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Pedro Ferreira Faustino x Azul Linhas Aéreas Brasileiras S.A. e outros

ID: 261490665

Tribunal: TJMT Órgão: 2º JUIZADO ESPECIAL DE VÁRZEA GRANDE Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL Nº Processo: 1001246-54.2025.8.11.0002

Data de Disponibilização: 28/04/2025

Polo Ativo:

PEDRO FERREIRA FAUSTINO

Polo Passivo:

AZUL LINHAS AÉREAS BRASILEIRAS S.A. BOOKING.COM BRASIL SERVIÇOS DE RESERVA DE HOTÉIS LTDA

Sentença

Advogados:

FLAVIO IGEL

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

MARCELO KOWALSKI TESKE

OAB/SC XXXXXX Desbloquear

EMANUELLE CATHERINE DA FONSECA CANEPPELE

OAB/MS XXXXXX Desbloquear

SENTENÇA Processo: 1001246-54.2025.8.11.0002 RECLAMANTE: PEDRO FERREIRA FAUSTINO RECLAMADAS: AZUL LINHAS AÉREAS BRASILEIRAS S.A. (1ª RECLAMADA) e BOOKING.COM BRASIL SERVIÇOS DE RESERVA DE HOTÉIS LTDA… SENTENÇA Processo: 1001246-54.2025.8.11.0002 RECLAMANTE: PEDRO FERREIRA FAUSTINO RECLAMADAS: AZUL LINHAS AÉREAS BRASILEIRAS S.A. (1ª RECLAMADA) e BOOKING.COM BRASIL SERVIÇOS DE RESERVA DE HOTÉIS LTDA. (2ª RECLAMADA) Vistos, 1. SÍNTESE DOS FATOS Relatou o reclamante que, por intermédio da plataforma da 2ª ré (BOOKING), adquiriu uma passagem aérea da 1ª reclamada (AZUL), a fim de realizar uma viagem do Rio de Janeiro/RJ para Cuiabá/MT. Alegou que, pela passagem, despendeu o valor de R$ 683,61 (seiscentos e oitenta e três reais e sessenta e um centavos). Destacou que, às vésperas do embarque, foi surpreendido pelo cancelamento unilateral do voo pela companhia aérea. Informou que, na ocasião, foram oferecidas opções de remarcação da passagem ou cancelamento com reembolso. O reclamante destacou que, por acreditar que o reembolso seria integral, optou pelo cancelamento, bem como que diante do cancelamento do voo, teve de adquirir uma nova passagem de última hora. Aduziu que, posteriormente, tomou conhecimento de que as rés iriam reembolsar apenas R$ 108,90 (cento e oito reais e noventa centavos), ou seja, menos de 20% do valor pago. Salientou que, apesar de ter contatado as empresas visando obter o reembolso integral, até a presente data não obteve resposta. Destacou também que não conseguiu solucionar a questão por meio do PROCON e que os referidos fatos lhe proporcionaram prejuízos. Nos pedidos, requereu a indenização por danos morais e materiais. Na contestação (Id. 185921879), a 1ª reclamada (AZUL) esclareceu que, em decorrência de uma alteração na malha aérea ocorrida em 13/11/2024, o voo contratado pelo reclamante teve de ser alterado. Sustentou ter comunicado o passageiro sobre a alteração, bem como para que o mesmo pudesse solicitar o cancelamento ou remarcar a data/horário. Destacou que não obteve resposta por parte do consumidor ou da agência de viagens, motivo pelo qual, como o passageiro não compareceu no embarque, restou caracterizado no show. Defendeu que não pode ser responsabilizada por um fortuito externo e ainda, que inexistem danos morais ou materiais a serem indenizados. Ao final, pugnou pela improcedência dos pedidos. Ao protocolar a sua defesa (Id. 185941920), a 2ª reclamada (BOOKING) sustentou que a alegada intercorrência foi ocasionada em razão do cancelamento das passagens pela companhia aérea. Defendeu apenas ter intermediado o processo de emissão das passagens, bem como que não pode ser responsabilizada por um fato ocasionado por terceiro, motivo pelo qual, entende que inexistem danos indenizáveis. Por fim, requereu a improcedência da demanda. Dispensado o relatório mais detalhado nos termos do artigo 38 da Lei 9.099/95. Passo a fundamentar e a decidir. 2. FUNDAMENTOS Das preliminares. - Da ilegitimidade passiva da AZUL. Com o devido respeito às considerações da 1ª reclamada (AZUL), entendo que as mesmas não reivindicam guarida. Ainda que a aquisição das passagens tenha sido intermediada por uma agência de viagens, fato é que, nos termos dos documentos anexados ao Id. 180939832, a efetiva prestação do serviço de transporte era incumbência da companhia AZUL. Logo, se a reclamante sustenta que o voo originalmente contratado foi cancelado pela companhia aérea, entendo que a 1ª reclamada conserva total legitimidade para figurar no polo passivo. Ante o exposto, rejeito a preliminar arguida. - Da política comercial da Azul e da qualidade do serviço prestado. Considerando que a exposição da 1ª reclamada (AZUL) é irrelevante para o esclarecimento dos fatos que estão sendo debatidos, o juízo deixará de analisar a “preliminar” em questão. - Da aplicabilidade do Código Brasileiro de Aeronáutica em detrimento do Código de Defesa do Consumidor. Apesar das considerações da 1ª requerida (AZUL), convém rememorar à mesma que o vínculo estabelecido entre os litigantes se caracteriza como uma relação de consumo. Considerando que o cerne da lide está relacionado à responsabilidade civil proveniente de uma possível falha na prestação de serviços por parte da empresa de transporte aéreo, tenho que o Código Brasileiro da Aeronáutica não prevalece sobre o Código do Consumidor, o que, inclusive, está em conformidade com o posicionamento jurisprudencial. Nesse sentido, segue destacada a jurisprudência do TJMT: “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ATRASO SIGNIFICATIVO DE VOO. FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. PREVALÊNCIA DO CDC EM RELAÇÃO AO CBA. PASSAGEIRA MENOR IMPÚBERE. REPARAÇÃO DEVIDA. VALOR MANTIDO. RECURSO NÃO PROVIDO. O Código de Defesa do Consumidor prevalece em relação ao Código Brasileiro de Aeronáutica nos casos de responsabilidade civil decorrente de má prestação dos serviços pela Companhia Aérea. O atraso do voo e por readequação da malha viária, cumulado com a ausência de assistência no aeroporto configura falha no serviço, impondo à companhia aérea o dever de indenizar. Deve ser mantido o valor da reparação arbitrado com razoabilidade, proporcionalidade e em observância ao grau de culpa do ofensor, à extensão dos danos e à capacidade econômica das partes. (TJ-MT 10543192820198110041 MT, Relator: RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Data de Julgamento: 01/06/2022, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 02/06/2022).”. (Destaquei). Destarte, rejeito a preliminar em questão. - Da ilegitimidade passiva da BOOKING. Após refletir sobre os argumentos ventilados pela 2ª reclamada (BOOKING), tenho que os mesmos comportam acolhimento. Extrai-se dos documentos anexos ao Id. 180939832 que a agência BOOKING se limitou a intermediar a venda de bilhetes aéreos para o reclamante. Ademais, é de bom alvitre registrar que, consoante pacífico posicionamento jurisprudencial, somente é admitida a responsabilidade solidária das agências de viagens em caso de eventual comercialização de um “pacote turístico”, o que, reitero, não se amolda à presente lide e, por consequência, afasta a responsabilidade da BOOKING com qualquer infortúnio que porventura guarde relação com os voos que deveriam ser operados pela AZUL. Nesse sentido, segue destacada, por analogia, a jurisprudência da 1ª Turma Recursal de MT: “RECURSO INOMINADO - AÇÃO INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - TRANSPORTE AÉREO - CANCELAMENTO DE VOO – AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA DA INTERMEDIADORA DE VENDAS DE PASSAGENS AÉREAS - CULPA EXCLUSIVA DE TERCEIRO - ILEGITIMIDADE PASSIVA RECONHECIDA - SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. Admite-se a responsabilidade solidária das agências de turismo apenas na comercialização de pacotes de viagens e, no presente caso, o serviço prestado pela empresa foi exclusivamente a venda de passagens aéreas, circunstância que afasta a sua responsabilidade pelo efetivo cumprimento do contrato de transporte aéreo na situação de alteração e/ou cancelamento de voo. (TJ-MT - RECURSO INOMINADO: 1005612-90.2023.8 .11.0040, Relator.: EULICE JAQUELINE DA COSTA SILVA CHERULLI, Data de Julgamento: 22/04/2024, Primeira Turma Recursal, Data de Publicação: 29/04/2024).”. (Destaquei). Ante o exposto, ACOLHO a preliminar de ilegitimidade passiva arguida pela 2ª reclamada (BOOKING). Do julgamento antecipado. Compulsando os autos, verifico que não há necessidade de serem produzidas outras provas, razão pela qual o julgamento antecipado da lide, nos moldes do art. 355, I, do CPC é a medida adequada. Do Mérito. Insta assentar que o presente caso é regulado pelo Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista que a parte autora é a destinatária final da prestação do serviço de transporte aéreo, enquanto a 1ª reclamada (AZUL) figura como fornecedora, enquadrando-se nos conceitos legais dos artigos 2º e 3º da Lei nº 8.078/90. Em consonância com o artigo 6º, VIII, do CDC, DEFIRO a inversão do ônus da prova em favor do reclamante. Após promover a análise das manifestações e provas vinculadas ao caderno processual, tenho que o direito milita parcialmente em favor das pretensões de ingresso. Inicialmente, seguem colacionados os dados da reserva (bilhete aéreo) adquirida pelo reclamante (Id. 180939832): No tocante à alteração/cancelamento dos voos originalmente contratados pelo reclamante, os quais estavam previstos para a data de 14/11/2024, verifico que tal fato se revelou incontroverso, pois, em sede de contestação, a própria companhia AZUL reconheceu que, em decorrência de questões relacionadas à malha aérea, ocorridas em 13/11/2024, os voos tiveram de ser alterados. Com a devida vênia à tese de defesa, entendo que não há como deixar de reconhecer que houve uma falha na prestação dos serviços por parte da 1ª requerida. Ressalto que eventuais problemas operacionais, como é o caso da alegada alteração na malha aérea, até podem ser considerados como casos fortuitos, contudo imperioso registrar que a situação mencionada pela 1ª requerida não é estranha às atividades típicas desenvolvidas pela mesma, consistindo em um verdadeiro fortuito interno. Logo, por tratar de um fato intrínseco à prestação do serviço de transporte aéreo, entendo que a “justificativa” apresentada na contestação não pode ser utilizada como pretexto para eximir a companhia ré de suas obrigações, ou seja, cumprir o contrato nos termos originalmente pactuados, consoante artigo 737 do Código Civil, in verbis: “Art. 737. O transportador está sujeito aos horários e itinerários previstos, sob pena de responder por perdas e danos, salvo motivo de força maior.”. (Destaquei). Acerca do tema, oportuno transcrever os ensinamentos do doutrinador Bruno Miragem (Miragem, Bruno. Curso de direito do consumidor – 6. Ed. ver., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 614/615): “Todavia, refira-se, que no direito do consumidor, considerando que o regime de responsabilidade objetiva tem por fundamento o profissionalismo dos fornecedores e a existência do defeito, admite-se atualmente a distinção entre caso fortuito interno e caso fortuito externo, segundo os termos que já estabelecemos acima. Nesse sentido, de regra só é considerada excludente da responsabilidade do fornecedor o chamado caso fortuito externo, ou seja, quando o evento que dá causa ao dano é estranho à atividade típica, profissional, do fornecedor. Apenas nesta condição estará apta a promover o rompimento do nexo de causalidade, afastando totalmente a conduta do fornecedor como causadora do dano sofrido pelo consumidor. (...)”. (Destaquei). Tratando o vínculo existente entre as partes de uma relação consumerista, entendo que a 1ª reclamada, na condição de fornecedora, assume todos os riscos do seu negócio (Teoria do Risco do Empreendimento), razão pela qual, deveria adotar medidas para evitar que consumidores como o reclamante fossem prejudicados. A meu ver, a fim de demonstrar que não houve nenhuma falha na prestação dos seus serviços, caberia à 1ª reclamada simplesmente ter demonstrado que comunicou o passageiro dentro do prazo previsto no artigo 12 da Resolução nº 400/2016 da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), cuja redação segue destacada: “Art. 12. As alterações realizadas de forma programada pelo transportador, em especial quanto ao horário e itinerário originalmente contratados, deverão ser informadas aos passageiros com antecedência mínima de 72 (setenta e duas) horas.”. (Destaquei). Consoante pode ser observado nas telas sistêmicas colacionadas ao corpo da contestação, mesmo a viagem estando programada para às 16h25 do dia 14/11/2024, o alegado alerta sobre a alteração do voo somente foi supostamente expedido no dia anterior (13/11/2024), ou seja, o prazo mínimo para que houvesse a comunicação prévia do passageiro não foi respeitado. Acerca do tema, transcrevo abaixo, por analogia, a jurisprudência do TJSC: “RECURSO INOMINADO. RELAÇÃO DE CONSUMO. TRANSPORTE AÉREO. VOO INTERNACIONAL. ALTERAÇÃO DO VOO PELA COMPANHIA AÉREA DE FORMA UNILATERAL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DOS REQUERENTES. INOBSERVÂNCIA DO PRAZO DE ANTECEDÊNCIA MÍNIMA DE 72 (SETENTA E DUAS) HORAS PARA COMUNICAÇÃO DE ALTERAÇÃO AO PASSAGEIRO (ARTIGO 12, DA RESOLUÇÃO N. 400/2016, DA ANAC). FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO EVIDENCIADA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS NA HIPÓTESE, CONSIDERANDO QUE O CANCELAMENTO RESULTOU EM ATRASO SUPERIOR A 04 (QUATRO) HORAS PARA CHEGADA AO DESTINO, COMPROMETENDO O PLANEJAMENTO DAS FÉRIAS. TRANSTORNOS E FRUSTRAÇÃO QUE ULTRAPASSAM OS MEROS DISSABORES. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJ-SC - RECURSO CÍVEL: 5011223-98.2023.8 .24.0005, Relator.: Margani de Mello, Data de Julgamento: 09/04/2024, Segunda Turma Recursal).”. (Destaquei). Convém reiterar que, em razão da alteração unilateral do voo por parte da companhia, bem como considerando que não foi apresentada ao passageiro nenhuma proposta de realocação para outro voo na mesma data, o requerente acabou sendo compelido a despender valores para adquirir outra passagem com a companhia LATAM, conforme pode ser atestado no Id. 180939834. Insta salientar, nos termos das telas sistêmicas da companhia aérea, que, em total desrespeito à pessoa do passageiro, bem como ignorando que o mesmo poderia ter compromissos na cidade de destino na data da viagem originalmente programada (14/11/2024), a AZUL alterou o embarque unilateralmente apenas para 19/11/2024. Outrossim, o juízo verificou que, ao tomar conhecimento sobre a situação (cancelamento/alteração) relacionada ao seu voo, o reclamante informou imediatamente o fato à intermediadora da venda das passagens e ainda, externou o seu desejo de obter o reembolso integral (Id. 180939835), o que, com a devida vênia à tese da companhia aérea, afasta a caracterização de no show. Ressalto que, caso tenha ocorrido eventual falha ou ausência de comunicação entre a agência de viagens (BOOKING) e a companhia aérea (AZUL), tal fato não deve reverberar em hipótese alguma em detrimento do consumidor, o qual, reitero, não foi comunicado sobre a alteração do voo pela AZUL dentro do prazo mínimo estabelecido pela legislação setorial e ainda, foi compelido a adquirir uma passagem com a LATAM para seguir viagem na data originalmente contratada. Como se não bastasse, a prova anexada ao Id. 180939833 demonstra que a AZUL apresentou ao requerente uma irrisória proposta de reembolso, o que, por conseguinte, faz emergir o conhecimento da companhia acerca da opção escolhida pelo passageiro (cancelamento c/c reembolso). Considerando que o reclamante não usufruiu da viagem programada para 14/11/2024 por culpa exclusiva da companhia aérea, a qual alterou o voo de forma unilateral e deixou de comunicar previamente o passageiro dentro do prazo previsto pela ANAC, entendo que a 1ª reclamada praticou um reprovável ato ilícito (artigo 186 do Código Civil) e, nos termos do artigo 927 do Código Civil, deve ser civilmente responsabilizada. Portanto, com amparo nos fundamentos supracitados, entendo que a AZUL deve ser compelida a restituir ao consumidor não só o valor correspondente aos bilhetes originais (R$ 683,61 – Id. 180939832), sem qualquer dedução/multa, como também o montante correspondente à aquisição da nova passagem aérea (R$ 2.560,66 – Id. 180939834), obviamente já considerando a dedução da passagem original, até mesmo para não fomentar o locupletamento indevido do consumidor. Visando corroborar toda a fundamentação apresentada, colaciono abaixo, por analogia, a jurisprudência do TJPR: “RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. CANCELAMENTO DE VOO. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. COMPRA DE NOVAS PASSAGENS E GASTOS COM LOCOMOÇÃO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA COMPANHIA AÉREA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. DANOS MATERIAIS CONFIGURADOS. AUSÊNCIA DE PROVAS DE LESÃO A DIREITOS DE PERSONALIDADE. DANOS MORAIS NÃO CARACTERIZADOS. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. Recurso conhecido e parcialmente provido. (TJ-PR 00154762220238160044 Apucarana, Relator.: José Daniel Toaldo, Data de Julgamento: 21/10/2024, 5ª Turma Recursal dos Juizados Especiais, Data de Publicação: 21/10/2024).”. (Destaquei). Já no que tange à pretensão indenizatória por danos morais, consigno que a mesma, excepcionalmente, reivindica acolhimento. A princípio, consigno que uma situação de descumprimento contratual não seria suficiente para ensejar o reconhecimento da violação de qualquer atributo relacionado à personalidade do reclamante. Ressalto, no entanto, que em decorrência da alteração/cancelamento do seu voo por parte da companhia aérea e ainda, considerando que a fornecedora deixou de expedir a notificação prévia no prazo mínimo estabelecido pela ANAC, o reclamante acabou sendo compelido a adquirir uma nova passagem com a LATAM em 14/11/2024 e o pior, por um valor bem mais expressivo. Como se não bastasse, destaco que o reclamante não conseguiu solucionar a questão administrativamente, pois, a proposta de reembolso era consideravelmente inferior ao valor despendido no momento de sua aquisição e, definitivamente, colocava o consumidor em uma posição de desvantagem exagerada. No que tocante à reparação do dano, por tratar o vínculo existente entre as partes de uma relação regida pelo Código do Consumidor, incide a responsabilidade civil objetiva, ou seja, aquela que prescinde a demonstração do elemento culpa. O diploma consumerista preceitua em seu artigo 14 que: “Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”. (Destaquei). A meu ver, inexistem dúvidas de que os fatos debatidos nos autos provocaram ao reclamante transtornos, aflição e angústia, na extensão suficiente para caracterizar o dano moral, superando a esfera de um mero dissabor, uma vez que, não bastasse a alteração unilateral do voo e a ausência de aviso prévio (mínimo) sobre a modificação, o consumidor não obteve sucesso em ver restituído o valor das passagens na esfera administrativa, sendo praticamente compelido a buscar auxílio perante o Poder Judiciário. No tocante a prova do abalo imaterial, entendo que a mesma é prescindível, haja vista que o prejuízo suportado pelo consumidor decorre diretamente do ato ilícito praticado pela 1ª reclamada. No intuito de respaldar toda a fundamentação apresentada, segue colacionada, por analogia, a jurisprudência da Primeira Turma Recursal de MT: “RECURSO INOMINADO CÍVEL. CONSUMIDOR. TRANSPORTE AÉREO DE PASSAGEIROS. ALTERAÇÃO DE DATA DE VOO DE VOLTA. ALEGAÇÃO DE REORGANIZAÇÃO DE MALHA AÉREA. AUSÊNCIA DE PROVA DA NOTIFICAÇÃO ANTECEDENTE. ADEQUAÇÃO DO CONSUMIDOR QUE NÃO EXIME A RESPONSABILIDADE DA EMPRESA. DANO MATERIAL DEMONSTRADO. RESTITUIÇÃO SIMPLES CORRIGIDA. DANO MORAL EXCEPCIONALMENTE EVIDENCIADO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1- O cancelamento imotivado de voo, com reflexo em planejamento prévio do consumidor, sem comunicação prévia, constitui falha na prestação do serviço. A opção promovida pelo consumidor para utilização do bilhete na forma disponibilizada, não exime a Empresa de sua responsabilidade na prestação defeituosa do serviço. 2- As despesas ocorridas, em decorrência da má prestação do serviço, devem ser restituídas. 3- A repetição do indébito só se dará na forma dobrada, quando demonstradas as condições e respeitado o limite temporal fixado no Tema 929/STJ. 4- O descumprimento contratual, por si só, não gera indenização extrapatrimonial. Contudo, a situação fática é que vai indicar eventual excesso praticado pelo fornecedor que extrapole o mero aborrecimento. 5- Na fixação do valor do dano moral, deve o julgador observar as particularidades do caso concreto, dentre as quais as condições e capacidade das partes, o grau de culpa, caráter reparatório sem importar em enriquecimento sem causa, estabelecendo o montante pelos critérios da razoabilidade e proporcionalidade. (TJ-MT - RECURSO INOMINADO: 10089792720238110007, Relator.: WALTER PEREIRA DE SOUZA, Data de Julgamento: 20/06/2024, Primeira Turma Recursal, Data de Publicação: 21/06/2024).”. (Destaquei). Quanto ao valor, o arbitramento considera as circunstâncias do caso concreto, leva-se em consideração as condições das partes, o grau de culpa e, principalmente, a finalidade de compensar o dano ocorrido, bem como inibir a conduta abusiva. Deve-se atentar ainda ao princípio da razoabilidade a fim de que o valor não seja meramente simbólico, passível de retirar o caráter reparatório da sanção, mas, também, de modo que não seja extremamente gravoso ao ofensor. Feitas as devidas considerações e ainda, a fim de evitar o locupletamento indevido do reclamante, entendo como justa e adequada a fixação do dano moral em R$ 4.000,00 (quatro mil reais). - Da correção monetária e dos juros. Conceitualmente, oportuno registrar que a correção/atualização monetária detém a finalidade de recompor a desvalorização da moeda em decorrência da inflação. Já do que diz respeito aos juros moratórios, os mesmos visam indenizar um prejuízo proveniente de uma mora ou ainda, do inadimplemento de determinada obrigação. Pois bem, recentemente entrou em vigor a Lei Federal nº 14.905/2024, a qual promoveu relevante alteração no Código Civil sobre disposições relacionadas à aplicabilidade da correção monetária e dos juros. Reza o artigo 389, parágrafo único, do Código Civil que: “Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros, atualização monetária e honorários de advogado. (Redação dada pela Lei nº 14.905, de 2024) Parágrafo único. Na hipótese de o índice de atualização monetária não ter sido convencionado ou não estar previsto em lei específica, será aplicada a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apurado e divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou do índice que vier a substituí-lo. (Incluído pela Lei nº 14.905, de 2024)”. (Destaquei). Além disso, dispõe o artigo 406, §§ 1º, 2º e 3º, do Código Civil que: “Art. 406. Quando não forem convencionados, ou quando o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, os juros serão fixados de acordo com a taxa legal. (Redação dada pela Lei nº 14.905, de 2024) § 1º A taxa legal corresponderá à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), deduzido o índice de atualização monetária de que trata o parágrafo único do art. 389 deste Código. (Incluído pela Lei nº 14.905, de 2024) § 2º A metodologia de cálculo da taxa legal e sua forma de aplicação serão definidas pelo Conselho Monetário Nacional e divulgadas pelo Banco Central do Brasil. (Incluído pela Lei nº 14.905, de 2024) § 3º Caso a taxa legal apresente resultado negativo, este será considerado igual a 0 (zero) para efeito de cálculo dos juros no período de referência. (Incluído pela Lei nº 14.905, de 2024)”. (Destaquei). É de bom alvitre destacar que a taxa SELIC (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia) possui natureza mista, pois, compreende em sua formação tanto o indexador monetário quanto os juros, o que, por consequência, justifica a previsão legal acerca da necessidade de deduzir da referida taxa o índice de atualização (IPCA), até mesmo para evitar bis in idem. Destarte, em conformidade com a alteração legislativa inerente ao tema, consigno que, na presente demanda, a correção monetária será realizada com base no índice IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) e os, juros, por sua vez, corresponderão à taxa legal (SELIC). Visando corroborar a sucinta fundamentação supra, transcrevo abaixo um julgado do STJ: “AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO PRESTAMISTA. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. TERMOS INICIAIS. DATA DA CONTRATAÇÃO E DA CITAÇÃO. ALTERAÇÃO DO INDEXADOR. INVIABILIDADE, AUSÊNCIA DE PREVISÃO CONTRATUAL. TAXA SELIC. INCIDÊNCIA. SUBSTITUIÇÃO DO INDEXADOR E DOS JUROS A PARTIR DA CITAÇÃO. REFORMATIO IN PEJUS. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS HÁBEIS PARA INFIRMAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO IMPUGNADA. 1. Nos casos de responsabilidade contratual, os termos iniciais da correção monetária e dos juros de mora são, respectivamente, a data da contratação e a da citação. 2. Ausente previsão contratual diversa, a atualização monetária do débito deve ser feita pelo IPCA e, por força do disposto no art. 406 do Código Civil, pela taxa Selic, que já comporta, em sua formação, o indexador monetário e os juros. 3. Se a decisão mantém todos os direitos antes reconhecidos, apenas ajustando o decidido aos parâmetros já definidos pelo STJ para a atualização de débitos judiciais, não há falar em reformatio in pejus. 4. Eventual decréscimo financeiro decorrente da flutuação futura de índices não pode ser compreendido como reforma em prejuízo da parte que recorreu. 5. Mantém-se a decisão cujos fundamentos não são infirmados pela parte recorrente. 6. Agravo interno desprovido. (STJ - AgInt no AREsp: 2473347 SC 2023/0364700-0, Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 12/08/2024, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/08/2024).”. (Destaquei). 3. DISPOSITIVO Ante o exposto, no que se refere à 2ª reclamada (BOOKING), ACOLHO a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam e, nos termos do artigo 485, VI, do CPC, EXTINGO o processo sem julgamento do mérito. Concernente à 1ª ré (AZUL), rejeito as preliminares arguidas e, no tocante ao mérito da lide, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES as pretensões deduzidas na petição inicial, extinguindo o processo com resolução do mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC, para: 1) Condenar a 1ª reclamada (AZUL) ao pagamento dos danos morais no valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), sobre o qual incidirão juros de mora correspondentes à taxa SELIC, a serem calculados a partir da citação (artigo 405 do Código Civil), devendo ainda ser deduzido do período a correção monetária (IPCA), conforme disposição do artigo 406, § 1º, do Código Civil. Saliento que, a partir do arbitramento da condenação (Súmula 362 do STJ), a correção monetária e os juros incidirão apenas com base na taxa SELIC, diante da natureza mista da mencionada taxa. 2) Condenar a 1ª reclamada (AZUL) ao pagamento dos danos materiais (referente a aquisição dos bilhetes originais) no valor de R$ 683,61 (seiscentos e oitenta e três reais e sessenta e um centavos), a ser corrigido pelo índice IPCA (artigo 389, parágrafo único, do Código Civil) a partir do efetivo prejuízo (Súmula 43 do STJ), ou seja, a data em que foram despendidos valores com a aquisição das passagens (01/11/2024). Ressalto que, a partir da citação (artigo 405 do Código Civil), a correção monetária e os juros incidirão apenas com base na taxa SELIC, diante da natureza mista da mencionada taxa. 3) Condenar a 1ª reclamada (AZUL) ao pagamento dos danos materiais (referente a aquisição de novas passagens com a LATAM, já deduzido o montante correspondente aos bilhetes originais) no valor de R$ 2.560,66 (dois mil, quinhentos e sessenta reais e sessenta e seis centavos), a ser corrigido pelo índice IPCA (artigo 389, parágrafo único, do Código Civil) a partir do efetivo prejuízo (Súmula 43 do STJ), ou seja, a data em que foram despendidos valores com a aquisição das novas passagens (14/11/2024). Ressalto que, a partir da citação (artigo 405 do Código Civil), a correção monetária e os juros incidirão apenas com base na taxa SELIC, diante da natureza mista da mencionada taxa. Sem custas processuais e sem honorários advocatícios neste grau de jurisdição (art. 54 e 55 da Lei nº 9.099/95). Decisão sujeita à homologação do Douto Juiz de Direito, conforme o art. 40 da Lei nº 9.099/95. Intimem-se. KLEBER CORREA DE ARRUDA Juiz Leigo Vistos, HOMOLOGO, para que surtam seus jurídicos e legais efeitos, o Projeto de Sentença da lavra do Juiz Leigo deste Juizado Especial. Em havendo CUMPRIMENTO VOLUNTÁRIO da CONDENAÇÃO/TRANSAÇÃO/REMANESCENTE e a concordância da parte CREDORA com o(s) VALOR(ES) PAGO(S)/DEPOSITADO(S), tem-se a quitação do valor devido, não havendo outras obrigações a serem cumpridas. EXPEÇA-SE, se necessário, o competente ALVARÁ JUDICIAL na forma requerida. Caso a solicitação de transferência de valor(es) seja para a conta do(a) advogado(a) da parte credora, fica já autorizado, desde que tenha sido juntado aos autos o instrumento procuratório com poderes para o(a) causídico(a)“receber, dar quitação”. Tudo cumprido, ARQUIVE-SE, com as cautelas de estilo e baixa no estoque. Intimem-se as partes da sentença. Várzea Grande/MT, data do sistema. (Assinado Digitalmente) HUGO JOSÉ FREITAS DA SILVA Juiz de Direito em Substituição Legal

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