Regulamento do Código Tributário Estadual (RCTE). 5. O CTE, modificados pela Lei n° 21.634/2022, prevê o seguinte: ‘Art. 94. É isenta do IPVA a propriedade dos seguintes veículos: IV - destinado ao uso de pessoa com deficiência física, visual, mental severa ou profunda, Síndrome de Down ou autista, cujo valor não seja superior ao estabelecido para a isenção integral do ICMS, limitada a isenção a 1 (um) veículo por beneficiário; § 9º O benefício previsto no inciso IV deste artigo: I é extensivo ao veículo destinado exclusivamente ao uso de pessoa com deficiência física, visual, mental severa ou profunda, Síndrome de Down ou autista, com autorização para que o veículo possa ser dirigido por outro condutor, quando o beneficiário da isenção não puder conduzir o veículo; e II aplica se ao veículo cujo valor seja superior ao valor de que trata o inciso IV deste artigo, desde que não ultrapasse o valor estabelecido para a isenção parcial do ICMS, hipótese em que o benefício deve ser aplicado sobre o valor estabelecido para a isenção integral do ICMS. 6. O Anexo IX do RCTE, por seu turno, dispunha à época: Art. 7º São isentos de ICMS, observado o § 1º quanto ao término de vigência do benefício: XIV - a saída de veículo automotor novo cujo preço de venda ao consumidor sugerido pelo fabricante, incluídos os tributos incidentes, não seja superior a R$ 70.000,00 (setenta mil reais), destinado a pessoa portadora de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, síndrome de Down ou autista, diretamente ou por intermédio de seu representante legal, com a manutenção do crédito e observado o seguinte (Convênio ICMS nº 38, de 30 de março de 2012): o) a isenção de que trata este inciso alcança o veículo automotor novo cujo preço de venda ao consumidor sugerido pelo fabricante for superior a R$ 70.000,00 (setenta mil reais), desde que esse preço sugerido não ultrapasse R$ 100.000,00 (cem mil reais), incluídos os tributos incidentes, com a aplicação da isenção parcial do ICMS limitada à parcela da operação no valor de R$ 70.000,00 (setenta mil reais). 7. Além disso, o art. 111, II, do CTN, estabelece que a interpretação de normas que concedem isenções devem ser limitadas, o que resulta na necessidade de aplicação de critérios de identificação mais precisos, afastando-se a indeterminação e a incerteza na construção de sentidos e significados para os textos normativos. 8. Com base nas premissas acima, verifica-se que o recorrente tem razão em impugnar a sentença que entendeu por ampliar a faixa de isenção com base em lei federal. O Juízo a quo considerou que a legislação estadual está em descompasso com a federal ‘tendo em vista a desproporcionalidade com o limite do valor balizador para isenção do IPI em situação idêntica - R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), na qual se adequou a concessão da isenção do tributo a critérios condizentes com a realidade constitucional do imposto e instituiu política que se encontra devidamente justificada pela implementação do princípio da seletividade e que levou em consideração a essencialidade do produto e a capacidade contributiva do seu público consumidor.’ No entanto, o estabelecimento de um limite quantitativo para fins de limitação do direito à isenção prestigia os axiomas inerentes à ideia de benefício fiscal, ao passo que, além de inibir o exercício abusivo do direito, não obsta em absoluto a aquisição de veículo adaptado ao portador de deficiência física, sendo evidente a existência de inúmeros modelos com preço inferior ao previsto na legislação estadual, o que se vê, inclusive, na nota fiscal acostada à mov. 39. 9. Portanto, deve ser reformada a sentença em relação ao valor que supera o limite quantitativo estabelecido na legislação estadual para fins isenção tributária, especialmente em razão da impossibilidade de atuação do Poder Judiciário como legislador positivo para ampliação da incidência da concessão de benefício tributário. Deve-se respeito à Separação de Poderes. 10. A propósito, precedente do TJGO e de outros tribunais: EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA COM PEDIDO LIMINAR. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ISENÇÃO DO IPVA. VALOR MÁXIMO FIXADO PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO ULTRAPASSADO. LIMINAR CONCEDIDA NA ORIGEM. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS. DECISÃO REFORMADA. (...) Assim, considerando que, no caso, a agravada pretende adquirir veículo no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), ultrapassando, em muito, o teto normativo, forçoso reconhecer a ausência da fumaça do bom direito necessária à concessão de liminar, por malferimento à legislação tributária estadual. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PROVIDO. (TJ-GO - AI: 51597722620238090051 GOIÂNIA, Relator: Des(a). DESEMBARGADOR WILSON SAFATLE FAIAD, 3ª Câmara Cível, Data de Publicação: (S/R) DJ). | AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. IPVA. ISENÇÃO DO IMPOSTO. VEÍCULO AUTOMOTOR PERTENCENTE A PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA. BENEFÍCIO DISCIPLINADO PELO MESMO REGRAMENTO ATINENTE AO ICMS. DECRETO ESTADUAL Nº 16.983/16, QUE ALTEROU A REDAÇÃO DO § 6º DO ART. 3º DO REGULAMENTO DO IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE DE VEÍCULOS AUTOMOTORES - IPVA (DECRETO Nº 14.528, DE 04 DE JUNHO 2013) E CONVÊNIO Nº 38, DE 30 DE MARÇO DE 2012, CELEBRADO PELO CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA FAZENDÁRIA. LIMITAÇÃO LEGAL AO VALOR DO VEÍCULO NOVO FIXADA EM R$70.000,00. BEM ADQUIRIDO POR R$ 120.568,00. AUSÊNCIA DE PROBABILIDADE DO DIREITO INVOCADO PELO AUTOR/AGRAVADO. REFORMA DA DECISÃO. RECURSO PROVIDO. II – O veículo adquirido por R$ 120.568,00 não se encontra dentro da limitação estabelecida pela norma regente para deferimento do benefício, motivo pelo qual o seu indeferimento, pelo ente fazendário, não configura ilegalidade. (TJ-BA - AI: 80040002820198050000, Relator: GARDENIA PEREIRA DUARTE, QUARTA CAMARA CÍVEL, Data de Publicação: 11/09/2020). | MANDADO DE SEGURANÇA. ISENÇÃO IPVA. VEÍCULO ADQUIRIDO POR PORTADOR DE DEFICIÊNCIA FÍSICA. (…) IMPOSSIBILIDADE. Isenção que não pode ser concedida sem limitação de valor. Valor do veículo que supera o limite estabelecido no artigo 13, § 1º-A, 1-a, da Lei Estadual nº 13.296/2008, com a redação dada pela Lei nº 16.498/2017 c.c. a cláusula primeira, § 2º, do Convênio CONFAZ nº 38 de 2012. Inexistência de direito líquido e certo. R. Sentença denegatória da segurança mantida. RECURSO DE APELAÇÃO DO IMPETRANTE DESPROVIDO. (TJ-SP - AC: 10037780920198260482 SP 1003778-09.2019.8.26.0482, Relator: Flora Maria Nesi Tossi Silva, Data de Julgamento: 18/09/2019, 13ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 19/09/2019) 11. Frisa-se que essa decisão tem com fundamento implícito a isonomia tributária, pois conceder o aumento da faixa de isenção para apenas uma pessoa com deficiência trata-se, em última análise, de discriminação arbitrária/odiosa entre contribuintes que estejam em situação equivalente. É dizer, outras pessoas com deficiência obedecem à limitação quantitativa, não havendo razão para ampliá-la para apenas um contribuinte. 12. RECURSO PROVIDO. Sentença reformada para determinar a observância da legislação estadual vigente à época dos fatos para concessão de isenção de ICMS e IPVA ao reclamante. 13. Sem custas e honorários (art. 55 da LJE). (TJGO, Recurso Inominado nº 5576847-47.2022.8.09.0051, Rel. ÉLCIO VICENTE DA SILVA, 4ª Turma Recursal dos Juizados Especiais, julgado em 19/02/2024, DJe de 19/02/2024).
2.3 Da isenção do Imposto sobre Propriedade de Veículo Automotor (IPVA)
O Imposto sobre a Propriedade de Veículo Automotor (IPVA) tem como fato gerador a aquisição de propriedade de automóveis, cuja cobrança é anual e tem previsão no artigo 91 do Código Tributário do Estado de Goiás:
Art. 91. Ocorre o fato gerador do IPVA:
I - na data da primeira aquisição do veículo novo por consumidor final;
II - na data do desembaraço aduaneiro, em relação a veículo importado do exterior, diretamente ou por meio de "trading", por consumidor final;
III - na data da incorporação de veículo ao ativo permanente do fabricante, do revendedor ou do importador;
IV - na data em que ocorrer a perda da isenção ou da não-incidência;
V - no dia 1º de janeiro de cada ano, em relação a veículo adquirido em exercício anterior.
No entanto, o artigo 94 da lei de regência relaciona as hipóteses de isenção do imposto em alusão, cuja incidência da hipótese de exclusão do crédito tributário é de cunho obrigatório:
Art. 94. É isenta do IPVA a propriedade dos seguintes veículos:
I - máquina e trator agrícolas e de terraplenagem;
II - aéreo de exclusivo uso agrícola;
III - destinado exclusivamente ao socorro e transporte de ferido ou doente;
IV - destinado ao uso de pessoa com deficiência física, visual, mental severa ou profunda, Síndrome de Down ou autista, cujo valor não seja superior ao estabelecido para a isenção integral do ICMS, limitada a isenção a 1 (um) veículo por beneficiário;
VI - de aluguel (táxi ou mototáxi), dotado ou não de taxímetro, destinado ao transporte de pessoa, limitada a isenção a 1 (um) veículo por proprietário;
VII - de combate a incêndio;
VIII - locomotiva e vagão ou vagonete automovidos, de uso ferroviário;
IX - embarcação de pescador profissional, pessoa natural, por ele utilizada na atividade pesqueira com capacidade de carga até 3 (três) toneladas, limitada a isenção a 1 (uma) embarcação por proprietário;
X - com 10 (dez) anos ou mais de uso;
XI - ônibus ou micro ônibus destinado ao serviço de transporte de passageiro de turismo e escolar, desde que credenciado junto a órgão competente para regulação, controle e fiscalização desse serviço.
Não é de se ignorar que o legislador buscou aplicar contornos sociais e de inclusão no direito/dever do Estado de tributar, além de beneficiar setores da economia que, em um contexto social, contribuem de forma significativa com o progresso da sociedade.
Contudo, quando se evidenciar a cessação do motivo ou da condição que viabilizou a incidência da isenção tributária, o crédito tributário torna-se novamente exigível (artigo 94, § 1º, do Código Tributário do Estado de Goiás).
A isenção do Imposto Sobre Veículos Automotores (IPVA) não pode ser interpretada como sendo global e de incidência automática, já que depende da formulação de requerimento pelo interessado para que seja comprovada o preenchimento dos requisitos legais, nos moldes do que exige o artigo 94, § 2º, do Código Tributário do Estado de Goiás:
Art. 94 (…)
§ 2º A isenção deve ser previamente reconhecida pela administração tributária, conforme dispuser o regulamento.
Sendo assim, caberá ao contribuinte a formalização de requerimento e a comprovação do atendimento dos pressupostos para que este faça jus à exclusão do crédito tributário.
Especificamente quanto à isenção na aquisição de veículo automotor por pessoa com deficiência, é necessário que o contribuinte sofra de alguma das moléstias elencadas no inciso IV do artigo 94 e que o valor do automóvel adquirido não seja superior ao estabelecido para a isenção integral do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Aliás, a respeito das doenças que são consideradas para fins de isenção tributária, não se pode perder de vista que, em razão do que dispõe o princípio da especialidade, a legislação tributária e que regulamenta a exclusão do crédito tributário deve prevalecer em face de qualquer outra norma geral.
E mais, o rol do artigo 94, inciso IV, do Código Tributário do Estado de Goiás deve ser interpretado de forma literal, tratando-se, portanto, de rol taxativo e que não comporta a inclusão analógica de outras enfermidades ou mesmo a restrição de alguma das incidências previstas no dispositivo legal.
Inclusive, o egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás já se posicionou nesse mesmo sentido:
JUIZADO DA FAZENDA PÚBLICA. RECURSO INOMINADO. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER E RESTITUIÇÃO DE VALOR PAGO. ISENÇÃO DE IPVA. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. LEI ESTADUAL Nº 21634/2022. VISÃO MONOCULAR COMO DEFICIÊNCIA PARA TODOS OS FINS. LEI FEDERAL Nº 11.651/2021. REQUISITOS LEGAIS PREENCHIDOS. APLICAÇÃO DA SÚMULA 40 DO TJGO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. (…) A controvérsia reside em aferir se o recorrido, portador de deficiência denominada visão monocular, faz jus à isenção quanto ao pagamento do IPVA, a qual deverá ser dirimida pelas normas previstas no Código Tributário Nacional, juntamente com a Lei Estadual nº 11.651/91. 5. A isenção tributária decorre, sempre, de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão (art. 176, CTN), de modo que se deve interpretar literalmente a legislação tributária que disponha sobre outorga de isenção (art. 111, II, CTN). 6. Com efeito, embora lei Federal classifique visão monocular como deficiência visual para todos os efeitos legais (Lei nº 14.126/2021), mister ressaltar que há legislação específica discriminando o que é considerada deficiência visual para fins de isenção de IPVA, qual seja, a Lei Estadual nº 11.651/91. Destaque-se o ponto de que a legislação em comento não faz definição sobre o que é deficiência visual, mas sim estabelece limitação àqueles que possuem tal deficiência, de modo a discriminar quais os casos de deficiência visual se enquadram nos requisitos necessários para tal isenção. (…) (TJGO, Recurso Inominado nº 5729187-73.2022.8.09.0051, Rel. ANA PAULA DE LIMA CASTRO, 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais, julgado em 22/04/2024, DJe de 22/04/2024).
2.4 Da desnecessidade de apresentação da Carteira Nacional de Habilitação e do despiciendo laudo médico oficial no bojo da ação judicial
A isenção tributária não se limita a criar contornos de âmbito comercial, mas atua como meio de humanizar, incluir e trazer igualdade social àqueles que possuem condições de vulnerabilidade, ao passo que, na aplicação da norma, o ente público não poderá criar critérios adicionais e que não estejam previstos na lei de regência, sob pena de violação do princípio da legalidade estrita.
E é sob esse prisma que a interpretação da jurisprudência, especificamente acerca da isenção do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e do Imposto sobre a Propriedade de Veículo Automotor (IPVA) sobre veículos automotores às pessoas com deficiência, firmou-se no sentido de que o benefício fiscal não alcança apenas aqueles que efetivamente são habilitados para conduzir automóveis, uma vez que é plenamente possível que estas pessoas usufruam do automóvel com o uso de auxiliares ou familiares para a condução dos veículos.
Nessa linha, diante dos inúmeros debates que surgiram em torno deste tema, o egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás editou a Súmula nº 40 para pacificar o entendimento no sentido de que os portadores de deficiência farão jus à isenção do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e do Imposto sobre a Propriedade de Veículo Automotor (IPVA) independentemente de serem capacitados ou habilitados para dirigir, bastando que o veículo seja destinado ao seu transporte:
Súmula nº 40. A pessoa com deficiência tem o direito líquido e certo à aquisição de veículo automotor destinado a seu transporte, com isenção de ICMS e IPVA, tenha ou não capacidade para conduzi-lo
Não há razão, portanto, para exigir que o contribuinte apresente sua Carteira Nacional de Habilitação e que esta contenha o registro de suas enfermidades incapacitantes.
É que a criação de pressupostos complementares e que não estejam expressamente previstos em lei viola o princípio da legalidade estrita, conforme já decidido pelo egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás:
MANDADO DE SEGURANÇA. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. VISÃO MONOCULAR. ISENÇÃO AO PAGAMENTO DE IPVA E ICMS. ENUNCIADO DA SÚMULA 40, DESTE TRIBUNAL. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. ANOTAÇÃO DE RESTRIÇÃO NA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO. EXIGÊNCIA DESCABIDA. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. 1. Nos termos da Lei nº 14.126/2021, ‘fica a visão monocular classificada como deficiência sensorial, do tipo visual, para todos os efeitos legais’. 2. A Lei estadual nº 21.634/2022 incluiu entre as hipóteses de isenção previstas no Código Tributário Estadual (Lei nº 11.651/1991) a propriedade de veículo automotor destinado ao uso por deficiente visual, exigindo-se somente valor inferior ao estabelecido para a isenção integral do ICMS e a limitação de um veículo por beneficiário. 3. Conforme entendimento sumular deste Tribunal (Sumula nº 40), a pessoa com deficiência tem o direito líquido e certo à aquisição de veículo automotor destinado a seu transporte, com isenção de ICMS e IPVA, tenha ou não capacidade para conduzi-lo. 4. Para efeito da isenção em comento, a lei não exige anotação de restrição compatível com a deficiência na Carteira Nacional de Habilitação (CNH). 5. A criação de condições restritivas, não previstas na própria lei isentiva, pelos agentes da administração, viola o princípio da legalidade estrita. 6. O entendimento jurisprudencial é de que as normas que concedem isenção do IPVA e ICMS a deficientes físicos devem ser interpretadas de maneira extensiva e abrangente, de modo a incluir nas isenções indicadas tanto as pessoas com deficiência que tenham condições físicas de dirigir quanto aqueles que não as possuam. SEGURANÇA CONCEDIDA. (TJGO, Mandado de Segurança nº 5015844-39.2024.8.09.0000, Rel. Des. JOSÉ RICARDO M. MACHADO, 8ª Câmara Cível, julgado em 18/03/2024, DJe de 18/03/2024).
Sob a mesma ótica, em sede de ações judiciais, também não se pode condicionar a isenção do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e do Imposto sobre a Propriedade de Veículo Automotor (IPVA) sobre veículos automotores às pessoas com deficiência à apresentação de laudo oficial.
É que, em muitos casos, a prova documental trazida pela parte autora, ainda que produzida na via extrajudicial, pode conferir a certeza necessária para se concluir que o contribuinte é portador de alguma das doenças ensejadoras do benefício fiscal.
Trata-se, pois, da aplicação do entendimento que já vem sendo adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, a exemplo do que foi sedimentado pela Súmula nº 598 a respeito do Imposto de Renda (IR):
Súmula nº 598. É desnecessária a apresentação de laudo médico oficial para o reconhecimento judicial da isenção do imposto de renda, desde que o magistrado entenda suficientemente demonstrada a doença grave por outros meios de prova.
A jurisprudência do Tribunal de Justiça Goiano também vem se alinhado no sentido de viabilizar ao magistrado ao reconhecimento da isenção tributária independentemente da apresentação de laudo oficial:
JUIZADO DA FAZENDA PÚBLICA. RECURSO INOMINADO. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER E RESTITUIÇÃO DE VALOR PAGO. ISENÇÃO DE IPVA. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. LEI ESTADUAL Nº 21634/2022. VISÃO MONOCULAR COMO DEFICIÊNCIA PARA TODOS OS FINS. LEI FEDERAL Nº 11.651/2021. REQUISITOS LEGAIS PREENCHIDOS. APLICAÇÃO DA SÚMULA 40 DO TJGO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. (…) 9. Ademais, a partir de uma interpretação analógica da Súmula 598 do STJ, é desnecessária a apresentação de laudo médico oficial para o reconhecimento judicial da isenção do imposto sobre a propriedade de veículo automotor, desde que o magistrado entenda suficientemente demonstrada a deficiência visual por outros meios de prova. (…) (TJGO, Recurso Inominado nº 5729187-73.2022.8.09.0051, Rel. ANA PAULA DE LIMA CASTRO, 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais, julgado em 22/04/2024, DJe de 22/04/2024).
2.5 Da irretroatividade da lei tributária
O princípio do tempus regit actum exige que a legislação em vigência regule as relações jurídicas naquele período, de sorte que, ocorrendo a alteração legislativa, ao menos em regra, não se pode conferir efeitos retroativos para que a lei reformadora alcance atos perfeitos e acabados.
Tais parâmetros também devem ser observados na aplicação do Direito Tributário, sobretudo no que se refere à outorga de benefícios fiscais, os quais não podem atingir períodos anteriores à vigência da lei que instituiu o respectivo benefício.
Deve-se observar, no entanto, o princípio da anterioridade para efeitos de legislação tributária, seja nonagesimal ou mesmo anual, sendo que cada caso concreto poderá revelar contornos variados acerca da possível incidência de alguma legislação específica.
Quanto à isenção tributária do Imposto sobre a Propriedade de Veículo Automotor (IPVA) sobre veículos adquiridos por pessoas com deficiência, a data da aquisição do automóvel deve ser levada em consideração como termo inicial da possível incidência da isenção.
Ressalva-se, no entanto, que o Imposto sobre a Propriedade de Veículo Automotor (IPVA) tem seu fato gerador evidenciado a cada novo exercício fiscal, ou seja, em todo mês de janeiro, de modo que, para este tributo em específico, há a possibilidade de incidência das alterações caso sejam anteriores ao fato gerador e desde que respeitado o princípio da anterioridade.
Há de se fazer uma importante ressalva quanto às hipóteses de aplicação de penalidades no âmbito tributário, as quais, por fazerem referência ao poder de punir do Estado, atraem a aplicação do princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica.
A possibilidade de retroação da lei tributária, inclusive, está prevista no artigo 106, inciso II, do Código Tributário Nacional, mas todas as hipóteses expressamente previstas fazem referência às infrações e às penalidades e não aos benefícios fiscais.
Em resumo, quando se tratam de benefícios fiscais, a lei do tempo deve ser aplicada a cada caso concreto, observando-se a data da incidência do fato gerador, que é o dia de aquisição do veículo e, posteriormente, o mês de janeiro de cada ano para o Imposto sobre a Propriedade de Veículo Automotor (IPVA).
2.6 Da aplicação ao caso concreto
A parte autora alega que é portadora de deficiência auditiva (CID H90.3), o que afirma restar comprovado através do laudo de avaliação para isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) – expedido pela junta médica do SUS e devidamente juntado aos autos.
Relata, todavia, que não foi possível formular processo administrativo para requerer a isenção do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e do Imposto sobre a Propriedade de Veículo Automotor (IPVA), uma vez que na plataforma digital da Secretaria da Economia não há possibilidade de pedido desta natureza para portador de deficiência auditiva.
É verdade que a deficiência auditiva não constam expressamente e de forma específica no rol de isenção do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e do Imposto sobre a Propriedade de Veículo Automotor (IPVA.) Contudo, não é de se olvidar que o conceito da expressão "portadoras de deficiências", constante de forma expressa na legislação em regência é amplo, abarcando as várias espécies de deficiências, seja física, auditiva, visual ou mental.
A propósito, sobre o conceito de pessoa com deficiência, transcrevo as disposições da Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015), cujo protocolo facultativo foi ratificado pelo Brasil com status de Emenda Constitucional, nos termos do art. 5º, § 3º da Constituição Federal:
Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Como se vê, pela literalidade do dispositivo colacionado, dessume-se que a pessoa com impedimento sensorial, no qual se enquadra as enfermidade de ordem auditiva, é considerada como portadora de deficiência e, portanto, merece especial proteção, em atendimento aos próprios preceitos da Constituição Federal.
Ora, conforme é cediço, constitui dever de todos, em especial do Poder Público, assegurar a inclusão e participação de pessoa com deficiência para que tenha vida plena e autonomia na sociedade, utilizando-se de todos os recursos disponíveis para remoção de qualquer barreira ou entrave que dificulte o exercício de seus direitos fundamentais.
Não somente, a recusa em fornecer adaptações razoáveis ou mesmo implementar oportunidades da pessoa com deficiência em igualdade com as demais pessoas constitui discriminação em razão da deficiência, por ter o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência.
Ademais, o exercício de direitos fundamentais não está sujeito ao livre arbítrio ou inércia do legislador, bem como conveniência das políticas públicas, uma vez que são inerentes à condição humana, universais e possuem aplicação imediata (art. 5º, § 1º, CF).
No mais, é importante mencionar que o entendimento ora adotado, além de extraído de norma de hierarquia superior, não afronta o inciso II do artigo 111 do Código Tributário Nacional, porquanto se trata apenas de sobrepor interpretação extensiva à legislação estadual sob a ótica constitucional.
Aliás, ainda que relacionada a outros entes da federação, a jurisprudência já se firmou no seguinte sentido quanto aos pedidos de isenção de pessoas portadoras de deficiência auditiva:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO DE ICMS E IPVA NA AQUISIÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. DEFICIENTE AUDITIVO IMPOSSIBILITADO DE DIRIGIR. POSSIBILIDADE, AINDA QUE GUIADO POR TERCEIRA PESSOA. PRECEDENTE DO STJ. EXEGESE QUE SE COADUNA COM A CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA (DECRETO LEGISLATIVO N. 186/2008). POR MAIORIA, APELAÇÃO DESPROVIDA E SENTENÇA CONFIRMADA EM REEXAME NECESSÁRIO.(TJRS, Apelação e Reexame Necessário nº 70051457463, 1ª Câmara Cível, Re. Min, LUIZ FELIPE SILVEIRA DIFINI, julgado em 12/12/2012)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO. IPVA E ICMS. TUTELA ANTECIPADA. Ainda que a legislação estadual restrinja a isenção do ICMS e IPVA aos veículos automotores adaptados às necessidades do adquirente, em razão de deficiência física ou paraplegia (Decreto nº 37.699/97, art. 9º, XI, e Lei nº 8.115/85, art. 4º, VI), a proteção das pessoas portadoras de deficiências não se limita somente a tais, podendo ser tanto física, quanto auditiva, visual ou mental. In casu, restou demonstrado que a agravada sofre de deficiência mental, necessitando ser transportada ao hospital, em Porto Alegre, com freqüência, em razão de constantes convulsões. Desse modo, necessário para o transporte o veículo automotor cuja isenção de IPVA e ICMS se pleiteia a autorizar a concessão da tutela antecipada, manifesto o risco de lesão irreparável pela demora na prestação jurisdicional definitiva. Agravo desprovido. (TJRS, Agravo de Instrumento nº 70020233235, 2ª Câmara Cível, Rel. Min. JOÃO ARMANDO BEZERRA CAMPOS, julgado em 05/09/2007)
Evidente, portanto, que a autora preenche os requisitos para se enquadrar no conceito acima transcrito, uma vez que possui ausência completa de audição nos 02 (dois) ouvidos. o que, inclusive, foi comprovado através de laudo oficial.
Assim, o enquadramento da requerente na condição de pessoa com deficiência deve ser reconhecido para todos os fins, dentre os quais para a isenção de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e do Imposto sobre a Propriedade de Veículo Automotor (IPVA).
Ultrapassada tal questão, passo a analisar a observância dos demais requisitos legais para a concessão da isenção pleiteada.
Sob esse enfoque, quanto ao valor do bem objeto de litígio, é possível notar que o veículo que a parte pretende adquirir está avaliado, atualmente, em R$ 94.400,28 (noventa e quatro mil e quatrocentos reais e vinte e oito centavos), conforme proposta comercial anexa.
Com efeito, ainda que o valor do automóvel seja superior a R$ 70.000,00 (setenta mil reais), os atos normativos acima discriminados asseguram a possibilidade de isenção parcial àqueles veículos cujo valor final sugerido pelo fabricante não seja superior a R$ 100.000,00 (cem mil reais), o que se amolda ao caso em comento, já que o bem pretendido pela parte autora, embora supere o valor de R$ 70.000,00 (setenta mil reais), tem preço final inferior a R$ 100.000,00 (cem mil reais), o que permite aplicar a isenção parcial aos impostos em questão.
Saliento que, de acordo com o que demonstrado pela parte requerente, o requerimento administrativo somente não foi levado ao fim pela inexistência de hipótese específica no sistema informatizado do ente público, não havendo espaço para qualquer argumento no sentido de que a parte demandante não cumpriu com o procedimento previsto em lei para alcançar o benefício fiscal.
Em sendo assim, constatando-se que o requerimento administrativo foi impossibilitado por omissão da própria Administração Pública, a isenção será devida desde a ocorrência do fato gerador, que se consolidou, pela primeira vez, na data da aquisição.
Desta feita, concluo que a parte autora logrou êxito em comprovar os fatos constitutivos do seu direito, conforme exige o disposto no artigo 373, inciso I, do Código de Processo Civil, enquanto que a parte requerida não se desincumbiu em demonstrar a ocorrência de algum fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito autoral, razão pela qual o julgamento de procedência da ação é medida que se impõe.
3 Do dispositivo
Ao teor do exposto, com fulcro no artigo 487, inciso I, do Código Processual Civil, julgo parcialmente procedente o pedido inicial para reconhecer o direito da parte autora à isenção parcial do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto sobre a Propriedade de Veículo Automotor (IPVA) incidentes sobre a aquisição do veículo Pulse Drive 1.3 Flex, automático, 25/25, cor branca, bem como confirmo a tutela de urgência outrora concedida (evento 10).
4 Das disposições finais e complementares
Em atenção ao disposto no artigo 55 da Lei nº 9.099/95, deixo de condenar a parte vencida ao pagamento de custas processuais e de honorários advocatícios.
Ainda, nos termos do artigo 11 da Lei nº 12.153/2009 c/c o artigo 496, § 3º, inciso II, do Código de Processo Civil, deixo de submeter a presente sentença ao duplo grau de jurisdição obrigatório.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Goiânia, datado e assinado digitalmente.
Submeto este projeto de sentença à MM. Juíza de Direito para apreciação.
Letícia Moraes Rodrigues
Juíza Leiga
HOMOLOGAÇÃO
Examinei os presentes autos, avaliei os fundamentos apresentados acima e aprovo a conclusão externada pelo(a) juiz(a) leigo(a), sem ressalvas.
Por conseguinte, homologo o projeto de sentença, para que surta seus efeitos jurídicos, nos termos do artigo 40 da Lei nº 9.099/95.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Goiânia, datado e assinado digitalmente.
Jordana Brandão Alvarenga Pinheiro
Juíza de Direito
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