Processo nº 0002651-08.2017.4.03.6105
ID: 262194650
Tribunal: TRF3
Órgão: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 0002651-08.2017.4.03.6105
Data de Disponibilização:
29/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MARCELO AZAMBUJA ARAUJO
OAB/RS XXXXXX
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ARLEI DA COSTA
OAB/SP XXXXXX
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LUIZ FELIPE MENDES JULIANO
OAB/SP XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002651-08.2017.4.03.6105 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - P…
PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002651-08.2017.4.03.6105 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, CLEBER WEYH, ROGERIO SARMENTO PESSOA Advogados do(a) APELANTE: ALEXANDRE LIMA WUNDERLICH - RS36846-A, CRISTIANE PETRO - RS112949-A, MARCELO AZAMBUJA ARAUJO - RS78969-A Advogados do(a) APELANTE: ARLEI DA COSTA - SP158635-A, LUIZ FELIPE MENDES JULIANO - SP458404-A APELADO: CLEBER WEYH, ROGERIO SARMENTO PESSOA, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP Advogado do(a) APELADO: MARCELO AZAMBUJA ARAUJO - RS78969-A Advogados do(a) APELADO: ARLEI DA COSTA - SP158635-A, LUIZ FELIPE MENDES JULIANO - SP458404-A OUTROS PARTICIPANTES: PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002651-08.2017.4.03.6105 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, CLEBER WEYH, ROGERIO SARMENTO PESSOA Advogados do(a) APELANTE: ALEXANDRE LIMA WUNDERLICH - RS36846-A, CRISTIANE PETRO - RS112949-A, MARCELO AZAMBUJA ARAUJO - RS78969-A Advogados do(a) APELANTE: LUIZ FELIPE MENDES JULIANO - SP458404-A, LUIZ ROBERTO MUNHOZ - SP111792-A APELADO: CLEBER WEYH, ROGERIO SARMENTO PESSOA, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP Advogado do(a) APELADO: MARCELO AZAMBUJA ARAUJO - RS78969-A Advogados do(a) APELADO: ARLEI DA COSTA - SP158635-A, LUIZ ROBERTO MUNHOZ - SP111792-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelações interpostas pelo Ministério Público Federal (MPF), por ROGÉRIO SARMENTO PESSOA e por CLÉBER WEYH em face da sentença proferida pela 1ª Vara Federal de Campinas (SP) que condenou os réus à pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e 11 (onze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos, cada um, pela prática do crime previsto no art. 299 do Código Penal, em continuidade delitiva (CP, art. 71). As penas privativas de liberdade foram substituídas por duas penas restritivas de direitos para cada um, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, no valor de 10 (dez) salários-mínimos. A denúncia (ID 206631104, pp. 3/10), recebida em 11.12.2017 (idem, pp. 11/12), narra (grifos no original): 01. DOS FATOS ROGÉRIO SARMENTO PESSOA e CLÉBER WEYH, na condição de sócios-administradores de fato e de direito, respectivamente, das empresas C.D.V. EXPORTAÇÃO IMPORTAÇÃO E COMÉRCIO LTDA - EPP, CNPJ nº 05.109.431310001-26 e COMERCIAL DE ROSAS WEYH LTDA. - ME, CNPJ nº 08.259.71410001-20, promoveram, no período de 05/09/2011 a 29/08/2012, 135 (cento e trinta e cinco) importações fraudulentas de flores (rosas) mediante as Declarações de Importação (DI) listadas na planilha constante nos autos, nas quais inseriram a falsa declaração de que a empresa C.D.V. era a real adquirente das mercadorias importadas. 1.1. DA DIMENSÃO DAS IMPORTAÇÕES ILEGAIS DA C.D.V. EXPORTAÇÃO IMPORTAÇÃO E COMÉRCIO LTDA. O presente apuratório se insere no contexto da atuação da empresa C.D.V. EXPORTAÇÃO, IMPORTAÇÃO E COMÉRCIO LTDA. em importações irregulares promovidas em favor, ao menos, de seis empresas adquirentes, as quais foram os reais negociadores e interessados nas mercadorias estrangeiras, que permaneceram ocultas no curso das importações, dentre as quais a COMERCIAL DE ROSAS WEYH LTDA., conforme se depreende do Processo Administrativo Fiscal (PAF) nº 11829.72009512014-785, lavrado pelo Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil DIEGO MARQUES BARBOSA. De acordo com o processo fiscal retrocitado, as importações realizadas pela C.D.V tinham destinatários certos e conhecidos, os quais deveriam ter sido informados ao controle aduaneiro. A C.D.V., na qualidade de importador, tinha a obrigação de informar quem era o adquirente da mercadoria ou o encomendante, mas não o fez. A empresa informou falsamente ao SISCOMEX que se tratava de "importação própria", ao invés de informar que se tratava de "importação por conte e ordem", bem como o número do CNPJ do adquirente ou encomendante. A legislação aduaneira aponta a interposição fraudulenta como todo ato em que uma pessoa física ou jurídica, aparenta ser o responsável por uma operação que não realizou, interpondo-se entre uma parte (Receita Federal) e outra (empresa oculta interessada na importação). A configuração da interposição fraudulenta pode dar-se tanto com a identificação do interponente (real beneficiário), como também nas situações em que, não havendo esta identificação, o importador não comporta a origem, disponibilidade e transferência dos recursos empregados na operação (interposição por presunção). A ocultação do real adquirente é artifício empregado para afastar obrigações tributárias principais e acessórias, quais sejam: a) não configurar como contribuinte “equiparado a industrial” e evitar a incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados nas operações subsequentes; b) não submeter-se a procedimentos fiscais de habilitação para atuar no comércio exterior; c) não submeter-se a controles administrativos dos órgãos públicos intervenientes nas operações de comércio exterior; d) interromper a cadeia tributária da COFINS e do PIS. O uso de interposta pessoa também interfere na avaliação do risco da operação, mensurada em função do perfil e histórico cadastral dos envolvidos. No procedimento fiscal relativo a C.D.V. ficou demonstrado que a empresa não dispunha de local para armazenagem das flores importadas - seu principal nicho de mercado, as quais eram entregues aos clientes imediatamente ao desembaraço aduaneiro. No curso da ação fiscal, a C.D.V. informou que tanto as mercadorias perecíveis como as não perecíveis são retiradas pelos clientes diretamente no aeroporto. Tal fato demonstra, na verdade, que as mercadorias já possuíam compradores prévios definidos; pois não é crível que todas as mercadorias são vendidas imediatamente ao seu desembaraço. Ou seja, as importações de flores realizadas pela C.D.V já estavam vendidas, antes mesmo de seu embarque no exterior. O endereço comercial da C.D.V. corresponde a uma sala de 39 metros quadrados. Tal fato, ao lado da justificativa da empresa C.D.V de que as mercadorias são retiradas pelos clientes assim que desembarcadas, comprovam que as mercadorias já possuíam compradores previamente definidos, os quais permaneciam ocultos durante a importação. A RECEITA FEDERAL DO BRASIL encontrou vários exemplos de mercadorias constantes em uma DI da C.D.V. sendo vendidas, todas de uma vez, numa única nota fiscal, a outra empresa. Em centenas de casos, a data de emissão da nota fiscal de saída é a mesma da nota fiscal de entrada, em outros, as datas são bem próximas. A ação fiscal também apurou que a C.D.V. EXPORTAÇÃO, IMPORTAÇÃO e COMÉRCIO LTDA. insere-se dentro de um holding de empresas - Grupo C.D.V. - cujo histórico de importações e informações disponíveis no sítio eletrônico demonstram que a C.D.V. atua como prestadora de serviços de importação por conta e ordem ou encomenda, mas, de forma ardilosa, oculta o nome da empresa benefíciária, aquela que provém os recursos. Tal constatação também foi comprovada pelos depoimentos dos despachantes aduaneiros EDSON CEVILHA e RONALDO MARQUES, os quais afirmaram, em sede fiscal, que forneciam suas senhas a RODRIGO FARIAS, empregado da C.D.V., para que a empresa registrasse as D.I's em nome dela, possibilitando que atuasse como prestadora de serviços no comércio exterior de forma ampla- e não apenas como importadora. Ainda, RODRIGO FARIAS, empregado da C.D.V., declarou à fiscalização que a C.D.V. solicitava numerário, por meio de um formulário, antes de registrar a DI, para os pagamentos dos tributos, da taxa Siscomex e da comissão trading. Ele disse, ainda, que as DIs eram identificadas, no campo "IMP" com a referência ao cliente destinatário da importação, o que demonstra que as mercadorias importadas já possuíam um proprietário certo. RODRIGO FARIAS, empregado da C.D.V., também disse que no formulário "Solicitação de Numerário" há um campo para preenchimento denominado "comissão da trading", que se refere ao valor a ser pago a C.D.V. pela prestação de serviços, e que tinha o custo de U$ 450,00. Tal taxa corrobora, ainda mais, a natureza da C.D.V de importadora de mercadorias previamente encomendadas. 1.2. DAS INTERPOSIÇÕES FRAUDULENTAS PELA C.D.V. EM CONLUIO COM A COMERCIAL DE ROSAS WEYH Os fatos relacionados as importações fraudulentas que a C.D.V. efetuou, nas quais a empresa constou criminosamente como adquirente das mercadorias, quando deveria constar a empresa COMERCIAL DE ROSAS WEYH foram apurados no PAF nº 11829.720079/2014-85. Com efeito, conforme já narrado acima quanto a conduta criminosa da C.D.V., CLÉBER WEYH, sócio-proprietário da COMERCIAL ROSAS WEYH, no período de 05/09/2011 a 29/08/2012, se uniu ao coacusado ROGERIO SARMENTO PESSOA, da C.D.V., para promoverem 135 (cento e trinta e cinco) importações fraudulentas de flores (rosas) nas quais fizeram constar a falsa declaração de que a empresa C.D.V. era a real adquirente das mercadorias importadas, ao invés da ROSAS WEYH - real adquirente. Conforme exposto no item anterior, a ação fiscal encontrou inúmeras evidências de mercadorias constantes em uma DI da C.D.V. que foram vendidas de uma só vez para uma única empresa. No caso da ROSAS WEYH, os auditores fiscais elaboraram a planilha intitulada "Batimento DI - NF - COMERCIAL DE ROSAS", na qual é possível constatar que a data de emissão da nota fiscal de saída é a mesma (ou bem próxima) da nota fiscal de entrada; fato que evidencia que aquelas importações eram direcionadas para a ROSAS WEYH". A fiscalização elaborou a planilha "MAD NOTAS FISCAIS COMERCIAL DE ROSAS WEYH"" na qual constam todas as notas fiscais de entrada para a C.D.V. e as de saída da C.D.V. para a ROSAS WEYH. Na ocasião, os fiscais constataram que em todas as notas fiscais de saída emitidas pela C.D.V. (410 notas fiscais) para a ROSAS WEYH haviam a informação relativa ao número da nota fiscal de entrada, da DI que originou a importação, bem como o número da solicitação de numerário. Ao lado da planilha acima, os fiscais elaboraram a planilha "DW empresa COMERCIAL DE ROSAS WEYH com os dados das Dl's registradas pela C.D.V. Ao confrontar estas duas tabelas, os fiscais constataram que todas as mercadorias vendidas para a ROSAS WEYH descritas nas notas fiscais estavam diretamente relacionadas nas Dl's - o que demonstra que as mercadorias já estavam diretamente direcionadas para a ROSAS WEYH. Após identificar as DI’s e as solicitações de numerários referentes a cada nota fiscal a fiscalização elaborou a planilha "BATIMENTO DI - NF COMERCIAL DE ROSAS WEYH”. Novamente, foi constatado pelos auditores que a totalidade das flores importadas pelas DVs eram destinadas à ROSAS WEYH. Todas as mercadorias importadas pelas Dl's estão relacionadas nas notas fiscais de saída em dias próximos ao desembaraço da carga. Ao lado disso tudo, RODRIGO FARIAS, supracitado, também disse, em sede fiscal, que a empresa COMERCIAL DE ROSAS WEYH é uma das empresas que a C.D.V. solicitava numerário para a realização da importação, para os fins descritos acima - pagamentos dos tributos (II, IPI, PIS e COFINS), da taxa Siscomex e da comissão trading. No curso da ação fiscal foi constatado a existência de 93 transferências que a ROSAS WEYH fez para a C.D.V., todas referentes a adiantamentos de recursos para cobrir gastos com as importações. Dentre estas, para exemplificar a farsa montada pelos DENUNCIADOS, no dia 29/09/2011, a ROSAS WEYH transferiu R$ 2.966,33 para a conta da C.D.V. no Bradesco. Neste dia, foi registrada a DI nº 11/1845097-5, na qual os valores de PIS e COFINS foram, respectivamente de R$ 341,04 e R$1.570,89, a taxa Siscomex foi de R$ 244,00 e a comissão trading ficou em R$ 810,36. O total dos impostos e taxas envolvidas é exatamente o valor adiantado pela ROSAS WEYH. Das planilhas retro citadas também é possível concluir que a C.D.V. praticamente teve prejuízos nas operações com a ROSAS WEYH. Pois, o valor total dos preços das notas fiscais de saída foi de R$ 3.856.930,50; por outro lado, o valor CIF das DVs foi de R$ 3.247.285,00, ao qual somado o valor dos tributos R$ 331.107,24, obtêm-se o total de R$ 3.578.392,24. A este valor, somam-se ainda os gastos do ICMS, despachantes, fretes, armazenagem, etc... Ou seja, a C.D.V. teria prejuízos nestas importações. A empresa de transportes aéreos KN, responsável pelos fretes aéreos, também prestou esclarecimentos em sede fiscal e informou que diversos pagamentos foram efetuados pela ROSAS WEYH, inclusive com a emissão de boletos em nome da ROSAS WEYH. A ação fiscal também apurou que diversas transferências feitas pela ROSAS WEYH para a conta da C.D.V. tiveram por escopo liquidar contratos de câmbio. Tal constatação foi possível a partir da análise dos contratos de câmbio com os extratos bancários da C.D.V., nos quais constam as transferências feitas pela ROSAS WEYH, nas mesmas datas dos fechamentos dos contratos de câmbio. Além disso, todos os contratos de câmbio fazem referência a ROSAS WEYH. Por todo o exposto, o que mais constam nos autos, restou demonstrado que a empresa COMERCIA DE ROSAS WEYH adiantou recursos e suportou diversas despesas de importação, como frete aéreo, tributos, fechamento de câmbio, etc.... As flores importadas sequer iam para a C.D.V., assim que ocorria o desembaraço das mercadorias, as mercadorias partiam diretamente para a ROSAS WEYH. 02. DA AUTORIA Tendo já esgotado a materialidade delitiva, passa-se a imputação da autoria. Nesse sentido, imputa-se a autoria das fraudes a ROGÉRIO SARMENTO PESSOA e CLÉBER WEYH, na condição de sócios-administradores de fato e de direito, respectivamente, das empresas C.D.V. EXPORTAÇÃO IMPORTAÇÃO E COMÉRCIO LTDA - EPP1 e COMERCIAL DE ROSAS WEYH LTDA. – ME. ROGÉRIO SARMENTO foi ouvido em sede policial, ocasião em que, em síntese, admitiu ser o único administrador das empresas do grupo C.D.V. (fis. 21/22 e 35136). CLÉBER WEYH foi ouvido em sede policial e, em síntese, oportunidade em que esclareceu ser o único administrador da empresa COMERCIAL DE ROSAS WEYH (fls. 45). 03. DA CAPITULAÇÃO JURÍDICA Na qualidade de administradores das empresas C.D.V EXPORTAÇÃO IMPORTAÇÃO E COMÉRCIO LTDA - EPP e COMERCIAL DE ROSAS WEYH LTDA. - ME, ROGÉRIO SARMENTO PESSOA e CLEBER WEYH, por realizarem 135 importações ocultando de forma consciente e deliberada, em comum acordo de vontades, a real adquirente COMERCIAL DE ROSAS WEYH LTDA nos documentos relevantes (invoices, DIs e notas fiscais de entrada), incorreram nas penas do art. 299 do Código Penal, na forma do art. 71 do Código Penal: A sentença (ID 206632178) foi publicada em 13.8.2021. Foram opostos embargos de declaração pelas defesas, os quais foram rejeitados pelo juízo a quo (ID 206632339). Em seu recurso (ID 206632337), o MPF pede: i) a majoração da pena-base de ROGÉRIO, ao argumento de que sua conduta social lhe é desfavorável, pois ele é réu em outras três ações penais; e ii) a majoração da fração de aumento da continuidade delitiva, em relação a ambos os réus, de 1/2 (metade) para 2/3 (dois terços), tendo em vista que foram praticadas 135 (cento e trinta e cinco) condutas criminosas. A defesa de ROGÉRIO, em seu recurso (ID 206632344), pede a sua absolvição, alegando a ausência de provas da materialidade e da autoria delitiva, bem como do elemento subjetivo do tipo. Subsidiariamente, pede a aplicação do princípio da consunção, para que o crime de falsidade seja absorvido pelo crime de descaminho, e, em caso de manutenção da classificação jurídica do fato, pleiteia o afastamento do acréscimo de pena decorrente da continuidade delitiva, a redução da pena de multa e a diminuição da prestação pecuniária. Em sua apelação (ID 220127148), a defesa de CLÉBER alega, preliminarmente: i) a nulidade da sentença por vício de fundamentação, destacando que não foram enfrentadas teses defensivas tecidas em suas alegações finais; ii) a inépcia da denúncia; e iii) a ocorrência de cerceamento de defesa, pelo indeferimento de produção de prova testemunhal. Quanto ao mérito da imputação, pede a sua absolvição, sustentando: iv) a ausência de provas da autoria e do dolo; e v) a ausência de provas judicializadas a amparar o decreto condenatório. Subsidiariamente, requer a recapitulação jurídica dos fatos para tipo penal previsto no art. 2º, I, da Lei nº 8.137/90; a substituição da pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direitos e uma pena de multa e a redução do valor da prestação pecuniária. Foram apresentadas contrarrazões (IDs 206632346, 206632348, 206632354 e 253653950). Quanto à apelação de CLÉBER, foi garantida ao MPF a oportunidade para que apresentasse contrarrazões, mas o Procurador da República que oficiou em primeiro grau entendeu que isso seria atribuição da Procuradoria Regional da República (ID 253653950). A Procuradoria Regional da República, por sua vez, apresentou apenas parecer, no qual opinou pelo desprovimento dos recursos das defesas e pelo parcial provimento do recurso da acusação, para que a fração de aumento decorrente da continuidade delitiva seja majorada de 1/2 (metade) para 2/3 (dois terços) em relação a ambos os réus (ID 253748634). Tendo em vista as teses fixadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Habeas Corpus nº 185.913/DF, em 18.9.2024, relativamente ao acordo de não persecução penal (ANPP), foi determinada a remessa dos autos à Procuradoria Regional da República para que esta avaliasse, motivadamente, a possibilidade, ou não, do cabimento do acordo no caso concreto (ID 306692563), tendo a Procuradoria Regional da República se manifestado pela inviabilidade do ANPP no caso dos autos por considerar a matéria preclusa, tendo em vista que já havia manifestação sobre isso pelo órgão do MPF que atuou em primeira instância, não tendo a defesa requerido a remessa dos autos à instância superior (ID 306936982). É o relatório. À revisão. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002651-08.2017.4.03.6105 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, CLEBER WEYH, ROGERIO SARMENTO PESSOA Advogados do(a) APELANTE: ALEXANDRE LIMA WUNDERLICH - RS36846-A, CRISTIANE PETRO - RS112949-A, MARCELO AZAMBUJA ARAUJO - RS78969-A Advogados do(a) APELANTE: LUIZ FELIPE MENDES JULIANO - SP458404-A, LUIZ ROBERTO MUNHOZ - SP111792-A APELADO: CLEBER WEYH, ROGERIO SARMENTO PESSOA, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP Advogado do(a) APELADO: MARCELO AZAMBUJA ARAUJO - RS78969-A Advogados do(a) APELADO: ARLEI DA COSTA - SP158635-A, LUIZ ROBERTO MUNHOZ - SP111792-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelações interpostas pelo Ministério Público Federal (MPF), por ROGÉRIO SARMENTO PESSOA e por CLÉBER WEYH em face da sentença que condenou os réus pela prática do crime previsto no art. 299 do Código Penal, em continuidade delitiva (CP, art. 71). Inicialmente, anoto que a ausência de contrarrazões pela acusação não implica nulidade (CPP, art. 565), conforme pacífico entendimento desta Turma: ApCrim nº 001596-27.2016.4.03.6102, Rel. Des. Federal Nino Toldo, j. 28.7.2023, Publicação 02.8.2023; ApCrim nº 0004816-12.2009.4.03.6104, Rel. Des. Federal Nino Toldo, j. 31.3.2023, Publicação 10.4.2023; ApCrim nº 0003067-39.2018.4.03.6105, Rel. Des. Federal José Lunardelli, j. 09.02.2024, Publicação 15.02.2024; ApCrim nº 0003067-39.2018.4.03.6105, Rel. Des. Federal José Lunardelli, j. 09.02.2024, Publicação 15.02.2024. 1. Questões preliminares 1.1 Inépcia da denúncia A defesa de CLÉBER alega inépcia da denúncia, argumentando que a participação do acusado não teria sido individualizada, em violação ao art. 13 do Código Penal e ao art. 41 do Código de Processo Penal (ID 220127148). Sem razão. Uma vez proferida sentença condenatória, fica superada a alegação de inépcia da denúncia (STJ, AgRg no AREsp 990.224/RO, Quinta Turma, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, j. 28.03.2017, DJe 05.04.2017). Além disso, o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é no sentido de que eventual inépcia da denúncia só pode ser acolhida quando demonstrada inequívoca deficiência a impedir a compreensão da acusação, em flagrante prejuízo à defesa do acusado (HC 34.021/MG, Quinta Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, j. 25.05.2004, DJ 02.08.2004, p. 456), o que não se verifica no caso em exame. O art. 41 do Código de Processo Penal (CPP) dispõe que "a denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas". O art. 395 do CPP, por sua vez, dispõe que a denúncia ou queixa será rejeitada quando: i) for manifestamente inepta; ii) faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; iii) faltar justa causa para o exercício da ação penal. No caso, a denúncia descreveu adequadamente os fatos, qualificou o acusado e classificou o crime, permitindo o exercício da defesa quanto à imputação, de modo que preencheu os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, não sendo inepta. Ademais, a primeira fase da persecutio criminis não exige que todos os elementos de um crime estejam definitivamente esclarecidos, uma vez que a verificação de justa causa para a ação penal pauta-se em juízo de probabilidade (materialidade e indícios suficientes de autoria), e não de certeza, a qual, para fins de juízo condenatório, advirá do conjunto probatório formado ao longo da instrução processual. Por isso, rejeito a alegação de inépcia da denúncia. 1.2 Ausência de apreciação de teses arguidas em alegações finais A defesa de CLÉBER alega que há nulidade na sentença por vício de fundamentação, sustentando que não foram enfrentadas as teses defensivas deduzidas em suas alegações finais. Argumenta (ID 220127148, pp. 8/13): 31. A sentença ora recorrida é nula, uma vez que silenciou sobre argumentos defensivos expressamente suscitados por CLEBER WEYH em alegações finais escritas (reiterados em embargos declaratórios), bem como por vício de motivação, pois lastreada em razões absolutamente inidôneas à condenação, em flagrante violação aos deveres de fundamentação das decisões judiciais (art. 93, IX, CF/88 e art. 315, § 2º, III e IV, do CPP). (...) 37. Ainda, com o máximo respeito, a e. Magistrada de piso verdadeiramente ignorou a prova judicializada produzida por CLEBER WEYH, não fazendo qualquer menção, mínima que fosse - ainda que para afastar os esclarecimentos prestados -, sobre a (i) relação entre as empresas C.D.V e a COMERCIAL DE ROSAS WEYH; (ii) atuação de CLEBER WEYH na empresa ROSAS WEYH e seu (iii) não envolvimento na operacionalização da compra de flores com C.D.V. (...) 38. A decisão proferida pelo Juízo de primeiro grau é genérica, superficial e carente de análise das teses defensivas, endossando uma condenação meramente presuntiva, que não indica qual teria sido a exata participação de CLEBER no ilícito. A sentença impugnada é, pois, um mero espelhamento da denúncia. (...) 41. No caso em apreço, além de a sentença não ter enfrentado os argumentos deduzidos pela Defesa (afronta ao inciso IV, §2º, do art. 315), houve a mera transposição, ipsis litteris, da narrativa do ilícito aduaneiro (relatório fiscal da RFB) ao ilícito penal (sentença), desconsiderando-se a necessidade de descrição de conduta e do nexo subjetivo do Apelante que teria sido orientado à consecução do delito (violação ao inciso III do art. 315, § 2º, do CPP). (...) 50. Reprisa-se: a única menção à pessoa de CLEBER, na sentença condenatória, foi no sentido de que “Embora o acusado (CLEBER) alegue não ter ciência das importações, de que seu comércio é tradicional e local, os adiantamentos para o fechamento dos contratos de câmbio demonstrados pela acusação no processo administrativo fiscal provam o contrário”. Com a devida vênia, este breve parágrafo, por si só, não pode servir de fundamento para a condenação injustamente imposta ao Apelante. (...) 54. Com todo respeito ao i. Juízo sentenciante, o Apelante foi condenado sem nenhuma base concreta de fundamentação e à revelia de toda a extensa argumentação defensiva, que não foi minimamente apreciada nem referida pela Exma. Juíza. Dessa forma, é imperioso o reconhecimento da nulidade da sentença por omissões e vício de motivação, em negativa de vigência ao art. 93, IX, CF/88, e art. 315, § 2º, III e IV, do CPP. Sem razão, contudo. O juízo a quo abordou todos os temas relevantes trazido pela defesa em alegações finais, indicando de maneira clara as razões do seu convencimento (ID 206632178). A propósito, a jurisprudência do STF é no sentido de que o art. 93, IX, da Constituição Federal não compele o magistrado a analisar exaustivamente todos os argumentos pretendidos pelas partes, mas sim que a fundamentação da decisão seja coerente com o teor da prestação jurisdicional. Esse entendimento vem sendo reafirmado pelo STF e por este Tribunal em casos semelhantes a este, conforme se verifica, a título exemplificativo, nas seguintes ementas: AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DA DECISÃO AGRAVADA. ARGUMENTOS APRESENTADOS NOS MEMORIAIS DA DEFESA. PRESCINDIBILIDADE DO EXAME DE TODAS AS TESES DEFENSIVAS. INEXISTÊNCIA DE CONTRARIEDADE AOS ARTS. 5º, INC. LV, E 93, INC. IX, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NULIDADE PROBATÓRIA: AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. DECISÃO CONSOANTE À JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. AGRAVO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. Os Agravantes têm o dever de impugnar, de forma específica, todos os fundamentos da decisão agravada, sob pena de não provimento do agravo regimental. 2. A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que o que a Constituição exige, no art. 93, IX, é que a decisão judicial seja fundamentada; não, que a fundamentação seja correta, na solução das questões de fato ou de direito da lide: declinadas no julgado as premissas, corretamente assentadas ou não, mas coerentes com o dispositivo do acórdão, está satisfeita a exigência constitucional. Precedentes. 3. O princípio do pas de nullité sans grief exige, sempre que possível, a demonstração de prejuízo concreto pela parte que suscita o vício. Precedentes. 4. Agravo Regimental não provido." (STF, HC 125400 AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, , j. 16.12.2014, DJe 19.12.2014; destaquei) PENAL. USO DE DOCUMENTO FALSO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOSIMETRIA. REDIMENSIONAMENTO. RECONHECIMENTO "EX OFFICIO" DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA RETROATIVA. 1. A ausência de análise detida das teses defensivas não enseja a nulidade da sentença, contanto que a prestação jurisdicional mantenha coerência com a fundamentação adotada pelo magistrado no desempenho da sua independência funcional e livre convencimento motivado. Outrossim, não foi indicado prejuízo relevante ao exercício do direito de defesa que recomendasse a nulidade processual postulada. Eventual excesso na dosimetria da pena pode ser sanado na via recursal, não se admitindo a nulidade da sentença sob tal pretexto. 2. Materialidade e autoria devidamente comprovados. 3. A culpabilidade do réu não chega a extrapolar a normalidade para o tipo penal em análise. Pena-base reduzida para 02 (dois) anos de reclusão. 4. A pena não pode ser reduzida para aquém do mínimo legal. Inaplicabilidade da atenuante da confissão espontânea, prevista no artigo 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal (Súmula nº 231 do Superior Tribunal de Justiça). 5. Apelação parcialmente provida, declarando-se, ex officio, a extinção da punibilidade pelo advento da prescrição da pretensão punitiva na modalidade retroativa. (TRF3, ApCrim 00004652920014036119, Segunda Turma, Rel. Juíza Convocada Denise Avelar, j. 23.02.2016, e-DJF3 Judicial 1 04.03.2016; destaquei) A defesa pode não compartilhar do posicionamento adotado pelo juízo na sentença, o que, todavia, não se confunde com ausência de fundamentação. Ademais, a questão atinente à suficiência ou não dos elementos probatórios para a condenação do réu não se confunde com a caracterização de nulidade. Se a fundamentação está equivocada, trata-se de aspecto concernente ao mérito da decisão e que não pode ser avaliado em sede de preliminar. Por isso, rejeito essa preliminar. 1.3 Cerceamento de defesa A defesa de CLÉBER argui nulidade do processo por cerceamento de defesa, ao argumento de que uma importante testemunha, de nome Elaine Lima, não teria sido ouvida (ID 220127148, pp. 45/48). Sem razão. Nos termos do art. 402 do Código de Processo Penal, “produzidas as provas, ao final da audiência, o Ministério Público, o querelante e o assistente e, a seguir, o acusado poderão requerer diligências cuja necessidade se origine de circunstâncias ou fatos apurados na instrução”. No caso, Elaine Lima não foi arrolada como testemunha de defesa na resposta à acusação (ID 206631104, pp. 88/93). Ao final da audiência de instrução e julgamento, a defesa de CLÉBER requereu a oitiva dessa pessoa, o que foi indeferido pelo juízo de origem em razão da preclusão (ID 206632164). Com efeito, se Elaine Lima era funcionária da empresa ROSAS WEYH e responsável pelas compras com a C.D.V, como alega a defesa, forçoso reconhecer que a diligência relativa à sua oitiva não se originou de circunstâncias ou fatos apurados na instrução, como determina o art. art. 402 do Código de Processo Penal. Ressalto, ainda, que, nos termos do art. 563 do Código de Processo Penal, "nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa". No caso, não houve demonstração de prejuízo concreto à defesa, de sorte que não há nulidade a ser declarada. 2. Mérito da imputação Quanto ao mérito da imputação, a materialidade está comprovada pelo Procedimento Administrativo Fiscal nº 11829.000.024/2014-55, com destaque para a representação fiscal para fins penais (ID 206631096, pp. 7/3), e pelo Procedimento Administrativo Fiscal nº 11829.720.079/2014-85, que trata especificamente da relação entre a C.D.V. EXPORTAÇÃO, IMPORTAÇÃO E COMÉRCIO LTDA. (doravante denominada apenas “C.D.V.”) e a COMERCIAL DE ROSAS WEYH LTDA. (doravante denominada apenas “ROSAS WEYH”), com destaque para o termo de verificação fiscal e descrição dos fatos (ID 206631096, pp. 38/92, e 206631097, pp. 1/18). De acordo com esses documentos, a fiscalização apurou que a empresa C.D.V. realizou importação por conta e ordem de terceiro, em favor de, ao menos, seis empresas, em desobediência às normas que tratam das importações indiretas, pois cedeu o seu nome para acobertar operações de comércio exterior de terceiros. A constatação da ocultação dos reais responsáveis pelas operações implicou diretamente na falsidade das Declarações de Importação (DIs) e das faturas comerciais apresentadas para despacho. A empresa ROSAS WEYH foi apontada como uma das adquirentes que teria sido ocultada em operações de importação realizadas em nome da C.D.V. Ao todo, essas empresas promoveram, no período de 05.9.2011 a 29.8.2012, 135 (cento e trinta e cinco) importações fraudulentas de flores (rosas) mediante as Declarações de Importação (DI) com informações falsas (ID 206631097, pp. 19/106). Para uma melhor compreensão dos fatos apurados pela autoridade fiscal, transcrevo as conclusões do Procedimento Administrativo Fiscal nº 11829.720.079/2014-85 (ID 206631097, p. 6): Ficou demonstrado que os lançamentos contábeis realizados pela CDV não estão simplesmente incorretos, trata-se de tentativa de INVIABILIZAR a detecção por esta Fiscalização, da ORIGEM dos recursos utilizados para internalizar as mercadorias estrangeiras. Ficou comprovado que a CDV prestou serviços de importação à empresa COMERCIAL DE ROSAS WEYH e não foi a importadora de fato das flores. A empresa COMERCIAL DE ROSAS WEYH adiantou recursos e suportou diversas despesas de importação, como frete aéreo, tributos de importação, fechamento de câmbio, dentre outros. As flores importadas sequer iam para a CDV que não tinha local físico para armazenamento de mercadorias. As flores eram desembaraçadas nos aeroportos e iam diretamente para a empresa COMERCIAL DE ROSAS WEYH. Todas as DI’s já traziam o nome do Importador, no caso a empresa COMERCIAL DE ROSAS WEYH. Comprovou-se ainda que a COMERCIAL DE ROSAS WEYH também omitiu os adiantamentos em sua contabilidade, na tentativa de encobri-los. Diante de todas essas informações, lastreadas em documentos, concluiu a Fiscalização que a CDV realizou importação por conta e ordem de terceiro, a empresa COMERCIAL DE ROSAS WEYH, deixando ambas as empresas de obedecer às normas que tratam das importações indiretas, tendo a CDV cedido seu nome para acobertar operações de comércio exterior de outros. A partir da constatação da ocultação do real responsável pela operação, tal fato implica diretamente na falsidade das DI’s (Declarações de Importação) e faturas comerciais apresentadas para despacho, no intuito de possibilitar a prática do ilícito. Portanto, havendo a ocultação, necessariamente haverá documentos que têm o seu conteúdo ideologicamente falso na tentativa de conferir um aspecto de legalidade à operação praticada. Em juízo (IDs 206631116 e 206631117), procedeu-se à oitiva da testemunha Diego Marques Barbosa, auditor fiscal da Receita Federal que lavrou os supracitados procedimentos administrativos fiscais. Por oportuno, transcrevo trecho da sentença contendo a transcrição desse depoimento (ID 206632178; com destaques): Segundo testemunha (mídias de ID 44033134 e ID 44033136), em uma importação por conta e ordem, o importador e o beneficiário devem se vincular previamente, apresentando essa vinculação prévia à Receita Federal. No caso em questão, não havia essa vinculação prévia entre a C.D.V e a COMERCIAL WEYH, querendo dar a entender que ocorria uma comercialização nacional, ou seja, que a C.D.V importava sem ser a pedido na WEYH e depois vendia a ela, como mesmo alega ROGÉRIO SARMENTO em seu interrogatório (mídia de ID 44033703). Contudo, pelas apurações da Receita Federal, o que acontecia realmente era uma importação por conta e ordem, ou seja, a WEYH era a real importadora da mercadoria, sendo a C.D.V apenas a intermediadora da importação, apesar de não constar isso em lugar algum. O Auditor, ainda em seu depoimento, afirma que um ponto de destaque que permite a presunção da ocorrência da interposição fraudulenta é a retirada da mercadoria do aeroporto, segundo a testemunha “a C.D.V não tem estrutura para armazenar a mercadoria, no caso flores, que são perecíveis. Quem retira diretamente no aeroporto é a empresa WEYH”. Com efeito, verifica-se que a fiscalização constatou que os custos da importação eram cobrados da ROSAS WEYH, a real adquirente, por meio de um documento denominado “solicitação de numerário”, comumente utilizado por tradings e despachantes para identificar e solicitar aos seus contratantes os valores requeridos para executar as operações de importação, concentrando os cálculos relativos às despesas logísticas e aos impostos incidentes na importação. De acordo com o procedimento administrativo fiscal, a ROSAS WEYH foi intimada pela fiscalização para que apresentasse o referido documento, mas ignorou as diversas intimações. Apesar disso, outros documentos foram analisados pela autoridade fiscal e comprovaram que a mencionada empresa recebia a “solicitação de numerário” e adiantava recursos à C.D.V. para as importações de flores. Conforme amostra de “solicitação de numerário” emitida pela C.D.V. (ID 206631096, p. 63), constava do documento o adiantamento do valor dos tributos para a importação, quais sejam: II (Imposto de Importação), IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), PIS (Programa de Integração Social) e COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social). Além disso, também constava o valor da Comissão de Trading e a Taxa Siscomex, que é devida no ato de registro da Declaração de Importação no SISCOMEX (Sistema Integrado de Comércio Exterior). Os auditores fiscais elaboraram diversas planilhas a fim de demonstrar esse fluxo de pagamentos (ID 206631096, pp. 61/74). A planilha intitulada “Batimento DI - NF - COMERCIAL DE ROSAS” evidenciou que a data de emissão da nota fiscal de saída é a mesma (ou bem próxima) da nota fiscal de entrada, o que denota que as importações eram direcionadas para a ROSAS WEYH, enquanto a planilha “EXTRATOS CDV” examinou as transferências da ROSAS WEYH para a C.D.V. Na planilha “MAD NOTAS FISCAIS COMERCIAL DE ROSAS WEYH”, foram elencadas todas as notas fiscais de entrada para a C.D.V. e as de saída da C.D.V. para a ROSAS WEYH. Com base nisso, os fiscais constataram que em todas as 410 notas fiscais de saída emitidas pela C.D.V. para a ROSAS WEYH havia a informação relativa ao número da nota fiscal de entrada, da Declaração de Importação que originou a importação e do número da solicitação de numerário. De outro lado, a planilha “DW COMERCIAL DE ROSAS WEYH” elencou os dados das Declarações de Importação registradas pela C.D.V. Ao confrontar essas duas tabelas, os fiscais constataram que todas as mercadorias vendidas para a ROSAS WEYH descritas nas notas fiscais estavam diretamente relacionadas nas Declarações de Importação, o que denota que as mercadorias já estavam direcionadas para a ROSAS WEYH. Para melhor compreender a análise da fiscalização, transcrevo trecho do termo de verificação fiscal e descrição dos fatos em que são cruzadas as informações constantes nas mencionadas planilhas (ID 206631096, p. 69/70): A empresa COMERCIAL DE ROSAS WEYH transferiu de fato R$2.155,06 em 30/09/2011 para a conta do Bradesco da CDV 237/3180/10007-2. Nota-se que é o dia seguinte à primeira transferência analisada anteriormente. Esta transferência pode ser verificada na planilha "EXTRATOS CDV". Em consulta a planilha -DW COMERCIAL DE ROSAS WE'Y'H'", que traz os dados das DI’s de importação de flores, no qual a COMERCIAL DE ROSAS era a adquirente oculta, verificamos que no dia 30/09/2011, foi registrado a DI 11/1845097-5. Segue abaixo tela da DI 11/1853735-3, juntado aos autos (fls 677 a 705), onde é possível verificar que esta foi registrada em 30/09/2011 e os valores cobrados de PIS e COFINS foram respectivamente R$ 195,34 e R$ 899,79. (...) Nos dados complementares desta DI, verificamos o valor da Taxa Siscomex cobrado de R$ 244. 00. A Taxa do dólar, também observada abaixo, para esta data foi de R$ 1.8131. Logo, a comissão Trading de U$ 450 x 1,8131 foi de aproximadamente R$ 815.90. (...) Conforme informado pelo Sr Rodrigo e observado na Solicitação de numerário, a CDV cobrava adiantamento dos tributos, Taxa Siscomex e Comissão Trading para o registro da DI. Segue tabela abaixo com tais gastos para a DI ora em análise: (...) Nota-se que o valor total é exatamente os R$ 2.155 transferidos pela COMERCIAL DE ROSAS em 30/09/2011, na mesma data do registro da DI 11/1853735-3, confirmando assim que trata-se de transferência para adiantar os gastos de importação desta DI, cobrados através da Solicitação de numerário GRU 2917/11. Conforme observa-se na tela acima dos dados complementares da DI ora em análise há a referência à Solicitação de Numerário GRU 2917/11 e o campo “IMP" traz o nome da empresa ROSAS WEYH, comprovando assim definitivamente que os esta DI era de flores previamente solicitadas pela COMERCIAL DE ROSAS, e o valor de R$ 2.155 transferido neste dia era para adiantamento de recursos para custear esta importação. Além disso, de acordo com o termo de verificação fiscal e descrição dos fatos (ID 206631097, pp. 133/134, e 206631098, pp. 1/2), Rodrigo Farias, funcionário do grupo C.D.V., foi ouvido em sede fiscal, tendo esclarecido que desempenhava a função de analista de importação e que trabalhava especificamente na área de importação de flores. O funcionário também afirmou que a ROSAS WEYH era uma das empresas que a C.D.V. solicitava numerário para a realização da importação, para os fins descritos acima – pagamentos dos tributos, da Taxa Siscomex e da Comissão de Trading. Destacou, ainda, que a Comissão de Trading era o montante que a C.D.V ganhava para realizar a importação das flores. A fiscalização também solicitou esclarecimentos e comprovantes de pagamento à empresa KN (KUEHNE NAGEL SERVIÇOS LOGÍSTICOS), responsável pelos fretes aéreos das flores, que respondeu que diversos pagamentos do frete desses produtos foram realizados diretamente pela ROSAS WEYH via boleto bancário. A KN também forneceu cópia de boletos emitidos em nome da ROSAS WEYH, sendo que o documento utilizado para a cobrança do frete aéreo deve ser emitido em nome do importador, ou seja, a cobrança deveria ser feita à C.D.V. Ademais, os documentos entregues pela KN revelaram que a ROSAS WEYH lhe pagou diretamente o valor de R$ 411.593,05 (quatrocentos e onze mil, quinhentos e noventa e três reais e cinco centavos) pelos serviços de frete aéreo. Esse cenário reforçou a conclusão da autoridade fiscal no sentido de que “a carga já tinha como adquirente a empresa COMERCIAL DE ROSAS WEYH que pagava diretamente diversos fretes à KN” (ID 206631096, pp. 74/77). Também foi apurado que a C.D.V celebrou diversos contratos de câmbio com o Banco Bradesco para efetuar os pagamentos dos exportadores. Analisando esses contratos e os extratos bancários da C.D.V. fornecidos pelo banco, observou-se que a ROSAS WEYH foi a responsável, de fato, por esses pagamentos, pois foram verificadas transferências para a C.D.V. em montantes e datas compatíveis com o fechamento de diversos câmbios da C.D.V (ID 206631096, pp. 78/83). É importante destacar a análise da escrituração contábil da C.D.V., pois, de acordo com a autoridade fiscal, os adiantamentos de recursos recebidos em sua conta do banco Bradesco foram omitidos e, fraudulentamente, não foram registrados em sua contabilidade. Assim agindo, a C.D.V. tentou ocultar o recebimento de recursos da ROSAS WEYH, dificultando a identificação das operações ocorridas de fato e da prestação dos serviços de importação (ID 206631096, pp. 83/91, 206631097, pp. 1/5). O endereço comercial da C.D.V. também foi objeto de análise pela autoridade fiscal. De acordo com o registro de imóvel apresentado à fiscalização, a sala comercial da C.D.V. possuía apenas 39 metros quadrados, fato que, aliado à sua justificativa de que as mercadorias são retiradas pelos clientes assim que desembaraçadas, comprovam que os produtos importados já possuíam compradores previamente definidos e que permaneciam ocultos durante a operação (ID 206631097, pp. 127/129). Assim, não há como ser acolhida a tese defensiva de ROGÉRIO de fragilidade de indícios da interposição fraudulenta. Tampouco merece guarida a tese da defesa de CLÉBER de que a condenação se deu com base somente em elementos indiciários. O art. 155 do Código de Processo Penal prevê que o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. O procedimento administrativo fiscal, validamente constituído na esfera administrativa, goza de presunção de legitimidade, veracidade e legalidade, nele tendo havido ampla defesa e contraditório. Além disso, ao ser introduzido no processo pela denúncia, foi submetido ao contraditório judicial, de modo que não houve violação ao princípio do contraditório. No caso, o conjunto probatório é robusto no sentido de que a C.D.V. realizou importações em nome e por conta de terceiro, no caso a empresa ROSAS WEYH, em desacordo com as normas que regulam as importações indiretas. Foi suficientemente demonstrado que a C.D.V cedeu seu nome para encobrir operações de comércio exterior, de modo que o conteúdo das Declarações de Importação e das faturas comerciais apresentadas são ideologicamente falsos, caracterizando, assim, a prática do crime previsto no art. 299 do Código Penal. Quanto à autoria e ao dolo, a defesa de ROGÉRIO alega, em suma, que a simples posição de sócio na empresa não justifica, por si só, a responsabilização penal em decorrência de eventuais ilícitos no exercício da atividade empresária. Afirma, também, que a única finalidade da inserção falsa seria a omissão de informação para a autoridade fazendária com o fim de não pagar o imposto incidente sobre a prestação de serviços de importação em nome de terceiro. Contudo, os impostos devidos teriam sido efetivamente pagos, de modo que não teria havido o “dolo de prejudicar direito” por parte do apelante. Por seu turno, a defesa de CLÉBER sustenta, em síntese, que ele não teria participado da operação mantida entre a ROSAS WEYH e a C.D.V., argumentando que, em verdade, essa atividade competia a uma funcionária denominada Elaine Lima, contratada para atuar no estado de São Paulo. Alega, ainda, que CLÉBER não teria conhecimento sobre questões técnicas e tributárias do seu negócio, aduzindo que a relação entre as empresas foi apenas de compra de flores, mas jamais com o propósito de importação. Não assiste razão aos apelantes, pois a responsabilidade deles pela prática do crime é clara, não havendo margem para as teses defensivas. A respeito da autoria delitiva e do dolo, assim se pronunciou o juízo a quo (ID 2006632178): Sobre a autoria, é inequívoca a participação do administrador da C.D.V, ROGÉRIO SARMENTO no delito narrado na inicial. Todas as provas apontam para a existência de uma empresa intermediária de negócios por ele administrada, que declarava falsamente propriedade das mercadorias, no caso rosas. A autoria em relação a CLÉBER WEYH, também se encontra demonstrada. Embora o acusado alegue não ter ciência das importações, de que seu comércio é tradicional e local, os adiantamentos para o fechamento dos contratos de câmbio demonstrados pela acusação no processo administrativo fiscal provam o contrário. Veja-se o exemplo: no dia 29/09/2011, a ROSAS WEYH transferiu R$ 2.966,33 para a conta da C.D.V. no Bradesco. Neste dia, foi registrada a DI nº 1111845097-5, na qual os valores de PIS e COFINS foram, respectivamente de R$ 341,04 e R$1.570,89, a taxa Siscomex foi de R$ 244,00 e a comissão trading ficou em R$ 810,36. O total dos impostos e taxas envolvidas é exatamente o valor adiantado pela ROSAS WEYH. Camila Weyh (mídias de ID 57671748 e ID 57671750), responsável pelo departamento financeiro da Comercial de Rosas Weyh Ltda. disse que não sabia se os valores transferidos pela sua empresa à C.D.V. eram para pagamento de tributos, taxas e cambio, apesar de ser a responsável pela área financeira da empresa. Ela diz que quem fazia a intermediação da compra das flores importadas com a C.D.V era Elaine, e que apenas pagava as contas. Disse também que o pagamento era feito antes da entrega das flores, como adiantamento a fornecedores e, quando a mercadoria chegava à empresa, o departamento fiscal da empresa fazia as notas fiscais, posteriormente sendo feita a baixa dos pagamentos”. É de se ressaltar que o departamento financeiro depositava exatamente o valor dos tributos, taxas e comissões e escriturava como “adiantamento a fornecedores”, incomum no mercado interno, quando o comerciante negocia o pagamento das mercadorias pelo prazo mais longo que puder. As alegações da defesa não foram demonstradas por qualquer meio, nos termos do artigo 156 do Código de Processo Penal. Não é possível acolher o argumento de que o réu ignorava que recursos que saiam de sua conta eram destinados aos pagamentos do contrato de câmbio. A autoria é certa. Com efeito, as provas produzidas no procedimento administrativo fiscal, na fase policial e em contraditório judicial não deixam dúvida de que ROGÉRIO, sócio administrador da C.D.V., e CLÉBER, sócio administrador da ROSAS WEYH, ajustaram a importação de flores, a ser operacionalizada de forma direta pela C.D.V, embora a real adquirente da mercadoria fosse a empresa ROSAS WEYH. Ao figurarem na condição de sócios administradores, os acusados tinham o dever legal de tomar as providências necessárias à regularidade contábil e fiscal das suas empresas, bem como evitar a ocorrência de práticas fraudulentas. O administrador da sociedade empresarial não pode, convenientemente, sustentar que não teria responsabilidade pela contabilidade ou pelas obrigações tributárias da empresa, atribuindo-as a terceiros, como sustenta a defesa de CLÉBER ao imputar a responsabilidade pela operação a uma funcionária. Em juízo, Diego Marques Barbosa, auditor fiscal responsável pela autuação da empresa (IDs 206631116 e 206631117), descreveu os trabalhos de fiscalização e a constatação da interposição fraudulenta, evidenciando a comunhão de vontades entre os administradores das empresas a fim de cometer o delito. Segundo a testemunha, as importações realizadas pela C.D.V tinham destinatários certos e conhecidos, os quais deveriam ter sido informados ao controle aduaneiro. A C.D.V., na qualidade de importador, tinha a obrigação de informar quem era o adquirente da mercadoria ou o encomendante, mas não o fez, tendo informado falsamente ao SISCOMEX que se tratava de “importação própria”, ao invés de informar que se tratava de “importação por conta e ordem”, bem como o número do CNPJ do adquirente ou encomendante. Afirmou que o importador e o beneficiário devem se vincular previamente, apresentando essa vinculação prévia à Receita Federal, o que não foi feito pela C.D.V. e pela ROSAS WEYH. Relatou que a constatação do direcionamento da importação se deu por meio da análise dos pagamentos de câmbio e de tributos relativos à importação efetuados da ROSAS WEYH para a C.D.V., bem como das notas fiscais e do conteúdo das declarações de importação. Além disso, disse que a retirada da mercadoria pela ROSAS WEYH diretamente do aeroporto também reforçou que esta empresa seria a real adquirente das flores. De outro lado, destaco que o crime do art. 299 do Código Penal tem natureza formal, consumando-se com a omissão ou a inserção, em documento público ou particular, de declaração falsa ou diversa daquela que deveria constar, independentemente da ocorrência de qualquer resultado. Não obstante, de acordo com a autoridade fiscal (ID 206631096, p. 49), a ocultação do real adquirente é artifício empregado para afastar obrigações tributárias principais e acessórias, como, por exemplo, não se submeter a procedimentos fiscais de habilitação para atuar no comércio exterior ou a controles administrativos dos órgãos públicos intervenientes nas operações de comércio exterior, bem como interromper a cadeia tributária da COFINS e do PIS. Assim, a autoria e o dolo foram suficientemente comprovados. A defesa de ROGÉRIO pede, ainda, a aplicação do princípio da consunção, para que o crime de falsidade seja absorvido pelo crime descaminho. Afirma que, apesar de a denúncia não fazer alusão expressa a crimes tributários, a representação fiscal para fins penais guarda relação direta com as representações pelo suposto crime de descaminho praticado pelos adquirentes ocultos. Por sua vez, a defesa de CLÉBER pede a recapitulação jurídica dos fatos para o tipo penal previsto no art. 2º, I, da Lei nº 8.137/1990. Também não assiste razão aos apelantes nesse ponto, pois a denúncia narrou que o objetivo das falsificações lançadas nas Declarações de Importação era tão somente a ocultação do real adquirente das mercadorias, não afirmando que os acusados buscavam reduzir ou suprimir o pagamento de tributos mediante essa conduta, tampouco que a falsificação documental teria sido utilizada pelos réus para importar mercadorias com supressão ou redução de tributos (ID 206631104, pp. 3/10). Por isso, mantenho as condenações de ROGÉRIO SARMENTO PESSOA e CLÉBER WEYH pela prática do crime previsto no art. 299 do Código Penal, nos termos da denúncia. 3. Dosimetria das penas Passo ao reexame da dosimetria das penas, fazendo-o de modo conjunto, com as devidas adequações individuais, se necessárias. Na primeira fase, o juízo fixou a pena-base em 1 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa, mínimo legal, para cada um dos acusados, por não considerar negativa nenhuma das circunstâncias judiciais (CP, art. 59). O MPF pede a exasperação da pena-base de ROGÉRIO ao argumento de que sua conduta social lhe é desfavorável, ante a existência de outras três ações penais. Afirma que, embora não tenham transitado em julgado, não gerando, portanto, antecedentes criminais, “a existência de tais feitos deixa evidente que o agente, ao menos na direção da referida empresa, possui conduta social voltada para o crime” (ID 206632337, p. 4). Sem razão. As folhas de antecedentes do réu, embora indiquem apontamentos relativos à prática do delito de falsidade ideológica, não podem servir de fundamento para a exasperação da pena-base a título de conduta social inadequada, personalidade voltada ao crime ou a título de maus antecedentes porque não contempla condenações transitadas em julgado. Aplica-se ao caso a orientação da Súmula nº 444 do Superior Tribunal de Justiça. Ademais, não há nos autos elementos que permitam avaliar a conduta social e a personalidade do réu, sendo as circunstâncias do crime normais. Por isso, rejeito do pedido do MPF e mantenho a pena-base no mínimo legal para ambos os réus. Na segunda fase, o juízo não reconheceu circunstâncias agravantes nem atenuantes da pena, o que confirmo. Na terceira fase, o juízo aplicou a causa de aumento relativa à continuidade delitiva (CP, art. 71) na fração de 1/2 (metade). A defesa de ROGÉRIO pede o afastamento da continuidade delitiva e o MPF pede o aumento na fração máxima. Não assiste razão à defesa e procede o pedido da acusação. Com efeito, o critério mais adequado para a fixação da fração de aumento decorrente da continuidade delitiva é o número de infrações cometidas, conforme orienta a Súmula nº 659 do STJ, cujo enunciado é o seguinte: A fração de aumento em razão da prática de crime continuado deve ser fixada de acordo com o número de delitos cometidos, aplicando-se 1/6 pela prática de duas infrações, 1/5 para três, 1/4 para quatro, 1/3 para cinco, 1/2 para seis e 2/3 para sete ou mais infrações. No caso, como os acusados inseriram a falsa declaração de que a empresa C.D.V. era a real adquirente das mercadorias importadas em 135 (cento e trinta e cinco) Declarações de Importação, a fração a ser aplicada é a máxima, ou seja, 2/3 (dois terços). Assim, não provejo o recurso da defesa de ROGÉRIO, porém provejo o da acusação, para aplicar a fração de 2/3 (dois terços) para o aumento em decorrência da continuidade delitiva, ficando a pena definitiva dos acusados fixada em 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão e 16 (dezesseis) dias-multa. A jurisprudência desta Turma é no sentido de que a fixação da pena de multa deve seguir os mesmos critérios de fixação da pena corporal (ACR 0002526-47.2011.4.03.6106/SP, Rel. Des. Federal Nino Toldo, j. 01.09.2015, e-DJF3 Judicial 1 03.09.2015). Por isso, não prospera o pedido da defesa de ROGÉRIO pela sua redução. O juízo fixou o valor unitário do dia-multa no mínimo legal, ou seja, 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo ao argumento que não haveria informações sobre a situação econômica dos acusados. O MPF pede a majoração do valor unitário do dia-multa para que reflita a real condição econômica dos réus, destacando a grande movimentação financeira das empresas dos acusados (ID 20663237, pp. 6/8). Com razão. A empresa ROSAS WEYH foi apontada como uma das adquirentes que teria sido ocultada em operações de importação realizadas em nome da C.D.V. Ao todo, essas empresas promoveram, no período de 05.9.2011 a 29.8.2012, 135 (cento e trinta e cinco) importações fraudulentas de flores (rosas) mediante as Declarações de Importação (DI) com informações falsas (ID 206631097, pp. 19/106). Também foi apurado que o valor das notas fiscais relativas a despesas com o pagamento de tributos, despachantes, fretes e armazenagem dos produtos, no período entre 2011 e 2012, foi superior a três milhões de reais. Desse modo, as operações efetuadas pelas empresas no período demonstram alta capacidade econômica dos seus sócios administradores, razão pela qual acolho o pedido da acusação e fixo o valor unitário do dia-multa em 1 (um) salário mínimo vigente à época dos fatos. 4. Regime inicial de cumprimento de pena Mantenho o regime aberto para início do cumprimento da pena privativa de liberdade (CP, art. 33, § 2º, "c"). 5. Substituição da pena privativa de liberdade O juízo a quo efetuou a substituição das penas privativas de liberdade por duas penas restritivas de direitos para cada um, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, no valor de 10 (dez) salários-mínimos. A defesa de ROGÉRIO pede a diminuição do valor da prestação pecuniária. A defesa de CLÉBER, por sua vez, pede que a substituição da pena privativa de liberdade se dê por uma pena restritiva de direitos e uma pena de multa e que o valor da prestação pecuniária seja reduzido ao mínimo legal. Pois bem. Cumpre ao juiz, no seu juízo de discricionariedade motivado e observados os termos do art. 44 do Código Penal, fixar as penas restritivas de direitos, cabendo ao juízo da execução penal, diante das circunstâncias do caso concreto, determinar a forma de cumprimento adequada, nos termos do art. 66, V, "a", da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84). Não cabe ao réu a escolha da sanção penal a ser cumprida. Nesse sentido já decidiu o STJ: RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO PENAL. CONDENAÇÃO A PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. RECONVERSÃO A PEDIDO DO CONDENADO. INADMISSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. 1. O art. 33, § 2º, alínea c, do Código Penal, dito violado, apenas estabelece que o condenado não reincidente, condenado à pena igual ou inferior a 4 anos poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto. Referido dispositivo legal não traça qualquer direito subjetivo do condenado quanto à escolha entre a sanção alternativa e a pena privativa de liberdade, que é a tese sustentada no recurso. 2. A reconversão da pena restritiva de direitos imposta na sentença condenatória em pena privativa de liberdade depende do advento dos requisitos legais (descumprimento das condições impostas pelo juiz da condenação), não cabe ao condenado, que sequer iniciou o cumprimento da pena, escolher ou decidir a forma como pretende cumprir a sanção, pleiteando aquela que lhe parece mais cômoda ou conveniente. 3. Recurso especial desprovido. (STJ, REsp 1.524.484/PE, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 17.05.2016, DJe 25.05.2016) Caberá ao juízo da execução a designação do programa ou entidade e a determinação do horário e eventuais alterações. O art. 148 da Lei n° 7.210/84 (Lei de Execução Penal) prevê a possibilidade do juízo da execução "alterar a forma de cumprimento das penas de prestação de serviços à comunidade e de limitação de fim de semana, ajustando-as às condições pessoais do condenado e às características do estabelecimento, da entidade ou do programa comunitário ou estatal". Assim, diante da impossibilidade ou dificuldade no cumprimento da pena alternativa, o que a lei permite ao juízo da execução é a alteração da forma de cumprimento da prestação de serviços à comunidade, mas não a sua troca por outra pena da preferência do condenado. Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. NOVA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL. SUBSTITUIÇÃO DA PENA RESTRITIVA DE DIREITOS POR PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. NÃO CABIMENTO. ALTERAÇÃO DA FORMA DE CUMPRIMENTO DA PENA FIXADA NA SENTENÇA PELO JUÍZO DA EXECUÇÃO. POSSIBILIDADE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. I - Não mais se admite, perfilhando o entendimento do col. Pretório Excelso e da eg. Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, a utilização de habeas corpus substitutivo quando cabível o recurso próprio, situação que implica o não-conhecimento da impetração. Contudo, no caso de se verificar configurada flagrante ilegalidade, recomenda a jurisprudência a concessão da ordem, de ofício. II - Após o trânsito em julgado da sentença condenatória, é vedada a substituição da espécie da pena restritiva de direitos nela estabelecida - por exemplo, como no caso, a substituição da prestação de serviços à comunidade por prestação pecuniária - apenas sendo possível que o Juízo das Execuções modifique a forma de cumprimento da pena definitivamente aplicada, adaptando-a às peculiaridades do caso concreto, a fim de possibilitar o regular cumprimento da medida pelo condenado, sem prejuízo de suas atividades profissionais (precedentes). Habeas corpus não conhecido. (STJ, HC 346949, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j.02.06.2016, DJe 28.06.2016 - grifei) Em face do exposto, mantenho a substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos tal como fixada na sentença. De igual modo, mantenho o valor da pena de prestação pecuniária em 10 (dez) salários mínimos para cada, pois, conforme abordado no tópico relativo ao valor unitário do dia-multa, mostra-se compatível com a situação econômica dos acusados. 6. Conclusão Posto isso, REJEITO AS QUESTÕES PRELIMINARES, NEGO PROVIMENTO às apelações das defesas e DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação da acusação, para aplicar a fração de aumento pela continuidade delitiva em seu patamar máximo e majorar o valor unitário do dia-multa, ficando as penas dos réus definitivamente estabelecidas em 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e 16 (dezesseis) dias-multa para cada um, substituídas as penas privativas de liberdade por restritivas de direitos, nos termos da fundamentação supra. É o voto. Autos: APELAÇÃO CRIMINAL - 0002651-08.2017.4.03.6105 Requerente: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP e outros Requerido: CLEBER WEYH e outros Ementa: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. FALSIDADE IDEOLÓGICA. IMPORTAÇÃO FRAUDULENTA. INTERPOSIÇÃO FRAUDULENTA DE TERCEIROS. CONTINUIDADE DELITIVA. DOSIMETRIA DA PENA. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS.. I. Caso em exame 1. Apelações criminais interpostas contra sentença condenatória que reconheceu a prática do crime de falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal) em razão da inserção de informações falsas em Declarações de Importação para ocultar o real adquirente das mercadorias importadas. II. Questão em discussão 2. Há quatro questões em discussão: (i) verificar se houve nulidade da sentença por falta de fundamentação e cerceamento de defesa; (ii) determinar se há provas suficientes da autoria e do dolo dos réus; (iii) avaliar a possibilidade de reclassificação da conduta para o crime do art. 2º, I, da Lei nº 8.137/90; (iv) examinar a adequação da dosimetria da pena, incluindo a fração de aumento da continuidade delitiva e a substituição da pena privativa de liberdade. III. Razões de decidir 3. A superveniência de sentença condenatória afasta a alegação de inépcia da denúncia, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que exige inequívoca deficiência na peça acusatória para o reconhecimento da nulidade. A denúncia preenche os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal ao descrever adequadamente os fatos, qualificar os acusados e classificar o crime, possibilitando o pleno exercício da defesa. A análise da justa causa para a ação penal não exige certeza absoluta dos fatos, mas apenas juízo de probabilidade baseado na materialidade e nos indícios suficientes de autoria, conforme a primeira fase da persecutio criminis. 4. A alegação de nulidade por ausência de enfrentamento de teses defensivas na sentença não procede, pois o magistrado não está obrigado a rebater exaustivamente todos os argumentos das partes, bastando que a decisão seja fundamentada de maneira coerente. A divergência da defesa em relação ao convencimento do juízo não configura ausência de fundamentação da sentença, mas mera discordância quanto à valoração das provas, o que deve ser analisado no mérito recursal. 5. O indeferimento da oitiva de testemunha não arrolada na resposta à acusação e requerida apenas ao final da instrução processual decorre da preclusão, nos termos do art. 402 do Código de Processo Penal. A declaração de nulidade processual exige a demonstração de prejuízo concreto à parte, nos termos do art. 563 do Código de Processo Penal, o que não se verifica no caso, pois a defesa não comprovou que a ausência da testemunha comprometeu a ampla defesa. 6. A materialidade do crime está comprovada pelo Procedimento Administrativo Fiscal e pela Representação Fiscal para Fins Penais, que evidenciam a prática de importações indiretas irregulares, com a ocultação do real adquirente das mercadorias. 7. A autoria delitiva está demonstrada por documentos fiscais, extratos bancários, depoimentos e análise contábil, que indicam que os réus, na qualidade de sócios administradores, tinham conhecimento e controle sobre as operações fraudulentas. 8. O crime de falsidade ideológica é formal e se consuma com a inserção da informação falsa, independentemente da ocorrência de prejuízo tributário, não se confundindo com crime contra a ordem tributária. 9. O princípio da consunção não se aplica porque a denúncia não imputou aos réus a supressão ou redução de tributos como finalidade da conduta, mas sim a ocultação do real adquirente, o que configura falsidade ideológica autônoma. 10. A continuidade delitiva está caracterizada pela reiteração da conduta delitiva em 135 Declarações de Importação fraudulentas, justificando a aplicação da fração máxima de aumento da pena (2/3), conforme a Súmula nº 659 do STJ. 11. O valor da pena de multa deve observar os mesmos critérios da pena privativa de liberdade, conforme jurisprudência consolidada. IV. Dispositivo e tese 12. Recursos das defesas desprovidos. Recurso da acusação provido. Tese de julgamento: 1. A inserção de informações falsas em Declarações de Importação para ocultar o real adquirente da mercadoria configura crime de falsidade ideológica (art. 299 do CP), ainda que não haja intenção de suprimir ou reduzir tributos. 2. O princípio da consunção não se aplica quando a falsidade documental não for mero meio para a prática de crime tributário, mas sim conduta autônoma. 3. A fração de aumento pela continuidade delitiva deve ser fixada conforme o número de infrações cometidas, aplicando-se 2/3 para sete ou mais infrações, nos termos da Súmula nº 659 do STJ. _________ Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 93, IX; CP, arts. 13, 59, 71 e 299; CPP, arts. 41, 155, 395, 402, 563 e 565. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no AREsp 990.224/RO, Quinta Turma, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 28.03.2017, DJe 05.04.2017; STJ, HC 34.021/MG, Quinta Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 25.05.2004, DJ 02.08.2004, p. 456; STF, jurisprudência consolidada sobre o art. 93, IX, da CF/1988; TRF-3, ApCrim nº 001596-27.2016.4.03.6102, Rel. Des. Federal Nino Toldo, j. 28.07.2023, Publicação 02.08.2023; TRF-3, ApCrim nº 0004816-12.2009.4.03.6104, Rel. Des. Federal Nino Toldo, j. 31.03.2023, Publicação 10.04.2023; TRF-3, ApCrim nº 0003067-39.2018.4.03.6105, Rel. Des. Federal José Lunardelli, j. 09.02.2024, Publicação 15.02.2024; STJ, Súmula nº 444; STJ, Súmula nº 659; TRF-3, ACR 0002526-47.2011.4.03.6106/SP, Rel. Des. Federal Nino Toldo, j. 01.09.2015. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu REJEITAR AS QUESTÕES PRELIMINARES, NEGAR PROVIMENTO às apelações das defesas e DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação da acusação, para aplicar a fração de aumento pela continuidade delitiva em seu patamar máximo e majorar o valor unitário do dia-multa, ficando as penas dos réus definitivamente estabelecidas em 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e 16 (dezesseis) dias-multa para cada um, substituídas as penas privativas de liberdade por restritivas de direitos, nos termos da fundamentação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. NINO TOLDO Desembargador Federal
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