Processo nº 5031218-84.2025.4.04.7000
ID: 334100502
Tribunal: TRF4
Órgão: 7ª Vara Federal de Curitiba
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 5031218-84.2025.4.04.7000
Data de Disponibilização:
25/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JEFFERSON LINS VASCONCELOS DE ALMEIDA
OAB/PR XXXXXX
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PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5031218-84.2025.4.04.7000/PR
AUTOR
: KATIE SOBRINHO NASSIF
ADVOGADO(A)
: JEFFERSON LINS VASCONCELOS DE ALMEIDA (OAB PR022718)
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO…
PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5031218-84.2025.4.04.7000/PR
AUTOR
: KATIE SOBRINHO NASSIF
ADVOGADO(A)
: JEFFERSON LINS VASCONCELOS DE ALMEIDA (OAB PR022718)
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO
Atuo no presente caso em regime de substituição, dado que os insignes Juízes desta 7.VF encontram-se em convocação/férias regulamentares.
1.1. Petição inicial:
Em 11 de junho de 2025,
KATIE SOBRINHO NASSIF
deflagrou a presente demanda, sob o rito dos juizados especiais, em face de UNIÃO FEDERAL, pretendendo a exclusão de seu nome do quadro de sócios e administradores da empresa KR Fitness e Wellness Ltda ME, registrada sob o CNPJ nº 11.173.637/0001-04, com a consequente correção de dados na base da Receita Federal.
Para tanto, a autora disse que "
num passado distante, foi administradora da sociedade KR Fitness e Wellness Ltda ME, CNPJ 11.173.637/0001-04
", da qual teria sido destituída em 08 de junho de 2010. Alegou não mais manter contato com o outro sócio, Rodrigo Nacif Dornelles de Dornelles. Em consulta ao site da Receita Federal, ela teria constatado que os dados da empresa encontrar-se-iam desatualizados, em desacordo com a alteração do contrato social efetivada no ano de 2010, e que teria sdio registrada perante a Junta Comercial.
O sócio remanescente da empresa encontrar-se-ia em local incerto e não sabido. Ela teria sido citada em processo judicial em trâmite perante a 15ª Vara Federal de Curitiba - eproc 5027389-32.2024.04.7000, no que toca a débitos da pessoa jurídica. Além disso, "
suas contas bancárias estão perecendo por conta da vinculação existente que perdura até data de hoje, influenciando nos limites de credito, negativações perante SERASA entre outros dissabores."
Ela postulou a concessão de tutela de urgência para a imediata atualização cadastral da empresa, a fim de que seja excluída dos quadros da sociedade.
1.2. Prelibação da peça inicial:
O pedido de tutela de urgência foi indeferido, alegando-se haver dúvida quanto ao cogitado interesse processual, dada a ausência de "
demonstração de que a parte autora ou a empresa KR Fitness e Wellness Ltda ME tenha requerido a atualização das informações societárias à Receita Federal ou a exclusão do nome da autora do Quadro de Sócios e Administradores - QSA da empresa
".
1.3. Pedido de reconsideração:
A autora postulou a reconsideração da decisão, dizendo que "
não tem mais contato com os atuais proprietários, os quais sequer a respondem.
Em tentativa administrativa de resolução do impasse, entrou em contato com o antigo contator, responsável a época pela informação de alteração contratual realizada para a Receita Federal para a atualização do quadro de sócios da empresa. A resposta foi negativa
(...)
".
Juntou aos autos o arquivo áudio da resposta.
Afirmou que "
Sem a alteração perseguida a ação perde seu objeto
e deixa a Autora numa situação ainda pior do que estava anteriormente
".
II - FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Competência da Justiça Federal
A causa submete-se à alçada da Justiça Federal, eis que versa sobre pretensão endereçada à União Federal, sendo aplicáveis ao caso o art. 109, I, Constituição Federal e o art. 10, I, da lei n. 5.010/1966.
2.2. Competência dos Juizados Especiais:
A competência dos Juizados Especiais Federais é absoluta, diante do previsto no art. 98, I, Constituição e art. 3º da lei n. 10.259, de 2001. Logo, em princípio, não pode ser ampliada ou reduzida, impondo-se sua apreciação de ofício pelo Poder Judiciário, conforme art. 64, CPC.
Não se submetem à
"
competência do Juizado Especial Cível as causas: (...) para a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal.
"
Convém ter em conta, todavia, que o processo é individualizado pela conjugação do trinômio partes, pedido e causa de pedir (art. 337, §2 CPC). Em decorrência do princípio da substanciação, a parte autora é obrigada a detalhar, na peça inicial, a sua pretensão, indicando o pedido e também a motivação do pedido. Note-se ainda que, como notório, apenas o dispositivo transita em julgado, conforme se infere do Art.. 504, I, CPC:
"Não fazem coisa julgada: I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença."
Assim, como têm entendido os tribunais, os Juizados Especiais são competentes para apreciação de pretensões nas quais a alegada nulidade do ato administrativo é invocada apenas como causa de pedir, e não como pedido:
"(....) Por outro lado, não é o caso de aplicação da exceção prevista no art. 3º , § 1º , III , da Lei 10.259 ,
uma vez que a autora invocou a alegada nulidade da revisão administrativa apenas como causa de pedir, dado que a sua pretensão é efetivamente condenatória
. Desse modo, firma-se a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para o julgamento do feito, nos termos do artigo 98, I, da Constituição Federal."
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50446614920184047000 PR 5044661-49.2018.4.04.7000, Relator: GERSON LUIZ ROCHA, Data de Julgamento: 02/04/2020).
Ainda segundo a Turma Recursal,
"O valor da causa atribuído pela parte autora é inferior a 60 salários, o qual não foi impugnado, logo, não há o que discutir quanto a esse aspecto.
Por outro lado, não é o caso de aplicação da exceção prevista no art. 3º, § 1º, III, da Lei 10.259, uma vez que "a autora invocou a alegada nulidade da revisão administrativa apenas como causa de pedir, dado que a sua pretensão é efetivamente condenatória
". Desse modo, firma-se a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para o julgamento do feito, nos termos do artigo 98, I, da Constituição Federal. "
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50029127820204047001 PR 5002912-78.2020.4.04.7001, Relator: GERSON LUIZ ROCHA, 22/10/2020, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
Atente-se para os julgados que transcrevo abaixo:
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA INSTAURADO ENTRE JUÍZO FEDERAL E JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL. COMPETÊNCIA DESTA E. CORTE. SÚMULA 428 DO STJ. AÇÃO INDIVIDUAL DE DISPENSA DE PAGAMENTO DE PEDÁGIO. INEXISTÊNCIA DE PEDIDO DE ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO. VALOR DA CAUSA INFERIOR A SESSENTA SALÁRIOS MÍNIMOS. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL. PRECEDENTES DESTA 2ª SEÇÃO. CONFLITO PROCEDENTE. 1 - Nos termos da Súmula 428 do Superior Tribunal de Justiça, compete a esta E. Corte dirimir o presente conflito negativo de competência entre Juízo Federal e Juizado Especial Federal Cível. 2 - Busca a autora tão somente o reconhecimento de seu direito individual à dispensa do pagamento de pedágio na praça de arrecadação instalada no entroncamento das rodovias BR 153 e BR 369, localizada no município de Jacarezinho/PR, com fundamento na Portaria do Ministério dos Transportes nº 155/2004 bem como na sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 2006.70.13.002434-3. 3 -
A questão relativa à desconstituição de ato administrativo não faz parte do pedido do autor, que dela tratou apenas de forma incidental, como causa de pedir, de modo que, no caso dos autos, resta afastada a aplicação do art. 3º, § 1º, III, da Lei 10.259/01. Precedentes desta Segunda Seçã
o. 4 - Aplicável à hipótese em tela a regra geral prevista no caput do artigo 3º da Lei 10.259/2001, que estabelece a competência dos Juizados Especiais Federais em se tratando de causas com valor inferior a sessenta salários mínimos. 5 - Conflito procedente, para declarar a competência do Juizado Especial Federal Cível de Ourinhos/SP.Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, julgar procedente o conflito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
(CC - CONFLITO DE COMPETÊNCIA - 21150 0000310-88.2017.4.03.0000, DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE, TRF3 - SEGUNDA SEÇÃO, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/07/2017).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO ESPECIAL E JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO COMUM. AÇÃO ORDINÁRIA QUE VISA O RECONHECIMENTO DE DIREITO. MERA REVISÃO DO ATO ADMINISTRATIVO. INAPLICABILIDADE DO INCISO III DO §1º DO ARTIGO 3º DA LEI Nº 10.250/01. A
parte autora pleiteia a declaração de direito à percepção de determinada vantagem pecuniária, não havendo pedido imediato de anulação de qualquer ato administrativo, o qual só seria atingido via reflexa, razão pela qual não se aplica, na espécie, a regra que excepciona da competência dos Juizados Especiais Federais para causas valoradas até sessenta salários mínimos. Inaplicável ao caso a exceção prevista no inc. III do §1º do art. 3º da Lei nº 10.259/01
. (TRF4 5018358-17.2016.4.04.0000, SEGUNDA SEÇÃO, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 22/12/2016).
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO ESPECIAL E JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO COMUM. COMPETÊNCIA DO STJ PARA APRECIAR O CONFLITO. JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. COMPETÊNCIA. CRITÉRIOS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL EM FACE DO VALOR DA CAUSA. 1. A jurisprudência do STJ é no sentido de que juízo de juizado especial não está vinculado jurisdicionalmente ao tribunal com quem tem vínculo administrativo, razão pela qual o conflito entre ele e juízo comum caracteriza-se como conflito entre juízos não vinculados ao mesmo tribunal, o que determina a competência do STJ para dirimi-lo, nos termos do art. 105, I, d, da Constituição. Precedentes. 2. A Lei 10.259/01, que instituiu os Juizados Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, estabeleceu que a competência desses Juizados têm natureza absoluta e que, em matéria cível, obedece como regra geral a do valor da causa: são da sua competência as causas com valor de até sessenta salários mínimos (art. 3º). 3. A essa regra foram estabelecidas exceções ditadas (a) pela natureza da demanda ou do pedido (critério material), (b) pelo tipo de procedimento (critério processual) e (c) pelos figurantes da relação processual (critério subjetivo).
Entre as exceções fundadas no critério material está a das causas que dizem respeito a "anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal". 4. No caso, a demanda tem valor da causa inferior a sessenta salários mínimos e visa a obter indenização por danos morais. A ilegitimidade dos atos administrativos constitui apenas fundamento do pedido, não seu objeto
. 5. Conflito conhecido, declarando-se a competência do Juízo Federal da 7ª Vara do Juizado Especial Cível da Subseção Judiciária de São Luís -MA, o suscitante. (STJ, CC 75314/MA, 1ª Seção, Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ 27/08/2007).
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. EXCEÇÃO DO ART. 3º, § 1º, INC. III, DA LEI Nº 10.259/01 AFASTADA. JUIZADO ESPECIAL CÍVEL.
A pretensão formulada nesta ação não se enquadra em nenhuma das hipóteses arroladas no § 1º do art. 3º da Lei nº 10.259, visto não tratar a ação de anulação ou cancelamento de ato administrativo típico.
O pedido envolve, apenas, reconhecimento de direito. Sendo o valor da causa inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, cabe ao Juizado Especial Federal a competência para processar, conciliar e julgar as causas de competência da Justiça Federal
. (TRF4, conflito de competência (Seção) Nº 5008065-61.2011.404.0000, 2ª Seção, Des. Federal VILSON DARÓS, POR UNANIMIDADE, em 08/09/11).
Assim, e atribuído à causa o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), tem-se que competente para o processamento e julgamento da lide o Juizado Especial Federal
. Diante do exposto, nos termos do disposto no art. 120, § único, do CPC, conheço do presente conflito e declaro competente para o processamento e julgamento da lide o juízo suscitado (Juízo Substituto da 1ª Vara de Florianópolis). Publique-se. Comuniquem-se os juízos conflitantes e, com as formalidades de estilo, dê-se baixa na distribuição e arquivem-se os autos.
(TRF4 5013834-11.2015.404.0000, Segunda Seção, Relator Candido Alfredo Silva Leal Junior, 11/07/2015)
Eventual complexidade da demanda não afasta, por si, a competência dos Juizados Federais:
"Ação originária de produção antecipada de provas, com argumento de complexidade da demanda e necessidade de oitiva de quatro testemunhas. 4. A Lei 10.259/2001 estabelece a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para causas de valor até 60 salários mínimos,
independentemente da complexidade.
5. O critério de competência dos Juizados Especiais Federais é quantitativo, e o argumento da agravante quanto ao número de testemunhas não é capaz de afastar tal competência. 6. Agravo Interno não provido."
(STJ - AgInt no REsp: 2059305 AL 2023/0090671-3, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 16/10/2023, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/12/2023)
Na espécie, o valor atribuído à demanda - R$ 1.000,00 - revelava-se inferior a 60 salários mínimos, considerando o valor do salário mínimo fixado pelo
Decreto 12.134/2024
(R$ 1.518,00). No caso, o processamento da demanda sob o rito dos juizados não esbarra no art. 3, §1, III, da lei n. 10.259/2001, dado que a autora não postulou a declaração da nulidade de atos administrativos, distintos de atos previdenciários ou tributários.
2.3. Competência da presente Subseção Judiciária:
Cuidando-se de pedido de reparação de danos, aplica-se ao caso o art. 53, IV, "a", CPC, apontando como competente o Juízo do local em que tenham sido praticados os atos apontados como causadores dos alegados danos. Por outro lado, anoto que o STF tem aplicado o art. 109,§2º, CF/88.
Aludida regra constitucional se aplica também ao rito dos Juizados Especiais. Com efeito,
"A competência absoluta dos Juizados Especiais, referida no art. 3º , § 3º , da Lei n. 10.259 /01 não constitui obstáculo à redistribuição para fins de equalização de acervo, desde que o encaminhamento ocorra para outra Vara com competência também vinculada ao sistema dos Juizados Especiais Federais. 5. A norma que afirma que "no foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua competência é absoluta" tem ligação histórica com a interpretação dada pela doutrina e pela jurisprudência à Lei nº 9.099 /95, no sentido de que "o ajuizamento da ação perante o juizado especial é uma opção do autor (art. 3 ., par.3., da Lei 9.099 /95)" ( REsp 151.703/RJ , Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 24/03/1998, DJ 08/06/1998, p. 124). 6.
O ajuizamento obrigatório de causas de até 60 salários mínimos nos Juizados Especiais Federais empresta a essas ações uma competência absoluta para o próprio sistema dos Juizados Especiais, mas não torna essas ações infensas às medidas de equalização. Nada impede, portanto, a incidência do art. 109 , § 2º , da Constituição Federal , no sentido de que as causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal
."
(TRF-4 - CC: 50799694420214047000 PR 5079969-44.2021.4.04.7000, Relator: NICOLAU KONKEL JÚNIOR, Data de Julgamento: 24/02/2022, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
Por conseguinte,
considerando o alcance do art. 109, §2, CF, a tramitação desta causa perante esta Subseção Judiciária está em conformidade com a legislação, considerando a redistribuição em razão de auxílio de equalização
. Ademais, as partes não suscitaram exceção, na forma do art. 65, CPC e súmula 33, Superior Tribunal de Justiça.
2.4. Competência do presente Juízo:
Dentre os Juízos com atuação nesta Subseção de Curitiba, a causa foi livremente distribuída ao presente Juízo Titular da 7.VF, o que atendeu a garantia do Juízo Natural -
art. 5, LIII, Constituição
.
Auto nesse processo em regime de substituição, dada a fruição de férias pelos magistrados desta unidade jurisdicional.
2.5. Eventual
conexão
processual:
Nâo há sinais de que esta demanda mantenha conexão com alguma outra, porventura ainda em curso, para fins de reunião e solução conjunta, na forma do art. 55, §1, CPC/15 e leitura
a contrario sensu
da
súmula 235, do Superior Tribunal de Justiça
, questão de resto não suscitada pelas partes.
2.6.
Singularidade
da demanda:
Não há indicativos de que esta demanda seja reiteração de alguma outra, porventura já julgada, com sentença transitada em julgado. Como sabido, a coisa julgada é assegurada constitucionalmente, na forma do art. 5, XXXVI, Lei Maior, enquanto projeção da garantia da segurança jurídica. Eventual sentença transitada em julgada em regra não pode ser alterada pelo Juízo e tampouco pela parte atingida, salvo eventual celebração de acordo com a parte reconhecida como credora na decisão, quando em causa interesses disponíveis (lógica, por exemplo, do art. 190, CPC).
Desse modo, a sentença transitada em julgado não pode ser alterada ou desconsiderada pelo Juízo, conforme lógica do art. 508, CPC/15. Tal alteração apenas seria admissível em casos de negócio processual, avençado entre as partes, versando sobre pretensões disponíveis, conforme art. 190, CPC/15. Também seria cabível em hipótese de ação rescisória, interposta perante o Tribunal competente e com atenção ao prazo do art. 975, CPC/15; em caso de
querela nullitatis insanabilis
ou de declaração, pela Suprema Corte, da inconstitucionalidade de norma tomada como fundamento para prolação da sentença (art. 535, §4º, CPC). No caso, de todo modo, não há indicativos de desconsideração à coisa julgada, por conta do processo em exame.
Ademais, tampouco há litispendência, o que pressupõe - conforme art. 337, §2, CPC/15 - identidade de partes, pedido, causa de pedir. No momento, atentando-se para a presente causa, não vilumbrei sinais de violação ao
ne bis in idem.
2.7. Eventual suspensão da demanda:
Por outro lado, não estão atendidos os requisitos para eventual suspensão desta demanda, na forma do art. 313, CPC/15. Não há uma questão prejudicial que enseje a estagnação deste processo, até que a questão prejudicial seja solucionada. A suspensão ditada pelo art. 982, CPC - tema submetido à alçadda dos Tribunais - tampouco se aplica ao caso.
2.8. Legitimidade das partes:
A autora está legitimada para a demanda, eis que deduziu pretensão própria em nome próprio, não esbarrando na vedação do art. 18, CPC. Sustentou ter constatado equívocos decorrentes da persistência, perante a Receita Federal, da vinculação dos seus dados à empresa de cujos quadros constitutivos teria deixado de participar há anos.
A União Federal está legitimada para a causa, dado ser a responsável pela administração do mencionado cadastro
e, segundo a peça inicial. Saber se a pretensão da requerente procede demanda exame do mérito do seu pleito.
2.9. Interesse processual:
O esgotamento do debate no âmbito administrativa não se revela necessária, diante da garantia do art. 5, XXXV, CF. O
tema 350, STF
, não se aplica ao caso, eis que não se cuida de debate sobre prestações previdenciárias.
Cogita-se que a autora estaria obrigada a comunicar à União as alterações societárias. Tal questão exige, porém, exame de mérito, a ser promovida sem sentença. Caso a sua pretensão venha a ser reputada procedente, em sentença transitada em julgado, isso implicará incremento/reparação do seu patrimônio. A via processual eleita se revela idônea para o debate do tema, de modo que os requisitos do art. 17, CPC, restaram satisfeitos.
2.10. Gratuidade de gerais - considerações gerais:
No que toca à gratuidade de Justiça, anoto que a Constituição da República dispôs, no seu art. 5º LXXIV, que
"
o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos
."
Essa mesma lógica eclode do art. 24, XIII e do art. 134, Constituição Federal/1988.
Ademais, a Constituição recepcionou a antiga lei 1060/1950, responsável por detalhar as hipóteses do que se convencionou chamar de justiça gratuita.
Registro que o CPC/15 manteve a vigência da norma veiculada no art. 13 da lei 1060/1950 (art. 1072, III,
a contrario senso
), ao tempo em que admitiu o deferimento parcial da gratuidade:
Araken de Assis assim analisa a questão:
"- Isenção total - Em princípio, ao litigante interessa forrar-se integralmente do custo financeiro do processo. A isenção total tem por objeto, portanto, o art. 98, §1º, I a IX, ficando suspensa a exigibilidade do dever de reembolsar as despesas suportadas pelo adversário, no todo ou em parte - a perícia requerida por ambas a partes tem seu custo repartido, a teor do art. 95, caput, e, portanto, competiria ao beneficiário reembolsar em parte o vencedor - o pagamento de honorários ao advogado do vencedor, pelo prazo de cinco anos, a teor do art. 98, §3º.
- Isenção parcial - Mantido pelo art. 1.072, III, NCPC, o art. 13 da lei 1060/1950 subentende a concessão parcial do benefício de gratuidade. Essa possibilidade encontra-se prevista de modo mais nítido no art. 98, §5º, segundo o qual o juiz concederá gratuidade em relação a algum ou a todos os atos processuais. Pode acontecer de o litigante, conduzindo-se segundo os ditames da boa-fé (art. 5º) alegar não dispor de recursos para adiantar, v.g., os honorários do perito, sem dúvida despesa de vulto. Em tal hipótese, o órgão judiciário concederá isenção parcial, provocando a incidência, nesse caso, do art. 95, §2º.
- Isenção remissória - O art. 98, §5º, in fine, autoriza o juiz a reduzir percentualmente as despesas processuais que incumbe à parte adiantar no curso do processo. O benefício não alivia a parte da antecipação quanto a um ato específico. Limita o benefício à parte da despesa; por exemplo, fixada a indenização da testemunha em 100, o beneficiário paga 50, ficando a parte remanescente postergada para o fim do processo. Saindo-se vencedor o beneficiário, a contraparte cumprirá o art. 492, quanto à parte isentada, e reembolsará o beneficiário da outra metade.
-
Isenção diferida - A isenção parcial do art. 13 da lei 1060/1950 inspirou duas modalidades de diferimento: (a) o pagamento ao final, embora vencido o beneficiário; (b) o pagamento parcelado da despesa, objeto de previsão no art. 98, §6º. Por exemplo a parte não dispõe da totalidade dos honorários do perito arbitrado pelo juiz e, nessa contingência, requer o pagamento em três ou mais parcelas mensais consecutivas. O pagamento ao fim do processo é mais radical. A parte aposta no sucesso, transferindo, secundum eventuam litis, todas as despesas ao adversário. E, não logrando êxito, ficará isenta pelo prazo legal
(art. 98, §3º)." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 535-536)
Quanto aos requisitos para a concessão, reporto-me à análise de Rafael Alexandria de Oliveira:
"Faz jus ao benefício da gratuidade de justiça aquela pessoa com insuficiência de recursos para pagar as custas, despesas processuais e honorários advocatícios (art. 98). Não se exige miserabilidade, nem estado de necessidade, nem tampouco se fala em renda familiar ou faturamento máximos. É possível que uma pessoa natural, mesmo com boa renda mensal, seja merecedora do benefício, e que também o seja aquele sujeito que é proprietário de bens imóveis, mas não dispõe de liquidez. A gratuidade judiciária é um dos mecanismos de viabilização do acesso à justiça; não se pode exigir que, para ter acesso à justiça, o sujeito tenha que comprometer significativamente a sua renda, ou tenha que se desfazer de seus bens, liquidando-os para angariar recursos e custear o processo."
(OLIVEIRA, Rafael Alexandria in WAMBIER, Teresa Alvim.
Breves comentários ao novo CPC.
São Paulo: RT, 2015, p. 359)
Convém atentar, ademais, para a precisa avaliação de Araken de Assis:
"À concessão do benefício, nos termos postos no art. 98, caput, fundamentalmente interessa não permitir a situação econômica da parte atender às despesas do processo. É irrelevante a renda da pessoa, porque as causas podem ser vultuosas e sem recursos para o interessado. Igualmente, nenhum é o relevo da existência de patrimônio. E, de fato, se mesmo tendo um bem imóvel, os rendimentos da parte não lhe são suficientes para arcar com custas e honorários sem prejuízo do sustenta, tal propriedade não é empecilho à concessão da gratuidade. Parece pouco razoável exigir que alguém se desfaça de seus bens para atender ás despesas do processo. Nada assegura, a fortiori, o retorno à situação patrimonial anterior, em virtude do desfecho vitorioso do processo. (...) Funda-se o benefício da gratuidade numa equação econômica: a noção da necessidade decorre da inexistência de recursos financeiros, apuradas entre a receita e a despesa, capazes de atender o custo da demanda. Considera-se a situação atual da pessoa, mostrando-se irrelevante a sua antiga fortuna, dissipada ou perdida nos azares da vida."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 549)
Note-se também que o TRF4 tem entendido que a gratuidade de Justiça há de ser deferida a quem receba
remuneração mensal
líquida
inferior ao
teto de benefícios do RGPS
, definido em
R$ 7.507,49
, conforme Portaria Interministerial MPS/ME nº 26, de 10.01.2023:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. HIPÓTESES DE CABIMENTO. COMPLEMENTAÇÃO. NECESSIDADE. BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. RENDIMENTOS SUPERIORES AO TETO DOS BENEFÍCIOS DO RGPS. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. REVOGAÇÃO MANTIDA. RESULTADO DO JULGAMENTO INALTERADO. 1. São cabíveis embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; suprir omissão ou corrigir erro material, consoante dispõe o artigo 1.022 do Código de Processo Civil. 2.
A Terceira Turma adota como critério de concessão/manutenção do benefício da gratuidade judiciária o fato de a parte auferir renda inferior ao teto dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, pois mostra-se razoável presumir a hipossuficiência nessas hipóteses. 3. Para o deferimento da mencionada benesse, devem ser apurados os rendimentos líquidos da parte interessada e considerados, para tal fim, apenas, os descontos obrigatórios/legais (tais como Importo de Renda, Contribuição Previdenciária e pensão) e, excepcionalmente, gastos com saúde (apurada a gravidade da doença no caso concreto e os gastos respectivos, ainda que não descontados em folha de pagamento)
. 4. Caso em que acolhidos, em parte, os embargos de declaração, para complementar o decisum no ponto referente à revogação do benefício da justiça gratuita, sem alteração de resultado. (TRF-4 - AC: 50021421220124047116 RS 5002142-12.2012.4.04.7116, Relator: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 28/01/2020, TERCEIRA TURMA)
D'outro tanto, o CPC/15 manteve a lógica do art. 12 da lei 1060/1950, de modo que a concessão do benefício não implica efetiva exoneração da obrigação de recolher despesas e pagar honorários sucumbenciais (incabíveis, porém, no rito do mandado de segurança), observado o prazo suspensivo previsto, agora, no art. 98, §2º, CPC/15 (05 anos).
O detalhe está no fato de que, como registrei acima, nos termos do art. 98, §5º, CPC/15,
"
A gratuidade poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento
."
Anote-se que a Constituição preconiza que o postulante demonstre a incapacidade para o pagamento (art. 5º, LXXIV, CF). Aliás, como bem expressa Araken de Assis,
"A dispensa de o postulante da gratuidade, cuidando-se de pessoa natural, produzir prova documental do seu estado de necessidade provocou efeito colateral de graves reflexos. Fica o respectivo adversário em situação claramente desvantajosa. É muito difícil, a mais das vezes, e na imensa maioria dos litígios civis, a parte contrária reunir prova hábil da equação entre receita e despesa que gera a figura do necessitado. Enfraqueceu-se, em suma, o controle judiciário desse dado. A concessão do benefício é automática, e, na prática, simultaneamente irreversível, por força da inutilidade dos esforços em provar o contrário."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 559).
2.11. Gratuidade de justiça - caso em exame:
Na espécie,
DEFIRO o benefício da gratuidade de Justiça
postulado pelo autor, diante da declaração de hipossuficiência de movimento-1, atentando para o art. 99, §2º, CPC, de modo a abranger custas, eventuais encargos periciais e honorários sucumbenciais, se devidos.
A medida surte reduzidos efeitos, porém, no rito dos Juizados, coinforme se infere dos arts. 54 e 55 da lei n. 9.099/1995, não ab-rogados pelos arts. 82 e 85, CPC, conforme art. 2, §2, do decreto-lei 4.657/1942. Ressalvo eventual novo exame sobre o tema, caso sobrevenha impugnação da requerida, na forma do art. 100, CPC.
2.12. Pedido de reconsideração:
Sabe-se que, no rito comum, interposto agravo de instrumento, é dado ao Juízo retratar-se da decisão impugnada, contanto que sejam ofertados argumentos ou elementos de convicção que o vaticinem -
art. 1.018, CPC/15
. Isso também ocorre quando se trate de apelação contra sentença extintiva da demanda sem solução de mérito, conforme se infere do
art. 485, §7, CPC/15
.
Nos demais casos, os Tribunais têm enfatizado que os pedidos de reconsideração não se revelam aptos para interromper ou reinaugurar prazos recursais, no que toca à decisão que se pretende ver modificada
.
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO DA DECISÃO DE INADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. AUSÊNCIA DE INTERRUPÇÃO OU SUSPENSÃO DO PRAZO. INTEMPESTIVIDADE. DECISÃO MANTIDA. 1.
O pedido de reconsideração, por não ser qualificado como recurso, não interrompe nem suspende o prazo para interposição do recurso cabível
. 2. É pacífico o entendimento desta Corte no sentido de que o único recurso cabível contra a decisão que inadmite recurso especial é o previsto no art. 544 do CPC, sendo, portanto, intempestivo o agravo nos próprios autos. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (STJ, AGARESP 201303291604, rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, DJE de 18.12.2013)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO. INTEMPESTIVIDADE.
É entendimento dominante nesta Colenda Corte que o pedido de reconsideração não interrompe nem suspende o prazo recursal, donde se conclui pela intempestividade do agravo de instrumento interposto contra a decisão que manteve outra em igual sentido, que é, efetivamente, a recorrida
. (AG 00024034120104040000, JORGE ANTONIO MAURIQUE, TRF4 - QUARTA TURMA, D.E. 31/05/2010.)
Quando se cuida de demanda processada sob o rito dos Juizados, na forma da lei n. 9.099/1995 e lei 10.259/2001, as decisões interlocutórias se revelam insuscetíveis de impugnação imediata, mediante recurso - enunciado 15 FONAJE:
"
nos Juizados Especiais não é cabível o recurso de agravo, exceto nas hipóteses dos artigos 544 e 557 do Código de Processo Civil
."
No que toca aos Juizados Federais, convém atentar para os
arts. 4 e 5 da lei n. 10.259/2001
:
"O Juiz poderá, de ofício ou a requerimento das partes, deferir medidas cautelares no curso do processo, para evitar dano de difícil reparação. Exceto nos casos do art. 4, somente será admitido recurso de sentença definitiva."
Assim, as Turmas Recursais têm deferido o processamento de recursos imediatos contra decisões em que tenha sido
deferida a antecipação
de tutela, reputando incabível o recurso no caso contrário, como ilustra o julgado que transcrevo abaixo:
EMENTA DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO DE MEDIDA CAUTELAR. INDEFERIMENTO DE TUTELA ANTECIPATÓRIA. IRRECORRIBILIDADE DE DECISÃO INTERLOCUTÓRIA INDEFERITÓRIA NO ÂMBITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS . RECURSO DO AUTOR DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Trata-se de recurso interposto contra decisão que não conheceu de pedido de antecipação dos efeitos da tutela formulado em sede de medida cautelar, no qual se buscava a aplicação de desconto de 77% sobre contrato do FIES . 2. O autor interpôs agravo interno, sustentando o cabimento do recurso contra a decisão interlocutória indeferitória. II. Questão em discussão 3 .
A questão em discussão consiste em definir se é cabível recurso contra decisão interlocutória que indefere medida antecipatória no âmbito dos Juizados Especiais Federais Cíveis. III. Razões de decidir 4. De acordo com os arts . 4º e 5º da Lei nº 10.259/2001, apenas as decisões que deferem medidas cautelares admitem recurso imediato, sendo vedado o manejo de recurso contra decisões interlocutórias indeferitórias. 5. A jurisprudência da Turma admite interpretação extensiva desses dispositivos para alcançar também as decisões que deferem tutelas antecipatórias, em razão de sua natureza satisfativa e dos efeitos imediatos que produzem
. 6.
Todavia, a mesma lógica não se aplica às decisões que indeferem tais medidas, por não alterarem o equilíbrio processual entre as partes, sujeitando-se ao princípio da irrecorribilidade das interlocutórias, com possibilidade de análise apenas em eventual recurso contra a sentença
. 7. Assim, revela-se incabível o recurso interposto contra decisão interlocutória que indeferiu tutela antecipada . IV. Dispositivo 8. Recurso do autor desprovido. (TRF-3 - ReMeCaCiv: 50022213920244039301, Relator.: Juiz Federal CAIO MOYSES DE LIMA, Data de Julgamento: 28/04/2025, 10ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo, Data de Publicação: 07/05/2025)
D'outro tanto, o Supremo Tribunal tem enfatizado que, no mais das vezes,
se revela incabível a impetração de mandado de segurança
para impugnação de decisões prolatadas no rito dos Juizados:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PROCESSO CIVIL. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. MANDADO DE SEGURANÇA. CABIMENTO. DECISÃO LIMINAR NOS JUIZADOS ESPECIAIS. LEI N. 9.099/95. ART. 5º, LV DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA AMPLA DEFESA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. 1. Não cabe mandado de segurança das decisões interlocutórias exaradas em processos submetidos ao rito da Lei n. 9.099/95. 2. A Lei n. 9.099/95 está voltada à promoção de celeridade no processamento e julgamento de causas cíveis de complexidade menor. Daí ter consagrado a regra da irrecorribilidade das decisões interlocutórias, inarredável. 3. Não cabe, nos casos por ela abrangidos, aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, sob a forma do agravo de instrumento, ou o uso do instituto do mandado de segurança. 4. Não há afronta ao princípio constitucional da ampla defesa (art. 5º, LV da CB), vez que decisões interlocutórias podem ser impugnadas quando da interposição de recurso inominado. Recurso extraordinário a que se nega provimento. ( RE 576847, Relator: EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 20/05/2009, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-148 DIVULG 06-08-2009 PUBLIC 07-08-2009 RTJ VOL-00211- PP-00558 EMENT VOL-02368-10 PP- 02068 LEXSTF v. 31, n. 368, 2009, p. 310-314)
2.13.
Antecipação de tutela - considerações gerais:
Como sabido, a cláusula do devido processo envolve alguma aporia. Por um lado, o processo há de ser adequado: deve assegurar defesa, contraditório, ampla produção probatória. E isso consome tempo. Todavia, o processo também deve ser eficiente, ele deve assegurar ao titular de um direito uma situação jurídica idêntica àquela que teria caso o devedor houvesse satisfeito sua obrigação na época e forma devidas.
A demora pode contribuir para um debate mais qualificado entre as partes; todavia, também leva ao grande risco de ineficácia da prestação jurisdicional, caso o demandante tenha realmente razão em seus argumentos.
Daí a relevância do prudente emprego da tutela de urgência, prevista nos
arts. 300 e ss. do CPC/15
. Desde que a narrativa do demandante seja verossímil, seus argumentos sejam fundados e a intervenção imediata do Poder Judiciário seja necessária - i.e., desde que haja
fumus boni iuris
e
periculum in mora -
a antecipação da tutela deverá ser deferida.
Sem dúvida, porém, que o tema exige cautela, eis que tampouco soa compatível com o devido processo a conversão da antecipação em um expediente rotineiro, o que violentaria a cláusula do art. 5º, LIV e LV, CF. Ademais, o provimento de urgência não pode ser deferido quando ensejar prejuízos irreversíveis ao demandado (art. 300, §3º, CPC/15). Daí o relevo da lição de Araken de Assis, como segue:
"A tutela de urgência e a tutela de evidência gravitam em torno de dois princípios fundamentais: (a) o princípio da necessidade; e (b) o princípio da menor ingerência.
-
Princípio da necessidade - Segundo o art. 301, in fine, a par do arresto, sequestro, arrolamento de bens, e protesto contra a alienação de bens, o órgão judiciário poderá determinar qualquer outra medida idônea para asseguração do direito. Essa abertura aplica-se às medidas de urgência satisfativas (art. 303, caput): a composição do conflito entre os direitos fundamentais somente se mostrará legítima quando houver conflito real, hipótese em quase patenteia a necessidade de o juiz alterar o esquema ordinário de equilíbrio das partes perante o fator temporal do processo
. A necessidade de o juiz conceder medida de urgência apura-se através da comparação dos interesses contrastantes dos litigantes. Dessa necessidade resulta a medida adequada à asseguração ou à satisfação antecipada em benefício do interesse mais provável de acolhimento em detrimento do interesse menos provável.
- Princípio do menor gravame - O princípio do menor gravame ou da adequação é intrínseco à necessidade. É preciso que a medida de urgência seja congruente e proporcional aos seus fins, respectivamente a asseguração ou a realização antecipada do suposto direito do autor. Por esse motivo, a medida de urgência cautelar prefere à medida de urgência satisfativa, sempre que adequada para evitar o perigo de dano iminente e irreparável, e, na órbita das medidas de urgência satisfativas, o órgão judiciário se cingirá ao estritamente necessário para a mesma finalidade." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
volume II. Tomo II. Parge Geral. São Paulo: RT, 2015, p. 370-371)
Quando se cuide-se, ademais, de pedido em desfavor da Fazenda Pública, a lei 8.437/1992 veda a antecipação de tutela que implique compensação de créditos tributários ou previdenciários
(art. 1º, §5º). A lei do mandado de segurança veda a concessão de liminares com o fim de se promover a entrega de mercadorias, a reclassificação de servidores públicos e o aumento ou extensão de vantagens de qualquer natureza (art. 7º, §2º, lei 12.016).
Registre-se que o STF já se manifestou sobre a constitucionalidade de algumas dessas limitações (lei 9.494/1997), conforme se infere da conhecida
ADC 04-6/DF
, rel. Min. Sydnei Sanches (DJU de 21.05.1999), com os temperamentos reconhecidos no informativo 248, STF. No âmbito do Direito Administrativo militar, há restrições ao emprego do
writ
, por exemplo, diante do que preconiza o art. 51, §3º, lei n. 6.880/1980, ao exigir o exaurimento da via administrativa.
O juízo não pode antecipar a eficácia meramente declaratória de uma cogitada sentença de procedência. Afinal de contas, a contingência é inerente aos provimentos liminares; de modo que a certeza apenas advém do trânsito em julgado (aliás, em muitos casos, sequer depois disso, dadas as recentes discussões sobre a relativização da
res iudicata
): "
É impossível a antecipação da eficácia meramente declaratória, ou mesmo conferir antecipadamente ao autor o bem certeza jurídica, o qual somente é capaz de lhe ser atribuído pela sentença declaratória. A cognição inerente ao juízo antecipatório é por sua natureza complemente inidônea para atribuir ao autor a declaração - ou a certeza jurídica por ele objetivada."
(MARINONI, Luiz Guilherme.
A antecipação da tutela.
7. ed. SP: Malheiros. p. 55). No âmbito do mandado de segurança, há regras pontuais no
art. 7 da lei n. 12.016/2009
.
2.14. Hipóteses de contraditório postergado:
Em regra, a antecipação de tutela apenas pode ser promovida quando assegurado prévio contraditório ao demandado, conforme art. 5, LIV e LV, CF e art. 7, parte final, CPC.
Isso não impede, todavia, que, em situações excepcionais, o contraditório seja postergado, em face da urgência documentada nos autos
.
PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR PARA DETERMINAR O PROCESSAMENTO DE RECURSO ESPECIAL. POSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS DO FUMUS BONI JURIS E DO PERICULUM IN MORA. 1. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a regra de obstar o recurso especial retido deve ser obtemperada para que não esvazie a utilidade daquele apelo extremo. 2.
O poder geral de cautela há que ser entendido com uma amplitude compatível com a sua finalidade primeira, que é a de assegurar a perfeita eficácia da função jurisdicional. Insere-se aí a garantia da efetividade da decisão a ser proferida. A adoção de medidas cautelares (inclusive as liminares inaudita altera parte) é fundamental para o próprio exercício da função jurisdicional, que não deve encontrar obstáculos, salvo no ordenamento jurídico
. 3. O provimento cautelar tem pressupostos específicos para sua concessão. São eles: o risco de ineficácia do provimento principal e a plausibilidade do direito alegado (periculum in mora e fumus boni iuris), que, presentes, determinam a necessidade da tutela cautelar e a inexorabilidade de sua concessão, para que se protejam aqueles bens ou direitos de modo a se garantir a produção de efeitos concretos do provimento jurisdicional principal. 4. Em tais casos, pode ocorrer dano grave à parte, no período de tempo que mediar o julgamento no tribunal a quo e a decisão do recurso especial, dano de tal ordem que o eventual resultado favorável, ao final do processo, quando da decisão do recurso especial, tenha pouca ou nenhuma relevância. 5. Existência, em favor da requerente, da fumaça do bom direito e do perito da demora, em face da patente contrariedade ao art. 2º, da Lei nº 8.437/92, visto que, na hipótese dos autos, não há necessidade da prévia audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, vez que o ente Municipal sequer figura na relação processual. 6. Medida Cautelar procedente, para determinar o processamento do recurso especial. ..EMEN: (MC 200100113001, JOSÉ DELGADO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJ DATA:13/05/2002 PG:00150 ..DTPB:.)
Com efeito, cito novamente Araken de Assis, quando enfatiza o que transcrevo abaixo:
"
O processo constitucionalmente justo e equilibrado (faires Verfahren) exige a oportunidade de as partes influírem na atividade do órgão judiciário. O princípio do contraditório, na sua dimensão horizontal, assegura à parte a possibilidade de manifestação acerca das (a) razões de fato, (b) os meios de prova tendentes a demonstrar-lhes a veracidade, e (c) as razões de direito da contraparte
.
O processo criará inexoravelmente uma comunidade de trabalho, sem prejuízo da parcialidade das partes, e o contraditório assume dimensão vertical. Limitará a atuação do órgão judiciário no que concerne à matéria de direito, domínio que lhe toca na qualidade maître du droit -,79 impondo a manifestação prévia das partes sobre (a) a qualificação jurídica dos fatos afirmados, ou dos fatos não alegados, mas constantes dos autos, que o juiz possa considerar relevantes; (b) as normas legais que o juiz entenda aplicáveis à resolução da causa; e (c) as questões que se mostra lícito ao juiz conhecer sem alegação das partes (v.g., as “condições” da ação – legitimidade e interesse processual –, a teor do art. 485, § 3.º). O art. 357, IV, exige a delimitação das questões de direito na decisão de saneamento e de organização do processo para essas finalidades.
A urgência autoriza, entretanto, a postergação do contraditório em certas condições. É o que se infere do art. 300, § 2.º, segundo o qual “a tutela de urgência pode ser concedida liminarmente”. O art. 12, caput, da Lei 7.347/1985 determina o seguinte na ação civil pública: “Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo”. E o art. 7.º, III, da Lei 12.016/2009 estipula que o juiz, no mandado de segurança, ordenará a suspensão incontinenti do ato de autoridade “quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida
." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
volume II. Tomo II. Parge Geral: institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, tópico 1.425).
Outrossim,
"Duas situações autorizam o juiz à concessão de liminar sem a audiência do réu (inaudita altera parte): (a) sempre que o réu, tomando prévio conhecimento da medida, encontre-se em posição que lhe permita frustrar a medida de urgência; (b) sempre que a urgência em impedir a lesão revele-se incompatível com o tempo necessário à integração do réu à relação processual. Essa última hipótese é objeto do seguinte precedente do STJ: “Justifica-se a concessão de liminar inaudita altera parte, ainda que ausente a possibilidade de o promovido frustrar a sua eficácia, desde que a demora de sua concessão possa importar em prejuízo, mesmo que parcial, para o promovente."
(ASSIS, Araken.
Obra citada.
tópico 1.426).
Com efeito,
"
É constitucional a decisão antecipatória de tutela que, liminarmente e adiando a observância do contraditório para momento posterior, concede a antecipação dos efeitos da tutela para homenagear outro direito em voga, cuja preterição se revelar mais danosa
. 2. O perigo de irreversibilidade da medida, não obstante existente no presente caso, não subsiste quando encarado frente ao perigo da demora, o qual milita em favor da parte agravada."
(TJ-PE - AI: 2784312 PE, Relator: Roberto da Silva Maia, Data de Julgamento: 21/05/2013, 1ª Câmara Cível, 29/05/2013).
Note-se, por exemplo, que a compreensão e aplicação do art. 2, da lei n. 8.437, de 1992, não podem implicar inexorável vedação à antecipação de tutela
inaudita altera parte
, sobremodo quando em causa perigo de danos ambientais, dado o alcance do art. 225, da Constituição e legislação correlata. Assim, "
O Superior Tribunal de Justiça tem flexibilizado o disposto no art. 2º da Lei n.º 8.437/92 a fim de impedir que a aparente rigidez de seu enunciado normativo obste a eficiência do poder geral de cautela do Judiciário
."
(REsp 1130031/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, 2.T. DJe 03/08/2010)
Por sinal, "
Excepcionalmente, é possível conceder liminar sem prévia oitiva da pessoa jurídica de direito público, desde que não ocorra prejuízo a seus bens e interesses ou quando presentes os requisitos legais para a concessão de medida liminar em ação civil pública. Hipótese que não configura ofensa ao art. 2º da Lei n. 8.437/1992
."
(AgRg no REsp 1.372.950/PB, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/6/2013, DJe 19/6/2013.)
Sabe-se, pois, que
"
a jurisprudência do STJ tem mitigado, em hipóteses excepcionais, a regra que exige a oitiva prévia da pessoa jurídica de direito público nos casos em que presentes os requisitos legais para a concessão de medida liminar em ação civil pública
(art. 2º da Lei 8.437/92). Precedentes do STJ."
(REsp 1.018.614/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/6/2008, DJe 6/8/2008). Essas considerações se aplicam,
com alguns comedimentos,
ao rito do mandado de segurança, por força do art. 7 da lei n. 12.016/2009.
2.15. Prazos prescricionais aplicáveis:
Convém atentar, inicialmente, para a lição de Nelson Nery Jr.:
"O prazo previsto expressamente em lei para o exercício das pretensões que se ajuízam mediante ação constitutiva, positiva ou negativa, é de decadência, pois a pretensão constitutiva se caracteriza como direito potestativo. As pretensões que se exercem mediante ação declaratória são perpétuas (imprescritíveis). Isto significa que podem ser ajuizadas mesmo se já estiver prescrita a pretensão condenatória do direito cuja existência ou inexistência se quer ver declarada."
(NERY JR.
Novo Código Civil anotado.
SP: RT, 2002).
Daí que a prescrição é oponível às pretensões condenatórias.
Anoto, de outro tanto, que o
art.
189, Código Civil, preconiza que
"Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206."
Isso significa que o cômputo da prescrição deve ser promovido com atenção à teoria da
actio nata
. Ou seja,
"o início do prazo prescricional se verifica com o nascimento da pretensão, que decorre da exigibilidade do direito subjetivo, momento a partir do qual a ação poderia ter sido proposta - enquanto não nascer a ação conferida para a tutela de um direito, não é dado falar em prescrição: actioni nondum natae non prescritibur."
(CAHALI, Yussef Said.
Prescrição e decadência.
São Paulo: RT, 2008, p. 35).
Yussef Cahali menciona a lição de Câmara Leal, para quem
"A ação nasce, portanto, no momento em que se torna necessária para a defesa do direito violado - é desse desse momento, em que o titular pode se utilizar da ação, que começa a correr o prazo de prescrição. Portanto, o prazo é contado da data em que a ação poderia ser proposta. O
dies a quo
da prescrição surge em simultaneidade com o direito de ação."
(CAHALI, Yussef Said.
Obra citada.
RT, 2008, p. 36).
Vê-se, portanto, que a prescrição deve ser computada a partir do momento em que o cogitado titular de uma situação jurídica toma conhecimento da agressão ao seu interesse.
"(...) O cômputo do prazo prescricional quinquenal, objetivando o ingresso de ação de indenização contra conduta do Estado, previsto no artigo 1.º do Decreto 20.910/32,
começa quando o titular do direito lesionado conhece o dano e suas sequelas, segundo reza o princípio actio nata
. Precedentes: AgRg no REsp: 1369886/PE Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJ de 20.05.2013; AC 0013010-49.2005.4.01.3500/GO, Rel. Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, Sexta Turma, DJ de 16.05.2013." (AC 0011884-90.2007.4.01.3500 / GO, Rel. Desembargador Federal Kassio Nunes Marques, Sexta Turma, e-DJF1 p.137 de 15/10/2014).
"(...) Ademais, mesmo que se considerasse o prazo de 3 anos, como quer a requerida, não haveria prescrição. Pelo princípio da actio nata, que é adotado pelo ordenamento jurídico pátrio, a pretensão somente nasce com a violação do direito (art. 189 do Código Civil). E a pretensão da autora somente surgiu no momento em que tomou conhecimento da irregularidade cuja prática atribui à ré e que teria causado o dano cujo ressarcimento é postulado. Antes disso, não há como se exigir do lesado o exercício da sua pretensão, até porque a existência de dano é requisito da responsabilidade e, portanto, pressuposto da ação que visa à sua reparação." (AC 00053846420074047108, CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, TRF4 - TERCEIRA TURMA, D.E. 26/05/2010.)
Com efeito, dado que o instituto tem por fundamento que o Direito não tutela quem permanece inerente na defesa dos seus interesses (
Dormientibus non sucurrit jus
), a prescrição apenas pode ser oposta a quem podia efetivamente agir. E isso pressupõe, por certo, que o atingido tenha conhecimento da agressão às suas pretensões, na forma do art. 189, Código Civil:
"
O início da eficácia dos atos administrativos se assinala pela publicação, ou pelo termo que indicarem; mas os atos administrativos que afetem pessoa certa e determinada assumem eficácia ao serem por ela conhecidos por via de regular comunicação
."
(NASSAR, Elody.
Prescrição na Administração Pública.
2. ed. SP: Saraiva, 2009, p. 148-149)
Ainda a respeito da definição do termo inicial, atente-se para a lição de Humberto Theodoro Júnior:
"Todo prazo tem um termo inicial (a quo) e tem um termo final (ad quem), ou seja, há sempre um momento para iniciar e outro para encerrar a contagem do tempo de duração.
No caso da prescrição, o termo a quo é aquele em que nasce a pretensão e o termo final é aquele em que se completa o lapso temporal assinalado pela lei para o exercício da ação destinada a fazer atuar em juízo a pretensão. Há um prazo geral e vários prazos especiais, segundo o critério da lei, o que faz com que o termo final seja mais próximo ou mais longínquo para as diferentes pretensões.
Uma vez que, para haver prescrição, a inércia do titlar do direito afrontado e requisito necessário, somente se pode iniciar a contagem do prazo extintivo a partir do momento em que sua atividade contra a situação injurídica se tornou possível
(e, não obstante, deixou de ser exercida).
Prescritividade e exigibilidade são ideias que se intervinculam. Apenas as prestações exigíveis (i.e., vencidas), não sendo satisfeitas, sujeitam-se aos efeitos da prescrição. Se a obrigação ainda não se venceu, não está o credor autorizado a exercer o direito que lhe cabe contra o devedor. Não se pode perder por inércia um direito que, posto existente, ainda não se pode exigir. Donde 'o início da prescrição só pode ter lugar quando o direito está em condições de o seu titular poder exercitá-lo.'
Por isso, não corre prescrição nas obrigações a prazo ou sujeitas à condição suspensiva, senão depois de ocorrido o vencimento ou verificada a condição (art. 199, I e II). Termo e condição suspensiva, nessa ordem de ideias, são causas que impedem a prescrição, porque, no primeiro caso, o direito subjetivo nem sequer surgiu, e, no segundo, já existe mas tem o seu exercício suspenso.
Sendo a via judicial o caminho que a ordem jurídica oferece ao ttular da pretensão insatisfeita para compelir o obrigado a realizar a prestação devida, é intuitivo que se deverá contar a prescrição a partir de quando a respectiva ação se mostrou exercitáve. Nesse sentido, somente se pode cogitar de prescrição em face da chamada actio nata (actioni nondum natae non praescribitur). Vale dizer: o prazo prescricional corre a partir do momento em que o credor pode lançar mão da pretensão, se necessário, por uma ação em juízo
.(...)
No caso de obrigação derivada de ato ilícito, desde a ocorrência deste está fluindo a ação para impor a obrigação genérica de indenizar. Sem se saber, porém, o montante do prejuízo, não se pode desde logo exigir-lhe a indenização. Enquanto estiver fluindo a ação condenatória genérica, não corre o prazo para liquidar e exigir a reparação. Mas, se o credor não propõe logo a ação genérica, desde então estarão em risco as pretensões também da liquidação e do respectivo valor líquido. É que a inércia do titular da pretensão terá prejudiciado todas asações que poderia manejar
." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Comentários ao novo código civil.
Volume III. Tomo II. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 174-177).
Delimitada a questão quanto ao termo inicial do cômputo da prescrição, outro tema diz respeito ao seu
prazo
.
Ora, como sabido, no âmbito das obrigações pessoais, as pretensões condenatórias formuladas em face da Fazenda Pública prescrevem no prazo de 05 anos, conforme art. 1º do Decreto 20.910/1932 c/ Decreto-lei 4.597/1942. Convém atentar, de toda sorte, para a lição de Pontes de Miranda:
"A prescrição quinquenal somente concerne às ações condenatórias pessoais; não às ações declarativas, constitutivas negativas (e.g., declaração de inconstitucionalidade ou nulidade de lei, ou do ato do Poder Público), mandamentais e executivas que não sejam de dívidas pessoais, ou a de execução de julgado. As ações pessoais (...) são as oriundas de dívidas de direito das obrigações, em que a Fazenda Pública teria de pagar."
(MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de
apud
NASSAR, Elody.
Prescrição na Administração Pública.
2. ed. SP: Saraiva, 2009, p. 271).
Trata-se de norma de conteúdo especial quando confrontada com o art. 206, §3º, V, Código Civil:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. DECRETO 20.910/32. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA RESP 1.251.993/PR. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1.
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp. 1.251.993/PR, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, assentou que o prazo de prescrição quinquenal, previsto no Decreto nº 20.910/32, aplica-se às ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal contido do Código Civil de 2002
. a4. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201302893979, MARGA TESSLER (JUÍZA FEDERAL CONVOCADA DO TRF 4ª REGIÃO), STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:12/03/2015 ..DTPB:.)
O prazo de 05 anos também prevalece sobre aquele preconizado no art. 206, §2º, do Código Civil:
"Prescreve: § 2. Em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem."
Reporto-me ao seguinte julgado, emanado do STJ:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA PROPOSTA POR SERVIDORES PÚBLICOS.. VERBA DENOMINADA 'ETAPA ALIMENTAÇÃO'. PRESCRIÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. PRAZO DE CINCO ANOS. ART. 1º DO DECRETO. 20.910/1932. INAPLICABILIDADE DOS ARTS. 206, § 3º, DO CÓDIGO CIVIL E 10 DO DECRETO 20.910/32. 1.
O entendimento do STJ é no sentido de que a prescrição quinquenal prevista no art. 1º. do Decreto 20.910/1932 deve ser aplicada a todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública, seja ela federal, estadual ou municipal, independentemente da natureza da relação jurídica estabelecida entre a Administração Pública e o particular. 2. Não incide, portanto, a prescrição bienal do art. 206, § 2º, do CC de 2002, uma vez que o conceito jurídico de prestação alimentar nele previsto não se confunde com o de verbas remuneratórias de natureza alimentar. O Código Civil de 2002 faz referência às prestações alimentares de natureza civil e privada, incompatíveis com as percebidas em relação de Direito Público. Inexiste, no caso, norma específica mais benéfica a ensejar a incidência do art. 10 do Decreto 20.910/32
. 3. Agravo Regimental não provido. ..EMEN: (AGARESP 201200734389, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:27/08/2012 ..DTPB:.)
O Min. Herman Benjamin enfatizou, naquela ocasião, que
"se mostra inaplicável, no caso dos autos, a prescrição bienal do art. 206, §2º, Código Civil, uma vez que o conceito jurídico de prestações alimentares nele previsto não se confunde com o de verbas remuneratórias de natureza alimentar. O Código Civil de 2002 faz referência às prestações alimentares de natureza civil e privada, incompatíveis com as percebidas em relação de direito público. Não há, no caso, norma específica mais benefíca a ensejar a incidência do art. 10 do Decreto 20.910/1932."
(Agravo no REsp n. 164.513/MS).
Por outro lado, como sabido, o cômputo da prescrição contra a Fazenda Pública é interrompido, na forma do art. 202, Código Civil. Depois disso, deve ser contada pela metade, mas respeitando-se o conteúdo da
súmula 383, STF
.
2.16. Eventual prescrição de fundo de direito:
Vale a pena atentar, uma vez mais, para a lição de Elody Nassar, quanto trata da prescrição do fundo de direito:
"A denominada prescrição do fundo de direito tem suporte legal no disposto no art. 1. do Decreto n. 20.910/1932, que dispõe sobre a prescrição das ações contra a Fazenda Pública (...). Para efeito da compreensão da expressão 'fundo de direito' deve ser observado o marco inicial, ou seja, o momento a partir do qual inicia-seo prazo prescricional. Esse marco inicial é contado a partir da consolidação de uma situação jurídica fundamental que estabelece um ponto ceto e delimitad para a eventual impugnação de um ato lesivo de direito. Essa situação jurídica fundamental, no dizer da mais renomada doutrina, importa em ato único do qual derivam os subsequentes e que, portanto, se torna definitivo se não impugnado em tempo hábil, juntamente com todos os seus efeitos. Destaca-se aqui a existência da teoria estatutária da função pública, distinguindo a prescrição que atinge o fundo de direito (art. 1 do Decreto 20910) da prescrição das prestações sucessivas ou vincendas (art. 3º do mesmo diploma legal). Dessa teoria decorre a exesege de que, enquanto existente o vínculo entre servidor e Poder Público, são imprescritíveis os direitos dele decorrentse, sendo atingidos pela prescrição, tão-somente, alguns de seus efeitos."
(NASSAR, E.
Obra cit.
p. 273).
Segundo antiga jurisprudência da Suprema Corte,
"Quando existe um ato ou fato que ofenda de modo geral, permanente, definitivo, o direito do autor, como a demissão, a preterição no acesso, o cancelamento de pensão, a tomada de coisas sem as formalidades legais, o lapso prescricional corre da data do ato ou do fato. Quando, porém, a prestação periódica não for paga (vencimentos, juros de apólices, pensões, aluguéis de imóveis etc.), por negligência do credor, por falta de verba orçamentária, ou ainda em consequência de dificuldade burocrática, o prazo é contado da data em que cada prestação for exigível"
(STF, 1ª Turma, 28.08.1969, RT 416/426, citado por CAHALI, Yousse Said.
Prescrição e decadência.
3. tiragem. São Paulo: RT. 2008. p. 303).
Em período mais recente, o Min. Cézar Peluso sustentou que
"São discerníveis, no plano teórico dos direitos subjetivos funcionais a que correspondem obrigações adminsitrativas, de um lado, a própria relação jurídica estatutária e todas as determinações que, segundo as modalidades legais, é ela capaz de assumir em termos de situações jurídicas do servidor, como as decorrents de promoção, acesso, reenquadramento, reclassificação, decurso de tempo, desempenho de funções ou serviços especiais, aposentadoria etc. (a), e, de outro, as consequências pecuniárias (b). Perante ambas (a e b), é possível cogitar de direitos à prestação obrigacional, cuja violação desencadeie pretensão sujeita a lapso prescritivo, no sentido de que, realizado o suporte fático, pode o funcionário exigir prestação administrativa, que tenha por objeto o próprio vínculo estatutário, ou uma das muitas situações configuráveis no lado dinâmico do mesmo vínculo, ou ainda só os seus efeitos pecuniários."
(PELUSO, Cézar
apud
CAHALI.
Obra citada.
p. 304).
Cahali sustenta, na sequência, que
"consideradas do ângulo de suas repercussões de caráter financeiro (b), a relação estatutária e suas situações jurídicas (a) são fonte objetiva do direito do servidor de receber as prestações correlatas. Desse ponto de vista, os diretos incidentes sobre a relação jurídico-funcional e cada uma das situações jurídico-subjetivas em que ela se desdobra podem, sem grande impropriedade técnica, chaar-se direitos originantes, e os direitos irradiados às respectivas consequências econômicas, direitos originados. É aos primeiros que a jurisprudênica costuma referir-se sobre a expressão 'fundo de direito', a qual se reconhece 'usada para significar o direito de ser o funcionáro (situação jurídica fndamental) ou os direitos que se admitem com relação a essa situação jurídica fundamental, como reclassificações, reenquadramentos, direito a adicionais por tempo de serviço, direito à gratificação por prestação de serviçod e natureza especial. Os conceitos assm enunciados definem as hipóteses de prescrição do fundo de direito (art. 1º), envolvendo os direitos originantes, e de prescrição das prestações vencidas (art. 3º), que diz respeito aos direitos originados."
CAHALI, Yousse Said.
Obra citada.
p. 304-305).
Isso significa que, em princípio, sempre que determinado pleito é indeferido pela Administração Pública, o interessado possui o prazo de até 05 anos para deflagrar a pertinente demanda judicial, salvo eventuais hipóteses de interrupção do cômputo do prazo, observada, em qualquer caso, o entendimento consagrado com a súmula 383, STF, já transcrita acima.
2.17. Distinção entre
interrupção
e suspensão:
Deve-se atentar, ademais, para a distinção entre suspensão e interrupção da prescrição, reporto-me à lição de Elody Nassar:
"
Chama-se suspensão a circunstância especial, em vista da qual a lei paralisa a fluência do prazo prescricional. As causas suspensivas da prescrição são as que, temporariamente, paralisam o seu curso; superado o fato suspensivo, a prescrição continua a correr, computado o tempo decorrido antes dele
. Denomina-se interrupção a ocorrência de um fato hábil a destruir o efeito do tempo já decorrido, com a anulação da prescrição já iniciada. As causas interruptivas da prescrição são as que inutilizam a prescrição iniciada, de modo que o seu prazo recomeça a correr da data do fato que a interrompeu ou do último ato do processo que a interromper (CC, art. 202, parágrafo único)."
(NASSAR, Elody.
Prescrição na Administração Pública.
2. ed. SP: Saraiva, 2009.
p. 156-157)
Com efeito, dado que o instituto tem por fundamento que o Direito não tutela quem permanece inerente na defesa dos seus interesses (
dormientibus non sucurrit jus
), a prescrição apenas pode ser oposta a quem podia efetivamente agir. Isso pressupõe, por certo, que o atingido tenha conhecimento da agressão às suas pretensões, na forma do art. 189, Código Civil.
2.18. Prescrição - situação em exame:
No caso vertente, aplica-se o já referido prazo de 5 anos, previsto no art. 1. do decreto 20.910/32, devendo ter computado da data em que a autora tomou conhecimento da alegada agressão aos seus interesses
.
Segundo a inicial, a demandante teria tomado conhecimento há poouco a respeito da subsistência da vinculação sua com a empresa de cujo quadro constitutivo teria participado. Ela alegou que, mesmo tendo se retirado da empresa, seu nome constinuaria constando, perante a Receita Federal, como se fosse sócia.
2.19.
Eventual decadência:
O instituto da decadência é aplicável quando em causa cogitados direitos potestativos (direitos formativos geradores, na expressão de Pontes de Miranda). Ou seja, direitos que podem ser exercidos sem prévia aquiescência da contraparte, a exemplo do direito do Fisco promover o lançamento fiscal de revisão (art. 150, §4, CTN), direito à anulação de casamento, direito à demissão de empregados sem justa causa, direito à desistência de compra promovida pela internet etc. Em todos esses casos, sempre que a legislação houver fixado prazo para seu exercício, tratar-se-á de lapso decadencial.
No caso em exame,
isso não se aplica
, já que a pretensão da parte autora não possui natureza potestativa.
2.20. Quanto à incidência do CDC:
Com a publicação do CDC, inaugurou-se uma conhecida polêmica sobre o alcance das suas disposições. Grosso modo, as opiniões distribuíram-se em duas grandes correntes: os finalistas e os maximalistas.
Os finalistas amparam-se sobremodo na regra do art. 2º da lei 8078/1990:
"Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final."
Assim, em princípio, o CDC apenas tutelaria aquelas relações em que o serviço fosse prestado ou o bem fosse fornecido ao destinatário último, sem subsequentes repasses.
Essa orientação foi compartilhada, ao que se sabe, pelos principais idealizadores do projeto que eclodiu no código consumerista brasileiro: Ada Pellegrini Grinover, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin e outros.
Já a orientação maximalista promove uma leitura ampla do conceito de consumidor, destacando que a lei 8078 não tutelaria apenas o destinatário final de bens e serviços, sendo oponível também às relações entre empresas e até mesmo a órgãos públicos (amparando-se, nesse caso, na regra do art. 22, CDC). Essa orientação é compartilhada por Rizzato Nunes, por exemplo (conforme o seu Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004).
Com esse pano de fundo, inúmeras discussões foram promovidas ao longo desses anos de vigência da lei 8078. Ao que releva, o CDC também se aplica a entidades da Administração Pública, quando em causa serviços remunerados mediante preços públicos, ou quando em causa atividades econômicas
stricto senso
(art. 22, CDC).
DANO MORAL. DANO MATERIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ERRONA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PERDA DE PRAZO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO CDC. 1. Entrega de correspondência para o destinatário errado, causando demora na entrega ao endereço correto e conseqüente perda de prazo processual. 2. Cabível dano material e dano moral. 3.
Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois demonstrado a relação de consumo entre a ECT e o apelado
. 4. Recurso a que se nega provimento.(AC 200071050018995, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 25/09/2002 PÁGINA: 704.)
CIVIL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT. CONTRATO DE TRANSPORTE DE ENCOMENDA SEM DECLARAÇÃO DE VALOR. EXTRAVIO DE MERCADORIA. VALOR DA INDENIZAÇÃO.1.
Qualifica-se como de consumo a relação jurídica contratual de transporte de encomendas. Precedente do STJ
. 2. É do fornecedor o ônus de provar claramente as condições contratuais particularmente em relação à opção de informar ou não o valor da mercadoria e o custo do serviço para o fim de indenização em caso de extravio segundo o valor exato da mercadoria transportada.3. Não é aceitável o fornecedor simplesmente alegar que o consumidor não declarou o valor para indenizar o prejuízo de acordo com critério unilateral.4. Apelação provida. (AC 00626681319984010000, JUIZ FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA (CONV.), TRF1 - TERCEIRA TURMA SUPLEMENTAR (INATIVA), DJ DATA:23/06/2005 PAGINA:81.)
Em princípio, pessoas jurídicas também podem ser qualificadas como consumidoras, para fins de aplicação da lei 8.078/1990, desde que não esteja em causa a aquisição de matéria prima para seus processos produtivos.
RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE ÁGUA. CONSUMIDOR. DESTINATÁRIO FINAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. DEVOLUÇÃO EM DOBRO DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 2º E 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DALEI Nº 8.078/90.I - "
O conceito de "destinatário final", do Código de Defesa do Consumidor, alcança a empresa ou o profissional que adquir e bens ou serviços e os utiliza em benefício próprio
" (AgRg no Ag nº807159/SP, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 25/10/2008).II - No caso em exame, a recorrente enquadra-se em tal conceituação,visto ser empresa prestadora de serviços médico-hospitalares, que utiliza a água para a manutenção predial e o desenvolvimento de suas atividades, ou seja, seu consumo é em benefício próprio.III - A empresa por ser destinatária final do fornecimento de água e, portanto, por se enquadrar no conceito de consumidora, mantém coma recorrida relação de consumo, o que torna aplicável o disposto no artigo 42, parágrafo único, da Lei 8.078/90.IV - Recurso especial conhecido e provido...EMEN: (RESP 200800133166, FRANCISCO FALCÃO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:30/04/2008..DTPB:.)
Quanto à aplicação do CDC, quando se trate da prestação de serviços por empresas públicas, remunerados mediante preços públicos/tarifas, convém atentar para o art. 22, CDC:
"
Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos
. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código."
Atente-se ainda para os seguintes julgados:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CORREIOS. CARTA REGISTRADA. EXTRAVIO. DANOS MORAIS. IN RE IPSA. 1. As empresas públicas prestadoras de serviços públicos submetem- se ao regime de responsabilidade civil objetiva, previsto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal e nos arts. 14 e 22 do Código de Defesa do Consumidor. 2. No caso, a contratação de serviços postais oferecidos pelos Correios, por meio de tarifa especial, para envio de carta registrada, que permite o posterior rastreamento pelo próprio órgão de postagem revela a existência de contrato de consumo, devendo a fornecedora responder objetivamente ao cliente por danos morais advindos da falha do serviço quando não comprovada a efetiva entrega. 3. É incontroverso que o embargado sofreu danos morais decorrentes do extravio de sua correspondência, motivo pelo qual o montante indenizatório fixado em R$ 1.000,00 (mil reais) pelas instâncias ordinárias foi mantido pelo acórdão proferido pela Quarta Turma, porquanto razoável, sob pena de enriquecimento sem causa. 4. Embargos de divergência não providos. ..EMEN:
(ERESP 201303279910, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - SEGUNDA SEÇÃO, DJE DATA:24/02/2015 ..DTPB:.)
DANO MORAL. DANO MATERIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ERRO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PERDA DE PRAZO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO CDC. 1. Entrega de correspondência para o destinatário errado, causando demora na entrega ao endereço correto e conseqüente perda de prazo processual. 2. Cabível dano material e dano moral. 3. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois demonstrado a relação de consumo entre a ECT e o apelado. 4. Recurso a que se nega provimento.
(AC 200071050018995, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 25/09/2002 PÁGINA: 704.)
De sua parte, Justen Filho enfatiza a dificuldade, não raro, de se conjugar o regime jurídico público - próprio das concessões - com a aplicação da lógica do Código de Defesa do Consumidor:
"Ocorre que nem sempre é possível conciliar o regime de direito público com aquele do direito do consumidor. A cumulação dos mecanismos de serviço público e de direito do consumidor provoca um conflito de competências e de regime jurídico, cuja solução deve ser realizada com cautela.
Um exemplo permite compreender de imediato o problema. Segundo o direito do consumidor, é obrigatório o empresário manter a oferta realizada nas condições originais. Já no âmbito do serviço público, a mutabilidade é da sua inerência. Suponha-se, portanto, o caso da telefonia fixa. Imagine-se que o concessionário estabeleça relação jurídica com o usuário, orientando-se por determinada regulação do poder concedente. Se houver necessidade e conveniência, o poder concedente alterará as regras pertinentes, com reflexos na situação jurídica do usuário. Em face do regime de Direito Administrativo, o usuário não poderia invocar direito adquirido à manutenção de regime jurídico. Mas sua pretensões poderia encontrar respaldo no regime característico do direito do consumidor.
Não seria excessivo afirmar que a concepção do serviço público defere ao poder concedente a função de tutelar e defender o interesse coletivo (aí abrangido também o interesse do usuário). Já o direito do consumidor assegura ao próprio consumidor e às entidades da sociedade a função de sua defesa (sem que isso exclua a intervenção de órgãos estatais)
.
É fundamental tomar em vista, então, que a aplicação das normas do direito do consumidor não pode fazer-se em face do serviço público com idêntica extensão aplicável no caso de relações puramente privadas, relacionadas com a exploração de atividade econômica em sentido restrito." (JUSTEN FILHO, Marçal.
Teoria geral das
concessões
de serviço público.
São Paulo: Dialética, 2003, p. 557-558)
Conjugando-se esses elementos, enfatizo que a lei n. 8.078 não se aplica ao caso em exame, eis que o tema em debate envolve a aplicação de normas de direito administrativo, em sentido estrito.
A União Federal não pode ser suposta fornecedora de serviços sob o regime consumerista, no que toca à gestão do cadastro de pessoas físicas - CPF
.
2.21. Cadastro de pessoas jurídicas:
Por seu turno, para fins de comparação, note-se que o cadastro nacional de pessoas jurídicas - CNPJ tem origem na Lei nº 4.503/1964, que instituiu o cadastro geral de contribuintes - CGC
:
Art 1º É instituído, no Ministério da Fazenda, o cadastro geral de contribuintes, no qual obrigatòriamente se registrarão as firmas individuais e demais pessoas jurídicas de direito privado, inclusive as domiciliadas no exterior, que possuam capitais aplicados no País.
§ 1º O Cadastro geral conterá as informações indispensáveis à identificação, localização e classificação das pessoas jurídicas e seus estabelecimentos e será administrado pelo Departamento de Arrecadação, na forma do Capítulo II desta Lei.
§ 2º O cadastro geral previsto neste artigo não exclui a existência de cadastros especiais, nos órgãos competentes, com as informações complementares que se tornem indispensáveis à administração, contrôle e fiscalização de cada um dos tributos federais.
Art 2º O registro de que trata o artigo anterior será requerido em formulário próprio, apresentado aos órgãos competentes do Ministério, com as indicações e nos prazos estabelecidos em Regulamento. Parágrafo único. Os dados do registro serão atualizados, igualmente, mediante requerimento em formulário próprio, dentro de 30 (trinta) dias da ocorrência do fato determinante da alteração.
Art 3º O pedido de registro das pessoas jurídicas será instruído com os documentos comprobatórios de sua existência legal.
Art 4º As pessoas jurídicas e seus estabelecimentos receberão um número cadastral básico, de caráter permanente, que as identificará em tôdas as suas relações com os órgãos do Ministério da Fazenda. Parágrafo único. O número referido neste artigo poderá ser adicionado de códigos numéricos complementares, quando indispensáveis à administração de determinados tributos.
A Lei nº 5.614/1970 assim dispôs a respeito do CGC:
Art 1º O Cadastro Geral de Contribuintes (C.G.C.) passará a ser regido por ato do Ministro da Fazenda, dispondo sôbre: I - quem está sujeito à inscrição; II - prazos, condições, forma e exigência para o processamento das inscrições e atualização dos elementos cadastrais; III - quem está obrigado a comunicar à repartição fazendária fato que interesse à atualização do Cadastro Geral de Contribuintes (CGC); IV - processo e julgamento das infrações, inclusive determinação de pena aplicável, observado o disposto no art. 3º; V - qualquer outro assunto vinculado ao funcionamento do Cadastro Geral de Contribuintes (C.G.C). Parágrafo único. O Ministro da Fazenda poderá, permanentemente, regular os assuntos referidos neste artigo.
Art 2º O Registro de Comércio e baixas nas Juntas Comerciais sòmente poderão se feitos mediante comprovação de inscrição ou baixa no Cadastro Geral de Contribuintes (C.G.C).
Art 3º A ação ou omissão contrária às normas reguladoras do Cadastro Geral de Contribuintes (C.G.C) sujeitará o infrator a: I - multa de duas a dez vêzes o salário-mínimo regional vigente na época da prática da falta aplicada em dôbro nos casos de reincidência específica; II - perda de vantagens fiscais ou orçamentárias; III - impedimento de participação em concorrência pública; IV - impedimento de transacionar com estabelecimentos bancários.
Art 4º Sem prejuízo das sanções previstas no artigo anterior, o Ministro da Fazenda poderá ordenar a interdição de estabelecimento não inscrito no prazo regular. Parágrafo único. A inscrição de estabelecimento no Cadastro Geral de Contribuintes (C.G.C) levantará a interdição.
Art 5º O Ministro da Fazenda poderá delegar ao Secretário da Receita Federal as atribuições que lhe são conferidas nesta lei.
Na sequência, mediante a
Instrução Normativa SRF 27/1998
, a União Federal instituiu o cadastro nacional de pessoa jurídica - CNPJ, nos seguintes termos:
Art 1º Fica instituído o Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica - CNPJ, para vigorar a partir de 1º de julho de 1998.
Art. 2º O CNPJ conterá informações cadastrais das pessoas jurídicas, para fins fiscais. Parágrafo único. A Secretaria da Receita Federal - (SRF) poderá celebrar convênio com as Secretarias de Fazenda, Finanças ou Tributação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem assim com o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), com o objetivo de proceder a coleta, o armazenamento e a disponibilização de informações cadastrais, para fins fiscais.
No que pertine à baixa na inscrição em referido cadastro, a IN em destaque assim prescreveu:
Art. 19. O pedido de baixa de inscrição no CNPJ, por extinção da pessoa jurídica ou de qualquer de seus estabelecimentos, será único e simultâneo para todos os entes convenentes a que estiver sujeito.
§ 1º O pedido de baixa será formalizado por meio da FCPJ.
§ 2º A baixa no CNPJ será solicitada em qualquer unidade cadastradora com jurisdição sobre o domicílio do estabelecimento a que se referir o pedido.
§ 3º Não será deferido o pedido de baixa de inscrição no CNPJ de pessoa jurídica em relação à qual conste, nos registros do CNPJ, estar submetida a ação fiscal por qualquer dos convenentes.
§ 4º Sem prejuízo de posteriores verificações fiscais, constatada a inexistência de pendência nos arquivos do CNPJ, relativamente a todos os órgãos convenentes da jurisdição da pessoa jurídica ou do estabelecimento requerente, o pedido de baixa será deferido.
§ 5º Concedida a baixa da inscrição, será emitido e entregue ao representante da empresa, pela unidade cadastradora do domicílio fiscal da pessoa jurídica, a Certidão de Baixa no CNPJ.
Atualmente, a Instrução Normativa RFB nº 1.470/2014 que disciplina a questão, ao tratar da baixa da inscrição assim dispõe:
Art. 25. A baixa da inscrição no CNPJ, da entidade ou do estabelecimento filial, deve ser solicitada até o 5º (quinto) dia útil do segundo mês subsequente ao da ocorrência de sua extinção, nas seguintes situações, conforme o caso: I - encerramento da liquidação voluntária, judicial ou extrajudicial; II - incorporação; III - fusão; IV - cisão total; V - encerramento do processo de falência, com extinção das obrigações do falido; ou VI - transformação em estabelecimento matriz de órgão público inscrito como estabelecimento filial, e vice-versa.
§ 1
º
A baixa da inscrição no CNPJ, da entidade ou do estabelecimento filial, produz efeitos a partir da respectiva extinção, considerando-se a ocorrência desta nas datas constantes do Anexo VIII desta Instrução Normativa.
§ 2
º
A baixa da inscrição do estabelecimento matriz no CNPJ implica baixa de todas as inscrições dos estabelecimentos filiais da entidade.
§ 3
º
Deferida a baixa da inscrição, a RFB disponibiliza em seu sítio na Internet, no endereço citado no caput do art. 12, a Certidão de Baixa de Inscrição no CNPJ, conforme modelo constante do Anexo IV desta Instrução Normativa.
§ 3º No caso de solicitação de baixa no CNPJ de Microempresa (ME) ou Empresa de Pequeno Porte (EPP), definidas pelo art. 3º da Lei Complementar nº 123, de 2006, optante ou não pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Simples Nacional), a análise da solicitação deve ocorrer no prazo de 60 (sessenta) dias contado do recebimento dos documentos pela RFB.
§ 4
º
A baixa da inscrição no CNPJ não impede que, posteriormente, sejam lançados ou cobrados impostos, contribuições e respectivas penalidades.
§ 4º Na hipótese prevista no § 3º, ultrapassado o prazo definido para análise da solicitação sem manifestação da RFB, efetiva-se a baixa da inscrição no CNPJ.
§ 5º Deferida a baixa da inscrição, a RFB disponibiliza em seu sítio na Internet, no endereço citado no caput do art. 12, a Certidão de Baixa de Inscrição no CNPJ, conforme modelo constante do Anexo IV desta Instrução Normativa.
§ 6º A baixa da inscrição no CNPJ não impede que, posteriormente, sejam lançados ou cobrados impostos, contribuições e respectivas penalidades, decorrentes da simples falta de recolhimento ou da prática comprovada e apurada em processo administrativo ou judicial de outras irregularidades praticadas pelos empresários ou pelas pessoas jurídicas ou seus titulares, sócios ou administradores.
§ 7º A baixa da inscrição no CNPJ importa responsabilidade solidária dos empresários, titulares, sócios e administradores das pessoas jurídicas no período de ocorrência dos respectivos fatos geradores.
(...)
Art. 27. Pode ser baixada de ofício a inscrição no CNPJ da pessoa jurídica: I - omissa contumaz: a que, estando obrigada, não houver apresentado, por 5 (cinco) ou mais exercícios, nenhuma das declarações e demonstrativos relacionados a seguir, se, intimada por edital, não regularizar sua situação no prazo de 60 (sessenta) dias, contado da data da publicação da intimação: a) Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica (DIPJ); b) Declaração Simplificada da Pessoa Jurídica (DSPJ) - Inativa; c) Declaração de Informações Socioeconômicas e Fiscais (Defis); d) Declaração Única e Simplificada de Informações Socioeconômicas e Fiscais (DASN); e) Declaração Anual Simplificada para o Microempreendedor Individual (DASN-SIMEI); f) Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF); g) Declaração do Imposto sobre a Renda Retido na Fonte (Dirf); h) Declaração do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (DITR); e i) Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social (GFIP); II - inexistente de fato, assim entendida aquela que: a) não dispuser de patrimônio e capacidade operacional necessários à realização de seu objeto; b) não for localizada no endereço constante do CNPJ, bem como não forem localizados os integrantes do seu QSA, seu representante no CNPJ e o preposto dele; ou c) se encontrar com as atividades paralisadas, salvo se enquadrada nas hipóteses previstas nos incisos I, II e VI do caput do art. 36; III - inapta: a que tendo sido declarada inapta não houver regularizado sua situação nos 5 (cinco) exercícios subsequentes; IV - com registro cancelado: a que estiver extinta, cancelada ou baixada no respectivo órgão de registro. Parágrafo único. À baixa na forma prevista neste artigo não se aplica o impedimento a que se refere o caput do art. 26.
(...)
Art. 29. No caso de pessoa jurídica inexistente de fato, de que trata o inciso II do caput do art. 27, o procedimento administrativo de baixa deve ser iniciado por representação consubstanciada com elementos que evidenciem qualquer das pendências ou situações descritas no citado inciso.
§ 1
º
O Delegado da DRF, da Derat, da Deinf, da Defis, da Delex ou da Demac Rio de Janeiro, que jurisdiciona a pessoa jurídica, acatando a representação citada no caput, deve intimar a pessoa jurídica, por meio de edital, publicado no sítio da RFB na Internet, no endereço citado no caput do art. 12, ou alternativamente no DOU, a regularizar, no prazo de 30 (trinta) dias, sua situação ou contrapor as razões da representação, suspendendo sua inscrição no CNPJ a partir da publicação do edital.
§ 2
º
Na falta de atendimento à intimação referida no § 1
º
, ou quando não acatadas as contraposições apresentadas, a inscrição no CNPJ deve ser baixada pelo Delegado mencionado no § 1
º
, por meio de ADE, publicado no sítio da RFB na Internet, no endereço citado no caput do art. 12, ou alternativamente no DOU, no qual devem ser indicados o nome empresarial e o número de inscrição da pessoa jurídica no CNPJ.
§ 3
º
A pessoa jurídica que teve a inscrição baixada conforme o § 2
º
pode solicitar o seu restabelecimento mediante prova, por meio de processo administrativo: I - de que dispõe de patrimônio e capacidade operacional necessários à realização de seu objeto, no caso previsto na alínea “a” do inciso II do art. 27; II - de sua localização ou da localização dos integrantes do seu QSA, do seu representante no CNPJ ou do preposto dele, no caso previsto na alínea “b” do inciso II do art. 27; e III - do reinício de suas atividades, no caso previsto na alínea “c” do inciso II do art. 27.
§ 4
º
O restabelecimento da inscrição da pessoa jurídica baixada, na forma prevista no § 2
º
, deve ser realizado pelo Delegado mencionado no § 1
º
, por meio de ADE, publicado no sítio da RFB na Internet, no endereço citado no caput do art. 12, ou alternativamente no DOU, no qual devem ser indicados o nome empresarial e o número de inscrição da pessoa jurídica no CNPJ. (...)
Quanto à nulidade do ato cadastral, a IN preconiza:
Art. 33. Deve ser declarada a nulidade do ato cadastral no CNPJ quando: I - houver sido atribuído mais de um número de inscrição no CNPJ para o mesmo estabelecimento; II - for constatado vício no ato cadastral; ou III - houver sido atribuída inscrição no CNPJ a entidade ou estabelecimento filial não enquadrado nas disposições previstas nos arts. 3
º
e 4
º
.
§ 1
º
O procedimento a que se refere este artigo é de responsabilidade do titular da unidade da RFB que jurisdiciona o estabelecimento, o qual deve dar publicidade da nulidade por meio de ADE, publicado no sítio da RFB na Internet, no endereço citado no caput do art. 12, ou alternativamente no DOU.
§ 2
º
Para fins do disposto neste artigo, o ADE de que trata o § 1
º
produz efeitos a partir do termo inicial de vigência do ato cadastral declarado nulo.
§ 3
º
O disposto no inciso I do caput não se aplica à inscrição efetuada nos termos do art. 5
º
.
No que diz respeito à situação cadastral, a IN em referência, traz as respectivas hipóteses, cuja citação faço no quanto interessa ao deslinde do presente feito:
Art. 36. A inscrição no CNPJ é enquadrada na situação cadastral suspensa quando, conforme o caso, a entidade ou o estabelecimento filial: I - domiciliada no exterior, encontrando-se na situação cadastral ativa, deixar de ser alcançada, temporariamente, pelas situações previstas no inciso XV do art. 4
º
; II - solicitar baixa de sua inscrição no CNPJ, enquanto a solicitação estiver em análise ou caso seja indeferida; III - for intimada na forma prevista no § 1
º
do art. 29; IV - for intimada na forma prevista no § 1
º
do art. 40; V - apresentar indício de interposição fraudulenta de sócio ou titular, nas situações previstas no § 2º do art. 3º do Decreto nº 3.724, de 10 de janeiro de 2001, e no § 1º do art. 40 do Decreto nº 1.800, de 30 de janeiro de 1996, enquanto o respectivo processo estiver em análise; VI - interromper temporariamente suas atividades; VII - não reconstituir, no prazo de 210 (duzentos e dez) dias, a pluralidade de sócios do seu QSA; VIII - tiver sua suspensão determinada por ordem judicial; ou IX - possuir inconsistência(s) em seus dados cadastrais.
§ 1
º
A suspensão da inscrição no CNPJ nas hipóteses previstas nos incisos I e VI do caput ocorre por solicitação da entidade ou do estabelecimento filial, conforme o caso, mediante comunicação da interrupção temporária de suas atividades, na forma prevista nos arts. 12 a 14.
§ 2
º
A inconsistência cadastral a que se refere o inciso IX do caput caracteriza-se, conforme o caso, pela: I - ausência do representante a que se refere o art. 7
º
ou quando sua inscrição no CPF for inexistente ou estiver cancelada ou nula; II - ausência do QSA, no caso das entidades relacionadas no Anexo VI desta Instrução Normativa; III - ausência do ente federativo responsável, no caso de entidades da Administração Pública; IV - ausência da atividade econômica; V - ausência ou invalidade do Código de Endereçamento Postal (CEP); VI - ausência do valor do capital social, para as entidades cuja informação é obrigatória; ou VII - incompatibilidade entre o Número de Inscrição no Registro de Empresa (Nire) e a natureza jurídica da entidade.
Art. 46. A inscrição no CNPJ é enquadrada na situação cadastral baixada quando a entidade ou o estabelecimento filial, conforme o caso, tiver sua solicitação de baixa deferida, na forma prevista no art. 25, ou tiver sua inscrição baixada de ofício, conforme o art. 27.
Art. 47. A inscrição no CNPJ é enquadrada na situação cadastral nula quando for declarada a nulidade do ato de inscrição da entidade ou do estabelecimento filial, na forma prevista no art. 33.
2.22. Sociedade de responsabilidada limitada:
Sabe-se que, a partir da Revolução Industrial de 1870, tornou-senecessária constituição de sociedades em que os sócios respondessem limitadamente pelos riscos da atividade mercantil, com celeridade capaz de atender às exigências da expansão desmedida das relações mercantis, sem os formalismos então vigentes para as sociedades anônimas, dentre eles a obrigatoriedade de obter autorização estatal para sua constituição.
Buscava-se, com isso, se contrapor às sociedades de responsabilização ilimitada, em que havia confusão entre o patrimônio dos sujeitos e o patrimônio das empresas em que figurassem como sócios
.
Anoto ainda que
"Embora com o nome sincopado de sociedade limitada, o tipo societário sob análise, obviamente, tem responsabilidade ilimitada pelas obrigações que contrair; a expressão “limitada”, com que é identificado, diz respeito unicamente à responsabilidade de seus sócios. A sociedade limitada não é definida pelo Código Civil que, no art. 1.052, restringe-se a apontar sua principal característica, que é a limitação da responsabilidade dos sócios ao valor de suas respectivas quotas e, em caráter solidário, até a integralização do capital social. Isso é suficiente para identificá-la. É a única espécie de sociedade empresária em que há só uma categoria de sócios, que não respondem pelas obrigações sociais, mas que, como sócios, obrigam-se pelas contribuições que prometeram, e, em caráter solidário com os demais sócios, pelas contribuições prometidas por todos eles até ser integralizado o capital social."
(NETO, Alfredo.
Direito de Empresa - Ed. 2021
. São Paulo: RT. 2021, comentários ao art. 1.052, Código Civil).
Acrescente-se que aludida entidade
"diferencia-se da sociedade anônima, na qual os acionistas têm responsabilidade individual e limitada ao preço de emissão das ações que cada qual subscreve ou adquire; distancia-se, também, da sociedade em nome coletivo, onde a responsabilidade de todos os sócios é solidária e ilimitada, bem como das sociedades em comandita, simples e por ações, em que há categorias de sócios com responsabilidades diferenciadas no que diz respeito ao pagamento das dívidas sociais. A sociedade limitada pode ser considerada como um tipo intermediário entre as sociedades de capital e as sociedades de pessoas, pois das primeiras tem a limitação da responsabilidade dos sócios e das segundas a conformação contratual. Isso acabou refletindo na determinação do seu regime jurídico, prevendo o legislador sua sujeição às disposições da sociedade simples, porém com a possibilidade de optar pelo regramento do seu contrato, em caráter supletivo, pelas disposições das companhias (art. 1.053, parágrafo único). Em alguns países, como na Itália e na Alemanha, é considerada sociedade de capital e, por isso, dotada de personalidade jurídica, como as anônimas. No Brasil, o entendimento correto, em nosso pensar, é o de que a limitada é, em linha de princípio, sociedade de pessoas, visto que a mudança do quadro social, dependendo de alteração contratual, exige a anuência dos demais sócios ou, pelo menos, de quantos que representem a vontade de uma maioria qualificada do capital social."
(NETO, Alfredo.
Obra citada.
com. ao art. 1.052, CC).
Menciono ainda que
"
Por outro lado, o sentido da responsabilidade solidária dos sócios pela integralização do capital social está no assegurar, no garantir, a efetiva entrada de contribuições em valores cuja somatória corresponda à cifra desse capital. Ou seja, se há aporte de bens, os sócios são garantidores de que referidos bens ingressaram na sociedade pelo valor declarado pelo sócio subscritor (art. 1.055, § 1.º)
"
(NETO, Alfredo.
Obra citada.
com. ao art. 1.052, CC).
Além disso,
"O art. 1.052 enfatiza a mais importante característica da sociedade limi- tada, que é a de cada qual de seus sócios responder pelo valor de suas res- pectivas quotas, todos garantindo a integralização do capital social. Já o art. 1.055, § 1.o, prevê que os sócios respondem solidariamente pela exata estimação do valor dos bens conferidos ao capital social. Nisso se exaure a responsabilidade dos sócios, pelo fato de serem sócios, na sociedade limitada. Há, no entanto, a possibilidade de os sócios da sociedade limitada respon- derem, ainda, por condutas comissivas ou omissivas que adotarem, con- trárias à lei ou ao contrato social. Entram aí a norma do art. 1.080, que prevê a responsabilização do sócio que contribuir, com seu voto, para uma deliberação infringente da lei ou do contrato social e a disposição do art. 1.059 que o obriga a repor os lucros e as quantias retiradas, quando distri- buídas nos exercícios de resultados negativos. A análise conjunta desses dispositivos legais permite ver que, nos dois pri- meiros, há uma responsabilidade que emana do estado de sócio, derivada de obrigações que são assumidas pelo sócio pelo só fato de ser ou de se tornar sócio de uma sociedade limitada; as dos dois últimos são de natureza subjetiva e só se verificam em decorrência da atuação dele como sócio . Essa responsabilidade subjetiva não é particularidade da sociedade limitada, mas comum a todos os tipos societários."
(NETO, Alfredo.
Obra citada.
com. ao art. 1.052, CC).
Os Tribunais têm enfatizado o seguinte:
LOCAÇÃO DE EQUIPAMENTOS. AÇÃO MONITÓRIA. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. Inconformismo contra decisão que indeferiu a pesquisa do endereço do sócio da devedora - empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI) -, ante a necessidade de prévia instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica . Inadmissibilidade.
Sócio que não integralizou o capital social da empresa, sendo reconhecida, em anterior agravo de instrumento, a sua responsabilidade pela dívida da pessoa jurídica, até o limite do capital social não integralizado. Trânsito em julgado do pronunciamento que impede a rediscussão do tema neste momento. Pesquisa do endereço do sócio que é medida necessária e salutar para a realização da obrigação
. Recurso provido. (TJ-SP - AI: 20605636220198260000 SP 2060563-62.2019.8 .26.0000, Relator.: Dimas Rubens Fonseca, Data de Julgamento: 25/06/2019, 28ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/06/2019)
2.23. Eventual responsabilização tributária:
No âmbito do direito tributário, os sócios podem ser responsabilizados pelas dívidas constituídas em nome da empresa, quando tenham agido com abuso dos poderes de direção (
art. 135, CTN
).
Atente-se para o
art. 121, CTN
,
"Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei."
Nesse âmbito, convém atentar ainda para as
súmulas 430 e 435 do Superior Tribunal de Justiça
:
"O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente." "Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente."
No caso de liquidação da sociedade de pessoas, os sócios podem ser responsabilizados por débitos tributários, mesmo quando integralizado o capital social, na forma do art. 134, VII, Código Tributário Nacional. De todo modo, os Tribunais têm decidido que sociedades de responsabilização limitada não seriam sociedades de pessoas para aludido fim.(AG 200604000294101, Rel. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona , TRF4 - 2ª T, DJE 10/01/2007)
2.24. Eventual desconsideração da personalidade jurídica:
Como sabido, a pessoa jurídica é uma entidade distinta da pessoa dos seus sócios. Por ficção legal (art. 985 do Código Civil/02), o sistema lhe reconhece personalidade, capacidade negocial, processual e responsabilidade. Tanto por isso, em princípio apenas o patrimônio da própria pessoa jurídica pode ser atingido para fins de adimplemento das suas obrigações (art. 789, CPC/15).
Quanto se trate de sociedade limitada,
"
a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social
."
(art. 1052, CC). Por conseguinte, a legislação civil já prevê que os bens dos sócios respondem pelas obrigações da empresa, observado o limite da integralização do capital social.
De todo modo, como ensina Alfredo Assis Gonçalves Neto,
"
sendo a pessoa jurídica uma ficção, uma técnica colocada à disposição das pessoas humanas para facilitar suas relações, sua personalidade não pode ir além disso
. A ficção legal existe para o fim precípuo de possibilitar o preenchimento da função que lhe é reservada pelo direito; fora de sua função, ela perde todo o sentido e deve ser desconsiderada para que apareça a realidade que lhe está subjacente e se evitem eventuais desvios ou ilicitudes por ela encobertos. O regime jurídico previsto para preencher um determino papel não pode ser utilizado para contornar ou esconder condutas antijurídicas."
(GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis.
Direito de empresa.
São Paulo: RT, 2007, p. 128).
A desconsideração da pessoa jurídica corresponde, pois, à necessidade de se enfrentar eventuais desvirtuamentos da sua função:
"
A desconsideração deve dar-se, portanto, quando a forma da pessoa jurídica, ou a própria pessoa jurídica, é utilizada com o intuito de fugir às finalidades predefinidas pelo direito
."
(Obra citada. p. 128).
Todavia, também é fato que
"
A simples prática de ato ilícito pela pessoa jurídica não tem nada a ver com a teoria da desconsideração
. Se a pessoa jurídica age dentro dos propósitos para os quais foi constituída, mas pratica um ilícito (vende um mercadoria que não possui, por exemplo), deve responder normalmente por esse ato, como qualquer agente que assim o pratica. Para que se aplique a teoria da
disregard of legal entity
é preciso que haja desvio da sua função econômico-social, isto é, da causa do seu nascimento, do papel que a pessoa jurídica deve preencher e que justificou sua criação para atuar à semelhança de uma pessoal natural."
(Obra citada. p. 129).
Para que a sua personalidade seja abstraída, atingindo-se seus sócios, o desvirtuamento há de ter produzido efeitos prejudiciais. No dizer de Arnaldo Rizzardo,
"
Ante suspeitas fundadas de que o administrador agiu de má-fé, com fraude a interesses de credores e com prova de abuso de direito, desconsidera-se, embora momentaneamente, a personalidade jurídica da empresa, permitindo-se a apropriação de bens particulares para atender as dívidas contraídas por uma das formas acima
."
(RIZZARDO, Arnaldo. Direito de empresa. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 1121).
O Código Civil tratou do tema no seu art. 50:
"
Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte
, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica."
Comentando o dispositivo, Arnaldo Rizzardo sustenta que
"
Quanto ao desvio de finalidade, deve a empresa ficar atrelada ao objeto social do contrato, não podendo extrapolar ao que se propôs realizar. Em relação à confusão patrimonial, o patrimônio da empresa é distinto do patrimônio dos sócios
. Não cabe, daí, o embaralhamento de relações da sociedade com as pessoais dos sócios, provocando a mistura do capital social com o capital individual."
(RIZZARDO, Arnaldo. Obra citada. p. 1122).
Ainda segundo o professor gaúcho,
"Outras situações se apresentam, como a desobediência à lei, a falta de diligência no exercício das finalidades, a inadimplência de obrigações contraídas e, não raramente, a
própria constituição da sociedade para fraudar terceiros
."
(Obra cit., p. 1122). Situação peculiar de desconsideração opera-se com a desativação irregular da empresa
."Toda vez que a sociedade se desativar, deixando de formalizar a sua dissolução, assume a condução de sociedade irregular."
(RIZZARDO. Obra cit., p. 1122).
O CPC/215 tratou do procedimento em questão nos arts. 134 e ss.:
Como explicita Araken de Assis,
"
É indispensável assegurar, por imperativo do direito fundamental processual ao contraditório
(art. 5º, LIV, da CF/1988), a audiência do sócio, ou da pessoa jurídica (desconsideração inversa), e, por influência da ampla defesa, a produção de prova pelas partes."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II - tomo I. Parte geral: institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 134).
Não raro, invoca-se, todavia, a diferença entre hipóteses de efetiva desconsideração da personalidade jurídica - versada pelos arts. 133 e ss., CPC e art. 50, CC -, de um lado, e o mero redirecionamento da execução fiscal, nos termos facultados pelo art. 135, III, CTN, de outro. Atente-se, por exemplo, para o enunciado 06 do FOREXEC - Fórum de Execuções Fiscais:
“A
responsabilidade tributária regulada no
a
e
art. 135 do CTN não constitui hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, não se submetendo ao incidente previsto no art. 133 do CPC/2015.
”
Em sentido semelhante, atente-se para o julgado abaixo, emanado do eg. Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. SOCIEDADE. DISSOLUÇÃO IRREGULAR. REDIRECIONAMENTO. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. INAPLICABILIDADE.
A responsabilização tributária do sócio-gerente em razão da dissolução irregular da sociedade devedora não depende de desconsideração da personalidade jurídica, pois é responsabilidade tributária pessoal atribuída na condição de administrador, razão pela qual o pedido de redirecionamento não se submete ao incidente previsto no Código de Processo Civil
. (TRF 4ª Região, AG 5022099-65.2016.4.04.0000/RS, 2ª Turma, Rel. RÔMULO PIZZOLATTI, julg. 14/06/2016)"
Concessa venia,
compartilho de compreensão distinta, eis que, mesmo nas hipóteses previstas no art. 135, III, CTN - alegado excesso de poder ou infração à lei por parte de administradores da empresa contribuinte -, dever-se-á assegurar contraditório e ampla defesa, sob pena de agressão ao art. 5º, LIV e LV, CF. Também pontuo que, em princípio, do fato de não terem sido localizados bens suscetíveis de penhora não decorreria automática desconsideração da personalidade jurídica.
CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ART. 50 DO CÓDIGO CIVIL. NÃO CABIMENTO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. A decisão agravada encontra-se em conformidade com a jurisprudência desta Corte para casos como o da espécie, devendo ser mantida por seus próprios fundamentos. Com efeito, não prescinde de competente demonstração a desconsideração da personalidade jurídica postulada com base no art. 50 do Código Civil,
não bastando a esse propósito, a simples constatação da ausência de bens passíveis de penhora para garantia do cumprimento de sentença
. (TRF4, AG 5000809-91.2016.4.04.0000, PRIMEIRA TURMA, Relator AMAURY CHAVES DE ATHAYDE, juntado aos autos em 04/07/2016)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. 1. A desconsideração da personalidade jurídica (art. 50 CCB) é instituto jurídico previsto para as hipóteses de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, processado nos termos do art. 133 a 137 do CPC. 2.
A circunstância de a pessoa jurídica não possuir bens para responder por suas dívidas ou ter sido dissolvida de forma irregular não caracteriza desvio de finalidade ou confusão patrimonial
. (TRF4, AG 5056732-68.2017.4.04.0000, PRIMEIRA TURMA, Relator ALEXANDRE ROSSATO DA SILVA ÁVILA, juntado aos autos em 28/05/2018)
Não se pode descurar, porém, do o entendimento consolidado pela súmula 435, STJ:
"
Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente
."
2.25. Respeito à boa-fé objetiva:
Deve-se ter em conta, ademais, o postulado da boa-fé objetiva, enquanto preceito que deve regular a relação entre os sujeitos, entre estes e o Poder Público, mesmo entre distintas unidades da Administração Pública.
Com efeito, "
ao impor sobre todos um dever de não se comportar de forma lesiva aos interesses e expectativas legítimas despertadas no outro, a tutela da confiança revela-se, em um plano axiológico-normativo, não apenas como principal integrante do conteúdo da boa-fé objetiva,
mas também como forte expressão da solidariedade social, e importante instrumento de reação ao voluntarismo e ao liberalismo ainda amalgamados no direito privado como um todo
."
(SCHREIBER, Anderson.
A proibição de comportamento contraditório:
tutela da confiança e
venire contra factum proprium.
Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 91).
Ademais,
"
Os princípios da segurança jurídica e da boa-fé objetiva, bem como a vedação ao comportamento contraditório (venire contra factum proprium), impedem que a parte, após praticar ato em determinado sentido, venha a adotar comportamento posterior e contraditório
."
(AGRESP 200802418505, ARNALDO ESTEVES LIMA, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:29/03/2010).
Acrescento que
"
O Poder Público não é um poder irresponsável e arbitrário, ele se vincula e se limita pelos seus próprios atos
. Não se pode reservar o privilégio, que se resume na mais cínica das prerrogativas que se arrogava o poder absoluto, de surpreender a boa-fé dos que confiam na sua palavra ou nas suas promessas, violando aquela ou anulando essas, depois de haver conseguido, por causa de uma ou de outras, as prestações cuja execução havia sido feita na boa-fé, fundamental não só ao seu comércio jurídico, como à convivência moral, de que a ninguém é dado retirar a palavra empenhada ou desfazer a promessa mediante a qual obteve vantagem de outrem ou lhe causou ou infligiu sacrifício."
(CAMPOS, Francisco.
Direito administrativo.
vol. I. Livraria Freitas Bastos, 1958, p. 70-71)
O respeito à boa-fé objetiva corresponde a "
uma norma de conduta que impõe aos participantes de uma relação obrigacional um agir pautado pela lealdade, pela consideração dos interesses da contraparte. Indica, outrossim, um critério de interpretação dos negócios jurídicos e uma norma balizamento ao exercício de direitos subjetivos e poderes formativos."
(MARTINS-COSTA, Judith.
Comentários ao novo Código Civil.
RJ: Forense, 2005, p. 42).
Com as devidas adequações, essas regras também são oponíveis ao Estado. Nâo se pode reconhecer à Administração Pública a prerrogativa de surpreender os sujeitos, cobrando valores sem que lhes tenha comunicado anteriormente a causa dessa obrigaçã, ou modificando de inopino cláusulas contratuais.
"
Este Tribunal já decidiu que a frustração de expectativas legítimas criadas pelo poder público configura verdadeira afronta ao princípio da boa-fé objetiva, em seu postulado da proibição ao `venire contra factum proprium, que também deve ser respeitada pela Administração Pública
. Através da referida cláusula, vedam-se os comportamentos contraditórios que aviltam direitos e deveres previamente fixados entre as partes e quebram a relação de confiança que deveria prevalecer"
(TRF-1 - REOMS: 10056493420184013200, Relator: Desembargador Federal João Batista Moreira, Data de Julgamento: 06/07/2020, Sexta Turma, Data de Publicação: 07/07/2020).
A legislação processual civil trata do respeito à boa-fé objetiva no curso da demanda, conforme seus
arts. 7, 322, §2 e 489, §3, CPC/15
.
2.26. Distribuição do ônus da prova - exame precário:
Por outro lado, aparentemente se revela incabível a inversão do ônus da prova, prevista no art. 373, §1º, CPC/15. A vingar solução diversa, dever-se-ia então converter o julgamento em diligência, a fim de se assegurar que o(s) requerido(s) produzisse(m) as dilações probatórias porventura devidas, conforme preconiza a parte final do aludido art. 373, §1º, CPC.
O processualista Araken de Assis promove uma avaliação crítica da ampliação das hipóteses de inversão do ônus da prova, promovida com o CPC/2015:
"(...) A distribuição dinâmica do ônus da prova ocorre em outros ordenamentos. O art. 217.6 da Ley de Enjuiciamiento Civil espanhola institui dois meios para corrigir a inadequação formal do critério geral (onus probandi incumbit qui ei dicit): (a) a disponibilidade da prova (v.g., na investigação de paternidade, o suposto pai tem condições de esclarecer o fato biológico, através de exame de DNA); e (b) a facilidade probatória (v.g., a empresa encontra-se melhor situada para arrolar as testemunhas de eventos que ocorreram em suas dependências que o visitante ocasional). E, no direito norte-americano, o juiz alocará o ônus da prova segundo numerosas e complicadas regras.
Essa teoria tem cunho autoritário, porque concentra poderes no órgão judiciário, e, desse modo, traz consigo alto risco de subjetivismo
. Duas objeções principais, relevando o risco de prevaricação e o dever de fidelidade do juiz ao direito, opõem-se à doutrina: (a) o já mencionado risco de subjetividade e, ademais, de relatividade: o que é fácil para certo juiz pode não o ser para outro; e (b) a violação positiva ao direito fundamental processual do contraditório. Contra o risco de subjetividade, inexiste remédio; para a violação do contraditório, a medida cabível é a exigência de que haja motivo concreto, prévio e delimitado para a distribuição ope judicis. A distribuição do ônus da prova na decisão de saneamento e de organização do processo (art. 357, III) contrabalança os riscos, norteando a atividade das partes na instrução das causas. Seja como for, as objeções evidenciam que, entre nós, inexiste ainda densidade do direito fundamental à prova. O contraditório argumentativo (dizer e contradizer) não mais satisfaz.
As repercussões positivas ou negativas da repartição casuística podem ser aquilatadas e medidas nas relações de consumo. Em tal matriz, considerando o disposto no art. 6.º, VIII, da Lei 8.078/1990, passa-se à análise do tema, sublinhando que não se limita a tais espécies de litígio, em tese, a distribuição dinâmica." (ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume II - Tomo II: Institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 203-209)
2.27. Elementos de convicção veiculados nos autos:
A autora apresentou, com a peça inicial, apresentou cópia do instrumento contratual com os seguintes detalhes:
Ela foi indicada como administradora não-sócia:
O documento é datado de 26 de agosto de 2009, com apresentação perante a Junta Comercial em 01 de setembro de 2009. Em 09 de fevereiro de 2010, teria havido alteração do contrato social, com substituição da autora pelo sócio Rodrigo Nacif Dornelles de Dornelles, na condição de administrador. A alteração teria sido comunicada à Junta Comercial em 24 de fevereiro de 2010.
A inscrição da referida empresa junto ao CNPJ indica encontrar-se inapta para o exercício de atividades mercantis. A autora apresentou documento indicando constar ainda como administradora da empresa perante a Receita:
Anexou-se ainda cópia de despacho prolatado na execução fiscal de autos 5027389-32.2024.4.04.7000/PR. Ela apresentou, por fim, uma ata notarial a respeito de conversas versando sobre débitos existentes em nome da empresa.
2.28. Valoração precária:
Discorri acima, com cognição precária, sobre as regras concernentes à constituição das sociedades de responsabilização limitada. Destaquei que, no mais das vezes, nesse âmbito, os sócios podem ser cobrados quanto a débitos da sociedade, no limite em que as cotas societárias não tenha sido integralizadas. Tratei ainda dos casos de responsabilização tributária e situações de desconsideração da personalidade jurídica.
De todo modo, isso foi promovido apenas para devida contextualização da questão. No caso, a autora sustentou ter deixado de ser administradora da empresa
KR Fitness e Wellnes Ltda
, no curso de 2010. Alegou que isso teria sido comunicado à Junta Comercial.
Em princípio, porém, caberia à demanante a comunicação disso à Receita Federal, para os fins tributários pertinentes. Não há sinais de que ela ou a empresa tenham feito. Um exemplo dessa regulamentação se encontra na Instrução Normativa SRF 1863, de 27 de dezembro de 2018, dentre outros diplomas normativos. Em período mais recente, as informações podem ser prestadas à Receita Federal por meio do endereço https://www.gov.br/empresas-e-negocios/pt-br/redesim.
Esse é um aspecto da questão
.
Por outro lado, aparentemente a autora busca uma declaração, por parte deste Juízo, para surtir efeitos no âmbito dos processos em que figure como demandada
. Note-se, porém, que cabe à requerente apresentar seus argumentos perante o Juízo Natural daquelas demandas. Eventual apreciação da medida nesse âmbito não surte efeitos imediatos perante outras unidades jurisdicionais, diante da regra do art. 5, LIII, Constituição.
Aparentemente, a autora apenas teria atuado como administradora; não vislumbrei maiores elementos indicando que tenha sido sócia nos quadros da referida empresa. Assim, em princípio, no que toca a débitos tributários, sua responsabilização demandaria a aplicação do
art. 135, III, CTN
, exigindo indicativos densos de que o administrador tenha atuado com absudo de poder. De todo modo, repiso, esse é um exame a cargo do Juízo natural do processo de execução fiscal aludido pela parte autora. Não há como esta unidade jurisdicional interferir no processamento daquela demanda.
Esse é um segundo aspecto do tema
.
Tudo equacionado, essa contextualização acaba por evidenciar a
ausência de um perigo de dano imediato
, na forma alegada pela autora. Ela inssurge-se contra atos determinados por outros Juízos, cabendo-lhe submeter seus argumentos no âmbito dos processos respectivos.
Assim, conquanto o Juízo não seja insensível à situação narrada pela autora, e contanto tenha promovido o exame detalhado acima, reputo que o indeferimento da antecipação de tutela se impõe.
III - EM CONCLUSÃO
3.1. ENFATIZO que esta demanda se submete à alçada deste Juízo, devendo ser processada sob o rito dos Juizados Especiais.
3.2. ANOTO que não diviso um contexto de conexão desta causa com alguma outra demanda, para fins de reunião e solução conjunta, na forma do art. 55, §1, CPC. Ademais, a presente causa se revela singular, eis que não incorre em violação à coisa julgada e não restou configurada litispendência. Nâo estão preenchidos requisitos para eventual suspensão da demanda - art. 313, Código de Processo Civil.
3.3. REGISTRO que as partes estão legitimadas para a demanda e que a autora possui interesse processual - art. 17, CPC. Não é caso de litisconsórcio necessário.
3.4. ACRESCENTO que a pretensão da demandante não foi atingida pela prescrição, diante da aplicação do art. 1. decreto 20.910/32. O instituto da decadência não se aplica ao caso.
3.5. DEFIRO, por ora, o pedido de gratuidade de Justiça, na forma do art. 99, §2, CPC, sem prejuízo de eventual nova análise, caso a tanto instado - art. 100, CPC.
3.6. EQUACIONEI alguns vetores acima necessários para apreciação, com cognição precária, do pedido de antecipação da tutela do autor.
3.7. MANTENHO, por ora, o pedido de antecipação de tutela, na forma da fundamentação. Em princípio, cabia à autora ou à empresa da qual teria sido administradora comunicar alterações societárias perante a Receita Federal. Por outro lado, aparentemente, a autora busca, com a presente medida, influenciar a evolução de processos de cobrança promovidos em seu desfavor. Contudo, em tal caso, os argumentos pertinentes devem ser submetidos ao crivo do Juízo Natural respectivo - art. 5, LIII, CF.
3.8. ANOTO que, diante das premissas acima, resta esvaziado o perigo de dano, noticiado pela parte autora, eis que os temas em questão - exoneração de obrigações vinculadas à empresa - devem ser submetidos ao exame do Juízo de execuções.
3.9. AGUARDE-SE a resposta da União ou o esgotamento do prazo para tanto fixado.
3.10. VOLTEM-EM conclusos, tão logo a contestação da União tenha sido juntada aos autos ou tenha se esgotado o prazo para tanto arbitrado.
3.11. INTIMEM-SE as partes a respeito desta decisão.
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