Processo nº 1002450-33.2025.8.11.0003
ID: 315998964
Tribunal: TJMT
Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1002450-33.2025.8.11.0003
Data de Disponibilização:
04/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MARISTELA DA SILVA FERREIRA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1002450-33.2025.8.11.0003 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Indenização por Dano…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1002450-33.2025.8.11.0003 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Indenização por Dano Material] Relator: Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA Turma Julgadora: [DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES] Parte(s): [BRUNO GASPAR SILVA RIBEIRO - CPF: 041.260.111-70 (APELANTE), MARISTELA DA SILVA FERREIRA - CPF: 024.298.151-84 (ADVOGADO), BUONNY PROJETOS E SERVICOS DE RISCOS SECURITARIOS LTDA. - CNPJ: 06.326.025/0002-47 (APELADO), CRISTIANO ZECCHETO SAEZ RAMIREZ - CPF: 183.705.258-14 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A APELANTE(S): BRUNO GASPAR SILVA RIBEIRO APELADO(S): BUONNY PROJETOS E SERVICOS DE RISCOS SECURITARIOS LTDA. EMENTA. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. GERENCIAMENTO DE RISCO NO TRANSPORTE DE CARGAS. CLASSIFICAÇÃO CADASTRAL DE MOTORISTA COMO "NÃO ADEQUADO". UTILIZAÇÃO DE DADOS PÚBLICOS. AUSÊNCIA DE ILICITUDE OU DISCRIMINAÇÃO. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME Apelação Cível interposta por motorista profissional contra sentença que julgou improcedente pedido de indenização por danos morais e exclusão de restrição cadastral. O apelante alega bloqueio indevido de seu cadastro profissional como “não adequado” para transporte de cargas, mesmo após a extinção da punibilidade em processo criminal, e pleiteia a exclusão da restrição e compensação por dano moral. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (i) definir se a classificação do apelante como “não adequado” para o transporte de cargas configura conduta ilícita ou discriminatória por parte da empresa de gerenciamento de risco; (ii) verificar se houve dano moral indenizável decorrente da referida classificação. III. RAZÕES DE DECIDIR A empresa apelada exerce atividade legítima de gerenciamento de riscos, amparada pelo princípio da livre iniciativa e pela liberdade econômica prevista no art. 170 da Constituição Federal, sendo lícito o repasse de informações verídicas e públicas extraídas de registros oficiais. A manutenção do status de “perfil divergente” decorre de avaliação técnica e interna, feita a partir de parâmetros próprios do setor, sem configurar sanção jurídica ou inscrição em cadastros de inadimplentes, o que afasta a alegação de conduta ilícita ou discriminatória. Nos termos da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018, art. 6º, I e II), a atividade da apelada respeita os princípios da finalidade e da necessidade, não havendo desvio de uso dos dados ou divulgação indevida. As garantias constitucionais à honra, imagem e livre exercício profissional (CF, art. 5º, incisos V, X e XIII) não têm caráter absoluto e devem ser interpretadas em conjunto com os princípios da livre iniciativa e autonomia contratual. A classificação técnica realizada pela empresa não gera, por si só, impedimento ao exercício profissional, tampouco configura ato abusivo, salvo em casos de arbitrariedade ou má-fé, os quais não restaram demonstrados nos autos. A ausência de prova concreta de negativa de contratação ou de prejuízo material direto decorrente da restrição enfraquece o pleito indenizatório, sendo insuficiente a mera alegação de impedimento laboral. Não se configurou dano moral, pois inexiste conduta ofensiva à honra objetiva do autor nem divulgação pública desabonadora, sendo a informação restrita ao ambiente técnico da rede de clientes da empresa de risco. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso desprovido. Tese de julgamento: É legítima a atividade de gerenciamento de risco que, com base em dados públicos e critérios técnicos, classifica profissionais como “não adequados” para transporte de cargas, desde que não haja divulgação indevida ou falsidade nas informações. A utilização de dados verídicos extraídos de fontes oficiais, sem exposição pública vexatória, não configura ato ilícito nem gera, por si só, direito à indenização por danos morais. A classificação técnica não impede o exercício profissional e não vincula as empresas contratantes, as quais detêm liberdade para decidir quanto à contratação, com base em critérios próprios de segurança e conveniência. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 5º, V, X, XIII e 170; CC, arts. 421 e 421-A; Lei nº 13.709/2018 (LGPD), art. 6º, I e II; CPC, arts. 85, §11, e 98, §3º. Jurisprudência relevante citada: STF, RTJ 173/807-808; TJMT,1022062-08.2023.8.11.0041 e 1011735-93.2024.8.11.0000. R E L A T Ó R I O RELATÓRIO EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO DE ARRUDA ALMEIDA. Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de APELAÇÃO CÍVEL, interposto por BRUNO GASPAR SILVA RIBEIRO, contra sentença (ID. 291938374 – Autos de Origem nº 1002450-33.2025.8.11.0003), proferida pelo Juízo da 4ª Vara Cível da Comarca de Rondonópolis-MT, que julgou improcedente o pedido de indenização por danos morais, sob os seguintes fundamentos: Vistos e examinados. Trata-se de AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS ajuizada por BRUNO GASPAR SILVA RIBEIRO em face de BUONNY PROJETOS E SERVIÇOS DE RISCOS SECURITÁRIOS LTDA., todos qualificados nos autos. Na petição inicial, o requerente relata que exerce a profissão de motorista carreteiro há seis anos e que, em agosto de 2024, foi impedido de agendar um carregamento junto à transportadora ADM devido a uma suposta restrição indevida em seu perfil, atribuída pela requerida. Alega que tentou resolver a situação junto à ré, enviando diversos documentos, mas permaneceu classificado como "não adequado", o que teria causado prejuízos materiais e morais. Requer, assim, a exclusão da restrição e indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00. Na contestação, a requerida BUONNY PROJETOS E SERVIÇOS DE RISCOS SECURITÁRIOS LTDA. argumentou que atua no ramo de gerenciamento de riscos, fornecendo informações a seus clientes com base em dados públicos e entrevistas com os profissionais consultados. Sustentou que não interfere na decisão de contratação, cabendo esta exclusivamente às transportadoras. Defendeu que não há ato ilícito ou discriminatório em sua conduta e que sua atividade é lícita e essencial para a segurança no transporte de cargas. O autor apresentou impugnação à contestação, reafirmando os prejuízos decorrentes da classificação negativa e alegando que as informações repassadas pela ré estariam desatualizadas, baseadas em processos extintos há mais de uma década. Sustentou que a manutenção dessas informações resultou em bloqueios junto a diversas transportadoras, comprometendo sua atividade profissional. Vieram-me os autos conclusos. É O RELATÓRIO. FUNDAMENTO E DECIDO. Conheço diretamente do pedido, nos termos do art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil, pois a matéria discutida nos autos é exclusivamente de direito e porque os fatos encontram-se devidamente comprovados pelos documentos juntados, prescindindo o feito de dilação probatória. O artigo 370, parágrafo único, do Código de Processo Civil confere ao magistrado, como destinatário das provas que é, a prerrogativa de indeferir, “em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias”. A propósito, Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira lecionam que o juiz é o principal destinatário da prova, uma vez que ela tem a finalidade de convencer o julgador: “ele é quem precisa saber a verdade quanto aos fatos, para que possa decidir” (Curso de direito processual civil. 11ª edição. Salvador: Editora JusPODIVM, 2016.Volume 2, página 57). No caso concreto, por força da regra processual aplicável e à luz da lição doutrinária transcrita, reputo dispensável a produção de provas adicionais. Inexistem nulidades a serem sanadas ou questões preliminares e prejudiciais a serem enfrentadas, de modo que reputo presentes as condições da ação e os pressupostos processuais. Passo à análise do mérito propriamente dito. A pretensão do autor baseia-se na suposta ilicitude de informações prestadas pela ré às transportadoras, que teriam resultado em bloqueio de sua atividade profissional. Entretanto, os documentos juntados aos autos demonstram que a ré apenas fornece dados obtidos de forma lícita, a partir de fontes públicas e de entrevistas com os próprios profissionais, cabendo exclusivamente às transportadoras a decisão pela contratação ou não. O próprio autor reconhece que, no passado, respondeu a processos criminais cujas penas foram extintas. A disponibilização dessas informações, mesmo após o trânsito em julgado da extinção da punibilidade, não se configura, por si só, em ilícito ou ato discriminatório, especialmente quando prestadas mediante solicitação contratual e em caráter meramente informativo. Não se pode imputar à ré a responsabilidade por eventuais decisões das transportadoras em não contratar o autor, tampouco se pode presumir o nexo de causalidade direto entre os dados repassados e os prejuízos alegados, notadamente diante da inexistência de prova de erro, má-fé ou falsidade nas informações fornecidas. Sobre o tema os tribunais já decidiram: EMENTA DIREITO CIVIL – RECURSOS DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANOS MORAIS – EMPRESA GERENCIADORA DE RISCO SOBRE O TRANSPORTE DE CARGA – CADASTRO DE MOTORISTAS – REPASSE DE INFORMAÇÕES À EMPRESA INTERESSADA QUE NÃO EXTRAPOLA O LIMITE DA ATUAÇÃO – LICITUDE DA ATIVIDADE – DANO MORAL NÃO CONFIGURADO – SENTENÇA REFORMADA – RECURSOS PROVIDOS. Não há ilicitude na atividade exercida pela empresa de gerenciamento de riscos, que tem por finalidade o fornecimento de informações cadastrais dos motoristas, para as empresas contratantes de transporte de cargas. A falta de evidências acerca do nexo de causalidade entre as alegadas negativas de contratação do Autor e as informações prestadas pela Apelante, não há agir ilícito a ensejar a pretendida indenização por danos morais. (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 1007989-58 .2017.8.11.0003, Relator.: NÃO INFORMADO, Data de Julgamento: 19/03/2024, Quinta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/03/2024) APELAÇÃO. Ação de obrigação de fazer e de indenização por danos morais ajuizada por motorista contra empresa de gerenciamento de riscos no transporte rodoviário de carga. Inserção do nome do autor no sistema da empresa classificando-o como "perfil divergente". Sentença de improcedência. Apelo do autor alegando que a classificação negativa é arbitrária e o impede de exercer sua profissão. Sem razão. Empresa ré que inseriu em seu sistema apenas informações existentes em bancos de dados públicos, acessíveis a qualquer pessoa. Conduta legítima da ré. Ausência de nexo de causalidade entre a atividade da gerenciadora de risco e o alegado prejuízo. Sentença mantida. Apelo desprovido. (TJ-SP - Apelação Cível: 10177878920238260011 São Paulo, Relator.: Roberto Maia, Data de Julgamento: 23/08/2024, 20ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 23/08/2024) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DO AUTOR. TESE FUNDADA EM RESTRIÇÕES AO EXERCÍCIO DE TRABALHO COMO MOTORISTA DE VEÍCULOS DE TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE CARGAS. APONTAMENTOS REGISTRADOS EM SISTEMA DE GERENCIAMENTO DE RISCOS, CONTENDO INFORMAÇÕES, RELACIONADAS AO PERFIL DO PROFISSIONAL. DADOS DISPONIBILIZADOS PELA RÉ A POTENCIAIS CONTRATANTES DOS SERVIÇOS. ATIVIDADES DESENVOLVIDAS PELA ADMINISTRADORA DO BANCO DE DADOS DE CARÁTER INFORMATIVO QUE NÃO REPRESENTA, POR SI SÓ, ATIVIDADE ILÍCITA. DECISÃO QUANTO À CONTRATAÇÃO DO MOTORISTA ALHEIO À VONTADE DA DEMANDADA. INEXISTÊNCIA DE FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS A ENSEJAR A RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL INEXISTENTE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5009939-18.2020.8.24.0019, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Alex Heleno Santore, Oitava Câmara de Direito Civil, j. 27-02-2024). (TJ-SC - Apelação: 5009939-18.2020.8.24.0019, Relator.: Alex Heleno Santore, Data de Julgamento: 27/02/2024, Oitava Câmara de Direito Civil) EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - EMPRESA DE GERENCIAMENTO DE RISCO - PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES - EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO - IMPEDIMENTO DO EXERCÍCIO PROFISSIONAL - NÃO COMPROVAÇÃO - ÔNUS DA PROVA - ART. 373, I, DO CPC - CONTRATAÇÃO DO MOTORISTA - ESCOLHA DA EMPRESA CONTRATANTE DOS SERVIÇOS. Nos termos do art. 373, I, do CPC, incumbe ao autor provar os fatos constitutivos do seu direito. As empresas gerenciadoras de riscos têm como uma de suas funções o repasse das informações obtidas acerca dos motoristas e das empresas transportadoras de cargas às empresas contratantes do transporte, a quem cabe decidir pela contratação ou não do serviço. O repasse de informações verídicas pela ré a respeito do autor, na condição de empresa de gerenciamento de riscos, não se caracteriza como ato ilícito, na medida em que atua em exercício regular de direito. (TJ-MG - AC: 10000204910269001 MG, Relator.: Mônica Libânio, Data de Julgamento: 16/09/2020, Data de Publicação: 18/09/2020) Inexistente, portanto, ato ilícito ou abuso de direito por parte da ré, não há que se falar em obrigação de fazer ou indenização por danos morais. DISPOSITIVO Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por BRUNO GASPAR SILVA RIBEIRO em face de BUONNY PROJETOS E SERVIÇOS DE RISCOS SECURITÁRIOS LTDA., com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC. Condeno o autor ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, observada a suspensão da exigibilidade nos termos do art. 98, §3º, do CPC, por ser beneficiário da justiça gratuita. Em suas razões recursais (ID. 291938378), a parte Recorrente invoca os seguintes argumentos fático-jurídicos: 1. Ilegalidade do Gerenciamento de Risco Proativo para Embarques de Alto Risco; 2. Dano moral. Ao final, pugna pelo conhecimento e provimento do recurso para reformar a sentença com a condenação da Apelada ao pagamento por danos morais, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) e a retirada das restrições bloqueio mantidas no cadastro em nome do Apelante. Recurso tempestivo (Aba Expedientes – Sentença (39407567) – PJE 1º Grau) e preparo dispensado ante o deferimento da justiça gratuita (ID. 292868391). Contrarrazões (ID. 291938383), pelo desprovimento recursal. Não houve manifestação da Procuradoria de Justiça em razão da matéria. É o relatório. Sebastião de Arruda Almeida Desembargador Relator V O T O R E L A T O R APELANTE(S): BRUNO GASPAR SILVA RIBEIRO APELADO(S): BUONNY PROJETOS E SERVICOS DE RISCOS SECURITARIOS LTDA. VOTO EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO DE ARRUDA ALMEIDA. Egrégia Câmara: De proêmio, consigno que o presente comporta juízo de admissibilidade positivo, em relação aos requisitos extrínsecos e intrínsecos da espécie recursal. Reitero se tratar de Apelação Cível interposto por BRUNO GASPAR SILVA RIBEIRO, contra sentença (ID. 291938374 – Autos de Origem nº 1002450-33.2025.8.11.0003), proferida pelo Juízo da 4ª Vara Cível da Comarca de Rondonópolis-MT, que julgou improcedente o pedido de indenização por danos morais, sob argumento que a disponibilização das informações pela Recorrida, mesmo após o trânsito em julgado da extinção da punibilidade, não se configura em ilícito ou ato discriminatório. A parte Apelante, em suma, defende que foi impedido de exercer sua profissão de motorista carreteiro em razão de bloqueio cadastral indevido atribuído pela Apelada, que o classificou como “não adequado” para transporte de cargas, sem fundamentação idônea. Afirma que houve tentativa de regularização por envio de documentos solicitados, sem que houvesse providência eficaz por parte da empresa e que a conduta da Ré viola direitos fundamentais, como o livre exercício profissional, e enseja reparação por danos morais, alegando que se trata de situação que extrapola meros aborrecimentos. Requer, ainda, a exclusão da restrição, a fim de permitir seu retorno às atividades profissionais e os danos morais. Lado outro, a parte Apelada assevera que inexiste qualquer conduta ilícita em sua atuação, porquanto exerce atividade de gerenciamento de riscos dentro dos limites legais e contratuais, sendo responsável apenas por prestar informações para seguradoras e transportadoras, sem interferência direta na contratação de motoristas. Ao fim, pede o desprovimento recursal, sob o fundamento de que não restou comprovado o alegado dano moral, tampouco a ilicitude da conduta. Passo à análise das teses recursais. 1. Ilegalidade do Gerenciamento de Risco Proativo para Embarques de Alto Risco; O apelante sustenta que a manutenção do status de “perfil divergente” em seu cadastro configura prática discriminatória, violando seu direito ao livre exercício profissional. Contudo, tal alegação não merece acolhimento. A parte recorrida, conforme esclarecido por ela própria, exerce atividade legítima de gerenciamento de riscos, fundamental para a segurança no transporte de cargas e para a mitigação dos riscos inerentes a essa atividade econômica, sendo atividade amparada pela liberdade de iniciativa e pelo livre exercício da atividade econômica, conforme dispõe o art. 170, caput, da Constituição Federal. O repasse de informações públicas e verídicas, extraídas de certidões oficiais, não se confunde com conduta discriminatória, mas configura legítima prestação de serviços, em conformidade com o objeto social da empresa. As informações mantidas no cadastro da ré são oriundas de fontes públicas, sem qualquer restrição de sigilo, o que afasta a tese de violação ao princípio da transparência ou de irregularidade na finalidade do tratamento de dados. Com efeito, nos termos do art. 6º, incisos I e II, da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), a apelada limitou-se a exercer regularmente atividade autorizada, sem desvio de finalidade ou desproporcionalidade no uso dos dados obtidos. Igualmente, embora o apelante sustente que a informação repassada pela ré teria violado princípios constitucionais, tal argumento não se sustenta. A informação fornecida é verídica, referida em registros oficiais, e se limitou a relatar fatos objetivos na medida em que ainda que a Constituição Federal, em seu art. 5º, incisos V, X e XIII, assegure a inviolabilidade da imagem, honra, dignidade e liberdade profissional, tais garantias não têm caráter absoluto e devem ser interpretadas em consonância com o restante do ordenamento jurídico e com as particularidades do caso concreto. É certo que consoante adverte a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal não se reveste de natureza absoluta a liberdade de atividade empresarial, econômica ou profissional, eis que inexistem, em nosso sistema jurídico, direitos e garantias impregnados de caráter absoluto: "OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NÃO TÊM CARÁTER ABSOLUTO. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas e considerado o substrato ético que as informa permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros."(RTJ 173/807-808, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno) No caso, a prestação de informações técnicas, estatísticas e antecedentes profissionais, com a utilização de dados públicos para tomada de decisões, pressupõe autonomia técnica e discricionariedade empresarial dentro dos limites legais. Ao classificar determinado perfil como não aderente aos critérios de risco de seus clientes, a empresa não atua como autoridade estatal, nem impõe sanção jurídica, mas tão somente emite avaliação técnica, de circulação interna, restrita ao seu âmbito de atuação e à rede de clientes. Não se trata, por exemplo, de inscrição em cadastro de inadimplentes, tampouco de informação ofensiva ou vexatória tornada pública, mas de classificação reservada, feita a partir de parâmetros próprios do setor, que, embora possa gerar efeitos práticos desfavoráveis ao profissional, não se revela, por si só, ilícita ou abusiva. Importa frisar que, ainda que o apelante tenha apresentado certidões e documentos que atestam sua regularidade formal, isso não lhe confere direito subjetivo a uma avaliação positiva. A classificação envolve juízo técnico e discricionário, pautado em critérios que ultrapassam a simples ausência de registros negativos, não podendo o Poder Judiciário substituir essa avaliação por outro critério subjetivo, salvo quando demonstrada arbitrariedade manifesta, erro grosseiro ou má-fé — o que, no caso, não se verificou. Ademais, a invocação dos princípios da dignidade da pessoa humana e da não discriminação, ainda que relevantes, deve ser contextualizada à realidade da atividade privada e aos limites da liberdade contratual, visto que a ordem econômica, fundada na livre iniciativa, também protege a autonomia das empresas na definição de seus critérios operacionais e de segurança. A Constituição garante o devido processo legal ou a utilização do adequado procedimento também nas relações privadas, porém não impõe à empresa privada que mantenha a parceria contra a sua vontade. Prepondera, no caso, o Princípio da Autonomia da Vontade, segundo o qual as partes não estão obrigadas a manter a relação contratual se um dos contratantes descumpre as regras pactuadas. Os artigos 421 e 421-A, ambos do Código Civil, com a nova redação trazida pela Lei n. 13.874/2019, prevê a intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual. Vejamos: “Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019) Parágrafo único.Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) I - as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) II - a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) III -a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)” Portanto, em ajustes privados, como acontece no presente caso, devem prevalecer o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual, porque as partes se encontram em condições paritárias e simétricas até que surjam elementos concretos em contrário. Não há, ademais, qualquer prova de que o apelante tenha efetivamente sofrido prejuízo direto em sua atividade profissional em razão do cadastro mantido pela apelada. A mera alegação de impedimento laboral, desacompanhada de documentos que demonstrem recusas concretas de contratação, não se presta a comprovar o alegado dano. Ainda que seja possível reconhecer aborrecimentos e frustrações, não há nos autos qualquer elemento que comprove a existência de repasse de informação falsa ou desabonadora pela ré, elemento indispensável à configuração do dano moral. Vale lembrar que as transportadoras mantêm liberdade contratual para escolher os profissionais que melhor atendam às suas necessidades. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Superior do Trabalho é pacífica no sentido de que a manutenção de dados relativos a antecedentes criminais ou processos judiciais é lícita quando justificada pela natureza da atividade exercida — como ocorre no transporte de cargas —, desde que não haja abuso ou discriminação. A título exemplificativo, o TST, no julgamento do Incidente de Recurso de Revista Repetitivo nº TST-IRR-243000-58.2013.5.13.0023, firmou a tese de que a exigência de certidão de antecedentes criminais, quando justificada pela natureza do ofício ou pela fidúcia exigida, não configura ato ilícito nem gera dano moral. No caso dos autos, a ré não impediu o exercício da atividade do apelante, apenas forneceu dados verdadeiros e pertinentes às empresas que contratam seus serviços. Nesse sentido: APELAÇÃO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – IMPUGNAÇÃO À JUSTIÇA GRATUITA – ALTERAÇÃO DA CONDIÇÃO FINANCEIRA NÃO DEMONSTRADA - PRELIMINAR REJEITADA - PLATAFORMA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE (“UBER”) – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – INAPLICABILIDADE - PROFISSIONAL LIBERAL QUE NÃO ATUA COMO DESTINATÁRIO FINAL DOS SERVIÇOS - APONTAMENTO CRIMINAL EM NOME DO MOTORISTA – VIOLAÇÃO AOS TERMOS DO CONTRATO - DESCREDENCIAMENTO SEM OPORTUNIZAÇÃO DO CONTRADITÓRIO – POSSIBILIDADE – EXISTÊNCIA DE PREVISÃO CONTRATUAL – PRECEDENTES – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO NÃO PROVIDO. I – Não derruída a presunção de insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e honorários advocatícios, cumpre manter a benesse legal deferida ao apelante. II - Se a pessoa física não ostenta a condição de consumidora final, não há como incidir as regras do Direito do Consumidor. III - Reconhecida a liberalidade de inclusão/exclusão da plataforma, nos termos contratuais, não há que se falar em ato ilícito, porquanto decorrente do exercício regular do direito inerente à liberdade contratual (art. 421 do CC) e autonomia privada (art. 5º, II, CF). IV - Ademais, ainda que não comprovada a notificação da parte requerida sobre o desinteresse na continuidade da parceria (Cláusula 12, item 2.2, alínea (a) do Termo de Adesão) e ainda, diante das condutas consideradas inapropriadas do motorista, conclui-se que não há conduta ilícita praticada pela empresa. (N.U 1022062-08.2023.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SERLY MARCONDES ALVES, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 31/10/2024, Publicado no DJE 31/10/2024) Ementa: Direito Civil. Embargos de declaração com efeitos infringentes. Transporte por aplicativo. Desativação do motorista. Rescisão contratual e antecedentes criminais. Previsão contratual de desativação imediata por violação de cláusulas e questões de segurança. I. Caso em exame 1. Embargos de Declaração Opostos pela Uber do Brasil Tecnologia Ltda. contra decisão proferida no recurso de agravo de instrumento que determinou o desbloqueio imediato do motorista da plataforma, reformando o decisum de primeiro grau que havia negada a liminar. II. Questão em discussão 2. A questão consiste em saber se o acórdão deixou de analisar os argumentos alegado pela plataforma sobre a previsão contratual de desativação imediata e a existência de processo criminal, sem sentença transitada em julgado, em desfavor do motorista. III. Razões de decidir 3. O acórdão embargado é omisso, pois não examinou a alegação de previsão contratual de rescisão imediata em caso de violação das políticas da plataforma, bem como sobre a existência de antecedentes criminais vinculado ao CPF do embargado. 4. Com respaldo na Lei 13.640/2018 e no artigo 11-B da Lei 12.587/ 2012, verifica-se que o desligamento possui amparo contratual e legal, pois a prestação de serviço de transporte é de caráter pessoalíssimo, sendo necessária a dilação probatória para avaliação detalhada dos elementos apresentados. IV. Dispositivo e tese 5. Embargos de Declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para negar provimento ao recurso de agravo de instrumento, mantendo a validade da desativação da conta do motorista até a produção de provas. Tese de julgamento: "É legítimo a desativação de motorista por aplicativo, sem notificação prévia, quando presente previsão contratual de desativação imediata em casos de violação das políticas de segurança e antecedentes criminais pendentes." _________ Dispositivos relevantes citados: CPC, art. 1.022; Lei 13.640/2018; Lei 12.587/2012, art. 11-B. Jurisprudência relevante citada: TJSP, RAC 1002965-36.2021.8.26.0506, Rel. Des. Rogério Murillo Pereira Cimino, j. 25/07/2022. (N.U 1011735-93.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARCIO APARECIDO GUEDES, Primeira Câmara de Direito Privado, Julgado em 19/12/2024, Publicado no DJE 19/12/2024) Diante de todo o exposto, não havendo demonstração de ato ilícito, de dano efetivo ou de nexo causal, impõe-se a manutenção da sentença de improcedência. 2. Dano moral. Com relação ao pleito de fixação de indenização por danos morais, a proteção ao direito da personalidade da pessoa jurídica tem natureza objetiva, por ser uma criação humana desprovida de sentimentos, hipótese em que a sua proteção diz respeito à imagem, ao nome e à credibilidade empresarial nas relações sociais e econômicas. É induvidoso, portanto, que a pessoa jurídica, embora não seja passível de sofrer dano moral em sentido estrito, como a ofensa à dignidade — por ser esta exclusiva da pessoa humana —, pode sofrer dano moral em sentido amplo: violação de algum direito da personalidade, porque é titular de honra objetiva, fazendo jus à indenização sempre que seu bom nome, credibilidade ou imagem forem atingidos por algum ato ilícito. No caso, embora se reconheça a desídia da empresa recorrida na resolução da controvérsia, entendo que a simples inclusão dos veículos no sistema de gerenciamento de risco, desacompanhada de menção expressa ao nome da empresa ou de seu representante legal, não configura, por si só, violação aos atributos da personalidade. Conclusão. Por essas razões, conheço do recurso de Apelação e NEGO-LHE PROVIMENTO, mantendo-se, na integralidade, a r. sentença fustigada. Ante o resultado do julgamento, majoro os honorários de sucumbência fixados, pelo Juízo de 1º Grau, em desfavor do recorrente, para o importe de 12% (doze por cento), nos termos do art. 85, §11, do CPC, todavia, a execução de valores ficará suspensa, tendo em vista o benefício da assistência judiciária, de acordo com o art. 98, §3º, do Código de Processo Civil. É como voto. Sebastião de Arruda Almeida Desembargador Relator Data da sessão: Cuiabá-MT, 01/07/2025
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