Processo nº 1021537-09.2024.8.11.0003
ID: 324647311
Tribunal: TJMT
Órgão: Terceira Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1021537-09.2024.8.11.0003
Data de Disponibilização:
14/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ROMARIO ALMEIDA FREIRE
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1021537-09.2024.8.11.0003 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Alienação Fiduciária] Relator: Des(a). ANTONIA…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1021537-09.2024.8.11.0003 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Alienação Fiduciária] Relator: Des(a). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES Turma Julgadora: [DES(A). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, DES(A). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, DES(A). DIRCEU DOS SANTOS] Parte(s): [ADRIANA FATIMA EMIDIO GOMES TAVARES - CPF: 001.324.246-65 (APELANTE), ROMARIO ALMEIDA FREIRE - CPF: 018.067.212-60 (ADVOGADO), AYMORE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A. - CNPJ: 07.707.650/0001-10 (APELADO), NELSON WILIANS FRATONI RODRIGUES - CPF: 668.018.009-06 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO. E M E N T A APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO – ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE O PEDIDO INICIAL E CONSOLIDOU A PROPRIEDADE DO BEM – AUSÊNCIA DE APREENSÃO DO VEÍCULO – IMPOSSIBILIDADE DE CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE SEM A EFETIVA POSSE DO CREDOR – NULIDADE DA SENTENÇA – NECESSIDADE DE PROSSEGUIMENTO DO FEITO ATÉ A LOCALIZAÇÃO DO BEM E OPORTUNIZAÇÃO DA PURGA DA MORA – SENTENÇA ANULADA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Nos termos do Decreto-Lei n. 911/69, a consolidação da propriedade e posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário somente ocorre após a efetiva execução da liminar de busca e apreensão e o decurso do prazo para purgação da mora, conforme art. 3º, § 1º. Constatado nos autos que o mandado de busca e apreensão foi devolvido sem cumprimento, com certidão negativa do Oficial de Justiça informando a não localização do bem, a consolidação da propriedade em favor do credor se mostra inviável. A ausência de apreensão do bem impede o início do prazo para a purgação da mora, que só se inicia após a execução da liminar e citação válida do devedor. TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO APELAÇÃO CÍVEL Nº 1021537-09.2024.8.11.0003 APELANTE: ADRIANA FÁTIMA EMÍDIO GOMES TAVARES APELADO: AYMORÉ CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A. RELATÓRIO EXMA. SRA. DESA. ANTÔNIA SIQUEIRA GONÇALVES (RELATORA) Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de apelação interposto por ADRIANA FÁTIMA EMÍDIO GOMES TAVARES contra sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Rondonópolis/MT, Dr. Luiz Antônio Sari, no bojo da Ação de Busca e Apreensão n. 1021537-09.2024.8.11.0003, que, ao final, julgou procedente o pedido autoral formulado pela AYMORÉ CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A., rescindindo o contrato entabulado entre as partes e consolidando em favor da apelada a posse plena e exclusiva do bem objeto de garantia fiduciária. Houve oposição de embargos de declaração em Id. 284261484, sendo estes, rejeitados em Id. 284261497. A apelante, em suas razões recursais, aduz que “Na origem, trata-se de AÇÃO DE BUSCA E APREENÇÃO ajuizada por Aymoré Crédito, Financiamento e Investimento S.A. em face da Requerida ora Apelante Adriana Fatima Emidio Gomes Tavares. A Apelada, alegou que celebrou contrato de financiamento com a Apelante, no qual foi adquirido um veículo, alienando-o fiduciariamente como garantia do pagamento das parcelas. Com o alegado inadimplemento das obrigações contratuais por parte da Apelante, A Autora ora Apelada ingressou com a presente ação, requerendo liminarmente a busca e apreensão do bem financiado. O pedido liminar foi deferido, mas o mandado de busca e apreensão foi devolvido sem cumprimento, conforme Id: 175117596” (sic). Afirma que “Em sua defesa, a Requerida ora Apelante apresentou contestação extemporânea, argumentando que havia vício na comprovação da mora, e ainda, que a alegada mora se deu por conduta da própria Apelada, que suspendeu unilateralmente a emissão dos boletos de pagamento antes mesmo de qualquer notificação extrajudicial. Tal fato foi comprovado por meio de prints e extratos emitidos pelo aplicativo da própria Apelada, documentos que evidenciam que a Requerida foi impedida de adimplir suas obrigações contratuais” (sic). Salienta que “A sentença proferida pelo juízo a quo é nula, pois está fundamentada em premissas equivocadas que violam disposições legais expressas e princípios processuais basilares. O magistrado considerou, de forma indevida, que a Ré foi regularmente citada e que o veículo objeto da alienação fiduciária foi apreendido, o que não encontra respaldo nos autos. Conforme certidão do Oficial de Justiça constante sob o Id: 175117596, a diligência de citação e apreensão foi negativa, o que torna insubsistente a decisão que consolidou a posse e o domínio do bem em favor da parte Autora. Nos termos do artigo 3º, § 1º, do Decreto-Lei nº 911/69, o prazo de cinco dias para a purgação da mora somente se inicia após o cumprimento da liminar de busca e apreensão e a citação válida da parte Ré. Esses dois requisitos são indispensáveis e cumulativos, pois garantem ao devedor fiduciário a oportunidade de exercer seu direito de purgar a mora e reaver o bem apreendido. No caso em tela, a ausência de citação válida e o não cumprimento da liminar configuram vício insanável, uma vez que inviabilizam o início do prazo legal para a purgação da mora, comprometendo a regularidade do processo e violando o contraditório e a ampla defesa” (sic). Defende que “A decisão que consolidou a posse e o domínio do bem em favor da parte Autora, sem que houvesse a citação válida da Ré e o cumprimento da liminar, afronta diretamente o disposto no Decreto-Lei nº 911/69. Trata-se de um erro grave, pois a citação é ato essencial para a formação válida da relação processual e para a garantia dos direitos da parte Ré. Sem a citação, a Ré foi colocada em situação de flagrante prejuízo, sendo privada de exercer plenamente seu direito de defesa, especialmente no que tange à possibilidade de purgar a mora no prazo legal. Ademais, a ausência de cumprimento da liminar de busca e apreensão impede a consolidação da posse e do domínio do bem em favor da parte Autora, pois o próprio Decreto-Lei nº 911/69 condiciona tal medida à efetiva apreensão do bem” (sic). Sustenta que “Não se pode admitir que o domínio e a posse sejam transferidos ao credor fiduciário sem que o veículo tenha sido apreendido, sob pena de violação ao devido processo legal e à segurança jurídica. Diante do exposto, é evidente que a sentença proferida padece de nulidade absoluta, devendo ser anulada para que sejam observados os requisitos legais indispensáveis à validade do processo” (sic). Afiança que “O artigo 3º, § 2º, do Decreto-Lei nº 911/69 estabelece de forma clara e inequívoca que o prazo de cinco dias para a purgação da mora somente se inicia após o cumprimento da liminar de busca e apreensão e a citação válida do devedor. Trata-se de requisito essencial e indispensável para que o credor fiduciário possa consolidar a posse e o domínio do bem em seu favor. No caso em análise, a sentença proferida pelo juízo a quo incorreu em grave equívoco ao consolidar a posse e o domínio do veículo em favor da parte autora, mesmo diante da ausência de cumprimento da liminar de busca e apreensão e da inexistência de citação válida da ré. Conforme consta nos autos, a diligência do oficial de justiça para cumprimento da liminar foi infrutífera, conforme certidão juntada (Id: 175117596). Assim, não houve a apreensão do bem, tampouco a citação válida da ré, o que inviabiliza o início do prazo legal para a purgação da mora. A ausência desses atos processuais essenciais configura vício insanável, que compromete a regularidade do procedimento e, consequentemente, torna inválida a consolidação da posse e do domínio do bem em favor do credor fiduciário. Ademais, o prazo de cinco dias para a purgação da mora, previsto no § 1º do artigo 3º do Decreto-Lei nº 911/69, é um direito assegurado ao devedor fiduciário, que somente pode ser exercido após a efetiva apreensão do bem e a sua citação. Ao desconsiderar essa exigência legal, a sentença violou o devido processo legal e o contraditório, princípios constitucionais que regem o ordenamento jurídico brasileiro. A consolidação da posse e do domínio do bem, sem que o prazo para purgação da mora tenha sequer se iniciado, configura manifesta afronta à legislação aplicável e aos direitos da ré” (sic). Diz que “No caso em tela, a Requerida demonstrou de forma inequívoca que a suposta mora decorreu de conduta exclusiva da própria Requerente, que suspendeu unilateralmente a emissão dos boletos de pagamento antes mesmo de qualquer notificação extrajudicial. Tal fato foi comprovado por meio de prints e extratos emitidos pelo aplicativo da própria Requerente, documentos que evidenciam que a Requerida foi impedida de adimplir suas obrigações contratuais. A conduta da Requerente, ao inviabilizar o pagamento das parcelas devidas, configura evidente má-fé e afronta ao princípio da boa-fé objetiva, que deve nortear as relações contratuais. A mora, por sua natureza, pressupõe o inadimplemento imputável ao devedor, o que não se verifica no presente caso. A suspensão dos boletos pela Requerente não apenas impossibilitou o cumprimento da obrigação pela Requerida, como também desconstituiu qualquer fundamento para a constituição válida da mora. Não se pode admitir que a Requerente se beneficie de sua própria torpeza ao criar artificialmente uma situação de inadimplemento para justificar a propositura da presente ação. Ademais, a notificação extrajudicial apresentada pela Requerente, ainda que formalmente válida, não tem o condão de suprir a ausência de condições materiais para o pagamento, uma vez que a própria Requerente inviabilizou o adimplemento ao suspender os boletos. A constituição em mora, para ser válida, exige não apenas a notificação do devedor, mas também a existência de condições objetivas para o cumprimento da obrigação, o que não ocorreu no caso concreto. Portanto, a ausência de mora válida, causada exclusivamente pela conduta da Requerente, retira o suporte jurídico necessário para a procedência da ação de busca e apreensão” (sic). Pondera que “No caso em análise, a conduta da Requerente revela flagrante violação a esse princípio, configurando abuso de direito e contradição em sua postura negocial. Conforme demonstrado nos autos, a Requerente aprovou a renegociação contratual com a Requerida, formalizada por meio do Aditivo de Renegociação nº 00664231926, conforme Id: 180493628. Tal renegociação foi aceita pela Requerente, que inclusive recebeu o pagamento inicial referente à nova pactuação, conforme comprovado nos documentos anexados (Id: 180493628 e Id: 180493629). A aprovação da renegociação e o recebimento do valor inicial caracterizam, de forma inequívoca, a intenção da Requerente de readequar o contrato, afastando, portanto, qualquer alegação de mora por parte da Requerida. Entretanto, de forma contraditória e abusiva, a Requerente dá seguimento à presente ação de busca e apreensão, ignorando a renegociação celebrada e o pagamento efetuado pela Requerida. Essa conduta não apenas afronta o dever de boa-fé objetiva, como também causa onerosidade excessiva à Requerida, que, ao aderir à renegociação, confiou na resolução do conflito contratual e na manutenção do vínculo jurídico” (sic). Mensura que “A manutenção da sentença que acolheu a pretensão da Requerente implicaria em validar uma conduta abusiva e desleal, em total afronta aos princípios que regem as relações contratuais no ordenamento jurídico brasileiro. Dessa forma, resta evidente que a mora imputada à Requerida foi desconstituída pela renegociação contratual aprovada pela própria Requerente. A continuidade da ação de busca e apreensão, diante desse contexto, é juridicamente insustentável e deve ser rechaçada. Por conseguinte, requer-se a reforma da sentença para julgar improcedente a presente ação, garantindo a observância do princípio da boa-fé objetiva e a proteção da parte hipossuficiente contra práticas abusivas” (sic). A par destes argumentos, pede o provimento do apelo, para “[...] • Seja concedido os benefícios da Gratuidade de Justiça à Requerida, inclusive em fase recursal. • Seja reconhecida a nulidade da r. Sentença proferida, diante da Ausência de Citação Pessoal e Ausência de Prazo para Purgar a Mora, bem como diante da Impossibilidade de Consolidação da Posse e Domínio do Bem pela Requerente ora Apelada; • Seja reformada a r. Sentença para julgar TOTAMENTE IMPROCEDENTE a presente Ação de Busca e Apreensão, Diante da Inexistência de Mora por Conduta da Requerente e do Comportamento Contraditório da Requerente ora Apelante, pela formulação de acordo extrajudicial refinanciando o contrato sub judice” (sic). As contrarrazões foram ofertadas no Id. 284260901, pugnando pelo desprovimento do recurso e consequente manutenção da sentença. Preparo recursal não recolhido, haja vista que a parte apelante possui justiça gratuita deferida nos autos, conforme Id. 284815867. É o relatório. VOTO EXMA. SRA. DESA. ANTÔNIA SIQUEIRA GONÇALVES (RELATORA) Egrégia Câmara: Recolhido o preparo, e estando adequado e tempestivo, CONHEÇO o apelo interposto, o que faço com fulcro no artigo 1.009 do Código de Processo Civil. Cinge a controvérsia recursal acerca da sentença julgou procedente o pedido autoral formulado pela AYMORÉ CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A., rescindindo o contrato entabulado entre as partes e consolidando em favor da apelada a posse plena e exclusiva do bem objeto de garantia fiduciária. Colaciono trecho da sentença exarada pelo juízo a quo: “Tratam os presentes autos de uma Ação de Busca e Apreensão, intentada por Aymoré Crédito, Financiamento e Investimento, com fundamento no Decreto-Lei nº 911/69, em desfavor de Adriana Fatima Emidio Gomes Tavares. Depois de acurada análise das razões de fato e de direito levada a efeito pelas partes e diante das provas colacionadas aos autos, tenho comigo que a presente ação merece acolhimento. Colhe-se dos elementos probatórios acostados aos presentes autos que o autor concedeu financiamento ao réu, mediante contrato, garantido por alienação fiduciária, onde a ré alienou fiduciariamente ao banco credor a veículo descrito e caracterizado no processo. Como a ré não honrou o compromisso assumido e estando em mora, o autor optou pela busca e apreensão do bem objeto da garantia. Presentes os requisitos formais para sua constituição, concernente em instrumento escrito, onde está consignado o total da dívida, o prazo e a forma de pagamento, a taxa de juros, a estipulação dos demais encargos, a descrição do objeto da alienação bem como os elementos de sua identificação, tornava-se inadmissível o indeferimento da liminar requerida, pois, para tanto, necessário apenas e tão somente a comprovação da mora ou inadimplemento do devedor. E, consoante se infere do processo o devedor está em mora que se constitui segundo os termos do art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei 911/69. Dessa sorte, o que é fundamental para dirimir a questão é saber se há mora. Esta, por descumprimento da obrigação contratual, ficou cabalmente comprovada. [...] Portanto, no caso em tela, a comprovação da mora ressai evidente, basta verificar o documento acostado aos autos. De outro norte, a parte ré, ao apresentar sua peça de bloqueio assevera que não fora constituída em mora, o que é imprescindível para que se tenha êxito no processo de busca e apreensão alicerçado na Lei de Alienação Fiduciária. Pois bem. De acordo com o Dec.-lei nº 911/69, o credor-fiduciário tem direito à liminar de busca e apreensão desde que comprovada a mora (art. 3º). A mora decorre do simples vencimento do prazo para pagamento, podendo ser comprovada por carta registrada com aviso de recebimento, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário (art. 2º, § 2º). In casu, a notificação extrajudicial expedida pela Instituição Financeira e encaminhada ao endereço da ré declinado no contrato celebrado entre as partes, mostra-se suficiente para a comprovação da mora. [...] De outro norte, o pedido de purgação da mora formulado pela parte ré não tem como vingar, por falta de amparo legal, senão vejamos. O art. 3º do Decreto-Lei n. 911/1969 faculta ao devedor a purgação da mora nas ações de busca e apreensão com o pagamento da integralidade da dívida compreendidas as prestações vencidas e vincendas, no prazo de cinco dias após a execução da liminar, ocasião em que lhe será restituído o bem, livre do ônus de propriedade. [...] E, no caso posto à liça, a ré efetuou o depósito à menor, qual seja, depositou apenas e tão somente o valor das parcelas vencidas Id 171375452, em total afronta à norma. De forma que, estando o contrato válido; demonstrado que fora efetuado a comunicação da mora; e, comprovada a inadimplência da ré de maneira translúcida, só há um caminho a ser trilhado, qual seja, a procedência da ação. Por fim, considerando os documentos colacionados ao processo, hei por bem em deferir o pedido de assistência judiciária à parte ré. É certo que o autor procurou desmerecer o pedido formulado pela ré – assistência judiciária, porém, não conseguiu derruir a pretensão.” (Id. 284261481) Pois bem. De maneira introdutória, a controvérsia recursal cinge-se à validade da consolidação da propriedade do veículo, objeto da busca e apreensão originária, qual seja: “MARCA: YAMAHA MODELO: FLUO 125 ABS ANO/MODELO: 2023 COR: PRETA PLACA: RRW9D18 RENAVAM: 001354262066 CHASSI: 9C6SEJ310R0016181” Compulsando detidamente os autos, verifico que apesar do Togado singular afirmar na sentença que “Deferido o pedido de liminar, expediu-se mandado de busca e apreensão, sendo a ré citada e o veículo apreendido.”, tal fato não restou demonstrado nos autos, de modo que, constou expressamente no Id. 175117596 (Autos de origem), certidão negativa do Oficial de Justiça dando conta de que não foi possível proceder com a apreensão do bem, vejamos: “CERTIDÃO NEGATIVA Diligência e Entrega de Mandados de Intimação, Citação, Notificação CERTIFICO que em cumprimento ao r/ mandado não foi possível proceder com a apreensão do bem descrito no mandado tendo em vista não o ter localizado por ocasião da realização da diligencia, não tendo ainda sido possível manter contato com o Devedor. Assim sendo, diante do exposto, não foi possível proceder ao cabal cumprimento da presente ordem judicial e faço sua devolução à origem. É o que me cumpre certificar [...]”. Dessa forma, o Decreto-Lei nº 911/1969, que disciplina a busca e apreensão de bens alienados fiduciariamente, prevê expressamente que a consolidação da propriedade no patrimônio do credor fiduciário depende da apreensão efetiva do bem. O art. 3º, §1º, do referido diploma legal estabelece que: “§1o Cinco dias após executada a liminar mencionada no caput, consolidar-se-ão a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes, quando for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária.” (Destaquei) Portanto, a consolidação da propriedade somente se opera em relação ao bem efetivamente apreendido, pois é a posse direta do credor sobre o bem que viabiliza a venda extrajudicial para abatimento do saldo devedor. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento consolidado sobre o tema, verbis: “AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ADMISSIBILIDADE. RECONSIDERAÇÃO. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO . ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA COM GARANTIA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. PURGAÇÃO DA MORA . NECESSIDADE DE PAGAMENTO DA INTEGRALIDADE DA DÍVIDA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CONHECIDO. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1 . Inexiste negativa de prestação jurisdicional quando a corte de origem examina e decide, de modo claro e objetivo, as questões que delimitam a controvérsia, não ocorrendo nenhum vício que possa nulificar o acórdão recorrido. 2. Nos contratos firmados na vigência da Lei n. 10.931/2004, compete ao devedor, no prazo de 5 dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida, sob pena de consolidação da propriedade do bem móvel objeto de alienação fiduciária (Tema n. 722 do STJ). 3. A incidência da Súmula n . 7 do STJ quanto à interposição pela alínea a do permissivo constitucional impede o conhecimento do recurso especial pela divergência jurisprudencial sobre a mesma questão. 4. Agravo interno desprovido.” (STJ - AgInt no AREsp: 2209359 GO 2022/0292381-1, Relator.: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 03/06/2024, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/06/2024) (Destaquei) “DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA . LIMINAR DE BUSCA E APREENSÃO DO BEM REVOGADA. DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA. RESTITUIÇÃO DE VEÍCULO AO DEVEDOR FIDUCIANTE. INVIABILIDADE, ANTE A SUA ALIENAÇÃO . RESTITUIÇÃO QUE DEVE OBSERVAR O VALOR MÉDIO DE MERCADO DO VEÍCULO À ÉPOCA DA BUSCA E APREENSÃO. MORA DESCARACTERIZADA. FIXAÇÃO DE MULTA COM BASE NO ART. 3º, § 6º, DO DECRETO-LEI N . 911/69. JULGAMENTO DE IMPROCEDÊNCIA. 1. Ação de busca e apreensão, em virtude de suposto inadimplemento de contrato de financiamento, garantido por alienação fiduciária . 2. Ação ajuizada em 16/11/2018. Recurso especial concluso ao gabinete em 22/04/2021. Julgamento: CPC/2015 . 3. O propósito recursal é definir i) qual é o valor a ser restituído à devedora fiduciante quando há venda extrajudicial do bem no bojo de ação de busca e apreensão posteriormente julgada extinta sem resolução do mérito - se o valor do veículo na Tabela FIPE à época da apreensão do bem ou se o valor propriamente obtido com a sua venda extrajudicial; e ii) se a condenação ao pagamento da multa prevista no art. 3º, § 6º, do DL 911/69 subsiste ainda que a ação de busca e apreensão tenha sido julgado extinta sem resolução do mérito. 4 . Após a execução da liminar de busca e apreensão do bem, o devedor terá o prazo de 5 (cinco) dias para pagar a integralidade da dívida pendente, oportunidade em que o bem lhe será restituído sem o respectivo ônus. Caso o devedor não efetue o pagamento no prazo legal, haverá a consolidação da propriedade e da posse plena e exclusiva do bem móvel objeto da alienação fiduciária no patrimônio do credor. 5. Consolidado o bem no patrimônio do credor, estará ele investido em todos os poderes inerentes à propriedade, podendo vender o bem . Se, contudo, efetivar a venda e a sentença vier a julgar improcedente o pedido, o risco do negócio é seu, devendo ressarcir os prejuízos que o devedor fiduciante sofrer em razão da perda do bem. 6. Privado indevidamente da posse de seu veículo automotor, a composição do prejuízo do devedor fiduciante deve traduzir-se no valor de mercado do veículo no momento de sua apreensão indevida (valor do veículo na Tabela FIPE à época da ocorrência da busca e apreensão). 7 . A multa prevista no art. 3º, § 6º, do Decreto-lei 911/69 não é cabível quando houver extinção do processo sem julgamento do mérito. 8. No entanto, uma vez demonstrada, no ajuizamento da ação, a devida constituição em mora do fiduciante, a sua descaracterização - porque reconhecida, a partir da análise das cláusulas pactuadas, a abusividade dos encargos no período de normalidade contratual - implica o julgamento de improcedência do pedido de busca e apreensão e não a extinção do processo sem resolução do mérito . 9. Recurso especial conhecido e não provido, com majoração de honorários.” (STJ - REsp: 1933739 RS 2021/0115960-9, Relator.: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 15/06/2021, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/06/2021) (Destaquei) Dessa forma, não tendo sido o veículo objeto da busca e apreensão apreendido, resta impossibilitada a consolidação da propriedade em face da empresa apelada, razão pela qual a sentença deve ser anulada, para que o feito tenha prosseguimento em relação ao bem não apreendido. Em outras palavras, consolida-se a propriedade apenas em relação ao bem previamente apreendido, uma vez que, o prazo para purgação da mora, estabelecido no art. 3º, §2º, do Decreto-Lei nº 911/69, inicia-se com a ciência do devedor sobre a execução da liminar. O Tribunal de Justiça de Mato Grosso já decidiu em casos semelhantes: “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO – DECRETO-LEI Nº 911/69 – SENTENÇA QUE CONFIRMOU A LIMINAR E CONSOLIDOU A PROPRIEDADE DOS BENS NO PATRIMÔNIO DO CREDOR – APENAS UM VEÍCULO APREENDIDO – IMPOSSIBILIDADE DE CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE DO BEM NÃO LOCALIZADO – NECESSIDADE DE PROSSEGUIMENTO DO FEITO EM RELAÇÃO AO VEÍCULO REMANESCENTE – SENTENÇA ANULADA – RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. Nos termos do art. 3º, §1º, do Decreto-Lei nº 911/69, a consolidação da propriedade e posse do bem no patrimônio do credor fiduciário somente ocorre após a apreensão efetiva do veículo e a não purgação da mora no prazo legal. A consolidação da propriedade de bem não apreendido configura erro processual, pois inviabiliza a futura busca e apreensão e impede que o credor fiduciário adote medidas para recuperar o veículo, prejudicando o cumprimento da garantia contratual. O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento consolidado de que não apreendido o bem, a busca e apreensão deve prosseguir, não sendo possível a consolidação da propriedade sem a efetiva posse do credor (STJ, AgInt no REsp 1.959.382/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 10/08/2023).” (N.U 1003778-37.2021.8.11.0003, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, DIRCEU DOS SANTOS, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 24/02/2025, Publicado no DJE 24/02/2025) (Destaquei) “DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. APELAÇÃO. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO DE VEÍCULO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. PRAZO PARA PURGAÇÃO DA MORA. CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE E DA POSSE. RECURSO NÃO PROVIDO. I. CASO EM EXAME Agravo Interno interposto de decisão que negou provimento ao Recurso e majorou os honorários advocatícios de 10% para 12% sobre o valor da causa, com a ressalva prevista no art. 98, §3º, do CPC. O agravante alega que a interpretação estrita do prazo de 5 dias para purgação da mora ignora a possibilidade de flexibilização diante da quitação efetiva da dívida, argumentando que isso prejudica a função social do contrato e a boa-fé objetiva, conforme o art. 422 do Código Civil. Requer a reconsideração da decisão ou, alternativamente, o julgamento colegiado do recurso. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Verificar se houve violação ao direito do devedor de purgar a mora, conforme art. 3º, §2º, do Decreto-Lei nº 911/69, diante da quitação da dívida fora do prazo legal de cinco dias. III. RAZÕES DE DECIDIR O prazo para purgação da mora, estabelecido no art. 3º, §2º, do Decreto-Lei nº 911/69, inicia-se com a ciência do devedor sobre a execução da liminar, geralmente com a citação. Esse prazo é de 5 (cinco) dias e, se não cumprido, resulta na consolidação da propriedade e da posse do bem no patrimônio do credor fiduciário, o que ocorreu no presente caso. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso Não Provido. Tese de julgamento: O prazo de 5 (cinco) dias para a purgação da mora, nos contratos regidos pelo Decreto-Lei nº 911/69, é peremptório e deve ser cumprido, sob pena de consolidação da propriedade e da posse do bem no patrimônio do credor fiduciário. Dispositivos relevantes citados: CPC, art. 98, §3º; Decreto-Lei nº 911/69, art. 3º, §§2º e 3º. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt nos EDcl no AREsp 1744777/GO, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, Quarta Turma, j. 20/09/2021, DJe 23/09/2021. TJMT, Apelação nº 1000362-56.2024.8.11.0003, Quarta Câmara de Direito Privado, j. 25/11/2024, DJE 26/11/2024.” (N.U 1003716-62.2021.8.11.0046, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 14/03/2025, Publicado no DJE 14/03/2025) (Destaquei) Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de apelação, para anular a sentença de piso para que o feito prossiga até a localização do bem objeto da lide, e sendo este localizado, que se oportunize a parte ré a purga da mora, no modo como estabelecido em contrato. Diante do provimento parcial do recurso, não há que se falar em majoração ou fixação de honorários sucumbenciais recursais (STJ. AgInt nos EDcl no REsp nº 1.357.561/MG - Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – 3ª Turma - DJe 19-4-2017). É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 09/07/2025
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