Processo nº 5000664-44.2021.4.03.6125
ID: 319000173
Tribunal: TRF3
Órgão: 1ª Vara Federal de Ourinhos
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5000664-44.2021.4.03.6125
Data de Disponibilização:
08/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
FERNANDO ALVES DE MOURA
OAB/SP XXXXXX
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PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) 5000664-44.2021.4.03.6125 1ª Vara Federal de Ourinhos AUTOR: UALLACE DE OLIVEIRA SOUZA Advogado(s) do reclamante: FERNANDO ALVES DE MOURA REU: UNIÃO FEDERAL, ESTADO DE SÃ…
PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) 5000664-44.2021.4.03.6125 1ª Vara Federal de Ourinhos AUTOR: UALLACE DE OLIVEIRA SOUZA Advogado(s) do reclamante: FERNANDO ALVES DE MOURA REU: UNIÃO FEDERAL, ESTADO DE SÃO PAULO, MUNICIPIO DE OURINHOS SENTENÇA 1. RELATÓRIO. Trata-se de ação de obrigação de fazer com pedido de tutela de urgência, proposta por UALLACE DE OLIVEIRA SOUZA em face da UNIÃO FEDERAL, do ESTADO DE SÃO PAULO e do MUNICÍPIO DE OURINHOS, objetivando o fornecimento do medicamento Miglustate (Zavesca®), indispensável ao tratamento da enfermidade ataxia cerebelar progressiva (CID E75.2) da qual é portador. Em apertada síntese, narra o autor que em razão da evolução progressiva da doença necessita do uso do medicamento Miglustate (Zavesca®), pois a não utilização do respectivo fármaco pode gerar sequelas neurológicas irreversíveis e, em última linha, o óbito. Assim, requer o fornecimento gratuito, em razão do alto custo do tratamento. Com a inicial vieram documentos. O feito foi inicialmente distribuído perante a 3ª Vara Cível da Comarca de Ourinhos, tendo sito autuado sob o nº 1002360-93.2021.8.26.0408, que deferiu a tutela de urgência para o fornecimento do fármaco em 05/2021 (id. 57214999, p. 10). Em razão da inclusão da União no polo passivo da demanda, os autos foram encaminhados a esta 1ª Vara Federal de Ourinhos, na qual o feito foi redistribuído sob o nº 5000664-44.2021.4.03.6125. Acolhida a competência do Juízo Federal, ratificou-se a tutela de urgência (Id. 57297590), com a determinação à União, ao Estado de São Paulo e ao Município de Ourinhos para o fornecimento do medicamento Miglustate, conforme prescrição médica (Id nº 57214989, p. 2 - 5). Ademais foram deferidos os benefícios da justiça gratuita. Instado a se manifestar (Id. 58057438), o Município de Ourinhos alegou, em preliminar, sua ilegitimidade passiva, ao argumento de que o fornecimento do respectivo medicamento, de alto custo e não padronizado pelo SUS, é de responsabilidade da União ou do Estado, conforme a Resolução SES/SP nº 54/2012 e a Portaria MS nº 1.554/2013. No mérito, sustentou que a responsabilidade municipal se limita aos medicamentos do Componente Básico da Assistência Farmacêutica, pugnando pela improcedência do pedido e eventual exclusão do polo passivo. Em seguida, a União, em preliminar, alegou ausência de interesse de agir, sustentando que há tratamento disponível no SUS. No mérito, afirmou que, como gestora do SUS, não lhe compete o fornecimento direto de medicamentos, atribuição dos entes subnacionais. Requereu a improcedência da demanda, alegando que o medicamento Miglustate (Zavesca®) não foi incorporado ao SUS e pode ser substituído por alternativas eficazes. Determinado o fornecimento do medicamento pelo Ente Estadual (Id. 57929989). O Estado de São Paulo, posteriormente, manifestou-se nos autos (Id. 84544513) alegando, com base em nota técnica da Coordenadoria do Projeto de Implantação da Política Nacional de Atenção Integral à Pessoa com Doença Rara, que o Miglustate (Zavesca®) não possui indicação terapêutica oficial para a doença de Niemann-Pick tipo C, de modo que sua prescrição não está respaldada nas Diretrizes Brasileiras para Diagnóstico e Tratamento. Requereu, por conseguinte, a produção de prova pericial por meio do IMESC e a oitiva técnica do NAT-Jus, a fim de esclarecer os fundamentos médicos da prescrição e a alegada ineficácia das alternativas terapêuticas fornecidas pelo SUS. Foram apresentadas réplicas pela parte autora (Ids. 105694461, 105694723, 105694876, 105694876). Na sequência, o Estado de São Paulo acostou documentos comprobatórios do cumprimento da decisão liminar (Id. 117979175), requerendo a incorporação aos autos da documentação atinente à disponibilização do medicamento. Em seguida foi promovida a juntada do acórdão do agravo de instrumento interposto pelo Estado de São Paulo contra a decisão do juízo estadual que deferiu liminarmente o fornecimento do medicamento Miglustate (Zavesca®) (Id. 249138189). O recurso foi desprovido, reconhecendo-se o preenchimento dos requisitos fixados no REsp 1.657.156/RJ. Por sua vez, a ré União e a parte autora requereram produção de prova pericial. Inclusão nos autos da Nota Técnica elaborada pelo Nat-Jus (Id. 300269416), desfavorável ao fornecimento da medicação. Acostada complementação do laudo pericial no Id. 348196483, no qual a perita manifestou-se sobre o parecer da equipe NatJus e os possíveis ganhos obtidos com a medicação. Com vista do laudo, o ente Estadual requereu a improcedência dos pedidos, com fundamento no fato de que a incorporação do fármaco recebeu parecer desfavorável da CONITEC, não preenchendo o autor os requisitos fixados pelo STF no julgamento dos temas 6 e 1.234 de repercussão geral. Nesses termos, requereu a revogação da tutela de urgência (id. 349325101). No mesmo sentido foi a manifestação da União (id. 349360976) e do Município de Ourinhos (id. 349419048). O autor, por sua vez, deixou transcorrer o prazo in albis. Manifestação do Estado de São Paulo comprovando a entrega do medicamento para 3 (três) meses de tratamento (id. 365847534). É o relatório. Fundamento e decido. 2. FUNDAMENTAÇÃO. 2.1. PRELIMINARES. 2.1.1. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICIPIO DE OURINHOS – REJEIÇÃO. Sustenta o Município de Ourinhos, em sede preliminar, sua ilegitimidade passiva, ao argumento de que o medicamento pleiteado, com elevado custo e não padronizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), não se insere na sua esfera de atribuições, competindo exclusivamente à União ou ao Estado de São Paulo o respectivo fornecimento. Alega, ainda, que sua atuação se restringe ao Componente Básico da Assistência Farmacêutica, e que o cumprimento de decisões judiciais nesse sentido comprometeria gravemente seu orçamento destinado à atenção primária à saúde. Razão, contudo, não lhe assiste. Nos termos do artigo 23, inciso II, da Constituição da República, a prestação dos serviços de saúde insere-se na competência comum dos entes federativos, hipótese que configura responsabilidade solidária da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, conforme reiteradamente reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, inclusive por ocasião do julgamento do Tema 793 da Repercussão Geral (RE 855.178/MG): CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. DESENVOLVIMENTO DO PROCEDENTE. POSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE DE SOLIDÁRIA NAS DEMANDAS PRESTACIONAIS NA ÁREA DA SAÚDE. DESPROVIMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. 1. É da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente ou conjuntamente. 2. A fim de otimizar a compensação entre os entes federados, compete à autoridade judicial, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, direcionar, caso a caso, o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro. 3. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União. Precedente específico: RE 657.718, Rel. Min. Alexandre de Moraes. 4. Embargos de declaração desprovidos. (STF - RE: 855178 SE, Relator.: LUIZ FUX, Data de Julgamento: 23/05/2019, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 16/04/2020. Grifo nosso). Esse também é o entendimento assentado na jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 3ª Região: E M E N T A CONSTITUCIONAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. VOXZOGO (VOSORITIDA). INEXISTÊNCIA DE PROTOCOLO CLÍNICO DE DIRETRIZES TERAPÊUTICAS (PCDT) - PROVA PERICIAL E PARECER NAT-JUS FAVORÁVEIS. FIXAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA POR APRECIAÇÃO EQUITATIVA. 1. Ação cujo objeto consiste no fornecimento de medicamento de alto custo - VOXZOGO (VOSORITIDA) - em quantidade suficiente para o tratamento de acondroplasia (nanismo). 2. Rejeitada a preliminar de ilegitimidade passiva suscitada pelo Município de São Vicente/SP. A assistência à saúde se insere na competência material comum de todas as esferas do Poder Público. No mesmo sentido, nos termos do art. 196 da Constituição Federal de 1988, o direito fundamental à saúde é dever de todos os entes federativos, os quais respondem de forma solidária, conforme iterativa jurisprudência dos Tribunais Superiores. (TRF-3 - ApCiv: 50018302920224036141 SP, Relator.: Desembargador Federal MAIRAN GONCALVES MAIA JUNIOR, Data de Julgamento: 02/07/2024, 6ª Turma, Data de Publicação: Intimação via sistema DATA: 15/07/2024. Grifo nosso). Ademais, a divisão interna de competências administrativas, disciplinada por portarias e resoluções ministeriais (como a Resolução SES/SP nº 54/2012 invocada pela defesa) tem finalidade de organização da gestão e do financiamento das ações e serviços de saúde no âmbito do SUS, porém não possui o condão de restringir ou afastar a responsabilidade constitucional solidária dos entes públicos perante o jurisdicionado, especialmente quando se trata da efetivação do direito à vida e à saúde de paciente hipossuficiente. Diante do exposto, e conforme consolidado entendimento constitucional e infraconstitucional sobre a matéria, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva suscitada pelo Município de Ourinhos, o qual permanecerá no polo passivo da presente ação, sem prejuízo do posterior exercício de direito regressivo entre os entes solidariamente responsáveis. 2.1.2. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR - INOCORRÊNCIA. A União suscitou, em sede preliminar, ausência de interesse processual, sustentando que o tratamento da moléstia relatada estaria disponível gratuitamente no Sistema Único de Saúde (SUS) e que não houve resistência administrativa à sua disponibilização. Contudo, a preliminar não merece acolhida. Com efeito, o interesse processual decorre da conjugação dos elementos necessidade da tutela jurisdicional e adequação do provimento postulado. No caso em análise, o autor busca o fornecimento do medicamento Miglustate (Zavesca), prescrito por profissional habilitado para o tratamento da Doença de Niemann-Pick tipo C, patologia grave, rara e progressiva. Conforme se extrai da prova documental e do laudo pericial judicial, o Miglustate é o único fármaco aprovado no Brasil, pela ANVISA, para tratamento dessa enfermidade, não estando disponível no SUS para essa finalidade terapêutica específica, o que afasta, de plano, a alegação de que o tratamento pleiteado estaria incorporado às políticas públicas de saúde de forma efetiva. Ademais, no caso em apreço, o autor demonstrou não apenas a negativa formal do Estado de São Paulo em fornecer o medicamento, mas também a imprescindibilidade clínica do Miglustate, atestada por médico assistente e corroborada por prova pericial judicial, além da sua incapacidade financeira para custeio do tratamento, reunindo, assim, todos os elementos que demonstram a necessidade, utilidade e adequação da via judicial. Dessa forma, rejeito a preliminar de ausência de interesse de agir. 2.2. MÉRITO - DO DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. O direito à saúde constitui direito social previsto no art. 6º da Constituição Federal. De forma mais específica, o art. 196 do mesmo diploma estabelece que "a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação". Além disso, o art. 198, inciso II, da Constituição dispõe que "as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: (...) II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais." Contudo, a partir dos dispositivos constitucionais supracitados, não se pode concluir que o direito à saúde abarca toda e qualquer medida destinada à promoção ou à restauração da saúde individual. Isso porque os recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) são limitados, de modo que o dever estatal nessa seara está orientado à formulação e execução de políticas públicas baseadas nos princípios da universalidade, equidade e eficiência. Nesse sentido, a assistência terapêutica integral prevista no art. 6º, inciso I, alínea “d”, da Lei nº 8.080/90, consiste prioritariamente na oferta de medicamentos e produtos de interesse para a saúde, desde que prescritos em conformidade com diretrizes terapêuticas estabelecidas em protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas oficiais para a enfermidade em questão, conforme detalhado no artigo 19-M e seguintes da referida norma. Dessa forma, nas demandas judiciais que envolvem o fornecimento de medicamentos ou tratamentos, é imprescindível considerar a política pública instituída no âmbito do SUS, a qual deve observar os princípios da medicina baseada em evidências, de modo a garantir o uso racional e eficiente dos recursos públicos. Obrigar o Poder Público a custear qualquer tratamento prescrito, ainda que sob o argumento legítimo do dever constitucional de garantir a saúde, pode comprometer a sustentabilidade do próprio sistema, prejudicando o atendimento à coletividade. Nesse panorama, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1.657.156 (Tema 106), de relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, fixou critérios objetivos para a concessão judicial de tecnologias em saúde não previstas nas diretrizes do SUS, estabelecendo os seguintes requisitos: (i) comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro do medicamento na Anvisa, observados os usos autorizados pela agência. Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 657.718 (Tema 500), firmou a seguinte tese: 1. O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais. 2. A ausência de registro na ANVISA impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial. 3. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da ANVISA em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei nº 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos: (i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras); (ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e (iii) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil. 4. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União. Com a nova decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema 500 (RE 657.718), superou-se o entendimento anteriormente consolidado na STA 175, de modo que o registro do medicamento na ANVISA deixou de ser requisito absoluto para o deferimento judicial de demandas relacionadas à saúde. A possibilidade de concessão passou a depender do atendimento às condicionantes fixadas na referida tese. Além disso, o próprio Tema 500, no que se refere à exigência de registro sanitário, foi relativizado por inovação legislativa trazida pela Lei nº 14.313/2022, que conferiu à CONITEC competência para autorizar, no âmbito do SUS, o uso de medicamentos e tecnologias em caráter off label — ou seja, fora das indicações aprovadas em bula. Tal previsão consta do inciso I do parágrafo único do art. 19-T da Lei nº 8.080/90. Dessa forma, a interpretação do Tema 500 deve incorporar essa nova exceção legal: admite-se o fornecimento de medicamentos não registrados para determinada indicação terapêutica, desde que o uso off label tenha sido expressamente autorizado pela CONITEC, conforme previsão legal superveniente. Trata-se, portanto, de mais uma hipótese de flexibilização da exigência de registro na ANVISA, em consonância com a evolução legislativa e a política pública de saúde vigente. Prosseguindo, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.366.243 (Tema 1.234), o Supremo Tribunal Federal, ao homologar acordo interfederativo, estabeleceu diretrizes que devem ser observadas pelo Poder Judiciário na análise de demandas que questionem atos administrativos de indeferimento da dispensação de medicamentos no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Tais balizas foram consolidadas na Súmula Vinculante nº 60, nos seguintes termos: II – Definição de Medicamentos Não Incorporados. 2.1) Consideram-se medicamentos não incorporados aqueles que não constam na política pública do SUS; medicamentos previstos nos PCDTs para outras finalidades; medicamentos sem registro na ANVISA; e medicamentos off label sem PCDT ou que não integrem listas do componente básico. [....] IV – Análise judicial do ato administrativo de indeferimento de medicamento pelo SUS. 4) Sob pena de nulidade do ato jurisdicional (art. 489, § 1º, V e VI, c/c art. 927, III, §1º, ambos do CPC), o Poder Judiciário, ao apreciar pedido de concessão de medicamentos não incorporados, deverá obrigatoriamente analisar o ato administrativo comissivo ou omissivo da não incorporação pela Conitec e da negativa de fornecimento na via administrativa, tal como acordado entre os Entes Federativos em autocomposição no Supremo Tribunal Federal. 4.1) No exercício do controle de legalidade, o Poder Judiciário não pode substituir a vontade do administrador, mas tão somente verificar se o ato administrativo específico daquele caso concreto está em conformidade com as balizas presentes na Constituição Federal, na legislação de regência e na política pública no SUS. 4.2) A análise jurisdicional do ato administrativo que indefere o fornecimento de medicamento não incorporado restringe-se ao exame da regularidade do procedimento e da legalidade do ato de não incorporação e do ato administrativo questionado, à luz do controle de legalidade e da teoria dos motivos determinantes, não sendo possível incursão no mérito administrativo, ressalvada a cognição do ato administrativo discricionário, o qual se vincula à existência, à veracidade e à legitimidade dos motivos apontados como fundamentos para a sua adoção, a sujeitar o ente público aos seus termos. 4.3) Tratando-se de medicamento não incorporado, é do autor da ação o ônus de demonstrar, com fundamento na Medicina Baseada em Evidências, a segurança e a eficácia do fármaco, bem como a inexistência de substituto terapêutico incorporado pelo SUS. 4.4) Conforme decisão da STA 175-AgR, não basta a simples alegação de necessidade do medicamento, mesmo que acompanhada de relatório médico, sendo necessária a demonstração de que a opinião do profissional encontra respaldo em evidências científicas de alto nível, ou seja, unicamente ensaios clínicos randomizados, revisão sistemática ou meta-análise. [sem grifos no original). Cabe, portanto, à luz de tais premissas, analisar o caso concreto. Caso concreto. Verifico, inicialmente, que o medicamento postulado possui registro na ANVISA, conforme atestado na Nota Técnica acostada ao feito (id. 300269416). No que se refere à hipossuficiência para a aquisição do fármaco com recursos próprios, os elementos documentais constantes dos autos demonstram o preenchimento do requisito em questão, especialmente em razão do elevado custo do medicamento e da situação de vulnerabilidade social vivenciada pelo núcleo familiar (id. 57214991). Tal condição é ainda evidenciada pelo recebimento do Benefício de Prestação Continuada – BPC/LOAS pelo requerente (NB 81/710.398.960-6), com Data de Início do Benefício (DIB) em 19/09/2019. Quanto à eficácia da tecnologia pleiteada, bem como à alegada ineficácia das alternativas terapêuticas disponibilizadas pelo Sistema Único de Saúde, a Nota Técnica elaborada pelo NAT-Jus (Id. 300269416) manifestou-se de forma desfavorável ao fornecimento da medicação, nos seguintes termos: Evidências e resultados esperados Tecnologia: MIGLUSTATE Evidências sobre a eficácia e segurança da tecnologia: A Doença de Niemann-Pick C (NPC) é uma condição clínica rara grave, que acomete todo o corpo. Faz parte de um conjunto de doenças genéticas e pode surgir em diferentes idades, com apresentações clínicas distintas. É difícil estimar a frequência da NPC pois há dificuldades de identificação da doença, com diagnóstico tardio. A maioria dos casos (95%) são resultantes de mutações no gene NPC-1 e em 4%, no gene NPC-2. As manifestações clínicas envolvem sintomas neurológicos, tais como alteração de movimentos dos olhos, problemas no aprendizado, prejuízos no desenvolvimento neurológico, crises convulsivas, e alterações de manipulação, linguagem, movimento de marcha e deglutição; acometimento do fígado, pâncreas e pulmões; e psiquiátricos, envolvendo sintomas depressivos e manifestações psicomotoras. Na infância e adolescência, pode ocorrer o transtorno do déficit de atenção com hiperatividade, dificuldade de aprendizado e distúrbios comportamentais. De modo geral, considera-se que quanto mais precoce o surgimento dos sintomas, mais rápida a progressão da doença. A NPC está associada à morte prematura, com idades entre 5 a 25 anos após o surgimento da doença. O diagnóstico de NPC é baseado na avaliação clínica e em exames laboratoriais. A investigação envolve avaliação oftalmológica, auditiva, neurológica, psiquiátrica e visceral. Exames laboratoriais primordiais são os testes genéticos, com o sequenciamento dos genes NPC-1 e NPC-2. O diagnóstico é difícil e a doença pode ser frequentemente confundida com outras patologias. No momento, não há Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para a Doença de Niemann-Pick, publicado pelo Ministério da Saúde. Como essa doença não tem cura, os tratamentos disponíveis têm como objetivo a melhoria da qualidade de vida, estabilização ou diminuição da velocidade de progressão da doença. O tratamento paliativo, além de medicamentos anticonvulsivantes, anticolinérgicos, antipsicóticos e antidiarreicos, envolve ainda acompanhamento nutricional, fisioterápico, suporte psicológico, psiquiátrico e neurológico. Benefício/efeito/resultado esperado da tecnologia: O miglustate é uma molécula de iminoaçúcar pequena, solúvel em água e derivado do inibidor de glucosidase deoxynojirimycin natural. Ele inibe reversivelmente a enzima glucosilceramida sintase, que catalisa o primeiro passo na síntese de glicoesfingolipídios. Este processo resulta na redução do acúmulo destas moléculas nos lisossomos de diferentes tecidos. Acredita-se que as manifestações neurológicas da doença decorram do acúmulo anormal de glioesfingolipídios em neurônios e células da glia, o que embasa o uso de miglustate no tratamento da NPC. Para entender os efeitos desta terapia na NPC, são necessárias algumas informações sobre a história natural da doença. Em uma coorte de 57 pacientes analisados com NPC, 85,7% seguidos por mais de um ano demonstraram progressão neurológica da doença. Um estudo fase I/II de miglustate no tratamento de NPC foi realizado em 29 pacientes com 12 anos ou mais que foram randomizados 2:1 para receber miglustate 200 mg três vezes ao dia ou tratamento clínico padrão por um ano. O estudo incluiu pacientes com NPC confirmado, capazes de ingerir cápsulas e com função renal normal e sem diarréia. Pacientes com outras condições clínicas foram excluídos. Os pacientes foram avaliados para o desfecho primário de mudanças nos movimentos horizontais sacádicos no momento da inclusão no estudo e após 12 meses. A capacidade de deglutição também foi analisada na inclusão e após 6 e 12 meses. O tratamento com miglustat resultou em melhorias no desfecho primário quando comparado com o tratamento clínico padrão. Em 12 meses, a velocidade dos movimentos oculares foi maior nos pacientes tratados com miglustat; os resultados foram significativos apenas no subgrupo que não tomava benzodiazepínicos. Além disso, a melhora na capacidade de deglutição, acuidade auditiva e uma piora mais lenta na capacidade ambulatória foram notadas nos pacientes acima de 12 anos. Dados de longo prazo (24 meses) dos pacientes desse estudo, parte de uma extensão open label, foram relatados. Neles não houve o cumprimento de eficácia nas medidas de desfecho primária (velocidade dos movimentos oculareS). No geral, houve uma estabilização dos sintomas neurológicos (cognição, deambulação, deglutição) em 68% dos pacientes desse grupo, com uma tendência a melhoria quando comparado a dados de pacientes que exibem a história natural da doença. No entanto, recente relatório de recomendação à incorporação do miglustat ao rol de medicamentos para a terapia da NPC realizado pela CONITEC em 2019 deixa claro que a qualidade metodológica do conjunto da evidência científica advinda desses estudos é baixa, visto que o único ensaio clínico incluído neste PTC teve qualidade metodológica incerta, já que deixou de mencionar aspectos importantes para avaliação de sua robustez metodológica. Ainda, de acordo com o relatório, "As evidências disponíveis não são conclusivas quanto aos ganhos clinicamente relevantes para o paciente com alterações neurológicas decorrentes da Doença de Niemann-Pick Tipo C. De acordo com a melhor evidência disponível, para um desfecho clinicamente pouco importante (movimento sacádico ocular), o subgrupo que mais se beneficia do tratamento é aquele que não faz uso de benzodiazepínicos. Os desfechos de estabilidade e melhora são descritivos, sem grupo comparador atrelado e não refletem significância estatística. A definição de melhora e estabilidade é subjetiva do ponto de vista da significância clínica dos desfechos avaliados. A qualidade global da evidência para todos os desfechos apresentados foi muito baixa." [Grifou-se] Recomendações da CONITEC para a situação clínica do demandante: Não Recomendada Conclusão Tecnologia: MIGLUSTATE Conclusão Justificada: Não favorável Conclusão: Considerando que o paciente é acometido por doença genética neurológica grave e incurável; Considerando que o único medicamento aprovado para o tratamento da doença é o miglustate; Considerando que a CONITEC já emitiu relatório desfavorável à incorporação do medicamento para tratamento de pacientes com esta doença no SUS por considerar que os dados de eficácia podem não ser clinicamente significantes e provém de estudos de baixa qualidade; Considerando que mesmo o consenso de especialistas sobre o tema demonstra que os dados são evidências de baixa qualidade e o grau de recomendação para uso do medicamento é fraco; Conclui-se que não há elementos técnicos suficientes que demonstrem ser imprescindível o uso do medicamento para tratamento da condição apresentada pelo paciente em tela. Há evidências científicas? Sim Justifica-se a alegação de urgência, conforme definição de Urgência e Emergência do CFM? Não Ainda, foi realizada perícia técnica judicial em 27/07/2022, cujo laudo apresentou parecer favorável ao fornecimento da medicação, conforme se extrai do documento de Id. 258684425, nos seguintes termos: 3. O(s) medicamento(s), exame(s) ou procedimento(s) requerido(s) já foi(ram) utilizado(s) pelo(a) periciado(a)? R: Sim, desde agosto de 2021. Quais os resultados auferidos? R: Referida a não progressão do quadro neurológico, que seria evidenciada pelos ganhos na fonação e na deglutição, assim como, melhora dos movimentos oculares anormais. 4. O(s) medicamento(s), exame(s) ou procedimento(s) requerido(s) é(são) imprescindível(eis)? (é essencial e indispensável para a manutenção da vida, o seu prolongamento ou, ao menos, a promoção de condição física ou mental digna ao paciente). Justifique, indicando qual a evolução esperada no caso de não fornecimento do medicamento requerido e 5. O(s) medicamento(s), exame(s) ou procedimento(s) requerido(s) é(são) eficaz(es)? (possui eficácia razoavelmente comprovada para a doença apresentada pelo(a) periciado(a)). Especificar qual o fundamento (pesquisas, estudos, já possui uso clínico em outros países etc.). R: Para maior eficiência, respondo aos quesitos 4 e 5 em um único texto: NOME DA SUBSTÂNCIA: MIGLUSTATE - NOME COMERCIAL: Zavesca ™ - NÃO HÁ SIMILAR - INDÚSTRIA FARMACÊUTICA: JANSSEN-CILAG FARMACÊUTICA LTDA (Johnson & Johnson). - APRESENTAÇÃO: COMPRIMIDOS DE 100 MG - VIA DE ADMINISTRAÇÃO: VIA ORAL - POSOLOGIA PRESCRITA: 2 COMPRIMIDOS A CADA 8 HORAS – 6 COMPRIMIDOS (600 MG) AO DIA - INDICAÇÃO EM BULA COMPATÍVEL COM A DOENÇA DO AUTOR? SIM - TRATAMENTO EXPERIMENTAL? NÃO - DISPONÍVEL NO SUS? NÃO - CUSTO DO ANUAL DO TRATAMENTO: APROVAÇÕES PARA O TRATAMENTO DA DOENÇA QUE ACOMETE O AUTOR: Miglustate foi a primeira e permanece a única terapia aprovada para pacientes com NP-C nos EUA, Canadá, Europa, Japão, Coreia do Sul e Brasil, dentre outros países[7]. - FDA – Sim – 12/01/2010[8] - EMEA – Sim – 2009 - CANADÁ – Sim – 2010 - JAPÃO – Sim - 2012 - ANVISA – Sim - CONITEC: Consta no PCDT: “Nestas Diretrizes não está indicado, em qualquer forma da doença de Niemann-Pick, o uso de terapia de redução do substrato (miglustate), haja vista que o mesmo não se associa a benefícios em desfechos clínicos relevantes. A Portaria nº 35/SCTIE/MS, de 23/07/2019, aprovando o Relatório de Recomendação da CONITEC, decide por não incorporar o miglustate para manifestações neurológicas da doença de Niemann-Pick tipo C, no âmbito do Sistema Único de Saúde.”[9] Lyseng-Williamson[10] publicou uma revisão sobre o uso de miglustate na Doença de Niemann-Pick Tipo C, apontando que num ensaio clínico randomizado, estudos de extensão de longo prazo e um estudo de coorte observacional retrospectivo, o tratamento com miglustat oral estabilizou as principais manifestações neurológicas da NP-C (incluindo velocidade de pico de movimento ocular sacádico horizontal, deambulação, manipulação, linguagem e deglutição) em crianças e pacientes adultos com a doença. Os efeitos terapêuticos do miglustat na estabilização ou retardamento da progressão da doença foram confirmados em outros relatos no cenário da experiência clínica. Ponderou que na ausência de cura, o miglustat é um agente valioso para reduzir a progressão de sintomas neurológicos clinicamente relevantes em pacientes pediátricos e adultos com NP-C, o que foi considerado uma conquista significativa no tratamento desta doença. O Registro Internacional de Doenças Niemann-Pick (Europa) com dados de 09/2014 à 12/2019, publicado em 14 de fevereiro de 2022, incluindo 203 pacientes NPC de seis países europeus, mostrou que a média de idade (DP) ao diagnóstico foi de 11,2 anos (14,2). Entre os pacientes inscritos, 168 apresentavam manifestações neurológicas conhecidas: 43 (24,2%) tiveram início precoce na infância, 47 (26,4%) tiveram início tardio na infância, 41 (23,0%) tiveram início juvenil e 37 (20,8%) tiveram início adulto. 10 (5,6%) pacientes apresentavam a forma sistêmica neonatal rapidamente fatal. Manifestações neurológicas, como ataxia, disfagia e disartria, foram observadas com frequência em todas as faixas etárias, como o observado no caso concreto. O miglustate foi utilizado por 62,4% dos pacientes e a duração média de uso foi de 48,7 meses[11]. Pacientes NPC em terapia com miglustat permanecem estáveis ou melhoram em aprox. 70%, dependendo da idade na manifestação neurológica. Além disso, foi relatado que o tratamento com miglustat está associado a uma redução no risco de mortalidade[12]. Essas evidências são reforçadas pelos avanços nas pesquisas dos biomarcadores no líquido cefalorraquidiano.[13] Em suma, o miglustate (medicamento pleiteado) é o único composto aprovado para tratamento da Doença de Niemann Pick tipo C1; NPC1 (E75.2) no Brasil, na Europa e nos EUA, dentre outras localidades, enquanto outros fármacos estão sob investigação[14]. (sem grifos no original) Instada a complementar o laudo pericial, especificamente quanto à conclusão apresentada pelo NAT-Jus, a fim de esclarecer, se pertinente, quais os efetivos benefícios obtidos pelo autor com o uso do medicamento em questão e, ainda, as possíveis consequências decorrentes de eventual interrupção do tratamento, a perita concluiu que (id. 348196483 - sem grifos no original): Resposta: A resposta será baseada em perícia efetuada em 27 de julho de 2022, sendo assim, há 2 anos 4 meses e 9 dias. O fármaco pleiteado, miglustate, é o único medicamento aprovado para o tratamento da doença que acomete o autor, como bem colocado na referida nota técnica emitida em 05/09/2023, há 1 ano e 4 meses, com base em negativa de incorporação ao SUS, pela CONITEC, em 2019, sendo assim, em total descompasso com a evolução dos estudo da droga pretendida. Os trabalhos científico corroboram com a eficácia e segurança do fármaco pleiteado, sendo que aprovado pela ANVISA e notas técnicas emitidas pelo NAT-Jus favorável ao fornecimento (https://www.trf3.jus.br/documentos/natjus/notas_tecnicas/NT_Doenca_de_Niemann_Pick_Tipo_C-Miglustate_11-01-21.pdf), https://www.tjdft.jus.br/informacoes/notas-laudos-e-pareceres/natjus-df/3648.pdf. Coloco breves referências da literatura atualizada, com publicações de 2024, para apreciação, também considerando que a ANVISA já aprovou o uso do fármaco: - Evaluation of the safety and efficacy of miglustat for the treatment of Chinese patients with Niemann-Pick disease type C: A prospective, open-label, single-arm, phase IV trial; https://doi.org/10.5582/irdr.2024.01056. Este estudo demonstrou a estabilização da doença em pacientes chineses com SNP que receberam miglustate. ClinicalTrials.gov (NCT03910621). - Supranuclear Palsy as an Initial Presentation of the Adult-Onset Niemann-Pick Type C. Neurol. Int. 2024, 16(3), 561-566; https://doi.org/10.3390/neurolint16030042. Miglustate é a primeira terapia específica para a doença que tem sido usada para desacelerar e prevenir as manifestações neurológicas de NP-C. Melhores resultados em termos de minimização dos sintomas neurológicos podem ser estabelecidos pela redução do tempo entre a apresentação inicial dos sintomas e o início do tratamento. - A Potentially Treatable Genetic Disorder Which Presented with Neuropsychiatric Involvement and Drug-Resistant Focal Epilepsy: Niemann-Pick Disease Type C. Arch Neuropsychiatry 2024;61:99−100 EDITORIAL. https://doi.org/10.29399/npa.2871 A resposta à terapia com miglustate tem sido notavelmente favorável, mesmo nesta fase tardia. - Advances in research on potential therapeutic approaches for Niemann-Pick C1 disease. REVIEW article. Front. Pharmacol., 27 August 2024 https://www.frontiersin.org/journals/pharmacology/articles/10.3389/fphar.2024.1465872/full - Rosenberg's Molecular and Genetic Basis of Neurological and Psychiatric Disease, Volume 1, 2025, Pages 559-569 - Chapter 36 - The Niemann–Pick diseases. https://doi.org/10.1016/B978-0-443-19041-4.00064-9 A terapia de reposição enzimática (Xenpozyme) está disponível em todo o mundo para o tratamento das características não neurológicas da ASMD (deficiência de esfingomielinase ácida), enquanto uma terapia de redução de substrato aprovada (Zavesca) está disponível para SNP tipo C na UE e em alguns outros países. Outras fontes consultadas https://www.gov.br/conitec/pt-br/assuntos/noticias/2020/abril/ministerio-da-saude-aprova-ddt-para-pacientes-com-niemann-pick-tipo-c -Conclusão: Autor portador de doença rara, que estava em uso de miglustate desde 08/2021, com referência de não progressão do quadro neurológico, na ocasião da perícia (2022). A melhora teria sido evidenciada pelos ganhos na fonação e na deglutição, assim como, melhora dos movimentos oculares anormais. Com a continuidade, espera-se que a doença tenha um curso mais lento e, com a retirada, que ela progrida até o óbito de fomar ainda mais precoce. Como visto, o medicamento pleiteado revela-se adequado, sendo o único composto aprovado para o tratamento da Doença de Niemann-Pick tipo C1 (CID E75.2) no Brasil, na Europa, nos Estados Unidos e em diversas outras localidades. Registro, ainda, que o referido fármaco possui registro específico na ANVISA para essa indicação terapêutica. Ainda que o parecer exarado pela CONITEC tenha sido desfavorável à incorporação do MIGLUSTATE ao SUS, cumpre destacar que tal avaliação data de 2019 e não reflete os avanços científicos mais recentes acerca da eficácia da terapia, conforme apontado pela perícia médica, que classificou o parecer como estando “em total descompasso com a evolução dos estudos da droga pretendida”. Importa salientar que o paciente em questão faz uso contínuo do medicamento desde 2021, por força de decisão liminar, e apresenta melhora clínica documentada, conforme laudo pericial constante nos autos. A interrupção abrupta do tratamento, especialmente diante da estabilização clínica obtida ao longo dos últimos quatro anos, configuraria retrocesso terapêutico grave, com riscos concretos e iminentes à saúde e à integridade neurológica do paciente, o que contraria os princípios da dignidade da pessoa humana, da proteção integral e da vedação ao retrocesso em matéria de direitos fundamentais à saúde. Ressalte-se, ademais, que o deferimento da medicação é anterior à fixação da tese firmada pelo STF no Tema 1234, não incidindo, portanto, os efeitos vinculantes ali estabelecidos. À vista de todo o exposto – da inexistência de alternativas terapêuticas registradas, da anuência sanitária nacional e internacional, da eficácia clínica comprovada, da longevidade do tratamento e do risco de agravamento com a descontinuidade – é imperiosa a manutenção da tutela jurisdicional concedida, garantindo-se ao autor a continuidade do acesso ao único medicamento eficaz e aprovado para o tratamento da moléstia que o acomete. Em assim sendo, é de se reconhecer o acolhimento da tutela jurisdicional buscada pela parte autora. 2.3. RESPONSABILIDADE PELO FORNECIMENTO E RESSARCIMENTO ENTRE OS ENTES PÚBLICOS. O STF, no julgamento do Tema 1.234, afastou a presente matéria do tema 793 da Corte e homologou acordo interfederativo que, em um de seus pontos, tratou detalhadamente sobre a repartição da responsabilidade pelo custeio de medicamentos incorporados ou não incorporados adquiridos pela via judicial. Veja-se: III – Custeio 3) As ações de fornecimento de medicamentos incorporados ou não incorporados, que se inserirem na competência da Justiça Federal, serão custeadas integralmente pela União, cabendo, em caso de haver condenação supletiva dos Estados e do Distrito Federal, o ressarcimento integral pela União, via repasses Fundo a Fundo (FNS ao FES), na situação de ocorrer redirecionamento pela impossibilidade de cumprimento por aquela, a ser implementado mediante ato do Ministério da Saúde, previamente pactuado em instância tripartite, no prazo de até 90 dias. 3.1) Figurando somente a União no polo passivo, cabe ao magistrado, se necessário, promover a inclusão do Estado ou Município para possibilitar o cumprimento efetivo da decisão, o que não importará em responsabilidade financeira nem em ônus de sucumbência, devendo ser realizado o ressarcimento pela via acima indicada em caso de eventual custo financeiro ser arcado pelos referidos entes. 3.2) Na determinação judicial de fornecimento do medicamento, o magistrado deverá estabelecer que o valor de venda do medicamento seja limitado ao preço com desconto, proposto no processo de incorporação na Conitec (se for o caso, considerando o venire contra factum proprium/tu quoque e observado o índice de reajuste anual de preço de medicamentos definido pela CMED), ou valor já praticado pelo ente em compra pública, aquele que seja identificado como menor valor, tal como previsto na parte final do art. 9º na Recomendação 146, de 28.11.2023, do CNJ. Sob nenhuma hipótese, poderá haver pagamento judicial às pessoas físicas/jurídicas acima descritas em valor superior ao teto do PMVG, devendo ser operacionalizado pela serventia judicial junto ao fabricante ou distribuidor. 3.3) As ações que permanecerem na Justiça Estadual e cuidarem de medicamentos não incorporados, as quais impuserem condenações aos Estados e Municípios, serão ressarcidas pela União, via repasses Fundo a Fundo (FNS ao FES ou ao FMS). Figurando somente um dos entes no polo passivo, cabe ao magistrado, se necessário, promover a inclusão do outro para possibilitar o cumprimento efetivo da decisão. 3.3.1) O ressarcimento descrito no item 3.3 ocorrerá no percentual de 65% (sessenta e cinco por cento) dos desembolsos decorrentes de condenações oriundas de ações cujo valor da causa seja superior a 7 (sete) e inferior a 210 (duzentos e dez) salários mínimos, a ser implementado mediante ato do Ministério da Saúde, previamente pactuado em instância tripartite, no prazo de até 90 dias. 3.4) Para fins de ressarcimento interfederativo, quanto aos medicamentos para tratamento oncológico, as ações ajuizadas previamente a 10 de junho de 2024 serão ressarcidas pela União na proporção de 80% (oitenta por cento) do valor total pago por Estados e por Municípios, independentemente do trânsito em julgado da decisão, a ser implementado mediante ato do Ministério da Saúde, previamente pactuado em instância tripartite, no prazo de até 90 dias. O ressarcimento para os casos posteriores a 10 de junho de 2024 deverá ser pactuado na CIT, no mesmo prazo. De se pontuar que o STF estabeleceu a aplicabilidade imediata das teses acima firmadas, deixando claro que a modulação dos efeitos para processos ajuizados a partir da publicação da ata de julgamento (em 19/09/2024) alcança apenas a questão relativa à competência jurisdicional. Portanto, a União responde: a) integralmente pelo custeio dos medicamentos cujo valor da causa seja igual ou superior a 210 salários mínimos; b) por 80% do valor total pago por Estados e Municípios, no caso de tratamento oncológico em ações ajuizadas até 10/06/24; o ressarcimento das ações posteriores será pactuado na CIT; c) por 65% dos desembolsos de Estados e Municípios decorrentes de condenações oriundas de ações cujo valor da causa seja superior a 7 (sete) e inferior a 210 (duzentos e dez) salários mínimos. O cumprimento pode ser exigido de qualquer ente federativo, ao passo que o ressarcimento - parcial ou total - em face da União, devido ao Estado ou Município, deve ser buscado na esfera administrativa, tudo nos exatos termos definidos no precedente supramencionado, inclusive consolidado na Súmula Vinculante n. 60 pelo STF. Por isso, tendo em vista a responsabilidade solidária, caberá: (a) à União o custeio do medicamento, ressalvado o direito de regresso do ente federal na hipótese de haver pactuação em comissão tripartite com distribuição diversa de competências (cf. art. 19-U da Lei nº 8.080/903), caso em que a compensação deverá ocorrer na esfera administrativa; (b) ao Estado de São Paulo caberá a obrigação de adquirir e fornecer o medicamento à(o) paciente. Destaca-se, que, também por conta da solidariedade, em caso de descumprimento da ordem judicial, eventual bloqueio de valores poderá ser direcionado contra o(s) corréu(s), sem prejuízo do eventual ressarcimento (ajuste) administrativo. 2.4. IMPOSSIBILIDADE DE VINCULAÇÃO AO NOME COMERCIAL (DCB). A Lei n. 9.787/99, ao estabelecer o medicamento genérico e dispor sobre a utilização de nomes genéricos em produtos farmacêuticos, proibiu as aquisições de medicamentos e prescrições médicas, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS, pelo nome comercial. Assim, cabe ao poder público observar na aquisição dos medicamentos a Denominação Comum Brasileira (DCB) - denominação do fármaco ou princípio farmacologicamente ativo aprovada pelo órgão federal responsável pela vigilância sanitária ou, em sua falta, a Denominação Comum Internacional (DCI) recomendada pela organização Mundial de Saúde (art. 3º, incisos XVIII e XVX, da Lei 6.360/76 - com redação dada pela Lei n. 9.787/99). 2.5. CONTRACAUTELAS. Estabeleço as seguintes contracautelas, próprias da excepcionalidade do caso em exame: a) necessidade de renovação da receita médica a cada 3 (três) meses, com informações acerca da evolução do tratamento, controle da doença e/ou sintomas, assim como no que pertine a imprescindibilidade da medicação; b) Apresentação de dados atualizados do paciente e de seu advogado à Gerência de Saúde responsável pela entrega dos medicamentos, como endereço residencial e/ou profissional, endereço eletrônico e telefone; c) devolução, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, dos medicamentos/insumos excedentes ou não utilizados, a contar da interrupção/suspensão do tratamento. Ficam os entes públicos réus autorizados a suspender o fornecimento da tecnologia acaso sonegadas, injustificadamente, quaisquer informações dentre as estabelecidas acima. 2.6. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. A verba honorária decorrente da sucumbência não deve ser fixada com base no valor da causa, uma vez que a pretensão deduzida em juízo não possui natureza eminentemente pecuniária. Ainda que o custo do medicamento seja quantificável economicamente, o que se busca é a efetivação do direito à saúde — um direito fundamental de natureza personalíssima, intimamente relacionado à dignidade da pessoa humana, que não integra o patrimônio jurídico sob a ótica econômica. Essa natureza jurídica é evidenciada pelo fato de que tal direito não é transmissível aos herdeiros, tampouco integra a base de cálculo para fins de imposto de renda. Trata-se, portanto, de pretensão desprovida de conteúdo patrimonial direto. Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema Repetitivo 1.313, firmou entendimento no sentido de que, nas ações em que se discute o fornecimento de medicamentos ou tratamentos de saúde, os honorários advocatícios sucumbenciais devem ser fixados com base nos critérios de equidade, nos termos do §8º do art. 85 do CPC, não se aplicando, nesses casos, os limites mínimos estabelecidos no §8-A do mesmo artigo. Assim, fixo os honorários advocatícios no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), a serem atualizados monetariamente pela variação da taxa SELIC, nos termos do art. 3º da Emenda Constitucional nº 113/2021, a partir desta data até o efetivo pagamento. Sucumbente, condeno os réus ao pagamento do referido valor, a título de honorários advocatícios, em favor da parte autora, na forma pro rata. 2.7. CUMPRIMENTO PROVISÓRIO. Em caso de descumprimento da tutela de urgência concedida, deverá a parte autora promover o cumprimento provisório de sentença por dependência a estes autos, a fim de evitar tumulto processual. 3. DIPOSITIVO. Ante o exposto, afasto as preliminares invocadas pelos réus, confirmo a tutela de urgência e julgo PROCEDENTES os pedidos formulados na presente ação, resolvendo o mérito nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil, para condenar os réus a obrigação de fornecer em favor da parte autora o medicamento Miglustate 100mg (Zavesca®), 2 comprimidos 3 vezes aos dias, na dosagem indicada pelo médico assistente. Deverão ser observadas pela parte autora as contracautelas fixadas na presente sentença. Fica estabelecida como forma inicial de cumprimento de sentença a seguinte: aquisição e fornecimento pelo Estado de São Paulo e custeio pela União. Em caso de descumprimento da tutela de urgência concedida, deverá a parte autora promover o cumprimento provisório de sentença por dependência a estes autos, a fim de evitar tumulto processual. Custas ex lege (artigo 4º, inciso I e II, da Lei n. 9.289/96). Honorários nos termos da fundamentação. Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se. Opostos eventuais embargos de declaração com efeitos infringentes, dê-se vista à parte contrária, nos termos do art. 1.023, §3º, do CPC. Havendo interposição de recurso, intime-se a parte contrária para apresentação de contrarrazões, nos termos do art. 1010, § 1º, do CPC. Juntadas as respectivas contrarrazões e não havendo sido suscitadas as questões referidas no §1º do art. 1009 do CPC, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Caso suscitada alguma das questões referidas no §1º do art. 1.009 do CPC, intime-se o recorrente para manifestar-se, no prazo previsto no §2º do mesmo dispositivo. Transitada em julgado esta sentença, dê-se baixa nos autos. Ourinhos, na data em que assinado eletronicamente. ANDRÉIA LOUREIRO DA SILVA, Juíza Federal Substituta. [1] Fonte: http://antigo-conitec.saude.gov.br/images/Relatorios/2019/Relatorio_miglustate_Niemann_Pick_465_2019_FINAL.pdf
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