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Elizeu Dos Santos x Banco Bmg Sa

ID: 281010703

Tribunal: TJPR Órgão: 2ª Vara Cível de Apucarana Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 0012646-20.2022.8.16.0044

Data de Disponibilização: 27/05/2025

Polo Ativo:

ELIZEU DOS SANTOS

Polo Passivo:

BANCO BMG SA

Conclusão

Advogados:

DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA

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DANIEL MOURA JUNIOR

OAB/PR XXXXXX Desbloquear

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DE APUCARANA 2ª VARA CÍVEL DE APUCARANA - PROJUDI Tv. João Gurgel de Macedo, 100 - Vila Formosa - Apucarana/PR - CEP: 86.800-710 - Fone: (43) 3423-0199 - … PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DE APUCARANA 2ª VARA CÍVEL DE APUCARANA - PROJUDI Tv. João Gurgel de Macedo, 100 - Vila Formosa - Apucarana/PR - CEP: 86.800-710 - Fone: (43) 3423-0199 - E-mail: APU-2VJ-E@tjpr.jus.br Autos nº. 0012646-20.2022.8.16.0044 Processo: 0012646-20.2022.8.16.0044 Classe Processual: Procedimento Comum Cível Assunto Principal: Cartão de Crédito Valor da Causa: R$24.733,84 Autor(s): ELIZEU DOS SANTOS Réu(s): BANCO BMG SA SENTENÇA Vistos 1. RELATÓRIO Trata-se de “Ação Ordinária – Contrato de Reserva de Margem Maculado / Viciado – Repetição de Indébito e Danos Morais” proposta e assim nominada por ELIZEU DOS SANTOS em face de BANCO BMG S.A. Na inicial, relata o autor, em síntese, que recebe benefício previdenciário do INSS (aposentadoria por tempo de contribuição) e, nessa qualidade, buscou o banco requerido a fim de efetivar a contratação de empréstimo consignado tradicional. Todavia, na ocasião, aduz que foi ludibriada e induzida a contratar limite/saque de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC). Afirma que não recebeu as informações necessárias quando da pactuação do contrato, havendo vício de consentimento. Ademais, informa que o banco requerido tem realizado a retenção de margem consignável no percentual de 5% sobre o valor de seu benefício previdenciário, o que corresponde à quantia de R$ 79,51 (setenta e nove reais e cinquenta e um centavos). Pontua, ainda, que, em 02/2017, foi disponibilizado ao autor crédito de R$ 2.180,00 e, até 10/2022, o requerente já havia adimplido a quantia de R$ 4.861,78, contudo, não há previsão de término dos pagamentos. Requereu a declaração de nulidade do contrato objeto da lide, o cancelamento de todos os descontos que incidem sobre seus proventos, bem como a devolução em dobro dos valores debitados indevidamente de seu benefício previdenciário e a condenação da parte ré ao pagamento de compensação financeira por danos morais. Juntou procuração e documentos (seq. 1.2-1.12). Analisada a inicial, indeferiu-se o pedido de concessão da assistência judiciária gratuita, ocasião em que a parte autora foi intimada ao recolhimento das custas iniciais (seq. 12.1). Contra a decisão, interpôs-se agravo de instrumento (seq. 15.1), que restou provido (seq. 16.1). Citado, o requerido apresentou contestação (seq. 21.1) arguindo, preliminarmente, a falta de interesse processual, necessidade de aplicação de multa ao autor por ausência na audiência de conciliação, ocorrência de decadência do direito, requerendo, ainda, a revogação dos benefícios da assistência judiciária gratuita. No mérito, ponderou que o autor firmou termo de adesão de cartão de crédito com reserva de margem consignável, ocasião em que teve plena ciência da modalidade de contratação. Sinaliza que o contrato foi devidamente assinado pelo reclamante, o qual teve ciência da cobrança de reserva de margem consignável, taxa de juros pactuada etc. Informa, ainda, que o autor realizou vários saques com o referido cartão de crédito, de modo que inexiste qualquer ilegalidade na contratação. Pugna pela improcedência dos pedidos e condenação do autor nas penas da litigância de má-fé. Juntou procuração e documentos (seq. 21.2-21.4 e 22.2-22.4). Réplica no seq. 32.1. Instados a se manifestarem sobre as provas que pretendiam produzir, ambas as partes pugnaram pelo julgamento antecipado da lide (seq. 38.1 e 40.1). A parte autora foi intimada a promover à regularização da representação processual (seq. 52.1), o que foi cumprido no seq. 57.1. Converte-se o julgamento em diligência (seq. 72.1), a fim de que o banco requerido fizesse alguns esclarecimentos quanto às provas documentais colacionadas junto à contestação, o que foi cumprido no seq. 82.1. Vieram os autos conclusos. É a síntese do necessário. Fundamento e decido. 2. FUNDAMENTAÇÃO DO JULGAMENTO ANTECIPADO Observo que o feito desafia julgamento de forma antecipada, na medida em que a matéria aqui debatida é unicamente de direito, fazendo-se desnecessário, por conseguinte, a produção de qualquer meio probatório para sua resolução. Assim sendo, na forma do que dispõe o art. 355, I, do CPC, assinalo ser possível o julgamento da lide de forma antecipada. DAS PRELIMINARES - Da Ausência De Interesse Processual Sem maiores delongas, afasto a preliminar arguida, na medida em que a ausência de prévio requerimento administrativo não configura óbice ao ajuizamento da demanda em discussão, sob pena de expressa afronta ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, esculpido no art. 5°, XXXV, da CF/88. - Da Multa Por Ausência na Audiência de Conciliação Deixo de analisar o pedido do requerido, uma vez que, ao que se colhe dos autos, sequer foi designada audiência de conciliação no presente caso, inclusive, na decisão inicial, houve a dispensa do ato pelo juízo. - Da Impugnação à Concessão dos Benefícios da Assistência Judiciária Gratuita Insurge-se, ainda, o requerido a respeito da concessão das benesses da assistência judiciária gratuita ao autor, sob o argumento de que a parte detém as necessárias condições para suportar as custas processuais devidas no feito. A preliminar, todavia, não merece acolhimento. Isto porque, para que haja o conhecimento das razões relativas à suposta inexistência de hipossuficiência econômica, suficiente a ensejar a revogação das benesses da gratuidade da justiça, necessário se faz a apresentação de provas concretas que demonstrem a existência de suficiência econômica por parte do requerente. In casu, o requerido deixou de apresentar quaisquer documentos hábeis a embasar a alegação de indevida concessão das benesses da gratuidade da justiça ao requerente, posto que não trouxe qualquer prova das alegações, ônus que lhe incumbia. Portanto, não há razões para se afastar a decisão proferida pelo juízo quando do deferimento do benefício, sobretudo porque, na oportunidade, levou-se em consideração a situação econômica deficitária efetivamente demonstrada pelo integrante do polo ativo. Desse modo, não há razões para se afastar a análise já devidamente realizada nos autos e, em razão disso, indefiro o pedido de revogação do benefício de assistência judiciária gratuita ao demandante. - Da Decadência Sustenta a parte requerida a decadência do direito do autor de pleitear a nulidade do contrato objeto dos autos, na medida em que, no presente caso, seria aplicável o prazo decadencial de 04 anos, conforme artigo 178, do Código Civil. Sem razão, no entanto. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que “a decadência não se opera quando a violação do direito é de trato sucessivo, ou seja, o ato impugnado é repetido mensalmente” (AgInt no MS 23.862/DF, Rel. Ministro Herman Benjamin, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/04/2018, DJe 20/11/2018). Portanto, considerando que a relação estabelecida no contrato de cartão de crédito ora em análise é de trato sucessivo, não há que se falar em decadência do direito de anulação do contrato e de restituição dos valores supostamente cobrados. Nesse sentido, inclusive: RECURSO INOMINADO. BANCÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL C/C COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO EM DOBRO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO PELA MODALIDADE CARTÃO DE CRÉDITO. RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. CONTRATAÇÃO IRREGULAR. AUSÊNCIA DE DESBLOQUEIO DO CARTÃO. SERVIÇO NÃO UTILIZADO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. DECLARADA NULIDADE DE CLÁUSULA ABUSIVA E RECONHECIDA A INEXIGIBILIDADE DOS DÉBITOS DELA DECORRENTES. DETERMINADA A COMPENSAÇÃO DOS VALORES INDEVIDAMENTE DEDUZIDOS COM O MONTANTE CREDITADO EM FAVOR DO AUTOR, SENDO DEVIDA A RESTITUIÇÃO DOBRADA DOS VALORES PAGOS À MAIOR. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO EM R$5.000,00 (CINCO MIL REAIS). INSURGÊNCIA RECURSAL DA RÉ. PRELIMINARES AFASTADAS. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. APLICAÇÃO DO PRAZO DECENAL. DECADÊNCIA NÃO VERIFICADA. OBRIGAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO QUE NÃO SE SUBMETE A PRAZO DECADENCIAL. ALEGAÇÃO DE REGULARIDADE CONTRATUAL. INOBSERVÂNCIA. VERIFICADA A ABUSIVDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL QUE PERMITE O DESCONTO CONTÍNUO DO MÚTUO PARA PAGAMENTO DE FATURA MÍNIMA DE CARTÃO SEM TERMO CERTO. CONDUTA CONTRÁRIA À BOA-FÉ OBJETIVA. INOBSERVÂNCIA AO DEVER INFORMACIONAL. VICIO DE VONTADE CONSTATADO. CONDENAÇÃO MANTIDA. DANOS MORAIS DEVIDOS. QUANTUM INDENIZATÓRIO QUE NÃO COMPORTA MINORAÇÃO. OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. PREQUESTIONAMENTO. DESNECESSIDADE. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. Recurso conhecido e desprovido. (TJPR - 3ª Turma Recursal - 0042905-25.2021.8.16.0014 - Londrina - Rel.: JUIZ DE DIREITO DA TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS FERNANDO SWAIN GANEM - J. 13.02.2023) (TJ-PR - RI: 00429052520218160014 Londrina 0042905-25.2021.8.16.0014 (Acórdão), Relator: Fernando Swain Ganem, Data de Julgamento: 13/02/2023, 3ª Turma Recursal, Data de Publicação: 27/02/2023) (grifei) Dito isto, rejeito a prefacial de decadência suscitada pela parte requerida. - Da Aplicação do Código de Defesa do Consumidor e Inversão do Ônus da Prova Sobre o Código de Defesa do Consumidor, é de se ressaltar, primeiramente, que os negócios jurídicos bancários/financeiros sofrem incidência do CDC, tanto por força de expressa previsão legal (art. 3º, §2º, da Lei Consumerista), quanto do entendimento uníssono da jurisprudência pátria Com efeito, é pacífico o posicionamento de que as instituições financeiras, ao prestarem serviços relacionados à concessão de crédito, portam-se da forma descrita pelo art. 3º da referida Lei e, assim, são consideradas fornecedoras de serviços. A Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça sedimentou tal entendimento: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.” Nesse contexto, não há que se demonstrar a vulnerabilidade in concreto, eis que os métodos contratuais massificados, como o contrato de adesão, importam necessariamente na vulnerabilidade, na mitigação da liberdade de contratar, daí os reclamos à incidência do Código de Defesa do Consumidor. Destarte, é de incidir a Legislação Consumerista ao caso em tela, no que couber. Ademais, impera destacar que, de acordo com o contido no art. 6º, VIII, do CDC, a inversão do ônus da prova poderá ser deferida nos casos em que a alegação do consumidor for verossímil ou quando ele for tecnicamente hipossuficiente. A verossimilhança das alegações que justifica o preenchimento do requisito constante da norma consumerista se dará nas hipóteses em que às ponderações fáticas apresentadas pelo consumidor são aparentemente verdadeiras, tomando por base, para essa análise, as máximas de experiência, ou seja, aquilo que costuma ocorrer em situações similares à narrada na inicial, independentemente de qualquer prova a seu respeito. Quanto a hipossuficiência prevista na norma consumerista, calha destacar que ela não está ligada a insuficiência ou deficiência econômica do consumidor, mas sim de sua vulnerabilidade técnica no acesso às provas necessárias ao deslinde da controvérsia existente na demanda. Nas palavras do saudoso Rizzatto Nunes: O significado de hipossuficiência do texto do preceito normativo do CDC não é econômico, é técnico. A vulnerabilidade, como vimos, é o conceito que afirma a fragilidade econômica do consumidor e também técnica. Mas hipossuficiência, para fins da possibilidade de inversão do ônus da prova, tem sentido de desconhecimento técnico e informativo do produto e do serviço, de suas propriedades, de seu funcionamento vital e/ou intrínseco, de sua distribuição, dos modos especiais de controle, dos aspectos que podem ter gerado o acidente de consumo e o dano, das características do vício etc (Curso de direito do consumidor. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 854). Assim sendo, a hipossuficiência que justifica a inversão do ônus da prova somente se verificará quando restar demonstrado que o consumidor não detém meios suficientes para provar o direito alegado, porquanto não tem acesso às técnicas utilizadas pelo fornecedor do produto ou pelo prestador de serviços. In casu, despicienda a inversão do ônus probatório, haja vista que, além de o autor ter indicado os eventuais abusos praticados pela ré, inexiste qualquer vulnerabilidade técnica no acesso das provas necessárias ao deslinde da controvérsia existente na demanda, sobretudo por se tratar de questão que pode ser resolvida exclusivamente pela análise da documentação acostada ao feito. Logo, não há que se falar em inversão do ônus da prova, embora aplicável à hipótese o Código de Defesa do Consumidor. Diante de tais ponderações, o ônus probatório reger-se-á pelo disposto no art. 373 do CPC, incumbindo à parte autora comprovar os fatos constitutivos de seu direito e a instituição financeira ré quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da parte autora. Não há outras preliminares a serem analisadas nem nulidades a serem sanadas, pelo que passo ao exame do mérito. DO MÉRITO Analisando-se o caderno processual, vê-se que a controvérsia cinge-se em saber qual a modalidade contratual celebrada entre as partes e a existência e extensão dos danos materiais e morais reclamados pela parte autora (porventura existentes). Compulsando-se os documentos colacionados pelo requerido no seq. 21.4, verifica-se que as partes, no dia 07.08.2015, firmaram o contrato denominado “TERMO DE ADESÃO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO EMITIDO PELO BANCO BMG E AUTORIZAÇÃO PARA DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO”, devidamente assinado pela parte autora. O instrumento contratual é claro a respeito da modalidade da operação, eis que consta, já no cabeçalho, tratar-se de adesão ao cartão de crédito consignado, bem como, no item “IV – Características do Cartão de Crédito Consignado”, o valor consignado para pagamento do valor mínimo indicado na fatura mensal (R$ 67,04), assim como os encargos incidentes sobre a operação. Além disso, vê-se que a parte autora solicitou o valor de R$ 160,99 (seq. 21.3, na data de 01.06.2016, que foi confirmado, inclusive, no áudio disponibilizado no link descrito na contestação. E, após o primeiro saque, constata-se que o autor realizou ao menos mais 3 (três) saques complementares, nos valores de R$ 793,77 (18.09.2019), R$ 176,66 (02.05.2020), R$ 133,27 (28.07.2020), conforme comprovantes inseridos no seq. 21.2-21.3. Diante dessa circunstância, não é crível a alegação do autor, no sentido de que foi induzido em erro e que o instrumento não continha as informações necessárias quanto à modalidade contratada, notadamente em razão das características que são próprias do cartão de crédito consignado e que não se confundem - tampouco se alinham - com àquelas inerentes ao empréstimo consignado (tradicional). Como cediço, no empréstimo consignado convencional/tradicional, não há a possibilidade de o consumidor solicitar “saque complementar”, como ocorreu na espécie, de forma que a repetição do mútuo pela requerente demonstra inequívoca ciência acerca da modalidade contratada, não havendo que se falar, portanto, em violação ao direito de informação. Não há, portanto, como se acolher a alegação do autor de que não tinha conhecimento dos termos acordados e que, ao invés de estar contratando empréstimo consignado, contratou cartão de crédito consignado (fundamento de fato e de direito empregado para embasar a nulidade da pactuação), afinal, conforme visto alhures, além de ter assinado instrumento contratual com as devidas especificações da modalidade contratada, realizou diversos saques complementares, ou seja, ciente da operação contratada, dela se beneficiou todas as vezes em que sentiu necessidade financeira para tanto. Nesse contexto, colho entendimento do Tribunal de Justiça do Paraná: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS – DESCONTO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DECORRENTE DE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA – INSURGÊNCIA DA AUTORA – ALEGAÇÃO DE QUE PRETENDIA CONTRATAR EMPRÉSTIMO CONSIGNADO AO INVÉS DE CONTRATAR CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO – NÃO ACOLHIMENTO – AUSÊNCIA DE PROVA DE VÍCIO DE VONTADE OU DE FALHA NO DEVER DE INFORMAÇÃO – UTILIZAÇÃO DO CARTÃO PARA SAQUE COMPLEMENTAR QUE DEMONSTRA CIÊNCIA DO CONSUMIDOR ACERCA DA MODALIDADE CONTRATADA – CONTRATO VÁLIDO – DEMAIS PEDIDOS PREJUDICADOS – HONORÁRIOS RECURSAIS DEVIDOS – EXIGIBILIDADE SUSPENSA – SENTENÇA MANTIDA.RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJPR - 13ª C.Cível - 0005867-17.2020.8.16.0045 - Arapongas - Rel.: DESEMBARGADOR ROBERTO ANTONIO MASSARO - J. 25.03.2022) APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). ALEGAÇÃO DA AUTORA DE QUE FOI INDUZIDA A ERRO AO ACREDITAR QUE SE TRATAVA DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. VALIDADE DA CONTRATAÇÃO. TERMOS DO CONTRATO QUE DEIXAM CLARA A MODALIDADE CELEBRADA. TERMO DE ADESÃO AO REGULAMENTO DE CARTÃO DE CRÉDITO E CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO DO BANCO. TERMO DE CONSENTIMENTO ESCLARECIDO DO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. CLÁUSULA EXPRESSA AUTORIZANDO RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. CONTRATO CLARO E ASSINADO. CIÊNCIA INEQUÍVOCA. BANCO QUE COMPROVA A DISPONIBILIZAÇÃO DO VALOR CONTRATADO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJPR - 13ª Câmara Cível - 0001931-71.2021.8.16.0134 - Pinhão - Rel.: DESEMBARGADOR FABIO ANDRE SANTOS MUNIZ - J. 10.02.2023) (TJ-PR - APL: 00019317120218160134 Pinhão 0001931-71.2021.8.16.0134 (Acórdão), Relator: Fabio Andre Santos Muniz, Data de Julgamento: 10/02/2023, 13ª Câmara Cível, Data de Publicação: 10/02/2023). Frise-se, ainda, que o banco requerido, no seq. 21.2-21.4, acostou documentação suficiente a comprovar a efetiva disponibilização do montante emprestado para a parte autora, bem como que os saques foram realizados por meio do uso do cartão de crédito por ele contratado. Assim, tendo sido disponibilizado o montante emprestado e comprovado, pelo requerido, que a parte requerente utilizou o cartão de crédito fornecido, conclui-se pela legitimidade da contratação do cartão de crédito com reserva de margem consignável, não havendo motivos para se declarar a nulidade de qualquer cobrança efetuada pela parte requerida. Registre-se, ainda, por importante, da análise do contrato firmado entre as partes, é possível perceber que as cláusulas que estipulam a autorização para o desconto da reserva de margem consignável, taxas de juros e seu respectivo modo de cobrança estão redigidas de forma clara, com letras em tamanho não inferior a doze e em destaque, cumprindo-se as exigências previstas no art. 54, §§3º e 4º, do CDC. Assim, comprovada a validade do negócio jurídico firmado entre as partes e das cobranças efetuadas pela ré, outra não deve ser a solução senão a improcedência do pedido de reconhecimento de nulidade do contrato firmado entre as partes e, consequentemente, dos pleitos de repetição do indébito em dobro e compensação financeira por danos morais, uma vez que não restou comprovado nos autos qualquer atitude ilícita cometida pelo banco requerido. Ressalte-se, por oportuno, que a parte ré esclareceu, no seq. 82.1, que o único contrato pactuado pela parte autora foi o do seq. 21.4 (contrato ADE 38501729, na data de 07.08.2015), sendo que, em 2017, houve mera atualização do limite de saque do cartão de crédito oriundo do termo de adesão celebrado em 07.08.2015, o que não foi impugnado pelo autor e, portanto, tornou-se incontroverso nos autos, não havendo que se falar, portanto, em ausência de prova da contratação, uma vez que os documentos colacionados no seq. 21.4 demonstram, como dito alhures, a expressa anuência do autor com o contrato objeto dos autos. Dito isto, a improcedência dos pedidos aviados na inicial é medida que se impõe. Da Litigância de Má-fé De acordo com a parte requerida, a atitude da autora se insere às hipóteses do artigo 80, do CPC e, em vista disso, requer a condenação da requerente nas penas da litigância de má-fé. Em que pese a atitude da parte autora seja reprovável, para que haja condenação em litigância de má-fé, é necessária a subsunção do comportamento da parte às hipóteses previstas, de forma taxativa, nos incisos do artigo 80 do Código de Processo Civil e, além disso, impõe-se o efetivo prejuízo ocasionado ao adversário, bem como a constatação do dolo ou culpa grave, necessários para afastar a presunção de boa-fé que pauta, de regra, o comportamento das partes no decorrer do processo. No caso em tela, portanto, não se mostra presente o dolo ou culpa grave da parte autora, bem como não se demonstrou a existência de prejuízos à parte requerida, razão pela qual deixo de acolher o pleito do requerido. 3. DISPOSITIVO Ante o exposto, extinguindo o processo com a resolução do mérito, na forma do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, julgo improcedentes os pedidos aviados na inicial. Pelo princípio da causalidade e diante da sucumbência, condeno a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios ao procurador do requerido, estes que ora fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, § 2º, incisos I a IV, do Código de Processo Civil. Os valores devem ser corrigidos monetariamente a partir da presente data pela média dos índices INPC/IGP-DI, sobre os quais incidem juros de mora de 1% ao mês contados do trânsito em julgado. No entanto, a exigibilidade da referida verba de sucumbência fica suspensa, na forma do art. 98, §3º, do mesmo Código, diante do deferimento dos benefícios da assistência judiciária gratuita à parte autora (seq. 16.1). Havendo recurso, intime-se o apelado para apresentar contrarrazões no prazo legal. Após, sem necessidade de nova conclusão, remetam-se os autos ao E. Tribunal de Justiça, com as anotações, registros e homenagens de estilo, em observância ao disposto no art. 1.010, §3º, do Código de Processo Civil. Com o trânsito em julgado, cumpram-se, no que couber, as determinações do Código de Normas do Foro Judicial do Estado do Paraná, especialmente as previstas no artigo 484. Após o cumprimento, arquivem-se oportunamente os autos com as anotações e baixas necessárias. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Diligências necessárias. Datado e assinado digitalmente. ROGERIO TRAGIBO DE CAMPOS Juiz de Direito

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Ministério Público Do Estado Do Paraná x Carlos Eduardo De Azevedo Ferreira

ID: 277556985

Tribunal: TJPR Órgão: Vara Criminal de Laranjeiras do Sul Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO Nº Processo: 0005867-63.2022.8.16.0104

Data de Disponibilização: 23/05/2025

Polo Ativo:

MINISTéRIO PúBLICO DO ESTADO DO PARANá

Polo Passivo:

CARLOS EDUARDO DE AZEVEDO FERREIRA

Conclusão

Advogados:

GUSTAVO GANDIN

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GUSTAVO LUNELLI

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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DE LARANJEIRAS DO SUL VARA CRIMINAL DE LARANJEIRAS DO SUL - PROJUDI Rua Barão do Rio Branco, 3.066 - Centro - Laranjeiras do Sul/PR - CEP: 85.301-030 - Fo… PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DE LARANJEIRAS DO SUL VARA CRIMINAL DE LARANJEIRAS DO SUL - PROJUDI Rua Barão do Rio Branco, 3.066 - Centro - Laranjeiras do Sul/PR - CEP: 85.301-030 - Fone: (42) 3309 3840 - E-mail: ls-2vj-s@tjpr.jus.br Autos nº. 0005867-63.2022.8.16.0104 Processo: 0005867-63.2022.8.16.0104 Classe Processual: Ação Penal - Procedimento Ordinário Assunto Principal: Violência Doméstica Contra a Mulher Data da Infração: 21/07/2022 Autor(s): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ Vítima(s): CAROLINE LUCIANE CARNEIRO Réu(s): CARLOS EDUARDO DE AZEVEDO FERREIRA SENTENÇA I – RELATÓRIO. O Ministério Público do Estado do Paraná ofereceu denúncia (mov. 11.3) em desfavor de CARLOS EDUARDO DE AZEVEDO FERREIRA, imputando-lhe a prática das condutas capituladas no artigo 24-A, caput, da Lei 11.340/2006 (FATOS 01 e 03), por duas vezes, em continuidade delitiva, e no artigo 24-A, caput, da Lei 11.340/2006 c/c artigo 150, § 1º, do Código Penal (FATO 02), em concurso formal, pelos seguintes fatos: “FATO 01 Nos dias 12 e 13 de julho de 2022, em horário e local distintos, mas certo que neste município e Comarca de Laranjeiras do Sul/PR, o denunciado, CARLOS EDUARDO DE AZEVEDO FERREIRA, agindo com consciência e vontade, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, prevalecendo-se das relações domésticas e familiares, descumpriu decisão judicial proferida nos autos nº 001625-61.2022.8.16.0104, que concedeu à vítima CAROLINE LUCIANE CARNEIR medidas protetivas de urgência de proibição de aproximação da requerente e proibição de que com ela mantenha contato, por meio de qualquer meio, eis que enviou mensagens ofensivas à sua ex-companheira, chamando-a de ‘’marmita; mindinga; q dá por luz e água’’. FONTE: boletim de ocorrência (mov. 1.2), termo de declaração (mov. 1.14) e outros documentos (mov. 1.9 e 1.10). FATO 02 Em 21 de julho de 2022, em horário não especificado nos autos, na Rua XV de novembro. Nº 1669, centro, nesta cidade e comarca de Laranjeiras do Sul/PR, o denunciado CARLOS EDUARDO DE AZEVEDO FERREIRA, agindo com consciência e vontade, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, prevalecendo-se das relações domésticas e familiares, descumpriu decisão judicial proferida nos autos nº 001625-61.2022.8.16.0104, que concedeu à vítima CAROLINE LUCIANE CARNEIR medidas protetivas de urgência de proibição de aproximação da requerente e proibição de que com ela mantenha contato, por meio de qualquer meio, eis que entrou na casa de sua ex-companheira sem a autorização da vítima e passou a conversar sobre o filho do casal. Na ocasião, o denunciado entrou contra a vontade expressa de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências, de modo que invadiu o domicílio da vítima enquanto descumpria as medidas de proteção. FONTE: boletim de ocorrência (mov. 1.2, 1.3), termo de declaração (mov. 1.11), vídeo (mov. 1.17, 1.18), fotos (1.7) FATO 03 Em 26 de agosto de 2022, no período da noite, na Rua Marechal Cândido Rondon, nº 1879, centro, neste município e Comarca de Laranjeiras do Sul/PR, o denunciado CARLOS EDUARDO DE AZEVEDO FERREIRA, agindo com consciência e vontade, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, prevalecendo-se das relações domésticas e familiares, descumpriu decisão judicial proferida nos autos nº 001625-61.2022.8.16.0104, que concedeu à vítima CAROLINE LUCIANE CARNEIR medidas protetivas de urgência de proibição de aproximação da requerente e proibição de que com ela mantenha contato, por meio de qualquer meio, eis que se recusou a se retirar do estabelecimento Imperium Bar, mesmo ciente da determinação judicial de manter distância de sua ex-companheira, que estava no local na companhia de sua amiga. Infere-se que o denunciado descumpre reiteradamente as medidas protetivas, sendo certo que esta é a segunda vez que sobrevem informações acerca do descumprimento das Medidas Protetivas em favor de sua ex-companheira. FONTE: Termo de declaração (mov. 1.14 e 1.15), vídeos (mov. 1.16 e 1.18) e autos nº 0003132-57.2022.8.16.0104.” A denúncia foi recebida em 20/03/2024 (mov. 24.1). O acusado foi citado, pessoalmente, em 18/04/2024 (mov. 38.1), tendo apresentado Resposta à Acusação (mov. 46.1), por intermédio de advogado constituído nos autos, conforme instrumento de procuração (mov. 40.2). Decisão ratificando o recebimento da denúncia e designando audiência de instrução e julgamento (mov. 48.1). Realizada audiência, consoante termo de mov. 68.1, procedeu-se à oitiva da vítima, à colheita do depoimento de uma testemunha e realizou-se o interrogatório do réu (imagens e áudios aos movs. 69.2, 69.3 e 69.4). O juízo proferiu decisão declarando encerrada a instrução e concedendo às partes prazo para apresentarem Alegações Finais. O Ministério Público apresentou Alegações Finais (mov. 72.1), pugnando pela procedência da inicial acusatória, com a condenação do réu nos termos da denúncia. A Defesa apresentou Alegações Finais (mov. 77.1), pugnando pela absolvição do acusado com relação aos crimes de descumprimento de medida protetiva, com fundamento no artigo 386, incisos III e VII, do CPP. Sustenta que houve a revogação tácita dessas medidas, em razão de comportamento contrário da própria ofendida, que foi quem se aproximou e entrou em contato com o ora acusado. Quanto ao crime de violação de domicílio, requer a absolvição do réu, com base no artigo 386, inciso VII, do CPP. Alega que o acusado compareceu ao local em razão de mensagens alarmantes da vítima a respeito do estado de saúde do filho, estando ausente o dolo de invadir o domicílio da vítima. Juntou-se o Oráculo do acusado (mov. 78.1). Vieram-me os autos conclusos para sentença. É o relatório. Decido. II – FUNDAMENTAÇÃO. 1. Condições da Ação e Pressupostos Processuais Cumpre consignar, inicialmente, a presença das condições genéricas da ação (legitimidade ad causam, possibilidade jurídica do pedido/tipicidade aparente, interesse de agir/punibilidade concreta e justa causa – artigo 395 cumulado com o artigo 18 do Código de Processo Penal). Da mesma forma, estão presentes os pressupostos processuais de existência e validade. Deste modo, ausentes questões preliminares e prejudiciais a serem decididas, bem como de nulidades a serem saneadas, passo ao julgamento do mérito da presente demanda. 2. Mérito. 2.1. Do crime de descumprimento de medida protetiva de urgência descrito no Fato 01. Deflui do exame minucioso dos elementos probatórios carreados aos autos que NÃO merece prosperar a pretensão punitiva do Estado deduzida na peça inicial, uma vez que, em que pese a existência de prova da materialidade e de indícios de autoria, verifica-se que não foi cabalmente comprovada a existência de dolo na conduta do acusado. Desse modo, não se vislumbra, de forma indene de dúvida, a prática de qualquer conduta delituosa. Tal conclusão deriva especialmente da prova oral produzida em Juízo. A vítima, C. L. C., ouvida em Juízo, declarou (mov. 69.2): “... sim, nós fomos casados, tivemos uma união estável por cinco anos (a gente está tratando aqui, então, de alguns fatos envolvendo você e o Carlos Eduardo. Então, primeira pergunta, vocês namoraram, moraram juntos, qual que foi o relacionamento que vocês tiveram, C.). Foi em novembro de 2020 (e quando que acabou essa união estável, C.). Sim (depois que acabou essa união estável, você pediu medidas protetivas). O Carlos se tornou uma pessoa muito agressiva, e ele... E ele utilizava o nosso filho para tentar me controlar. Então, com todas as visitas da criança, ele ficava me mandando mensagens. E, às vezes, até usava algumas mentiras, dizendo que a criança estava passando mal, e eu chegava lá e nem estava. E aí eu precisei utilizar a medida por isso (por qual razão). Isso (vocês têm um filho em comum, é isso). Sim muitas vezes (então, aqui o primeiro fato, como eu falava, diz que nos dias 12 e 13 de julho de 2022, ele teria descumprido essa decisão judicial, que deferiu medidas protetivas para a senhora. Ele teria enviado mensagens ofensivas a senhora chamando de abre aspas marmita mendiga que dá por luz e água fecha aspas. Isso aconteceu). Sim até o final da nossa separação a gente tentava conversar que ele precisava ver o Pietro e eu tentava ter uma comunicação normal com ele só que essa comunicação foi se tornando, não tinha mais como sustentar todas as vezes que ele pegava o Pietro as ofensas eram cada vez piores. Aí eu precisei fazer a medida para ter alguém que intermediasse esse contato (tá, mas vamos entender aqui, a senhora mantinha contato com ele, ele mantinha contato com a senhora, como que era). Depois das medidas eu evitava ao máximo ter qualquer tipo de contato mas às vezes ele pegava o Pietro e me ligava. Às vezes de outros números e falava, olha o Pietro está passando mal aqui, e aí eu acabava indo ver e parece que ele se aproveitava desse fato (depois que a senhora teve as medidas deferidas para a senhora né a senhora continuou mantendo contato com ele ou não). Sim, ele sempre ia falar comigo (tá, mas era ele que ia falar com a senhora ou a senhora ia falar com ele). Sim (mesmo sendo proibido). Sim (e essa mensagem aqui que eu li pra senhora, ele mandou pra senhora mesmo). Sim, muitas vezes ele acabava fazendo isso, ele até arrombou a porta da casa, precisei sair da casa onde a gente morava por conta desses fatos, era uma coisa bem constante (o outro fato diz que um tempo depois desse primeiro fato que eu narrei pra senhora, foi dia 21 de julho de 22, o Carlos ele teria ele teria entrado na casa da senhora sem autorização da senhora e passado a conversar com sobre o filho do casal né, que é o Pietro né, que a senhora falou). Sim (ele entrou na casa da senhora sem autorização, sem a senhora autorizar). Ele pulava o portão da casa e entrava (e como é que ele entrou, por onde ele entrou). Isso, essa casa foi a casa que eu me mudei (Silene mostra para ela o movimento 1.7 por favor. Eu vou mostrar uma foto pra senhora agora, tá? Essa foto aqui da casa da senhora). Não, essa casa ele entrou depois, mas a casa que ele mais invadia era a casa que a gente morava junto (e foi essa a casa que ele invadia). Essa casa foi a casa que eu me mudei. A que ele mais invadia era a casa que nós tínhamos em comum que é a casa que ele mora hoje (a casa na rua 15 novembro 169. É essa ou é a outra). Essa é da casa da rua 15 de novembro (mas essa foto aqui é de qual casa). Isso, aham (e aqui quando ele invadiu a senhora morava sozinha e tinha as medidas protetivas é isso). Então, quando eu cheguei lá eu vi que ele tava lá e eu já me preparei para me retirar, mas aí fui assim, a minha amiga falou, não quem tem que se retirar ele, aí eu acabei entrando no bar, só que quando eu entrei ele já tava lá no fundo assim, aí que eu vi ele. E aí ele não se retirou e eu me retirei (o fato 3 diz que agora em agosto de 2022 ele descumpriu de novo a medida judicial, ele se recusou a sair do bar, mesmo ciente que ele não podia se aproximar da senhora e a senhora estava lá. Vamos entender o que aconteceu nesse dia. Esse dia do império tá? A senhora tava lá no império e ele chegou? Como é que foi?). Sim, ele viu que eu cheguei e ele fez assim para mim, tipo vai embora sai daqui ele (ele viu a senhora). Isso (ele ficou lá). Aham (ele ficou no local mesmo com a senhora lá). Fazem dois anos que ele não visita a criança e não temos nenhuma comunicação (como é que está a relação hoje). Não, graças a Deus, nunca mais (e também não procura a senhora). Foi novembro de 2020 (quando que houve a separação do casal mesmo). Não me recordo porque já faz alguns anos e eu não lembro da data exata (e você se recorda quando você fez a medida protetiva contra o Carlos? Em que ano). Passou um tempo após a separação (mas não foi logo depois da separação, foi um pouco antes, um pouco depois). Então, o Carlos começou a se tornar uma pessoa muito agressiva o tempo que a gente se separou principalmente quando a gente precisava separar as questões de bens organizar a pensão. Aí ele foi se tornando uma pessoa bem difícil (você tinha medo dele, tinha receio). Isso, aí nesse dia o Carlos me pediu por favor que ele queria conversar comigo, que ele queria voltar o nosso casamento, ele me pediu perdão, ele falou, por favor, tira essa medida protetiva, vamos voltar a ter nossa vida e eu como era muito boba ainda, recém-separada, eu achava ainda que tinha uma esperança e a única vontade que ele teve nesse dia foi de fazer esse vídeo para tirar a medida. Então ele falava assim para mim, C., se você tirar a medida protetiva, eu vou pagar a pensão (C., esse vídeo foi realizado quando já tinha medida protetiva. Eu queria saber o que você foi fazer na casa dele). Eu não tenho mais nenhuma mensagem com o Carlos (e por acaso você tem a mensagem que ele te enviou para você ir lá). Não (você tinha conhecimento que Carlos já estava namorando no começo de 2022). Eu nem me recordo mais de mensagem do Carlos. A única coisa que eu quero é que ele pague pelo que ele fez, porque ele foi uma pessoa muito agressiva e além de tudo ele era manipulador (não tinha conhecimento? Aquele movimento que você acabou de espelhar, Selene. Essas mensagens foi você que enviou para o Instagram da namorada do Carlos, atual esposa. Aquele @carolinecarnier ali embaixo, é o teu Instagram). Esse Instagram é meu sim (eu te perguntei se é teu Instagram ou não). Porque ele me incomodava muito (e por que você procurava mandar essas mensagens para ele). Sim, eu morei em Laranjeiras e precisei sair de Laranjeiras por causa do Carlos (você morava aqui em Laranjeiras). Eu tinha um espaço de terapia (e na época você tinha uma clínica, Undaline, isso). Tinha uma amiga minha que utilizava esse Instagram (o 46.7, Silene, uma breve passada, por favor. Você utilizava o Instagram da empresa para mandar mensagem para o Carlos). Inclusive que eu descobri depois que ela inclusive agora é amiga do Carlos. Então tem coisas que eu nem tenho conhecimento (a amiga mandava então). Quando ele me perguntava sim (você procurava mandar mensagens referente ao filho para Carlos). Em muitos momentos de fragilidade depois da minha separação algumas vezes eu falei com ele quando ele se usava dessa fala. E tudo isso era com o intuito simplesmente de tirar a medida (você nunca mandou esporadicamente preciso de você nesse momento, tá acontecendo isso, aquilo? Nunca mandou). Ele foi lá na minha casa aquele dia porque ele queria voltar e era tudo que ele falava. Quando ele queria que eu tirasse a medida... (por qual motivo o Carlos foi à sua casa aquele dia). Não [...] (então era por conta do relacionamento, não era por conta do filho, agora). Não (você naquele dia você não chamou ele). O que ele sempre fazia. Ele pulava o portão da casa, ele falava com quem que você tá aí? Vamos voltar? Tira essa medida, por favor (e o que aconteceu naquele dia? Ele foi lá e aconteceu o que? A gente só tem o vídeo de 10 segundos e a gente quer saber o que aconteceu). Eu já fui na casa dele por desespero. Por ele ligar em outros números e falar olha aqui a criança desmaiou, a criança tá passando mal. Eu era sozinha, era meu filho (você foi algumas vezes na casa dele depois da medida). Sim, eu entrei dentro da festa (naquele dia do império agora, quando você entrou no império você realizou uma comanda para consumo). Sim (e sobre a festa, acho que foi no dia 26 do 8 de 2022, era numa sexta-feira e você foi na delegacia na segunda-feira, certo). Não. Eu já liguei pra polícia muitas vezes, eles falavam simplesmente que não podiam (e você informou também no dia da delegacia que você chamou a polícia. A polícia foi até o local no dia). Eu não sei quem chegou primeiro porque eu só vi ele depois que eu já tava lá dentro (no dia da polícia civil lá, eles colocaram no boletim de ocorrência que você disse que chegou primeiro, então, antes do Carlos no império. Essa informação procede). Sim (eu vou só mostrar um vídeo rapidinho de 1.16 só para confirmar se é você chegando no local. Essa moça é você? Primeira). Eu não vi nenhum carro, simplesmente entrei na festa. E pelo que eu sei, por lei, quando o homem que comete a medida, ele vê a mulher, ele precisa se retirar do lugar por respeito (você sabia que carro que o Carlos tinha na época)...” A testemunha, Bruna Cristina Maurer, ouvida em Juízo, declarou (mov. 69.3): “... a gente... Eu e a C., a gente era amigas na época, em 2022. A gente trabalhou juntas também. A gente chegou a ser sócias proprietárias juntas, né? A gente trabalhava juntas. Ela era massoterapeuta. E, após o término dos dois, foi um relacionamento meio conturbado, né? Onde os dois faziam provocações entre eles, assim como um relacionamento normal. Era isso que eu acompanhava, né? Onde ambos acabavam se exaltando os ânimos ali, ambos se provocando, né? (Bruna, a gente está tratando de alguns fatos envolvendo o Carlos Eduardo e a C., né? Você acompanhou? Soube se o relacionamento depois que terminou, se o seu relacionamento foi tranquilo, se eles tiveram confusões, desentendimentos depois do fim do relacionamento). Sim (você sabe se a C. tinha medida protetiva contra o Carlos). Olha, doutor, ele chegou a ir, né? Mas ela não me contava se ela chamava ele pra ir lá ou como que acontecia. Mas já chegou várias vezes dele lá, né? Mas eu não tinha acesso, assim. Ela não me contava se ela chamava ou se ele ia por algum outro motivo, como eles têm filhos juntos, né? Então, eu não sabia se ela chamava ele pra alguma coisa a ver com o menino ou o quê. Mas, às vezes, ele ia, sim. Mas eu não tinha contato sobre isso, sabe? (você sabe se ele ia na casa dela contra a vontade dela? Se ele chegou a entrar na casa dela contra a vontade dela? Ela contou isso pra você). Nós chegamos juntas (você, pelo que consta aqui, estava junto com a C., ou estava no mesmo local, enfim, no Império, um bar aqui em Laranjeiras, no dia 26 de agosto de 2022. Então, vamos entender o que aconteceu nessa noite. Você chegou no bar junto com ela ou você se encontrou com ela lá). Sim (chegaram juntas). Sim (e você viu o Carlos Eduardo lá dentro). Ele já estava no local (quando vocês chegaram, ele já estava lá ou não deu pra precisar isso). Eu não lembro muito bem, doutor. Mas, quando a gente chegou ali, eu lembro que ela provocou ele, e ali ele provocou ela e os dois se provocaram, né? Mas, na parte dele, ele ficou mais calado do que ela, sabe? Os ânimos ali afloraram, né? Mas, ela provocou mais do que ele (e quando ele visualizou a C., né? O que ele fez). Mostrar o copo de bebida, em relação que ela estava lá e ele também estava lá, né? Eu acredito que talvez poderia ser ciúmes, porque ele já estava em outro relacionamento também, né? Então, seria mais isso, sabe? Mas, a gente, assim, acabou que não ficou muito tempo no local também (mas, a senhora fala provocar seria o quê). Isso, por conta da presença dele. Ela chegou lá e onde ela falou que ela tinha medida protetiva, né? E eu sou leiga nessa questão, então, eu não entendo em relação se quem chegou antes pode ficar ou quem chegou depois, em relação à medida protetiva. E eu lembro que ela queria que ele se retirasse do local e foi onde que eu acredito que, como ele chegou primeiro, ele não precisou se retirar do local e foi onde a gente se retirou, né? A gente acabou se retirando (por que vocês não ficaram no local muito tempo? Por conta da presença dele). Sim, ela ligou (você falou, quando foi ouvido na delegacia, que a C. ligou para a polícia. Você se recorda disso). Não me recordo, mas eu acredito que não, doutor. Na época, não foi (e a polícia foi até o local ou não). Não, ele permaneceu (o Carlos não saiu do Império, ele ficou lá dentro). A gente realizou, porque quando entrava no Império, só entrava com comanda, né? Mas eu não me recordo se a gente chegou a consumir alguma coisa, doutor (Bruna, você já respondeu alguns quesitos do Ministério Público. Eu só vou complementar. Vocês realizaram comanda antes de entrar no Império? O consumo). Que eu me recordo, eu acho que não. Não me lembro, não consigo me lembrar (antes de vocês entrarem no Império, por acaso, a C. tomou cuidado para ver se o carro do Carlos está ali? Alguma coisa nesse sentido ou não). Eu não consigo lembrar detalhadamente, doutor, mas eu lembro que a gente chegou no local e avistou ele. Ele estava no grupo de amigos, né? E ela acabou avistando ele e acredito que ali ela... Eu não lembro se foi ela que começou ou ele, mas ela que ergueu o copo, né? Ela ergueu o copo dizendo que estava lá, mas eu lembro que partiu dela (e assim, quando vocês chegaram, como é que foi a primeira provocação da C.). Eu não, eu não. Foi ela (você pediu para o Carlos se retirar da festa). Eu não consigo lembrar, doutor. Eu sei que ela foi várias vezes, pelo que ela contava, eu lembro que ela foi várias vezes, mas eu não consigo lembrar o que ela ia fazer, se ela ia agredir ele verbalmente (você tem conhecimento se ela ia até a casa do Carlos). Eu já fui uma vez para levar o Pietro, né? Para ele ficar com ele na casa, mas eu ficava no carro, eu ficava no carro (você nunca foi junto)...” O réu, Carlos Eduardo de Azevedo Ferreira, em sede de interrogatório, em juízo, declarou (mov. 69.4): “... acredito que foi em 2022, outubro de 2022, se não me engano (Carlos, desde o início, quando que vocês se separaram). Não me recordo, há uns três anos, três anos. É 2021, final de 2021, por aí (2022). Jamais, doutor. Tanto que eu me separei, Excelência, eu saí da casa, deixei a casa para ela, o financiamento era eu que pagava o valor da casa. Ela ficou na casa, eu atribuí o valor da pensão para a criança, tirei as minhas coisas da casa e foi isso. Fui procurar um local para mim (nessa separação, vocês tiveram algum... Sabemos que foi conturbada. Você teve alguma intenção de ferir, ameaçar a vítima em algum momento). Não me recordo, mas sei que fui intimado, mas não me recordo da data, doutor (você se recorda quando que você recebeu a intimação das medidas protetivas que ela fez contra o senhor). Quatro meses após o término do relacionamento (e qual que foi o período que você começou o relacionamento com sua atual esposa). Então, eu acredito, Excelência, eu nunca fui um cara agressivo com ela, eu acredito que tudo isso que ela fez com relação à medida protetiva, acredito ser para utilizar na justiça para me afetar, até atropelando os fatos, o caso do Império, eu cheguei lá era 10h34, se não me engano, não me recordo, ela chegou 11h04, ela chegou, Excelência, com o celular na minha cara, me filmando para mim sair de lá. Em outros ambientes, onde estava o carro dela, que era um HB20, que eu proporcionei na separação, a separação ficou para ela, esse carro, eu sabia que estava, eu saía, como a cidade é muito pequena, ela andava nos bares, nas baladas, para ver onde eu estava. Um fato aconteceu no Marechal, que eu vi que ela estava no Mistura Bar, estava lá, eu falei para minha mulher, vamos lá no Mistura, então a gente pega alguma coisa, nós vamos ficar no raio da porta, que a hora que ela entrar, a gente sai, e realmente, ela entrou nesse dia, ela entrou, estava no Marechal, ela entrou e eu me retirei, me retirei, ela deu tchau, ela e a Bruna deram tchau para nós e a gente foi embora. E esse fato do Império aconteceu e um dia eu liguei para minha esposa, minha atual esposa, namorada na época, falei, amor, você arruma um pouquinho antes, que pode ser que a C. queira sair hoje e nós vamos estar em um grupo de amigos, e daí para evitar que nós tenhamos que sair do bar. E nesse dia do bar, ela chegou, ela só chegou automaticamente, entre aspas, ela acreditando que ela ia lá, ficamos próximo da porta e ela chegou, ela chegou olhando, tirando o telefone da bolsa e me filmando. E daí a minha esposa Viviane falou, amor, vamos embora? Eu falei, não, amor, eu acho que a lei nos protege, porque nós chegamos primeiro. Ela chegou, tem câmeras do Império, vídeos do Império, dela próximo de nós, com o celular na nossa cara, filmando e falando para nós saírem. Eu falei, não, onde nós não vamos sair? Ela saiu de perto de nós, aí eu fui até o balcão e perguntei para o menino do balcão, do caixa, no caso, se saía o horário das comandas. Ele falou, sai. Eu falei, você pode imprimir a minha e a dela, então, por gentileza. Eles imprimiram. Como eu tinha chegado primeiro, eu me recusei a sair, Excelência. Em momento algum, eu agredi verbalmente ou falei algo para ela. Nesse dia, nada, não disse nada. Simplesmente, ela ligou para a polícia, a polícia não foi, aí ela foi para cima dos seguranças do bar e falaram para os seguranças do bar para me retirar do local. Eles vieram até mim e eu falei que não iria sair, porque eu era protegido por lei, porque eu tinha chegado primeiro. Mesmo assim, ela chamou a polícia, mesmo assim, ela não contente, não ficou contente da polícia ter dito, ela foi na delegacia na segunda-feira. Eu entendo pouco de lei, mas pelo que eu li sobre, quem tem medida protetiva, se você estiver em um ambiente público, quem tem que sair seria vítima, no caso. Não sei se é verdade isso ou não, Excelência, mas acredito que seja, pelo que eu li, na verdade. Então, por esse fato, eu não saí. Teve casos, por exemplo, dela ir na frente da minha casa com o carro, ela tendo medida protetiva e eu ligar para o meu compadre, mandar mensagem para o meu compadre, mandar mensagem para ela avisar que eu ia buscar a criança na creche. Ela está ciente que eu iria buscar a criança na creche e ela estar lá na frente. E eu tinha visto, me perdoe, mas eu vi um vídeo de uma juíza falando, viu, moço, se você tiver medida protetiva e encontrar a pessoa que tem medida protetiva em um deserto, corra sem parar. Eu entrei dentro do meu carro e fui parar lá dentro da minha casa, Excelência. Ela não contente, ela foi lá na frente. Eu acho que não sei se você colocou esses vídeos. Está no processo. Está no processo, comentou. Ela lá na frente, perguntei para a juíza o que fazer se ela fosse até a minha casa. Ela me orientou a ligar para a polícia. Eu liguei para a polícia, a polícia foi 15, 20 minutos depois, não me recordo. Fiz o boletim de ocorrência, Excelência, ela na frente da minha casa. Com relação ao meu filho, eu tentei várias vezes contato para vir, na verdade, mas não vou atropelar os fatos, vamos devagar, porque se eu não vou atropelar todos os fatos, vai ficar assim (e qual que foi a reação da C.). Fiz a comanda, exato (vamos continuar no império, Carlos. Então, no dia, você fez a comanda). Exato (assim que elas chegaram, já ficaram provocando. Eu falo elas, porque foi a Bruna e a C. junto). Somente a C., com o celular que chegou próximo de nós (a Bruna te provocou junto ou somente a C.). Eu não me lembro desse fato, eu me lembro de ela chegar com o celular próximo da minha cara, tanto da minha cara quanto da minha esposa (ela levantou a bebida para você). Nada (e você fez algum tipo de provocação). Não, não foi no local (a polícia foi no local ou não). É a C. e a Bruna (o movimento 1.16 Silene, por favor. Só para ver se você reconhece que era a C. e a Bruna chegando no local). Então, eu procurei bloquear o contato do celular, procurei não me aproximar dela, como a cidade é muito pequena, procurava me cuidar com relação a isso, pensando no fato de não ela querer me prejudicar. E na verdade, não sabia qual o motivo que ela estava fazendo isso, mas como ela fez, eu procurei seguir, né? (agora eu quero, vamos para o primeiro fato, que seria das mensagens. Então para a gente ir tentando atuar nos fatos. Então assim, você se recorda que recebeu a intimação e assim que você recebeu aquela intimação das medidas protetivas, o que você fez, Carlos? Você se recorda). Sim, o Instagram, até o dia do meu aniversário, eu estava em comemoração com a minha atual esposa. Ela me ligou mais de 60 vezes no número privado. Ela mandou foto do meu filho chorando, ela mandou um monte de mensagens (e ela, mesmo você bloqueando, ela tentava algum meio de contato com você). Exato (essa foto do seu filho chorando é essa imagem do 46.8, Carlos? Só o segundo, essa aqui, Carlos). Também (e assim, ela entrava em contato com você por meio do perfil comercial dela). Também (entrava em contato com você por meio da sua esposa? Instagram da sua esposa). Não, não fui eu que mandei essas mensagens (essas imagens do movimento 11.2, que é que embasou a denúncia, essas mensagens foi você que enviou, que pra ela você tem conhecimento). Não (não foi). Nunca (assim, ela mandava mensagem pra você, ela que tomava a frente, você já mandou mensagem pra ela alguma vez ou não). O meu filho, no caso. O meu filho... O meu filho tem autismo, Excelência. Meu filho tem autismo. Ela relata que eu não vejo o meu filho, mas eu tentei de várias formas uma separação amigável. Eu tentei de tudo pra trazer o bem-estar e conforto do meu filho. Fazia uns dois anos, Excelência, que eu não via o meu filho (agora, um assunto mais delicado, né? O que que ela fazia pra te desestabilizar? Porque a gente está vendo no processo, ela corria atrás de você. O que que ela fazia pra te desestabilizar? Ela usava alguma coisa? Além das mensagens de ciúmes que a gente observou, o filho). Excelência, ela me mandou foto da criança chorando. Me mandou mensagem dizendo que precisava de ajuda pra atender a criança. E eu fui até a casa, Excelência. Só que quando eu percebi, eu subi a escada, Excelência, ela morava num sobradinho, que assim, na parte de cima. Quando eu subi a escada, eu percebi que ela abriu a cortina e começou a filmar. Eu desci de volta e fui embora. Não houve contato com ela, nada. Embarquei no meu carro e fui embora. Foi isso que aconteceu (no dia que você apareceu lá na casa dela, tem um vídeo ali, isso é fato, certo? Por que você foi na casa dela). Exato (então foi por conta do filho. Por conta do meu filho. Então ela mandava mensagem que precisava de você pra, enfim, acudir seu filho e você ia correndo na hora). Uma vez ela foi à minha casa, mesmo tendo medida protetiva, tem os vídeos do dia que ela estava na minha casa, dentro da minha casa, pedindo pra voltar, que ela alega, ela alega que quem corria atrás dela era eu. Mas tem vídeos, eu filmando, ela dentro da minha casa pedindo pra voltar. Ela saiu nesse dia, dentro da minha casa, falando que ia se matar e ia matar o meu filho. Foi isso que ela falou pra mim (ela já ameaçou você de morte ou seu filho). Eu ia acudir o meu filho, justamente por isso (e quando, então, que ela mandava a mensagem pro seu filho, você ia acudir seu filho). Excelência, rapidinho, voltando a respeito do meu filho. O meu filho tem autismo, eu procurei o tratamento, ofereci o tratamento pra nós tratarmos aqui na cidade. Ela não quis. Ela propôs de tratar em Guarapuava. Eu me propus a pagar o tratamento neuropsicólogo, tanto que a gente teve acompanhamento, eu e a minha esposa com o psicólogo aqui. Enfim, ela não quis. Ela não quer esse acompanhamento meu próximo do meu filho (você tem mais alguma coisa pra relatar sobre esses fatos que eu não te perguntei e você queira relatar bem breve)...” Inicialmente, para fins de melhor aferição da linha do tempo, com o objetivo de se verificar quando foram deferidas as medidas protetivas de urgência em favor da vítima e quando ocorreram os supostos descumprimentos imputados ao acusado na denúncia, faz-se uma breve análise dos fatos. Nos autos nº 0001625-61.2022.8.16.0104, constata-se que a vítima registrou ocorrência (mov. 1.4), em 31/03/2022, solicitando medidas protetivas de urgência. Após parecer ministerial favorável (mov. 14.1), foi proferida decisão, em 07/04/2022, concedendo medidas protetivas de urgência em desfavor de CARLOS EDUARDO DE AZEVEDO FERREIRA e em favor da ora vítima, pelo prazo de 01 (um) ano (mov. 18.1). Para fins de melhor detalhamento, na referida decisão foram concedidas as seguintes medidas protetivas de urgência em favor da vítima: a) Proibição de aproximação da ofendida e seus familiares, em um limite mínimo de 200 metros; c) Proibição de manter contato com a ofendida e seus familiares, por qualquer meio de comunicação, inclusive telefone, redes sociais, “whatsapp”, “telegram”, ou através de terceiros; d) comparecimento quinzenal do agressor em programa de recuperação e reeducação, consistente no projeto “AMANHECER" – Grupo Reflexivo para Autores de Violência Doméstica e Familiar na Comarca de Laranjeiras do Sul/PR. f) Ademais, defiro o acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio, por meio do CRAS local. Oficie-se. O ora acusado foi intimado, pessoalmente, em 12/04/2022, da decisão concessiva das medidas protetivas de urgência (mov. 30.1). Em 05/05/2022, juntou-se ofício da autoridade policial comunicando suposto descumprimento da medida protetiva (mov. 32.1), acompanhado de termo de declaração (mov. 32.2) e boletim de ocorrência (mov. 32.3). Juntou-se, ainda, as imagens de movs. 35.1 a 35.8. O Ministério Público solicitou a designação de audiência de justificação (mov. 39.1), o que foi deferido pelo juízo (mov. 42.1), tendo sido realizada, consoante termo de mov. 53.1. O ora acusado prestou declarações consoante mov. 53.2, tendo sido, mais uma vez, instruído a respeito do cumprimento das medidas protetivas de urgência concedidas em seu desfavor. Em seguida, a Defesa do noticiado apresentou nos autos vídeos de aproximação voluntária feita pela vítima, áudio enviado pela vítima ao noticiado e uma carta enviada por ela ao noticiado (movs. 56.1 a 56.6). O Ministério Público, então, solicitou a designação de audiência para oitiva da vítima (mov. 61.1), o que foi deferido pelo juízo (mov. 65.1). Nesse ínterim, em 25/07/2022, juntou-se novo ofício da autoridade policial comunicando suposto descumprimento da medida protetiva (mov. 63.1), acompanhado de termo de declaração (mov. 63.2), prints do WhatsApp (movs. 63.3 e 63.4) e boletim de ocorrência (mov. 63.5). A Defesa do noticiado apresentou vídeos e mensagens sustentando a reaproximação voluntária da vítima (mov. 75.1 a 75.16). Ainda, em 29/08/2022, juntou-se novo ofício da autoridade policial comunicando suposto descumprimento da medida protetiva (mov. 87.1), acompanhado de termos de declaração (mov. 87.2 e 87.7), imagens e vídeos (movs. 87.3, 87.4, 87.5 e 87.6) e boletim de ocorrência (mov. 87.8). Realizada audiência, consoante termo de mov. 88.1, a vítima prestou declarações, tendo sido, ainda, esclarecida e orientada a respeito das medidas protetivas de urgência, bem como instruída de que eventuais questões relativas à guarda e à pensão do filho deveriam ser resolvidas na Vara competente, e não pela aproximação da ofendida com o agressor. O juízo, então, acolheu as justificativas apresentadas e manteve as medidas protetivas. Em 12/05/2023 (mov. 119.1) e em 11/06/2024 (mov. 152.1), as medidas protetivas de urgência foram prorrogadas, encontrando-se em vigor, sem que tenham sido informadas novas intercorrências nos autos da protetiva. Esclarecida a linha do tempo, passa-se à análise da prova oral colhida, no presente feito, em juízo, em cotejo com os demais elementos probatórios constante dos autos, colhidos no curso da investigação criminal, bem como no curso da instrução processual. Observa-se que a vítima, em juízo, confirmou que, nos dias 12 e 13 de julho de 2022, o acusado lhe enviou mensagens ofensivas via WhatsApp. Disse, ainda, que, depois das medidas protetivas, evitava, ao máximo, qualquer tipo de contato com ele, mas, algumas vezes, quando ele pegava o filho em comum, o réu lhe mandava mensagens. Reconheceu, também, que, em alguns momentos, chegou a entrar em contato com o réu. Em sede policial (mov. 1.11), a vítima relatou que, frequentemente, o acusado descumpria as medidas protetivas, pois lhe mandava mensagens via WhatsApp. A testemunha Bruna, em juízo e em sede policial (mov. 1.15), não prestou declarações específicas a respeito do Fato 01. Por sua vez, o acusado, em interrogatório judicial, negou os fatos que lhe foram imputados no Fato 01 da inicial acusatória. Disse que não enviou à vítima as mensagens constantes dos autos. Nota-se que as mensagens que embasaram a denúncia se encontram aos movs. 1.9 e 1.10. Ocorre que, do conjunto probatório colhido no presente feito, aliado ao que consta dos autos da medida protetiva de urgência, não é possível concluir que o acusado tenha, de forma consciente e voluntária, descumprido a decisão judicial que deferiu as medidas protetivas de urgência em favor da vítima. Não se desconhece a especial relevância que se confere à palavra da vítima em casos como o dos autos, inclusive à luz do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, disposto na Resolução nº 492 de 17/03/2023 do Conselho Nacional de Justiça, bem como dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nº 5 e 16 da Agenda 2030 da ONU, que versam, respectivamente, sobre a igualdade de gênero e a paz, justiça e instituições eficazes. Também não se ignora entendimento recente do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que o consentimento da vítima não afastaria a tipicidade do crime de descumprimento de medidas protetivas[1], contrariando posicionamento anterior do próprio Tribunal da Cidadania de que “[...] em razão da intervenção mínima do direito penal, em observância aos critérios da fragmentariedade e subsidiariedade, o descumprimento das medidas protetivas, com o consentimento da vítima, afasta eventual lesão ao bem jurídico tutelado, tornando o fato atípico. [...]” (AgRg no REsp n. 2.049.863/MG, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 30/10/2023, DJe de 8/11/2023). Sabe-se, ainda, que, em casos que envolvem violência doméstica e familiar contra a mulher, é comum que a mulher fique, de certa forma, presa no chamado ciclo da violência, fenômeno que acaba se protraindo no tempo. Contudo, quanto ao Fato 01, não resta comprovado o dolo do acusado em descumprir a decisão judicial, isto é, não fica evidenciada a intenção deliberada do réu de violar os dois bens jurídicos tutelados pelo crime previsto no artigo 24-A da Lei nº 11.340/2006, quais sejam, a administração da justiça, diretamente, e, a proteção da vítima, indiretamente. Consta do presente feito e dos autos da medida protetiva de urgência que, mesmo após a concessão das referidas medidas, existiram aproximações e contatos voluntários por parte da vítima com o réu, contrariando as medidas protetivas previstas no artigo 22, inciso III, alíneas a e b, da Lei nº 11.340/2006, que haviam sido concedidas em seu favor. É o que se extrai, notadamente, de movs. 46.5, 46.6, 46.7, 46.8, 46.9, 46.10, 46.11, 46.12, 46.20, 46.21, 46.22, 46.23, 46.24, 46.25, 46.26, 46.27, 46.28, 46.29, 46.30, 46.31, que, igualmente, constam dos autos da medida protetiva. Veja-se que, na audiência de instrução e julgamento, a vítima confirmou que o Instagram mencionado nas mensagens de mov. 46.6 é o seu, enquanto o de mov. 46.7 era o da sua empresa. Além disso, os vídeos de movs. 46.24 e 46.25 são datados de 17/06/2022, enquanto os vídeos de movs. 46.20 a 46.23 são datados de 19/07/2022. Por sua vez, quanto aos vídeos de movs. 46.26 a 46.31, a vítima, em juízo, foi questionada a respeito do vídeo de mov. 46.26 e relatou que foi até a residência do réu porque ele entrou em contato com ela dizendo que queria reatar o relacionamento. Nesse momento, o advogado do acusado mencionou que o vídeo foi filmado quando já existiam medidas protetivas de urgência em vigor e a vítima não contestou tal afirmação. Ainda, o réu, em interrogatório judicial, disse que, mesmo com as medidas protetivas vigentes, a vítima foi até a casa dele, pedindo para voltar, e que fez vídeos desse dia. Isso tudo evidencia, portanto, uma aproximação voluntária da vítima mesmo após a concessão das medidas protetivas de urgência em 07/04/2022. Inclusive, a respeito dos fatos que são objeto do presente feito, houve a oitiva da vítima nos autos da medida protetiva de urgência (mov. 89.1 dos autos nº 0001625-61.2022.8.16.0104), oportunidade em que foi devidamente instruída e esclarecida a respeito do instituto, sendo orientada a não mais se aproximar do acusado, nem mesmo para questões relativas ao filho, as quais devem ser resolvidas na esfera judicial competente. Também o réu foi ouvido nos autos da medida protetiva de urgência (mov. 53.2 dos autos nº 0001625-61.2022.8.16.0104), sendo orientado a respeito do cumprimento das medidas, inclusive nos casos em que eventualmente é procurado pela própria vítima. Por tais motivos, forçoso concluir que não há, nos autos, a clara e inequívoca intenção do réu em descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas na Lei nº 11.340/2006, estando ausente, pois, o elemento subjetivo do tipo, de modo que o réu deve ser absolvido por atipicidade da conduta. Ressalta-se que o Direito Penal não opera em conjecturas. Logo, sem a certeza total da intenção do agente, não pode o juiz criminal proferir condenação, sob pena de se inverter o ônus da prova, que compete à acusação, e ignorar os princípios basilares do processo penal, como devido processo legal e contraditório. Por fim, a título de reforço argumentativo, observa-se que o primeiro descumprimento noticiado nos autos da medida protetiva de urgência deu ensejo a Ação Penal diversa da presente, cuja sentença condenatória proferida por este juízo a quo foi, recentemente, reformada pelo E. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná no tocante ao crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência, encontrando-se pendente de trânsito em julgado, mas já com ciência do Ministério Público (movs. 46.1 e 51.0 dos autos nº 0003132-57.2022.8.16.0104 Ap). Acordaram os Desembargadores em conhecer e prover parcialmente o recurso interposto pela Defesa do ora acusado, absolvendo o réu do crime do artigo 24-A da Lei nº 11.340/2006, com fundamento no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal. Entenderam que teria havido revogação tácita das medidas, em razão do contato voluntário que a vítima manteve com o agressor durante a vigência das medidas protetivas. Nesse ponto, contudo, é de se destacar que, ainda que se entenda pela revogação tácita das medidas à época dos supostos descumprimentos noticiados nos autos das medidas protetivas, atualmente há medidas protetivas de urgência em vigor em desfavor do ora acusado e em favor da ora vítima. Isso porque, após a oitiva da vítima, em 29/08/2022, o juízo acolheu as justificativas apresentadas e manteve as medidas protetivas (movs. 88.1 e 89.1 dos autos nº 0001625-61.2022.8.16.0104). Além disso, as medidas foram prorrogadas em 12/05/2023 e em 11/06/2024 (movs. 119.1 e 152.1 dos autos nº 0001625-61.2022.8.16.0104), pelo prazo de 01 (um) ano. Ainda, após essa oitiva da vítima em 29/08/2022, não houve notícia de novos descumprimentos nos autos. Diante do exposto, a absolvição pelo Fato 01 é medida que se impõe, com fulcro no art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal. 2.2. Dos crimes de descumprimento de medida protetiva de urgência e de violação de domicílio descritos no Fato 02. Deflui do exame minucioso dos elementos probatórios carreados aos autos que NÃO merece prosperar a pretensão punitiva do Estado deduzida na peça inicial, uma vez que, em que pese a existência de prova da materialidade e de indícios de autoria, verifica-se que não foi cabalmente comprovada a existência de dolo na conduta do acusado. Desse modo, não se vislumbra, de forma indene de dúvida, a prática de qualquer conduta delituosa. Tal conclusão deriva especialmente da prova oral produzida em Juízo, já exposta no item 2.1. Observa-se que a vítima, em juízo, declarou que, no dia 21 de julho de 2022, o réu entrou na sua residência, sem o consentimento dela. Confirmou que a residência da imagem de mov. 1.7 e do vídeo de mov. 1.17 é a residência para a qual se mudou, da Rua XV de Novembro, nº 1669. Relatou que, quando o réu invadiu essa residência, ela morava sozinha e já tinha as medidas protetivas de urgência. Disse que o acusado foi até a casa dela para conversarem sobre o relacionamento deles. Em sede policial (mov. 1.11), a ofendida narrou que, na data de 19/07/2022 e 21/07/2022, o réu mandou mensagem via WhatsApp e foi até a sua residência. A testemunha Bruna, em juízo e em sede policial (mov. 1.15), não prestou declarações específicas a respeito do Fato 02. O réu, em interrogatório judicial, disse que foi até a residência da vítima, na data dos fatos, porque a ofendida lhe mandou mensagem dizendo que precisava de ajuda com o filho deles e mandou foto do filho deles chorando. Afirmou que, quando estava subindo as escadas, percebeu que a vítima estava filmando, então desceu as escadas e foi embora. Nota-se que a inicial acusatória se embasou na imagem de mov. 1.7 e no vídeo de mov. 1.17. Ocorre que, também aqui, do conjunto probatório colhido no presente feito, aliado ao que consta dos autos da medida protetiva de urgência, não é possível concluir que o acusado tenha, de forma consciente e voluntária, descumprido a decisão judicial que deferiu as medidas protetivas de urgência em favor da vítima. Como já ressaltado na presente sentença, não se desconhece a especial relevância que se confere à palavra da vítima em casos como o dos autos, inclusive à luz do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, disposto na Resolução nº 492 de 17/03/2023 do Conselho Nacional de Justiça, bem como dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nº 5 e 16 da Agenda 2030 da ONU, que versam, respectivamente, sobre a igualdade de gênero e a paz, justiça e instituições eficazes. Também não se ignora entendimento recente do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que o consentimento da vítima não afastaria a tipicidade do crime de descumprimento de medidas protetivas, contrariando posicionamento anterior do próprio Tribunal da Cidadania de que “[...] em razão da intervenção mínima do direito penal, em observância aos critérios da fragmentariedade e subsidiariedade, o descumprimento das medidas protetivas, com o consentimento da vítima, afasta eventual lesão ao bem jurídico tutelado, tornando o fato atípico. [...]” (AgRg no REsp n. 2.049.863/MG, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 30/10/2023, DJe de 8/11/2023). Sabe-se, ainda, que, em casos que envolvem violência doméstica e familiar contra a mulher, é comum que a mulher fique, de certa forma, presa no chamado ciclo da violência, fenômeno que acaba se protraindo no tempo. Todavia, quanto ao Fato 02, também não resta comprovado o dolo do acusado em descumprir a decisão judicial, isto é, não fica evidenciada a intenção deliberada do réu de violar os dois bens jurídicos tutelados pelo crime previsto no artigo 24-A da Lei nº 11.340/2006, quais sejam, a administração da justiça, diretamente, e, a proteção da vítima, indiretamente. Ainda, não resta evidenciado o dolo do acusado de entrar, contra a vontade expressa da vítima, em sua casa. Veja-se que o mesmo contexto fático de aproximação e contato voluntários da vítima, posteriores à concessão das medidas protetivas, expostos no item 2.1, se aplica aos fatos narrados no Fato 02 da denúncia. Do mesmo modo, se aplica, aqui, a correta instrução do réu (mov. 53.2 dos autos nº 0001625-61.2022.8.16.0104) e da vítima (mov. 89.1 dos autos nº 0001625-61.2022.8.16.0104) a respeito da decisão judicial que concedeu medidas protetivas de urgência. Por tais motivos, forçoso concluir que não há, nos autos, a clara e inequívoca intenção do réu em descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas na Lei nº 11.340/2006 e em entrar, contra a vontade expressa da vítima, em sua casa, estando ausente, pois, o elemento subjetivo dos tipos, de modo que o réu deve ser absolvido por atipicidade das condutas. Ressalta-se que o Direito Penal não opera em conjecturas. Logo, sem a certeza total da intenção do agente, não pode o juiz criminal proferir condenação, sob pena de se inverter o ônus da prova, que compete à acusação, e ignorar os princípios basilares do processo penal, como devido processo legal e contraditório. Por fim, igualmente se aplica ao Fato 02 os apontamentos feitos no item 2.1 relativos aos autos nº 0003132-57.2022.8.16.0104 Ap, a título de reforço argumentativo. Diante do exposto, a absolvição pelo Fato 02 é medida que se impõe, com fulcro no art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal. 2.3. Do crime de descumprimento de medida protetiva de urgência descrito no Fato 03. Deflui do exame minucioso dos elementos probatórios carreados aos autos que NÃO merece prosperar a pretensão punitiva do Estado deduzida na peça inicial, uma vez que, em que pese a existência de prova da materialidade e de indícios de autoria, verifica-se que não foi cabalmente comprovada a existência de dolo na conduta do acusado. Desse modo, não se vislumbra, de forma indene de dúvida, a prática de qualquer conduta delituosa. Tal conclusão deriva especialmente da prova oral produzida em Juízo, já exposta no item 2.1. Observa-se que a vítima narrou, em juízo, confirmando suas declarações prestadas em sede policial (mov. 1.14), que, no dia 26 de agosto de 2022, chegou ao bar Imperium e viu que o acusado estava lá. Disse que, como ele não se retirou do bar com a chegada dela, ela se retirou do bar. A testemunha Bruna, em juízo, confirmando suas declarações prestadas em sede policial (mov. 1.15), declarou que, no dia dos fatos, chegou junto com a vítima no bar Imperium e o acusado já estava no local. Disse que a vítima e o réu ficaram se provocando, mostrando que estavam lá. Afirmou que o acusado permaneceu no local e elas se retiraram do bar. O réu, em interrogatório judicial, confirmando seu interrogatório policial (mov. 1.6), declarou que chegou ao bar antes da vítima, que já estava no local com a atual esposa e com amigos quando a vítima chegou com Bruna. Pelas comandas do estabelecimento, verifica-se que o acusado chegou ao local às 22h41min, enquanto a vítima chegou ao local às 23h02min (movs. 1.4 e 46.14). Pelo vídeo de mov. 1.16, é possível observar o momento em que a vítima chega ao estabelecimento, acompanhada da testemunha Bruna. Por sua vez, o vídeo de mov. 46.15 também mostra o momento em que a vítima e Bruna chegam no estabelecimento e aponta o horário de 23h04min. Por fim, o vídeo de mov. 1.18 e a imagem de mov. 1.8 demonstram o acusado dentro do estabelecimento. Registre-se, mais uma vez, por ser relevante que não se desconhece a especial relevância que se confere à palavra da vítima em casos como o dos autos, inclusive à luz do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, disposto na Resolução nº 492 de 17/03/2023 do Conselho Nacional de Justiça, bem como dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nº 5 e 16 da Agenda 2030 da ONU, que versam, respectivamente, sobre a igualdade de gênero e a paz, justiça e instituições eficazes. Também não se ignora entendimento recente do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que o consentimento da vítima não afastaria a tipicidade do crime de descumprimento de medidas protetivas, contrariando posicionamento anterior do próprio Tribunal da Cidadania de que “[...] em razão da intervenção mínima do direito penal, em observância aos critérios da fragmentariedade e subsidiariedade, o descumprimento das medidas protetivas, com o consentimento da vítima, afasta eventual lesão ao bem jurídico tutelado, tornando o fato atípico. [...]” (AgRg no REsp n. 2.049.863/MG, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 30/10/2023, DJe de 8/11/2023). Sabe-se, ainda, que, em casos que envolvem violência doméstica e familiar contra a mulher, é comum que a mulher fique, de certa forma, presa no chamado ciclo da violência, fenômeno que acaba se protraindo no tempo. Entretanto, no tocante ao Fato 03, de igual forma não fica evidenciado dos autos que houve, propriamente, um descumprimento por parte do réu da decisão judicial que concedeu medidas protetivas de urgência. Isso porque, pela decisão judicial, o réu ficou proibido de se aproximar da vítima, bem como de manter contato com ela. No caso, contudo, ele não se aproximou da vítima de forma intencional e deliberada. Em verdade, ele já se encontrava no local quando a vítima chegou ao estabelecimento. Além disso, não ficou demonstrado que o réu transgrediu e desobedeceu, de forma dolosa, intencional, a ordem judicial. Por tais motivos, forçoso concluir que não há, nos autos, a clara e inequívoca intenção do réu em descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas na Lei nº 11.340/2006, estando ausente, pois, o elemento subjetivo dos tipos, de modo que o réu deve ser absolvido por atipicidade das condutas. Ressalta-se que o Direito Penal não opera em conjecturas. Logo, sem a certeza total da intenção do agente, não pode o juiz criminal proferir condenação, sob pena de se inverter o ônus da prova, que compete à acusação, e ignorar os princípios basilares do processo penal, como devido processo legal e contraditório. Por fim, também se aplica ao Fato 03 os apontamentos feitos no item 2.1 relativos aos autos nº 0003132-57.2022.8.16.0104 Ap, a título de reforço argumentativo. Diante do exposto, a absolvição pelo Fato 03 é medida que se impõe, com fulcro no art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal. III – DISPOSITIVO. Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado na denúncia, para o fim de ABSOLVER o acusado CARLOS EDUARDO DE AZEVEDO FERREIRA, das sanções do artigo 24-A, caput, da Lei 11.340/2006 (FATOS 01 e 03), por duas vezes, em continuidade delitiva, e do artigo 24-A, caput, da Lei 11.340/2006 c/c artigo 150, § 1º, do Código Penal (FATO 02), em concurso formal, por não constituírem os fatos infrações penais, ante a ausência de elemento subjetivo dos tipos, nos termos do artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal. Cumpra-se, no que couber, as disposições do Código de Normas da Corregedoria-Geral de Justiça. Após o trânsito em julgado, anotações e baixas necessárias, arquivando-se, em seguida, os autos. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Diligências necessárias. Laranjeiras do Sul, datado e assinado digitalmente. Marina de Lima Toffoli Juíza de Direito [1] DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 24-A DA LEI MARIA DA PENHA. ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE DA CONDUTA. CONSENTIMENTO DA VÍTIMA PARA APROXIMAÇÃO. PROVAS SUFICIENTES E IDÔNEAS. NECESSIDADE DE REEXAME DE FATOS E PROVAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7 DO STJ. AGRAVO CONHECIDO E RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Agravo em Recurso Especial interposto contra acórdão de tribunal de justiça que manteve a condenação da recorrente pelo crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência, conforme o art. 24-A da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). A recorrente alega atipicidade da conduta, sustentando que o consentimento da vítima afastaria a tipificação do delito e justificaria sua absolvição. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) avaliar se o consentimento da vítima para aproximação poderia afastar a tipicidade da conduta de descumprimento das medidas protetivas; e (ii) verificar se o acolhimento do recurso depende de reexame de fatos e provas, o que atrairia o óbice da Súmula 7 do STJ. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O agravo é conhecido, pois cumpre os requisitos de admissibilidade, inclusive a tempestividade e a adequada impugnação dos fundamentos da decisão recorrida, conforme o art. 253, parágrafo único, II, do RISTJ. 4. O acórdão recorrido analisou expressamente a questão do descumprimento das medidas protetivas, cumprindo o requisito do prequestionamento. 5. O conjunto probatório, incluindo o boletim de ocorrência, as declarações da vítima e depoimentos de testemunhas, demonstra a prática dolosa do crime de descumprimento de medidas protetivas, evidenciando que a recorrente aproximou-se deliberadamente da vítima, mesmo ciente da ordem judicial que lhe proibia tal conduta. 6. Nos crimes de descumprimento de medidas protetivas em contexto de violência doméstica, o consentimento da vítima não afasta a tipicidade da conduta, pois o bem jurídico tutelado é a eficácia da ordem judicial, e não apenas a integridade da vítima. 7. Para acolher a tese de absolvição, seria necessário o reexame de fatos e provas, medida vedada em recurso especial em razão da Súmula 7 do STJ. IV. DISPOSITIVO 8. Agravo conhecido. Recurso especial desprovido. (AREsp n. 2.739.525/SP, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 10/12/2024, DJEN de 16/12/2024 – grifou-se e destacou-se)

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Mayra Lilian Krutsch x Ministério Público Do Estado Do Paraná e outros

ID: 263151395

Tribunal: TJPR Órgão: 2ª Vara Cível de Guarapuava Classe: EMBARGOS DE TERCEIRO CíVEL Nº Processo: 0014860-86.2023.8.16.0031

Data de Disponibilização: 30/04/2025

Polo Ativo:

MAYRA LILIAN KRUTSCH

Polo Passivo:

MINISTéRIO PúBLICO DO ESTADO DO PARANá MUNICíPIO DE CAMPINA DO SIMãO/PR

Conclusão

Advogados:

SERGIO ROBERTO LOSSO

OAB/PR XXXXXX Desbloquear

JOÃO ALBERTO NIECKARS DA SILVA

OAB/PR XXXXXX Desbloquear

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DE GUARAPUAVA 2ª VARA CÍVEL DE GUARAPUAVA - PROJUDI Avenida Manoel Ribas, 500 - Bloco B - Santana - Guarapuava/PR - CEP: 85.070-180 - Fone: (42) 3036-1107… PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DE GUARAPUAVA 2ª VARA CÍVEL DE GUARAPUAVA - PROJUDI Avenida Manoel Ribas, 500 - Bloco B - Santana - Guarapuava/PR - CEP: 85.070-180 - Fone: (42) 3036-1107 - Celular: (42) 3308-7489 - E-mail: gua-2vj-e@tjpr.jus.br Autos nº. 0014860-86.2023.8.16.0031 Processo: 0014860-86.2023.8.16.0031 Classe Processual: Embargos de Terceiro Cível Assunto Principal: Dano à Propriedade Valor da Causa: R$60.000,00 Embargante(s): MAYRA LILIAN KRUTSCH Embargado(s): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ Município de Campina do Simão/PR SENTENÇA I - Relatório Trata-se de Embargos de Terceiro opostos por MAYRA LILIAN KRUTSCH em face do MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ e MUNICÍPIO DE CAMPINA DO SIMÃO/PR. Narra a inicial, em síntese, que a embargante tomou conhecimento da penhora realizada nos autos n. 0002891-94.2011.8.16.0031, referente ao imóvel matriculado sob o nº 6.029 do 1º Cartório de Registro de Imóveis de Guarapuava, composto por oito lotes, incluindo o lote n. 04, de sua titularidade. A decisão que determinou a penhora consta na sequência 259.1 daqueles autos e é datada de 13/09/2021. A embargante afirma estar na posse do lote n. 04 de forma mansa, pacífica e incontestada há mais de cinco anos, com ânimo de proprietário, conforme contrato de compra e venda apresentado. Alega também que há testemunhas que poderão comprovar que o lote lhe pertence e não mais a Jair José Ribeiro, antigo titular e executado naqueles autos. Sustenta que a posse legítima sobre o lote é anterior à penhora realizada, sendo inequívoca a extinção do domínio do antigo proprietário e responsável pela dívida que motivou a penhora. Ressalta que a penhora e a indisponibilidade ocorreram em 13/09/2021, quando o bem já estava sob sua posse há mais de três anos, compondo inclusive seu patrimônio, o que evidencia a anterioridade de seu direito em relação ao da embargada. Dessa forma, considera que houve violação a seu direito, justificando o acolhimento dos embargos e a consequente revogação da penhora, sobretudo considerando que o executado possui outros bens aptos a garantir a execução. Alega que ainda que a propriedade imóvel exija registro para sua efetivação, é possível a proteção possessória por meio dos embargos. Enfatiza, por fim, que não participou da execução que originou a penhora e que esta é ilegal diante da sua posse legítima e anterior. Com essas razões, requer a procedência dos embargos para declarar a nulidade da indisponibilidade realizada sob o lote n. 04 do imóvel de matrícula n. 6.029 do Cartório do 1º SRI de Guarapuava, em virtude da posse exercida por ele, bem como para que seja declarada a impenhorabilidade de referido imóvel. Foi dado valor à causa e foram juntados documentos (mov. 1.1-1.8 e 10.1-10.4). O pedido de gratuidade de justiça foi indeferido (mov. 12.1). A embargante requereu o pagamento das custas ao final ou o parcelamento em seis mensalidades (mov. 15.1). O pedido foi parcialmente deferido, concedendo-se o parcelamento das custas em quatro vezes (mov. 17.1). Em decisão proferida no mov. 60.1, o pedido liminar foi deferido, determinando-se a suspensão da constrição sobre a área indicada no contrato de compra e venda juntado pela embargante. O Ministério Público apresentou contestação, oportunidade em que alegou que a embargante não tem razão, argumentando que a documentação apresentada demonstra que a embargante tinha conhecimento de que o imóvel era parte de um fracionamento irregular, pois não há registro de desmembramento na matrícula (seq. 313.2). Alegou que o contrato de compra e venda (seq. 1.4) indica que a negociação envolveu apenas parte do imóvel da matrícula nº 6.029 do 1º SRI de Guarapuava, que pertence não só a Jair, mas também a Marilete Krankel, e que não houve apresentação de anuência da coproprietária, tornando os contratos nulos. Sustentou que os negócios violam a Lei nº 6.766/79, especialmente o art. 37, que veda a venda de lote não registrado e que a conduta do executado Jair configura crime conforme o art. 50, I e parágrafo único da mesma lei, e foi requisitada a instauração de inquérito policial. Defendeu que o contrato é nulo por objeto ilícito, ausência de outorga uxória e violação legal (arts. 166, II e VII, e 169 do CC), não produzindo efeitos desde sua assinatura, e que as partes devem retornar ao estado anterior: Jair permanece proprietário e deve reassumir a posse, cabendo à compradora buscar perdas e danos em ação autônoma. Sustentou que ainda que se regularize o loteamento no futuro, isso não valida o contrato nulo e que, para efeitos jurídicos, será necessário refazê-lo conforme a lei. Argumentou que como a embargante é advogada, presume-se que tinha conhecimento dos riscos de adquirir imóvel irregular, bem como alegou que ela não possui posse ou domínio do lote, que nem sequer existe juridicamente como unidade autônoma, e tampouco é coproprietária da matrícula nº 6.029. Reiterou que a venda de frações ideais configura burla à Lei nº 6.766/79 e rechaçou a alegação da embargante de que o imóvel seria bem de família e impenhorável, sustentando que não há comprovação nesse sentido. Aduziu que mesmo se os contratos fossem válidos, a indisponibilidade não poderia ser levantada, pois recai sobre 50% do imóvel (fração ideal de Jair), sem definição de qual parte lhe pertence, bem como que não há registro de desmembramento ou cessão de direitos de Marilete, impedindo a identificação da área supostamente adquirida como sendo a penhorada. Assim, requereu a improcedência dos pedidos iniciais, a fim de que seja mantida a indisponibilidade judicial decretada nos autos n. 0002891-94.2011.8.16.0031 sobre o imóvel de matrícula n. 6.029 do 1º SRI de Guarapuava/PR (mov. 67.1). A embargante apresentou impugnação à contestação, afirmando que as alegações do Ministério Público de que ela teria conhecimento sobre o fracionamento irregular do imóvel são desprovidas de provas e não afastam seu direito de defender a posse do lote n. 04 da matrícula nº 6.029 do 1º SRI de Guarapuava. Ressaltou que a penhora decretada nos autos nº 0002891-94.2011.8.16.0031 recaiu sobre os lotes n. 01, 02, 03 e 08, sendo o lote 04 de sua titularidade, adquirido de boa-fé, por meio de contrato de compra e venda, e sobre o qual exerce posse mansa, pacífica e com ânimo de proprietária há mais de três anos. Argumentou que a proibição de venda de loteamento não registrado e a tipificação penal mencionadas pelo Ministério Público não lhe são aplicáveis, mas sim ao Sr. Jair, suposto responsável pela subdivisão do imóvel, e que, caso haja irregularidades, o MP deve apurar a conduta deste por meios apropriados. Sustentou não participou do processo de execução que originou a penhora, sendo vítima de constrição ilegítima sobre bem que integra seu patrimônio. Destacou que o lote 04 constitui seu único bem, utilizado como moradia, razão pela qual é protegido pela regra da impenhorabilidade do bem de família, conforme art. 6º, caput, e arts. 1º, III, e 3º, I, da Constituição Federal, bem como o art. 1º da Lei nº 8.009/90. Assim, requereu a procedência dos pedidos iniciais (mov. 71.1). O Município de Campina do Simão/PR apresentou contestação, ocasião em que alegou, em suma, que a embargante agiu de má-fé, pois sabia que o imóvel adquirido fazia parte de um loteamento irregular, sem registro de desmembramento. Alegou que a ação de cumprimento de sentença trata da não regularização desse loteamento, feito por Jair José da Cruz, verdadeiro proprietário, que vendeu o imóvel à embargante, e que a venda violou a Lei nº 6.766/79, e a embargante sabia do litígio, sendo servidora pública. Aduziu que o imóvel pertence também a Marilete Krankel, e não há prova do pagamento pela compra. Argumentou que a negociação não ocorreu em 2018, como alegado, e que o contrato precisa de perícia grafotécnica, principalmente quanto a sua data e formalização. Alegou que não é possível comprovar que a área adquirida corresponde à parte penhorada, pois não há divisão definida entre Jair e Marilete. Por fim, requereu a improcedência dos pedidos da embargante (mov. 72.1). A embargante apresentou impugnação à contestação, reiterando os termos da petição de mov. 71.1 (mov. 75.1). Intimadas as partes para especificação de provas, a embargante requereu a produção de prova testemunhal (mov. 80.1), o Ministério Público pugnou pela produção de prova documental (mov. 82.1) e o Município de Campina do Simão requereu a produção de prova oral (mov. 86.1). Em decisão saneadora, foram fixados os pontos controvertidos e deferida a produção de prova oral, consistente no depoimento pessoal das partes e na oitiva de testemunhas, e de prova documental. O pedido ministerial foi acolhido, determinando-se a intimação do Município de Campina do Simão para que informasse e demonstrasse documentalmente se houve apresentação de projeto para construção de edificação no mencionado lote e eventual expedição de alvará para a sua construção ou a inviabilidade no referido local. Ainda, foi deferido o pedido do Município de Campina do Simão, determinando-se a expedição de mandado de constatação (mov. 86.1). A embargante juntou documentos a fim de comprovar a inexistência de outros bens imóveis em seu nome (mov. 91.1-91.4). O Ministério Público manifestou sua ciência quanto a decisão saneadora (mov. 92.1). O Município de Campina do Simão apresentou rol de testemunhas (mov. 94.1). A constatação do imóvel foi infrutífera (mov. 116.1). Realizada audiência de instrução e julgamento, tomou-se o depoimento pessoal da autora e foram ouvidas as testemunhas Matheus Machado do Amaral e Alceu Ribeiro Schineman, bem como o informante Eduardo Fraga Leal. O Ministério Público requereu a colaboração da embargante para que juntasse a delimitação da área; a autora dispensou a oitiva da testemunha José Ribeiro e informou que iria juntar a delimitação da área; o Município de Campina do Simão desistiu da oitiva da testemunha Cergio Bortolanza. O juízo homologou as desistências requeridas e declarou encerrada a instrução processual (mov. 146.1 e 148.1-148.4). A embargante apresentou alegações finais e juntou a delimitação do imóvel (mov. 150.1/151.1). O Ministério Público apresentou alegações finais no mov. 158.1, requerendo a improcedência dos embargos e o reconhecimento da ineficácia do negócio jurídico entabulado entre a embargante e o executado Jair, mantendo-se a indisponibilidade judicial decretada nos autos n. 0002891-94.2011.8.16.0031 (mov. 158.1). Por fim, o Município de Campina do Simão apresentou alegações finais, requerendo a improcedência dos presentes embargos de terceiro (mov. 164.1). Vieram os autos conclusos. Relatados em sinopse, passo a decidir. II - Fundamentação Não há questões preliminares ou prejudiciais de mérito que mereçam o descortino ex officio deste juízo, de modo que passo à apreciação do mérito. Sobre os embargos de terceiro, disciplina o Código de Processo Civil: Art. 674. Quem, não sendo parte no processo, sofrer constrição ou ameaça de constrição sobre bens que possua ou sobre os quais tenha direito incompatível com o ato constritivo, poderá requerer seu desfazimento ou sua inibição por meio de embargos de terceiro. A controvérsia dos autos gira em torno da validade da constrição judicial incidente sobre bem imóvel adquirido pela embargante anteriormente à decretação de penhora, cuja posse exerce, alegando, ainda, a existência de justo título e boa-fé na aquisição. A fim de se esclarecer os fatos, além da prova documental, houve a produção de prova oral. A autora, Mayra Lilian Krutsch, em seu depoimento pessoal relatou que mora em Campina do Simão, uma cidade que todo mundo se conhece, e ficou sabendo que Jair tinha interesse em vender os lotes, que eram perto do centro de eventos; que não tinha placa de venda e não foi intermediado por imobiliária; que conversou diretamente com Jair; que entrou em contato com ele, não foi ele que lhe ofereceu, a depoente que o procurou para comprar; que a compra ficou só no contrato, não foi feita escritura; que os lotes estavam num documento só, um do lado do outro, por isso não foi feita escritura; que fizeram só um contrato de gaveta, porque lá são todos conhecidos, para depois regularizar a situação; que não foi atrás da regularização, não deu tempo, pois começou a pandemia, ficaram sem dinheiro, começaram os comentários que havia uma penhora no lote e ficaram com medo de construir; que não foi viu a matrícula do imóvel para realizar a compra; que não tem conhecimento da existência de indisponibilidade de bens na matrícula do imóvel da Vara do Trabalho de Jaraguá; questionada sobre o pagamento, esclareceu que deu uma entrada, que comprou o lote juntamente com seu pai, que ele lhe ajudou a pagar, que ele vendeu umas vacas e ajudou na entrada e foram pagando aos poucos para o Jair; que não lembra o valor da entrada, se foi quinze ou vinte mil; que os pagamentos foram sendo realizados conforme conseguia, não foi determinado um número de parcelas, pois Jair era uma pessoa pública no município; que embora conste no contrato que foi dada plena quitação, o valor não foi pago todo na hora, foi dada uma entrada e o restante pago aos poucos; que a entrada foi paga em dinheiro, que não pegou recibo; que também passaram um cheque de terceiros e passaram para Jair; que os sessenta mil reais foram quitados; que Jair falou que estava regularizando o desmembramento, que já estava tudo certo e logo poderiam fazer a documentação; que não chegou a procurar no Município se havia algum procedimento de desmembramento do lote; que tomou posse do lote logo da assinatura do contrato; que somente fizeram projetos, ainda não construíram nada, pois precisava pagar o lote primeiro para então construir; que começaram fazer projeto depois da pandemia, quando começaram os boatos que os lotes do Jair estavam sendo penhorados; que conversou com Jair sobre tais boatos e ele falou que era questão de tempo, que já estava tudo sendo regularizado; que não pensou em desfazer o negócio, que ele garantiu que era questão de tempo e que estava sendo regularizado; que não chegou pedir nada no município para construção; que não recolheu nenhuma taxa em relação ao lote, acredita que o documento já está em seu nome, mas ainda não pagou; que havia os marcos dos lotes, mas não tinha cerca; que foram vendidos todos os lotes mais ou menos no mesmo tempo; que não negociou com a coproprietária Marilete, apenas com o Jair; que à época do contrato, estava trabalhando no RH da prefeitura, logo depois saiu; que era concursada, o cargo era de auxiliar administrativo, que não passou por nenhuma secretaria de urbanismo e habitação; que é advogada desde 2018; que já era formada quando firmou o contrato; que acredita que os lotes foram todos vendidos pelo mesmo valor; que seu endereço em Campina do Simão é Rua Pedro Sydor; que atualmente está em outro Estado, temporariamente; que mora sozinha no imóvel alugado em Campina do Simão (mov. 148.1). A testemunha Matheus Machado do Amaral relatou que a embargante é advogada; que não tem conhecimento qual atividade o Jair exerce; que não sabe se ele já ocupou algum cargo público; que seu terreno é próximo do lote da embargante, mas não faz divisa; que comprou um lote, no ano de 2018; que não sabe como é a questão do loteamento, mas foi a época que ele anunciou; que a embargante comprou o lote logo após que ele; que uma das pessoas que também comprou lote trabalha na prefeitura, que apenas recorda que tem Vianey no nome; que lembra que Mayra comentou que ia construir, mas com a pandemia e com as notícias de penhora, ela ficou com receio e não construiu nada; que seu lote também sofreu penhora; que apresentou defesa quanto a essa penhora, que a última vez que foi informado, a penhora havia sido anulada, reconhecendo-o como dono do lote; que tanto a embargante quanto o pai dela sempre estão no lote, olhando, cuidando; que seu contrato com Jair foi particular; que o pagamento foi parcelado; que o pagamento foi em espécie; que é comum esse tipo de negócio em Campina do Simão, pois todo mundo se conhece; que Jair é conhecido naquela cidade; que não sabe pelo que ele é conhecido, apenas que é uma pessoa famosa na cidade; que pagou sessenta mil reais no lote; que o IPTU está em seu nome; que não sabe dizer quais documentos apresentou na prefeitura para fazer a transferência do IPTU, que não teve dificuldade com a transferência; que desconhece se é comum a situação de loteamentos irregulares em Campina do Simão; que não sabe se o pai da embargante tem imóvel próprio (mov. 148.2). A testemunha Alceu relatou que mora em frente ao loteamento de Jair; que Jair sempre trabalhou na lavoura e até político foi, que já foi vereador; que na última eleição foi indeferida a candidatura dele, que ele é da oposição do grupo político do prefeito, que pelo que ouve a relação de Jair com o grupo político do prefeito não é boa; que há oito lotes no loteamento do Jair, eram dele, mas ele vendeu; que a embargante comprou um lote; que um dos compradores foi o Matheus, outro foi o Vianey e outro era da ex-mulher do Jair, a Marilete; que o loteamento foi feito por volta de 2018; que sempre vê a Mayra no loteamento, que ela ia construir, mas aconteceu a pandemia e ela parou; que o lote da Mayra tem manutenção; que acredita que os lotes foram vendidos por cerca de cinquenta mil reais; que 99% dos negócios feitos em Campina do Simão são realizados por contrato de gaveta; que Jair é uma pessoa conhecida na cidade; que é uma pessoa muito bem vista; que acredita que os pagamentos ainda são realizados em espécie; que é filiado em partido político, que não é o mesmo partido de Jair, que apoiou Jair na eleição passada; que a prefeitura causa entraves a Jair; que foi secretário de obras no mandado de 2013 a 2016; que Jair é bastante conhecido porque acolhe mais de quarenta famílias em suas terras, que moram de graça, que ele nunca prejudicou ninguém, só ajudou; que tem conhecimento que Jair sempre faz a parte dele de forma correta, mas sempre teve entrave por parte da prefeitura; que não sabe se Jair tentou regularizar o loteamento junto a Prefeitura. Por fim, o informante Eduardo Fraga Leal, Engenheiro Civil funcionário do Município de Campina do Simão, relatou que não tem conhecimento da divisão de terrenos daquele loteamento; que não existe nenhuma demarcação de lotes naquele local; que na semana da audiência olhou o local e é um terreno baldio, não é feita manutenção; que não tem conhecimento se houve tentativa de início de construção; que olhando lá, não dá pra ver a divisão de cada lote; que não houve pedido de regularização do loteamento; que uma vez um senhor compareceu na prefeitura, com documento em mãos, que falou que ele precisava comparecer lá com o processo completo, que não sabia que se tratava de Jair, depois que ficou sabendo, que se ele aparecer em sua frente novamente, não sabe quem é ele, pois esse contato foi bem rápido; que não sabe se era sobre esse loteamento que ele queria resolver; que foi o único contato que teve com essa pessoa, que não tem certeza que era o Jair; que não sabe de nenhum entrave em face de Jair, que não ouviu falar de rixa política entre o prefeito e Jair; que esse imóvel tem uma rua na frente e uma atrás, que só na rua da frente pega os lotes, a rua de trás não; que nas laterais não há ruas; que esse imóvel tem um formato diferenciado, é menor que uma quadra, não é quadrado; que deduz que há energia elétrica no local, com poste; que a maior parte dos loteamentos de Campina do Simão aconteceram de forma irregular; que desde 2022, quando iniciou trabalho na prefeitura, não teve nenhum processo de regularização de loteamento, mas estão fazendo uma regularização fundiária; que não há um crescimento de loteamento irregular; que acredita que este seja o único caso de loteamento irregular; que os cartórios de registro de imóveis são todos de Guarapuava, não há nenhuma extensão em Campina do Simão (mov. 148.4). Conforme se extrai dos autos, a embargante firmou contrato particular de compromisso de compra e venda em 14/05/2018, referente a um lote integrante do imóvel matriculado sob n. 6.029 no 1º Serviço de Registro de Imóveis desta Comarca, cuja penhora somente foi determinada em 13/09/2021, ou seja, mais de três anos após a celebração do negócio. Tais fatos estão demonstrados pelos documentos de mov. 1.6, cópia da decisão que deferiu a penhora do imóvel, e de mov. 1.4, que trata do Contrato Particular de Compromisso de Compra e Venda do imóvel. Embora se trate de loteamento irregular, sem regularização formal perante o Município e sem o respectivo registro do desmembramento no cartório de registro de imóveis, o ordenamento jurídico não desampara o terceiro adquirente que, de boa-fé, adquire posse com justo título e sem ciência de qualquer vício ou obstáculo à aquisição. No caso dos autos, conforme já exposto, os lotes foram adquiridos pela embargante antes da decisão que decretou a penhora do imóvel do qual fazem parte. Ainda, a embargante possui justo título, consubstanciado no contrato de compromisso de compra e venda de imóvel, não havendo nos autos elementos que indiquem a má-fé na aquisição do referido bem. Assim, há que se proteger o direito da terceira de boa-fé, de modo que os presentes embargos comportam acolhida. A propósito do tema, vejam-se as seguintes decisões: APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS DE TERCEIRO. IMÓVEL ADQUIRIDO PELA APELANTE, POR MEIO DE CONTRATO DE COMPROMISSO DE VENDA E COMPRA AFETADO POR INDISPONIBILIDADE DE BENS IMPOSTA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.RECONHECIMENTO DE POSSE DE BOA-FÉ PELA SENTENÇA, COM A PROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL.IMPOSSIBILIDADE DE IMPOSIÇÃO DE CUSTAS PROCESSUAIS EM FACE DA APELANTE, SOB O FUNDAMENTO DA CAUSALIDADE. RECORRENTE QUE NÃO TINHA RESPONSABILIDADE PELA FALTA DE REGISTRO DO CONTRATO, NA MEDIDA EM QUE O IMÓVEL SE LOCALIZA EM LOTEAMENTO AINDA IRREGULAR, CUJA REGULARIZAÇÃO INCUMBE AO LOTEADOR.IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO À MINGUA DE MÁ-FE. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJPR - 4ª Câmara Cível - 0004938-47.2021.8.16.0045 - Arapongas - Rel.: DESEMBARGADORA MARIA APARECIDA BLANCO DE LIMA - J. 18.02.2023). Destaquei. APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS DE TERCEIRO. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. AQUISIÇÃO DE BOA-FÉ DE IMÓVEL EM LOTEAMENTO IRREGULAR. ADQUIRENTE QUE NÃO TEM RESPONSABILIDADE PELA FALTA DE REGISTRO.NÃO APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO À MINGUA DE MÁ-FE. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJPR - 4ª Câmara Cível - 0005867-80.2021.8.16.0045 - Arapongas - Rel.: DESEMBARGADORA MARIA APARECIDA BLANCO DE LIMA - J. 18.02.2023). Ainda: EMBARGOS DE TERCEIRO. LOTEAMENTO CLANDESTINO. INDISPONIBILIDADE DO IMÓVEL DECRETADA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA MOVIDA PELA MUNICIPALIDADE EMBARGADA, PARA GARANTIA DE RESSARCIMENTO POR DANOS AMBIENTAIS. LOTE ADQUIRIDO PELA EMBARGANTE ANTES DA REFERIDA DECISÃO. PROTEÇÃO AO TERCEIRO DE BOA-FÉ. DESNECESSIDADE DE REGISTRO DO TÍTULO AQUISITIVO. SÚMULA Nº 84, STJ. SENTENÇA QUE ACOLHEU OS EMBARGOS MANTIDA. APELAÇÃO DA EMBARGADA NÃO PROVIDA. 1. Embargos de terceiro opostos por adquirente de lote situado em loteamento irregular. Decretação de indisponibilidade do imóvel em ação civil pública ajuizada pela municipalidade, para garantia de ressarcimento por danos ambientais. 2. Hipótese de manutenção da sentença que acolheu os embargos. 3. Lote adquirido pela embargante/apelada antes da decisão que decretou a indisponibilidade do imóvel. Proteção ao terceiro de boa-fé. 4. Desnecessidade de registro do título aquisitivo para a oposição dos embargos de terceiro. Súmula nº 84, STJ. 5. Apelação da embargada não provida. (TJSP; Apelação Cível 0041582-41.2010.8.26.0224; Relator (a): Alexandre Lazzarini; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro de Guarulhos - 2ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 06/05/2014; Data de Registro: 07/05/2014). Destaquei. É importante destacar que os embargos de terceiro constituem medida de proteção destinada exclusivamente a preservar o direito de quem, não sendo parte no processo, tem seus bens indevidamente atingidos por atos constritivos, conforme dispõe o art. 674 do CPC. Dessa forma, a utilização dos embargos de terceiro não se presta a discutir a eficácia ou ineficácia do negócio jurídico que originou a transferência do bem. A controvérsia quanto à validade ou ineficácia do negócio celebrado entre as partes demanda análise aprofundada dos elementos fáticos e jurídicos que o cercam, o que foge à finalidade dos presentes embargos. Na hipótese, verificou-se a posse da embargante e a boa-fé na aquisição, não havendo indícios que demonstrassem o contrário. Assim, havendo questionamento acerca da validade do negócio do jurídico envolvendo loteamento irregular, o interessado deverá propor a ação própria para discutir tais questões, na forma adequada e com a produção de provas pertinentes. Portanto, a alegação de ineficácia do negócio jurídico não pode ser apreciada no bojo dos embargos de terceiro, devendo ser afastada da presente lide, preservando-se, assim, o foco na proteção do direito da embargante sobre o bem adquirido de boa-fé e anteriormente à constrição judicial. Por fim, cumpre esclarecer que, não obstante tenha sido reconhecida a posse da autora sobre o imóvel objeto da constrição, com base em justo título e na boa-fé demonstrada nos autos, não há nos autos elementos suficientes para acolher a alegação de que o bem em questão seja qualificado como bem de família, nos termos da Lei nº 8.009/90. Além disso, a própria embargante admitiu, em seu depoimento, que não iniciou construção no lote, tampouco apresentou qualquer projeto aprovado ou requerimento junto ao Município para fins de edificação. O informante técnico da prefeitura, por sua vez, confirmou tratar-se de terreno baldio, sem demarcação visível, sem construção iniciada. Logo, embora se reconheça a boa-fé da embargante e a proteção possessória decorrente da aquisição anterior à constrição, não restou comprovado que o imóvel seja utilizado como residência permanente da autora ou de sua família, condição indispensável à configuração do bem de família legal e, consequentemente, à aplicação da impenhorabilidade prevista na Lei nº 8.009/90. A propósito do tema, veja-se: AGRAVO DE INSTRUMENTO – EMBARGOS DE TERCEIRO – IMPENHORABILIDADE DE BEM DE FAMÍLIA – TERRENO NÃO EDIFICADO – NÃO COMPROVAÇÃO DE QUE O TERRENO SE DESTINA OU FUTURAMENTE SE DESTINARIA A MORADIA – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO REQUISITO BEM DE FAMÍLIA – TERRENO BALDIO – IMPOSSIBILIADE DE CARACTERIZAÇÃO DE BEM DE FAMÍLIA – DECISÃO MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. A jurisprudência do STJ já consagrou a tese de que a circunstância de o terreno encontrar-se desocupado ou não edificado por si só não obsta a qualificação do imóvel como bem de família , devendo ser perquirida, caso a caso, a finalidade a este atribuída: (REsp 1417629/SP,Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, Julgado em 10/12/2013,DJE 19/12/2013; AgRg no Ag 1348859/PR,Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA,Julgado em 16/08/2012,DJE 24/08/2012; REsp 825660/SP,Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA,Julgado em 01/12/2009,DJE 14/12/2009; REsp 1087727/GO,Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA,Julgado em 06/10/2009,DJE 16/11/2009). No caso, o agravante não comprovou que o terreno penhorado serviria para a construção a futura habitação familiar ou qualquer outro elemento a indicar tratar-se de bem de família, estando devidamente certificado nos autos tratar-se de terreno baldio, não havendo que falar em impenhorabilidade. (N.U 1008925-19.2022.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, Primeira Câmara de Direito Privado, Julgado em 02/08/2022, Publicado no DJE 05/08/2022). Destaquei. Dessa forma, afasta-se o pedido de reconhecimento da impenhorabilidade do imóvel com fundamento na proteção legal conferida ao bem de família, por ausência de comprovação mínima dos requisitos legais exigidos para tanto. III - Dispositivo Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos iniciais, tão somente para o fim de determinar a desconstituição da constrição que recai sobre o lote de n. 04 do imóvel da matrícula nº 6.029 do Cartório do 1º SRI de Guarapuava/PR, oriunda dos autos n. 0002891-94.2011.8.16.0031. Por outro lado, deixo de reconhecer a alegada impenhorabilidade do bem como sendo de família, uma vez que não restou caracterizada tal condição. Por consequência, JULGO EXTINTO o presente processo, COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, conforme dispõe o art. 487, I, do Código de Processo Civil. Conforme entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, deixo de atribuir às partes o ônus ao pagamento das custas e despesas processuais (TJPR - 4ª Câmara Cível - 0003056-50.2021.8.16.0045 - Arapongas - Rel.: DESEMBARGADORA MARIA APARECIDA BLANCO DE LIMA - J. 05.06.2023). Publique-se, registre-se e intimem-se. Junte-se cópia da presente sentença nos autos n. 0002891-94.2011.8.16.0031. Cumpra-se as disposições cabíveis do Código de Normas da Egrégia Corregedoria-Geral de Justiça. Oportunamente, arquivem-se. Guarapuava, datado e assinado digitalmente. Chélida Roberta Soterroni Heitzmann Juíza de Direito Substituta

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Processo nº 0007063-96.2019.4.03.6303

ID: 324216988

Tribunal: TRF3 Órgão: 41º Juiz Federal da 14ª TR SP Classe: RECURSO INOMINADO CíVEL Nº Processo: 0007063-96.2019.4.03.6303

Data de Disponibilização: 14/07/2025

Polo Ativo:

ROBERTA CRISTINA DO NASCIMENTO

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

FABIO MOLEIRO FRANCI

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

ALEXANDRE AUGUSTO FORCINITTI VALERA

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

PODER JUDICIÁRIO Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de São Paulo 14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0007063-96.2019.4.… PODER JUDICIÁRIO Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de São Paulo 14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0007063-96.2019.4.03.6303 RELATOR: 41º Juiz Federal da 14ª TR SP RECORRENTE: ROBERTA CRISTINA DO NASCIMENTO Advogados do(a) RECORRENTE: ALEXANDRE AUGUSTO FORCINITTI VALERA - SP140741-N, FABIO MOLEIRO FRANCI - SP370252-A RECORRIDO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: PODER JUDICIÁRIO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0007063-96.2019.4.03.6303 RELATOR: 41º Juiz Federal da 14ª TR SP RECORRENTE: ROBERTA CRISTINA DO NASCIMENTO Advogados do(a) RECORRENTE: ALEXANDRE AUGUSTO FORCINITTI VALERA - SP140741-N, FABIO MOLEIRO FRANCI - SP370252-A RECORRIDO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Relatório dispensado. PODER JUDICIÁRIO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0007063-96.2019.4.03.6303 RELATOR: 41º Juiz Federal da 14ª TR SP RECORRENTE: ROBERTA CRISTINA DO NASCIMENTO Advogados do(a) RECORRENTE: ALEXANDRE AUGUSTO FORCINITTI VALERA - SP140741-N, FABIO MOLEIRO FRANCI - SP370252-A RECORRIDO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Trata-se de recurso inominado interposto pela parte autora e pela Caixa Econômica Federal - CEF, contra a sentença que julgou parcialmente procedente o pedido, em ação em que se pretende a condenação Da CEF ao pagamento de indenização por danos materiais e morais, por vícios de construção em imóvel adquirido por meio do Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV. Parte autora alega nulidade da sentença, pugnando pela condenação da CEF à indenização em pecúnia; defende necessidade de indenização pelo sistema de esgoto e prejuízos acessórios, bem como ao pagamento de indenização por dano moral, no montante de R$ 10.000,00. CEF alega ilegitimidade passiva, necessidade de formação de litisconsórcio passivo com a construtora; decadência e prescrição; inexistência de vícios construtivos e do dever de indenizar. Vejamos o conteúdo da sentença no que pertine ao objeto do recurso: Trata-se de ação movida em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF, em que a parte autora pleiteia a percepção de indenização por danos materiais e morais, em razão de supostos vícios construtivos constatados em imóvel por ela adquirido por meio do Programa Minha Casa Minha Vida. É a síntese do necessário, considerando que no procedimento dos juizados está dispensado o relatório. I – DA NATUREZA DA RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE AS PARTES. Primeiramente, é essencial verificar qual a natureza jurídica do vínculo firmado entre as partes, pois, tal premissa irá delinear quais são os princípios e as normas aplicáveis ao caso concreto. O Programa Minha Casa Minha Vida, instituído pela Lei n. 11.977/2009, se constitui em política habitacional que objetiva o acesso à moradia para famílias de baixa renda, a fim de reduzir o déficit habitacional, assim como os impactos ambientais e sociais decorrentes das ocupações irregulares e das habitações precárias. Trata-se, portanto, de programa de interesse social, em concretização ao artigo 23, IX, da Constituição Federal. Para viabilizar este projeto social, a lei engendra a atuação de diversos atores – principalmente entes de direito público – mas elegeu a CEF (empresa pública, dotada de personalidade jurídica de direito privado) como gestora dos recursos públicos alocados no Fundo de Arrendamento Residencial – FAR. Com o intuito de desburocratizar certos procedimentos, a União incumbiu a CEF de gerir um fundo público; investindo os recursos do erário na consecução do referido projeto social. Os recursos do fundo não integram o ativo da CEF, não respondendo por quaisquer de suas obrigações (artigo 2º, § 3º, da Lei nº 10.188/2001). Por isso, quando atua como gestora do fundo (dinheiro público), celebrando os contratos com as construtoras; e firmando os contratos com os contemplados pela política pública habitacional, a CEF atua como longa manus da União. Quando firma um contrato de compra e venda – no caso do Faixa I, subsidiado em 95% pelo fundo – trata-se, por sua natureza, de um contrato administrativo (em sentido lato), na modalidade de Contrato da Administração, isto é, firmado com a Administração Pública, mas essencialmente regido pelo direito privado, com derrogações de direito público. Trata-se de uma compra e venda que, embora regida primordialmente pelo direito privado, impõe condições específicas inerentes a um projeto social de Governo. Tanto que o beneficiário do programa público, para ter direito à propriedade ao final do financiamento (120 meses), além de pagar as parcelas do financiamento, deverá por todo o período residir, pessoalmente, no imóvel e não ter nenhuma outra propriedade. Assim, estabelecida a natureza de contrato da Administração Pública, sob regime jurídico de direito privado com derrogações de direito público, descabida a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. II – DAS QUESTÕES PRELIMINARES. Inicialmente, deve ser afastada a alegação de inépcia da inicial, já que esta possui elementos suficientes à identificação do pedido e da causa de pedir. Além disso, o processo foi devidamente instruído de modo a superar eventuais falhas. No que diz respeito ao interesse de agir, ressalvo o meu entendimento no sentido de que seria necessário o prévio requerimento administrativo, mediante o “Programa de Olho na Qualidade”, criado justamente para solucionar problemas como o dos autos. Contudo, com o intuito de evitar nulidades postergando ainda mais a solução da lide, acato a significativa jurisprudência no sentido de dispensar a referida providência. Quanto à incompetência do Juizado Especial Federal para o processamento e julgamento da causa, trata-se de matéria já afastada pelas Turmas Recursais; e, ainda, a questão da complexidade da perícia foi resolvida mediante a realização de Prova Técnica Simplificada. Resta igualmente afastada a ilegitimidade passiva da Caixa Econômica Federal, pois, neste programa específico atua como executora de programa de moradia para a população de baixa renda, pelo qual participa da gestão da construção, entrega e financiamento dos imóveis (PMCMV - Faixa I). Ainda, resta afastado o litisconsórcio necessário entre a CEF a e construtora, uma vez que se trata de hipótese de responsabilidade solidária, podendo o credor escolher pelo ajuizamento contra qualquer um dos responsáveis, sem prejuízo de eventual ação regressiva da CEF em face da construtora (artigo 275 do Código Civil). Por fim, descabe a denunciação da lide no âmbito dos Juizados Especiais Federais, a teor do artigo 10 da Lei nº 9.099/1995, ressalvado o direito de regresso da CEF em ação própria. III – DAS QUESTÕES RELATIVAS MÉRITO. III.1. Da prejudicial de mérito: prescrição. Conforme já ressaltado (item I) a CEF – na condição de executora de política pública habitacional – se submete ao prazo prescricional cinco anos a que aludem o artigo 1º do Decreto nº 20.910/1932 e o artigo 1º-C da Lei nº 9.494/1997 (Tema nº 553 do STJ). O disposto no artigo 618 do Código Civil não afasta o referido prazo prescricional, por se tratar de prazo de garantia legal oponível ao empreiteiro e, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, flui desde logo, a partir da entrega do imóvel (REsp 1.290.383/SE). Portanto, o evento danoso deve obrigatoriamente se apresentar dentro do prazo de 05 (cinco) anos previstos no artigo 618 do Código Civil e, uma vez caracterizada tal hipótese, o construtor (ou, no caso, o executor da política pública habitacional) poderá ser acionado no prazo prescricional de 05 (cinco) anos de que trata o artigo 1º do Decreto nº 20.910/1932, a contar do término da garantia legal do construtor. E, no caso, a pretensão reparatória manifestada pela parte autora não está fulminada pela prescrição. Neste sentido, o contrato foi firmado em 03/09/2015 (ID 306256697, fl. 59 – fl. 13). III.2. Dos fatos: vícios construtivos. Conforme já mencionado, trata-se de aquisição de imóvel por meio do Projeto Minha Casa Minha Vida (Faixa I) em que o Governo Federal oferece um subsídio de 95% do valor do imóvel, de modo que cada família paga parcelas fixas em valor proporcional aos seus rendimentos (5%), respeitado o valor mínimo de R$ 25,00 e máximo de R$ 80,00, sem a incidência de juros. Houve a juntada do instrumento do contrato, no qual a parte autora se obriga ao pagamento de 120 (cento e vinte) parcelas fixas, com valor dentro dos limites acima identificados; sendo que até que ocorra o pagamento integral da dívida o imóvel será mantido sob a propriedade fiduciária da CAIXA. Neste contexto, evidente que a obra realizada pelo Governo Federal é de baixo custo, mas, ainda assim, claramente deve ser executada adequadamente e em conformidade com as normas construtivas. De acordo com as normas técnicas, o vício construtivo consiste em (i) erro na elaboração do projeto; (ii) de sua execução ou, ainda, (iii) da informação defeituosa sobre a sua utilização ou manutenção (item 3.75 da Norma ABNT, NBR 13752). Não há nos autos qualquer elemento a indicar que tenha havido falha na elaboração do projeto, e sequer que tenha havido informação errônea sobre a sua utilização/manutenção. Neste ponto, a CEF entregou ao devedor fiduciante o Manual do Usuário e, ao condomínio, o Manual do Síndico, tendo o perito constatado que as normas de manutenção não têm sido cumpridas pela parte autora ou pelo condomínio. Para verificar a existência de vício construtivo houve a realização, por Engenheiro Civil nomeado pelo juízo, de prova técnica simplificada. No referido laudo, o perito descreve as patologias elencadas na inicial, subdividindo-as entre: (1) inexistente, isto é, patologia descrita na inicial e não constatada no local); (2) existentes, ou seja, patologia descrita na inicial e constatada no local, mas não necessariamente decorrente de vício construtivo. Das patologias constatadas no local, foi verificada a existência de vício construtivo somente em relação a Revestimento cerâmico, possivelmente decorrente de erro na execução da obra. Quanto aos demais problemas verificados no imóvel, o perito concluiu não se tratar de vício construtivo. Constatou que o imóvel não recebe a manutenção devida – notadamente, a ausência de pintura da fachada do condomínio; ausência de pintura interna da unidade e a não aplicação de material selante nas janelas (como o PU – sendo que, neste caso, há recomendação expressa no Manual do Usuário para que haja a referida aplicação anualmente), de modo que a ausência de conservação acaba ocasionando infiltrações nas janelas, bem como fissuras e trincas nas paredes (que seriam estéticas, resolvidas com pintura, sem comprometer a integridade da unidade em questão). Ora, evidente que cabe à ré entregar o imóvel em boas condições, mas igualmente cumpre aos moradores cuidarem do seu imóvel efetuando a manutenção e os reparos necessários, conforme dispõe a NBR 5674. Não realizada a correta manutenção, evidente que haverá o desgaste natural do imóvel, o que não pode ser considerado vício construtivo. Com relação às demais patologias elencadas na inicial, no referido laudo, o perito concluiu pela inexistência de vícios construtivos. Por fim, devem ser afastadas as impugnações ao laudo, que está claro e suficientemente fundamentado. Constatado o vício construtivo pontual, resta verificar como este deve ser reparado. II. 4. Da forma de reparação do vício construtivo. Conforme já salientado anteriormente, o vínculo que une as partes é de contrato da Administração, regido pelo direito privado, com derrogações de direito público. Contudo, a parte autora, sem observar a natureza da relação jurídica e o contrato subjacente, pleiteia estritamente que a atual proprietária do imóvel, CEF, lhe pague indenização em pecúnia (frise-se indenização, não reembolso), sem apresentar justificativa plausível para tanto. Sobre o pedido de pagamento de indenização, é necessário tecer breves considerações. O imóvel em questão ainda está sob a propriedade fiduciária da CEF, não tendo havido até o presente momento o pagamento integral da dívida. Contratualmente, há previsão de consolidação da propriedade em favor da CEF, dentre outras hipóteses: no caso de inadimplência das parcelas relativas ao financiamento; inadimplência das parcelas condominiais; abandono do imóvel; locação do imóvel; ou, ainda, no caso de “falta de manutenção do imóvel que deprecie a garantia” (Cláusula 10, item f). Cabe destacar que o laudo técnico constatou a situação de ausência de manutenção da unidade, de modo que a consolidação da propriedade pela CEF é uma real possibilidade. O contrato celebrado entre as partes prevê, no que diz respeito aos danos físicos no imóvel: o dever da parte autora de acionar a proprietária fiduciante CEF/FAR para buscar a solução para qualquer dano constatado no imóvel (item 18.1 do contrato); a previsão da realização dos reparos dos danos físicos no imóvel pelo FAR, sendo subsidiariamente prevista a política de reembolso quando se tratar da primeira ocorrência de dano comprovadamente reparado pelo devedor (mediante o atendimento de requisitos como a apresentação de fotos, antes e depois da recuperação do dano, e apresentação de três orçamentos) e a quantia não ultrapassar R$ 1.000,00. Quando superior a este valor, ou não se tratar de primeira ocorrência de danos físicos, há previsão de avaliação pelo engenheiro da CAIXA (Item 2.2 das orientações ao beneficiário). Não há abusividade das cláusulas contratuais. Conforme já explicitado, não se aplica ao caso o Código de Consumidor. Não incide aqui, para o FAR, representado pela CEF, o conceito de fornecedor, pois se trata de fundo público destinado a garantir acesso à moradia a pessoas de baixa renda, altamente subsidiado pelo Poder Público. Ademais, a cláusula contratual é compatível com a natureza do contrato de alienação fiduciária, afinal, a CEF figura como proprietária do bem até o final do contrato. Além de ser contrária ao contrato, a pretensão de receber apenas a indenização em pecúnia, ao invés da efetiva reparação do problema, não se coaduna com o princípio da boa-fé. A CEF não possui garantia alguma de que a parte autora, caso receba a indenização, irá efetivamente investir na reparação do vício construtivo. Haveria, assim, uma situação teratológica caso esta fosse obrigada ao pagamento de indenização e, posteriormente, sem que o valor fosse efetivamente investido no imóvel, consolidasse a propriedade em seu favor. Com isso, receberia o seu imóvel depreciado mesmo tendo pago a indenização, em claro prejuízo ao erário (FAR). A parte autora não justifica a razão pela qual almeja apenas o pagamento em pecúnia, ao invés da obrigação de fazer. Ora, o vício construtivo constatado pelo I. Perito é algo pontual, não revelando, por si só, a inépcia da construtora em efetuar eventuais reparos. E, caso houvesse qualquer receio da parte autora neste sentido, caberia a ela – em atendimento ao princípio da boa-fé e em respeito ao contrato/instruções ao usuário - solicitar o reembolso de reparos efetivamente realizados. Diante deste cenário restariam duas alternativas: a improcedência pura e simples do pedido de indenização àquele que não é proprietário do imóvel; ou a condenação da ré na realização dos reparos necessários (obrigação de fazer). À semelhança do que ocorre nas obrigações alternativas ou disjuntivas – isto é, quando o devedor puder cumprir a prestação de mais de um modo – o vício construtivo pode ser reparado pela CEF; ou então reparado pelo morador com a possibilidade de reembolso pelo fundo (Item 2.2 das orientações ao beneficiário). No que diz respeito às obrigações alternativas/disjuntivas, o Código de Processo Civil – à luz da natureza da referida obrigação, que pode ser perfeitamente atendida por mais de uma forma – estabeleceu não ser necessária a formulação de pedido específico. Neste sentido: Art. 325. O pedido será alternativo quando, pela natureza da obrigação, o devedor puder cumprir a prestação de mais de um modo. Parágrafo único. Quando, pela lei ou pelo contrato, a escolha couber ao devedor, o juiz lhe assegurará o direito de cumprir a prestação de um ou de outro modo, ainda que o autor não tenha formulado pedido alternativo (sem grifos no original). Tal dispositivo comporta interpretação analógica ao caso concreto. Ora, o interesse legítimo do devedor fiduciante é de ter o imóvel em condições adequadas à habitação; devendo o pedido decorrente de tal interesse ser interpretado de forma sistemática. Neste caso, as normas contratuais preveem que a forma do fundo público – gerido pela CEF – de reparar danos físicos no imóvel é por meio de obrigação de fazer, ou, ainda, segundo instruções ao usuário, mediante reembolso. Em nenhuma norma há a previsão de indenização sem que haja a efetiva comprovação da reparação do imóvel. E, conforme já demonstrado, pela natureza do contrato, a situação não pode ser convertida em reparação em dinheiro (TR 3ª Região, RecInoCiv 0004670-64.2021.4.03.6325, Rel. Juiz Federal Alexandre Cassetari j. em 11/07/2023); TRF 4ª REGIÃO, AC 5009680-98.2012.4.04.7001, Rel. Des. SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA, j. EM 15/05/2019), salvo, evidentemente, se a CEF, condenada em obrigação de fazer, não cumprir a obrigação e esta for convertida em perdas e danos. Assim, sem que haja qualquer violação ao princípio da adstrição, tendo em vista a interpretação lógico-sistemática do pedido e o princípio da boa-fé, revela-se cabível a imposição de obrigação de fazer. III.4. Do pedido de indenização por danos morais. Sobre a matéria, a Turma Nacional de Uniformização, fixou a tese de que: "O dano moral decorrente de vícios de construção que não obstam a habitabilidade do imóvel não pode ser presumido (in re ipsa), devendo ser comprovadas circunstâncias que no caso concreto ultrapassam o mero dissabor da vida cotidiana por causarem dor, vexame e constrangimento, cuja gravidade acarreta abalo emocional, malferindo direitos da personalidade" (TNU, PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI Nº 5004907-76.2018.4.04.7202/SC, TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO, Juiz Federal NEIAN MILHOMEM CRUZ, JUNTADO AOS AUTOS EM 11/11/2022) No caso concreto, a parte autora fundamenta o pedido de condenação da ré ao pagamento de indenização por supostos danos morais na presunção de sua ocorrência automática ante a existência de vícios de construção no imóvel. Não foram especificadas violações concretas a direitos da personalidade que não tenham decorrido diretamente de tais vícios construtivos, resultando na natural improcedência do pedido. Os problemas construtivos detectados pelo perito foram bastante pontuais e não inviabilizam a habitação do imóvel. Igualmente não prejudicam a solidez e a segurança do imóvel. Ao contrário do que se alega, a maior parte das patologias constatadas não decorreram de problemas de construção e sim de falta de manutenção que deveria ser realizada pelo devedor fiduciante. Não resta caracterizada, assim, a ofensa aos direitos da personalidade. IV - DISPOSITIVO Diante de todo o exposto, afasto as preliminares e, em relação ao mérito, o pedido revela-se PARCIALMENTE PROCEDENTE, extinguindo-se a ação com resolução de mérito para determinar que a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL realize obrigação de fazer, consistente na realização dos reparos necessários à eliminação dos vícios de construção reconhecidos no laudo pericial (do revestimento cerâmico), conforme fundamentação, devendo ser iniciados os reparos no prazo de 60 (sessenta) dias, a partir do trânsito em julgado desta decisão, sendo a data da conclusão dos reparos fixada em 30 (trinta) dias após o seu início. Defiro à parte autora os benefícios da gratuidade judiciária. Sem condenação ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios neste grau de jurisdição (artigos 54 e 55 da Lei nº 9.099/1995 e artigo 1º da Lei nº 10.259/2001). Analiso o recurso interposto pela CEF. Tratando-se de imóvel financiado através do Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV – Faixa 1, com recursos oriundos do FAR, a responsabilidade da CEF sobre ocorrência de vícios de construção é inequívoca, vez que não atuou apenas na qualidade de agente financeiro, mas também como agente executor de políticas públicas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa renda, escolhendo a construtora, fiscalizando prazos e qualidade da obra, gerindo os recursos financeiros e técnicos, interferindo diretamente na execução do projeto. Nesse sentido: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. SFH. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. IMÓVEL RESIDENCIAL. DEFEITOS NA CONSTRUÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRETENSÃO DE REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. ANÁLISE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. APLICAÇÃO DAS SÚMULAS N. 5 E 7, AMBAS DO STJ. CDC. INAPLICABILIDADE. I - Na origem, trata-se de ação ajuizada contra a Caixa Econômica Federal - CEF objetivando indenização por danos morais e materiais, em razão de defeitos na construção de imóvel residencial do programa Minha Casa Minha Vida. II - Na sentença, julgaram-se procedentes os pedidos para condenar a ré no pagamento de R$ 7.434,23 (sete mil, quatrocentos e trinta e quatro reais e vinte e três centavos) por danos materiais e de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) por danos morais. No Tribunal a quo, a sentença foi parcialmente reformada para reduzir o valor da indenização por danos morais para R$ 30.000,00 (trinta mil reais). Esta Corte conheceu do agravo para negar provimento ao recurso especial. III - A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que a Corte de origem analisou a controvérsia dos autos levando em consideração os fatos e provas relacionados à matéria, além da análise das cláusulas do contrato. Assim, para se chegar à conclusão diversa, seria necessário o reexame fático-probatório, o que é vedado pelos enunciados n. 5 e 7, ambos da Súmula do STJ. IV - No que trata da apontada violação do art. 186 do Código Civil, sem razão a recorrente, porquanto esta Corte Superior tem entendimento firme de que a Caixa Econômica Federal é parte legítima para responder por vícios construtivos, atraso ou outras questões relativa à construção de imóveis objeto do Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida se, à luz da legislação, do contrato e da atividade por ela desenvolvida, atuar como agente executor de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa renda, sendo parte ilegítima se atuar somente como agente financeiro. V - A própria recorrente, em diversas passagens, assumiu o status de administradora do FAR e gestora de política pública para fomento de produção de moradia a publico de baixa renda (fls. 421, 465 e 471). VI – (...) VIII - Agravo interno improvido. (SEGUNDA TURMA, AgInt no AREsp n. 2.161.489/RJ, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe de 1/12/2022 – destaques nossos) Observa-se duas relações jurídicas distintas na aquisição de imóvel pelo PMCMV. Uma firmada entre o FAR e construtora, constando, no instrumento pactuado, responsabilidade pela solidez e segurança da construção, além de previsão contratual pela assunção de obrigação em reparar danos físicos no imóvel, decorrentes de vícios de construção devidamente comprovados, conforme contrato comum nos casos do PMCMC. Outra, da qual participa o FAR (como vendedor-credor) e parte autora (como comprador-devedor), da qual não participa a construtora. O imóvel é de propriedade do FAR até que os particulares que firmaram contratos de arrendamento com opção de compra possam exercer este ato de aquisição no final do contrato. Assim, a CEF pode ser demandada, de forma exclusiva, pelo adquirente do imóvel. Destaque-se que a CEF poderá buscar o ressarcimento de eventuais valores dispendidos por condenações decorrentes de vícios construtivos -- direito de, regressivamente, acionar a construtora --, conforme obrigação assumida. Portanto, não há falar em denunciação da lide. De outra parte, não vejo caracterizada obrigatoriedade de formação de litisconsórcio necessário, na forma do art. 114 do CPC. Destaque-se que a CEF poderá buscar o ressarcimento de eventuais valores dispendidos por condenações decorrentes de vícios construtivos -- direito de, regressivamente, acionar a construtora --, conforme obrigação assumida. Este o entendimento desta 14ª Turma: PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA - FAIXA URBANO 01. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. DETERMINAÇÃO JUDICIAL PARA INCLUSÃO DA CONSTRUTORA NO POLO PASSIVO DA DEMANDA. NÃO CONFIGURADA HIPÓTESE DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. SENTENÇA ANULADA. RECURSO DA PARTE AUTORA PROVIDO. (RecInoCiv 5002221-63.2022.4.03.6341, Rel. Juíza Federal FERNANDA SOUZA HUTZLER, DJEN 16/07/2024) As preliminares de decadência e prescrição foram corretamente analisadas pela sentença, não merecendo reparos. Analiso a insurgência da parte autora contra a condenação da CEF na obrigação de fazer em proceder aos reparos necessários à eliminação dos vícios de construção em imóvel. No ponto, faz-se referência a julgamento desta 14ª Turma Recursal, que bem analisou a questão: O dano material consiste na recomposição da coisa, para que ela volte ao seu estado anterior (status quo ante), podendo ser compensada tanto pela sua reparação in natura quanto pela sua reparação in pecunia. Essa reparação se faz em consonância com o art. 944 do Código Civil, ou seja, de acordo com a extensão do dano, sendo que sua quantificação poderá ser feita por arbitramento pelo profissional técnico, apoiada em critério objetivos e vistoria in loco realizada. No caso em apreço, a prova pericial técnica individualizada na unidade habitacional constatou danos no imóvel ou anomalias de ordem endógena, evidenciando falha na execução da obra e emprego de materiais de baixa qualidade, bem como, que os danos não tiveram origem na ausência de manutenção preventiva e corretiva no imóvel. A r. sentença entendeu que a melhor solução seria a condenação da ré em obrigação de fazer, consistente na realização de reformas no imóvel, com todos os reparos dos vícios construtivos elencados no laudo pericial técnico judicial, e não sua condenação em indenização pecuniária. O dano material, dada a sua natureza jurídica, não tem, peremptoriamente, viés indenizatório ou caráter obrigacional, pode ser reparado/compensado em prestação in natura ou in pecunia. Portanto, se vislumbra que são alternativas entre si, cuja adoção de uma ou outra dependerá da manifestação das partes. O Código Civil não é expresso quanto a possibilidade da reparação ser in natura ou in pecunia, sendo que boa parte da doutrina, deixa a critério subjetivo do lesado (credor da obrigação) tal escolha. Para o civilista Marcos Ehrhardt Jr. “compete ao lesado, isto é, ao credor da obrigação de indenização a opção pela reparação natural ou pela indenização pecuniária, estando a escolha sujeita aos limites gerais do ordenamento jurídico, como qualquer outro ato de exercício da autonomia privada, que não pode desconsiderar as exigências de boa-fé e a vedação do enriquecimento sem causa, previstas na legislação vigente”. (EHRHARDT JR., Marcos. Em busca de uma teoria geral da responsabilidade civil. In: Os 10 anos do Código Civil: evolução e perspectivas. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 328). No entanto, outra parte da doutrina entende que não se mostra adequado deixar somente ao critério subjetivo (opção do lesado), estabelecendo parâmetros objetivos para a escolha. Assim, não cabe a fixação da indenização em pecúnia, se a reparação in natura: a) for suficiente para a recomposição integral do dano; b) não for excessivamente onerosa ao devedor; c) não for recusada concomitantemente pelo credor e devedor. No caso em concreto, verifica-se que tanto a parte autora, quanto a parte ré, pretendem, caso a indenização material seja comprovada nos autos, que a mesma seja fixada in pecunia, como pode se verificar dos pedidos contidos nos recursos inominados interpostos por ambas as partes. E mesmo se assim não fosse, a indenização in pecunia se mostra menos onerosa à parte autora, que poderá realizar as reformas devidas de acordo com os seus critérios (considerando que se trata de sua moradia familiar) e não depender exclusivamente dos critérios empregados pela parte ré. Desse modo, a r. sentença, nesta parte, deve ser reformada para que a indenização material seja convertida de obrigação de fazer (indenização in natura) para indenização pecuniária (in pecunia). (RecInoCiv 0005867-91.2019.4.03.6303, Rel. Juíza Federal FERNANDA SOUZA HUTZLER, DJEN 06/12/2023 – destaques nossos) No mesmo sentido: RecInoCiv 5001624-79.2021.4.03.6325, Rel. Juíza Federal MARCELLE RAGAZONI CARVALHO, DJEN DATA: 25/09/2023). Disso, não é o caso de anulação da sentença, bastando adequar a forma de cumprimento pleiteada pelo autor na inicial, convertendo a obrigação de fazer em indenização pecuniária. No ponto, o perito judicial apresentou planilha orçamentária com os valores necessários à recomposição dos vícios constatados (ID 319146403 - Pág. 14), totalizando o valor de R$ 4.763,10. Por outro lado, o laudo pericial foi produzido por profissional tecnicamente habilitado, analisando o imóvel da parte autora, explicando de forma suficiente, cada item reclamado, os problemas existentes, sua natureza e causa, bem como os motivos que embasaram sua conclusão. As partes não trouxeram subsídio seguro e suficiente que autorize afastar conclusão pericial. Quanto ao sistema de esgoto, o perito foi claro em sua análise, afirmando que “Não foi constatado mau odor nesta unidade durante a vistoria assim como vazamentos e/ou má instalação do sistema de esgoto. Não se classifica este item como vício construtivo.” Com relação às despesas acessórias, colhe-se do orçamento elaborado pelo perito que foram computadas no valor apurado (ID 319146403 - Pág. 14). Portanto, CEF deverá indenizar o autor no valor de R$ 4.763,10. Quanto ao dano moral, este exige que o sofrimento deve ser consequência de uma lesão a direito da personalidade, à dignidade humana; mas não exige para sua configuração uma determinada forma de ilícito; o que importa, é a repercussão que tal ilícito possa ter. Especificamente quanto à indenização por dano moral decorrente de constatação de vícios construtivos, faz-se referência ao entendimento firmado pelo STJ: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. VÍCIOS CONSTRUTIVOS. DANO MORAL. AUSÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIA EXCEPCIONAL. AGRAVO INTERNO PROVIDO PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. 1. Consoante a jurisprudência desta Corte, "o dano moral, na ocorrência de vícios de construção, não se presume, configurando-se apenas quando houver circunstâncias excepcionais que, devidamente comprovadas, importem em significativa e anormal violação de direito da personalidade dos proprietários do imóvel" (AgInt no AREsp 1.288.145/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, DJe de 16/11/2018). 2. No caso, a fundamentação para a condenação em danos morais teve como justificativa somente a existência de vícios de construção no imóvel, sem motivação adicional, a justificar a angústia ou abalo psicológico configuradores de dano moral. 3. Deve, pois, o presente recurso especial ser provido, ante a ausência de referência a circunstância especial que extrapole o mero aborrecimento decorrente do atraso na entrega do imóvel. 4. Agravo interno provido para dar provimento ao recurso especial, a fim de afastar a condenação por danos morais. (QUARTA TURMA, AgInt no REsp n. 1.955.291/RS, relator Ministro Raul Araújo, DJe de 2/3/2022.) AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANOS MORAIS PELO ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. AUSÊNCIA DE MENÇÃO A CIRCUNSTÂNCIAS EXCEPCIONAIS QUE INDIQUEM ABALO À PERSONALIDADE DOS MORADORES. DECISÃO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SÚMULA 83/STJ. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DE DISPOSITIVO OU TESE. SÚMULAS N. 282 E 356 DO STF. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 1. Com efeito, a jurisprudência desta Corte de Justiça é firme no sentido de não ser cabível a condenação à reparação moral na hipótese em que há mero dissabor ou inadimplemento contratual, devendo haver uma consequência excepcional para caracterização dos danos extrapatrimoniais indenizáveis. 1.1. Ademais, "o dano moral, na ocorrência de vícios de construção, não se presume, configurando-se apenas quando houver circunstâncias excepcionais que, devidamente comprovadas, importem em significativa e anormal violação de direito da personalidade dos proprietários do imóvel" (AgInt no AREsp 1.288.145/DF, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe de 16/11/2018). 1.2. Na hipótese, a Corte de origem deixou clara a inexistência de circunstâncias excepcionais devidamente comprovadas que importassem em violação aos direitos da personalidade, sendo inarredável a aplicação da Súmula 83/STJ, a obstar a análise do reclamo por ambas as alíneas do permissivo constitucional. 2. O prequestionamento é exigência inafastável contida na própria previsão constitucional, impondo-se como um dos principais pressupostos ao conhecimento do recurso especial - Súmulas n. 282 e 356/STF. Também não é o caso de se considerar a ocorrência do prequestionamento implícito. 3. Agravo interno improvido. (TERCEIRA TURMA, AgInt no REsp n. 1.995.295/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, DJe de 6/9/2023.) No mesmo sentido a jurisprudência da TNU: PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL. DIREITO CIVIL. DANOS MORAIS DECORRENTES DE VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO EM IMÓVEL FINANCIADO NO ÂMBITO DO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA - PMCMV. ORIENTAÇÃO ASSUMIDA NO ACÓRDÃO RECORRIDO DE QUE NÃO HÁ NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE ABALO MORAL PARA FINS DE CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DA CORRESPONDENTE INDENIZAÇÃO, QUANDO CONSTATADOS VÍCIOS CONSTRUTIVOS NA UNIDADE HABITACIONAL. DISSONÂNCIA COM ENTENDIMENTO DOMINANTE DO STJ, SEGUNDO O QUAL NÃO SE PRESUME DANO MORAL NA OCORRÊNCIA DE VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO, CONFIGURANDO-SE APENAS QUANDO HOUVER CIRCUNSTÂNCIAS EXCEPCIONAIS QUE, DEVIDAMENTE DEMONSTRADAS, IMPORTEM EM SIGNIFICATIVA E ANORMAL VIOLAÇÃO DE DIREITO DA PERSONALIDADE DOS PROPRIETÁRIOS DO IMÓVEL. RECENTE PRECEDENTE DA TNU NO MESMO SENTIDO. RECURSO DA CEF PROVIDO. DEVOLUÇÃO DOS AUTOS À TURMA RECURSAL DE ORIGEM PARA ADEQUAÇÃO DO JULGADO. (Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei (Turma) 5004915-53.2018.4.04.7202, Rel. LEANDRO GONSALVES FERREIRA, pub. 11/11/2022) Muito embora o perito judicial não tenha mencionado necessidade (ou não) de desocupação do imóvel para realização das reformas necessárias, é possível verificar que os danos existentes não são de grande monta (apenas revestimento cerâmico), não comprometendo a habitabilidade ou uso regular, pelo que se conclui que não houve qualquer problema relativo à dinâmica de vida da parte autora. Por outro lado, não há qualquer prova nos autos no sentido de que tenham havido intercorrências ou circunstâncias excepcionais que gerassem abalo emocional de monta suficiente a suplantar o mero aborrecimento. Portanto, correta a sentença, sendo indevida a condenação à indenização por dano moral. Disso, não se verifica hipótese de indenização por dano moral. Ante o exposto, nego provimento ao recurso da CEF e dou parcial provimento ao recurso da parte autora, apenas para fixar o pagamento de indenização por danos materiais em pecúnia, no valor de R$ 4.763,10 (quatro mil, setecentos e sessenta e três reais e dez centavos), na forma do laudo judicial, acrescido de juros e correção, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal. Sem condenação em honorários, visto que somente o recorrente integralmente vencido poderá ser condenado no ônus sucumbencial. É como voto. E M E N T A CIVIL. IMÓVEL. PMCMV. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. DANO MATERIAL CONFIGURADO. CONDENAÇÃO DA CEF NA OBRIGAÇÃO DE FAZER. PEDIDO INICIAL EXPRESSO DE CONDENAÇÃO EM PECÚNIA ACOLHIDO. DANO MORAL NÃO CARACTERIZADO. CIRCUNSTÂNCIA EXCEPCIONAL AUSENTE. RECURSO DA PARTE AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO DA CEF DESPROVIDO. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Quarta Turma Recursal decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso da parte autora e negar provimento ao recurso da Caixa Econômica Federal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. ROGERIO VOLPATTI POLEZZE Juiz Federal

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Processo nº 0007063-96.2019.4.03.6303

ID: 324216996

Tribunal: TRF3 Órgão: 41º Juiz Federal da 14ª TR SP Classe: RECURSO INOMINADO CíVEL Nº Processo: 0007063-96.2019.4.03.6303

Data de Disponibilização: 14/07/2025

Polo Ativo:

INTEGRAçãO DJEN-TRF3

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

FABIO MOLEIRO FRANCI

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

ALEXANDRE AUGUSTO FORCINITTI VALERA

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

PODER JUDICIÁRIO Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de São Paulo 14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0007063-96.2019.4.… PODER JUDICIÁRIO Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de São Paulo 14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0007063-96.2019.4.03.6303 RELATOR: 41º Juiz Federal da 14ª TR SP RECORRENTE: ROBERTA CRISTINA DO NASCIMENTO Advogados do(a) RECORRENTE: ALEXANDRE AUGUSTO FORCINITTI VALERA - SP140741-N, FABIO MOLEIRO FRANCI - SP370252-A RECORRIDO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: PODER JUDICIÁRIO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0007063-96.2019.4.03.6303 RELATOR: 41º Juiz Federal da 14ª TR SP RECORRENTE: ROBERTA CRISTINA DO NASCIMENTO Advogados do(a) RECORRENTE: ALEXANDRE AUGUSTO FORCINITTI VALERA - SP140741-N, FABIO MOLEIRO FRANCI - SP370252-A RECORRIDO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Relatório dispensado. PODER JUDICIÁRIO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0007063-96.2019.4.03.6303 RELATOR: 41º Juiz Federal da 14ª TR SP RECORRENTE: ROBERTA CRISTINA DO NASCIMENTO Advogados do(a) RECORRENTE: ALEXANDRE AUGUSTO FORCINITTI VALERA - SP140741-N, FABIO MOLEIRO FRANCI - SP370252-A RECORRIDO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Trata-se de recurso inominado interposto pela parte autora e pela Caixa Econômica Federal - CEF, contra a sentença que julgou parcialmente procedente o pedido, em ação em que se pretende a condenação Da CEF ao pagamento de indenização por danos materiais e morais, por vícios de construção em imóvel adquirido por meio do Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV. Parte autora alega nulidade da sentença, pugnando pela condenação da CEF à indenização em pecúnia; defende necessidade de indenização pelo sistema de esgoto e prejuízos acessórios, bem como ao pagamento de indenização por dano moral, no montante de R$ 10.000,00. CEF alega ilegitimidade passiva, necessidade de formação de litisconsórcio passivo com a construtora; decadência e prescrição; inexistência de vícios construtivos e do dever de indenizar. Vejamos o conteúdo da sentença no que pertine ao objeto do recurso: Trata-se de ação movida em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF, em que a parte autora pleiteia a percepção de indenização por danos materiais e morais, em razão de supostos vícios construtivos constatados em imóvel por ela adquirido por meio do Programa Minha Casa Minha Vida. É a síntese do necessário, considerando que no procedimento dos juizados está dispensado o relatório. I – DA NATUREZA DA RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE AS PARTES. Primeiramente, é essencial verificar qual a natureza jurídica do vínculo firmado entre as partes, pois, tal premissa irá delinear quais são os princípios e as normas aplicáveis ao caso concreto. O Programa Minha Casa Minha Vida, instituído pela Lei n. 11.977/2009, se constitui em política habitacional que objetiva o acesso à moradia para famílias de baixa renda, a fim de reduzir o déficit habitacional, assim como os impactos ambientais e sociais decorrentes das ocupações irregulares e das habitações precárias. Trata-se, portanto, de programa de interesse social, em concretização ao artigo 23, IX, da Constituição Federal. Para viabilizar este projeto social, a lei engendra a atuação de diversos atores – principalmente entes de direito público – mas elegeu a CEF (empresa pública, dotada de personalidade jurídica de direito privado) como gestora dos recursos públicos alocados no Fundo de Arrendamento Residencial – FAR. Com o intuito de desburocratizar certos procedimentos, a União incumbiu a CEF de gerir um fundo público; investindo os recursos do erário na consecução do referido projeto social. Os recursos do fundo não integram o ativo da CEF, não respondendo por quaisquer de suas obrigações (artigo 2º, § 3º, da Lei nº 10.188/2001). Por isso, quando atua como gestora do fundo (dinheiro público), celebrando os contratos com as construtoras; e firmando os contratos com os contemplados pela política pública habitacional, a CEF atua como longa manus da União. Quando firma um contrato de compra e venda – no caso do Faixa I, subsidiado em 95% pelo fundo – trata-se, por sua natureza, de um contrato administrativo (em sentido lato), na modalidade de Contrato da Administração, isto é, firmado com a Administração Pública, mas essencialmente regido pelo direito privado, com derrogações de direito público. Trata-se de uma compra e venda que, embora regida primordialmente pelo direito privado, impõe condições específicas inerentes a um projeto social de Governo. Tanto que o beneficiário do programa público, para ter direito à propriedade ao final do financiamento (120 meses), além de pagar as parcelas do financiamento, deverá por todo o período residir, pessoalmente, no imóvel e não ter nenhuma outra propriedade. Assim, estabelecida a natureza de contrato da Administração Pública, sob regime jurídico de direito privado com derrogações de direito público, descabida a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. II – DAS QUESTÕES PRELIMINARES. Inicialmente, deve ser afastada a alegação de inépcia da inicial, já que esta possui elementos suficientes à identificação do pedido e da causa de pedir. Além disso, o processo foi devidamente instruído de modo a superar eventuais falhas. No que diz respeito ao interesse de agir, ressalvo o meu entendimento no sentido de que seria necessário o prévio requerimento administrativo, mediante o “Programa de Olho na Qualidade”, criado justamente para solucionar problemas como o dos autos. Contudo, com o intuito de evitar nulidades postergando ainda mais a solução da lide, acato a significativa jurisprudência no sentido de dispensar a referida providência. Quanto à incompetência do Juizado Especial Federal para o processamento e julgamento da causa, trata-se de matéria já afastada pelas Turmas Recursais; e, ainda, a questão da complexidade da perícia foi resolvida mediante a realização de Prova Técnica Simplificada. Resta igualmente afastada a ilegitimidade passiva da Caixa Econômica Federal, pois, neste programa específico atua como executora de programa de moradia para a população de baixa renda, pelo qual participa da gestão da construção, entrega e financiamento dos imóveis (PMCMV - Faixa I). Ainda, resta afastado o litisconsórcio necessário entre a CEF a e construtora, uma vez que se trata de hipótese de responsabilidade solidária, podendo o credor escolher pelo ajuizamento contra qualquer um dos responsáveis, sem prejuízo de eventual ação regressiva da CEF em face da construtora (artigo 275 do Código Civil). Por fim, descabe a denunciação da lide no âmbito dos Juizados Especiais Federais, a teor do artigo 10 da Lei nº 9.099/1995, ressalvado o direito de regresso da CEF em ação própria. III – DAS QUESTÕES RELATIVAS MÉRITO. III.1. Da prejudicial de mérito: prescrição. Conforme já ressaltado (item I) a CEF – na condição de executora de política pública habitacional – se submete ao prazo prescricional cinco anos a que aludem o artigo 1º do Decreto nº 20.910/1932 e o artigo 1º-C da Lei nº 9.494/1997 (Tema nº 553 do STJ). O disposto no artigo 618 do Código Civil não afasta o referido prazo prescricional, por se tratar de prazo de garantia legal oponível ao empreiteiro e, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, flui desde logo, a partir da entrega do imóvel (REsp 1.290.383/SE). Portanto, o evento danoso deve obrigatoriamente se apresentar dentro do prazo de 05 (cinco) anos previstos no artigo 618 do Código Civil e, uma vez caracterizada tal hipótese, o construtor (ou, no caso, o executor da política pública habitacional) poderá ser acionado no prazo prescricional de 05 (cinco) anos de que trata o artigo 1º do Decreto nº 20.910/1932, a contar do término da garantia legal do construtor. E, no caso, a pretensão reparatória manifestada pela parte autora não está fulminada pela prescrição. Neste sentido, o contrato foi firmado em 03/09/2015 (ID 306256697, fl. 59 – fl. 13). III.2. Dos fatos: vícios construtivos. Conforme já mencionado, trata-se de aquisição de imóvel por meio do Projeto Minha Casa Minha Vida (Faixa I) em que o Governo Federal oferece um subsídio de 95% do valor do imóvel, de modo que cada família paga parcelas fixas em valor proporcional aos seus rendimentos (5%), respeitado o valor mínimo de R$ 25,00 e máximo de R$ 80,00, sem a incidência de juros. Houve a juntada do instrumento do contrato, no qual a parte autora se obriga ao pagamento de 120 (cento e vinte) parcelas fixas, com valor dentro dos limites acima identificados; sendo que até que ocorra o pagamento integral da dívida o imóvel será mantido sob a propriedade fiduciária da CAIXA. Neste contexto, evidente que a obra realizada pelo Governo Federal é de baixo custo, mas, ainda assim, claramente deve ser executada adequadamente e em conformidade com as normas construtivas. De acordo com as normas técnicas, o vício construtivo consiste em (i) erro na elaboração do projeto; (ii) de sua execução ou, ainda, (iii) da informação defeituosa sobre a sua utilização ou manutenção (item 3.75 da Norma ABNT, NBR 13752). Não há nos autos qualquer elemento a indicar que tenha havido falha na elaboração do projeto, e sequer que tenha havido informação errônea sobre a sua utilização/manutenção. Neste ponto, a CEF entregou ao devedor fiduciante o Manual do Usuário e, ao condomínio, o Manual do Síndico, tendo o perito constatado que as normas de manutenção não têm sido cumpridas pela parte autora ou pelo condomínio. Para verificar a existência de vício construtivo houve a realização, por Engenheiro Civil nomeado pelo juízo, de prova técnica simplificada. No referido laudo, o perito descreve as patologias elencadas na inicial, subdividindo-as entre: (1) inexistente, isto é, patologia descrita na inicial e não constatada no local); (2) existentes, ou seja, patologia descrita na inicial e constatada no local, mas não necessariamente decorrente de vício construtivo. Das patologias constatadas no local, foi verificada a existência de vício construtivo somente em relação a Revestimento cerâmico, possivelmente decorrente de erro na execução da obra. Quanto aos demais problemas verificados no imóvel, o perito concluiu não se tratar de vício construtivo. Constatou que o imóvel não recebe a manutenção devida – notadamente, a ausência de pintura da fachada do condomínio; ausência de pintura interna da unidade e a não aplicação de material selante nas janelas (como o PU – sendo que, neste caso, há recomendação expressa no Manual do Usuário para que haja a referida aplicação anualmente), de modo que a ausência de conservação acaba ocasionando infiltrações nas janelas, bem como fissuras e trincas nas paredes (que seriam estéticas, resolvidas com pintura, sem comprometer a integridade da unidade em questão). Ora, evidente que cabe à ré entregar o imóvel em boas condições, mas igualmente cumpre aos moradores cuidarem do seu imóvel efetuando a manutenção e os reparos necessários, conforme dispõe a NBR 5674. Não realizada a correta manutenção, evidente que haverá o desgaste natural do imóvel, o que não pode ser considerado vício construtivo. Com relação às demais patologias elencadas na inicial, no referido laudo, o perito concluiu pela inexistência de vícios construtivos. Por fim, devem ser afastadas as impugnações ao laudo, que está claro e suficientemente fundamentado. Constatado o vício construtivo pontual, resta verificar como este deve ser reparado. II. 4. Da forma de reparação do vício construtivo. Conforme já salientado anteriormente, o vínculo que une as partes é de contrato da Administração, regido pelo direito privado, com derrogações de direito público. Contudo, a parte autora, sem observar a natureza da relação jurídica e o contrato subjacente, pleiteia estritamente que a atual proprietária do imóvel, CEF, lhe pague indenização em pecúnia (frise-se indenização, não reembolso), sem apresentar justificativa plausível para tanto. Sobre o pedido de pagamento de indenização, é necessário tecer breves considerações. O imóvel em questão ainda está sob a propriedade fiduciária da CEF, não tendo havido até o presente momento o pagamento integral da dívida. Contratualmente, há previsão de consolidação da propriedade em favor da CEF, dentre outras hipóteses: no caso de inadimplência das parcelas relativas ao financiamento; inadimplência das parcelas condominiais; abandono do imóvel; locação do imóvel; ou, ainda, no caso de “falta de manutenção do imóvel que deprecie a garantia” (Cláusula 10, item f). Cabe destacar que o laudo técnico constatou a situação de ausência de manutenção da unidade, de modo que a consolidação da propriedade pela CEF é uma real possibilidade. O contrato celebrado entre as partes prevê, no que diz respeito aos danos físicos no imóvel: o dever da parte autora de acionar a proprietária fiduciante CEF/FAR para buscar a solução para qualquer dano constatado no imóvel (item 18.1 do contrato); a previsão da realização dos reparos dos danos físicos no imóvel pelo FAR, sendo subsidiariamente prevista a política de reembolso quando se tratar da primeira ocorrência de dano comprovadamente reparado pelo devedor (mediante o atendimento de requisitos como a apresentação de fotos, antes e depois da recuperação do dano, e apresentação de três orçamentos) e a quantia não ultrapassar R$ 1.000,00. Quando superior a este valor, ou não se tratar de primeira ocorrência de danos físicos, há previsão de avaliação pelo engenheiro da CAIXA (Item 2.2 das orientações ao beneficiário). Não há abusividade das cláusulas contratuais. Conforme já explicitado, não se aplica ao caso o Código de Consumidor. Não incide aqui, para o FAR, representado pela CEF, o conceito de fornecedor, pois se trata de fundo público destinado a garantir acesso à moradia a pessoas de baixa renda, altamente subsidiado pelo Poder Público. Ademais, a cláusula contratual é compatível com a natureza do contrato de alienação fiduciária, afinal, a CEF figura como proprietária do bem até o final do contrato. Além de ser contrária ao contrato, a pretensão de receber apenas a indenização em pecúnia, ao invés da efetiva reparação do problema, não se coaduna com o princípio da boa-fé. A CEF não possui garantia alguma de que a parte autora, caso receba a indenização, irá efetivamente investir na reparação do vício construtivo. Haveria, assim, uma situação teratológica caso esta fosse obrigada ao pagamento de indenização e, posteriormente, sem que o valor fosse efetivamente investido no imóvel, consolidasse a propriedade em seu favor. Com isso, receberia o seu imóvel depreciado mesmo tendo pago a indenização, em claro prejuízo ao erário (FAR). A parte autora não justifica a razão pela qual almeja apenas o pagamento em pecúnia, ao invés da obrigação de fazer. Ora, o vício construtivo constatado pelo I. Perito é algo pontual, não revelando, por si só, a inépcia da construtora em efetuar eventuais reparos. E, caso houvesse qualquer receio da parte autora neste sentido, caberia a ela – em atendimento ao princípio da boa-fé e em respeito ao contrato/instruções ao usuário - solicitar o reembolso de reparos efetivamente realizados. Diante deste cenário restariam duas alternativas: a improcedência pura e simples do pedido de indenização àquele que não é proprietário do imóvel; ou a condenação da ré na realização dos reparos necessários (obrigação de fazer). À semelhança do que ocorre nas obrigações alternativas ou disjuntivas – isto é, quando o devedor puder cumprir a prestação de mais de um modo – o vício construtivo pode ser reparado pela CEF; ou então reparado pelo morador com a possibilidade de reembolso pelo fundo (Item 2.2 das orientações ao beneficiário). No que diz respeito às obrigações alternativas/disjuntivas, o Código de Processo Civil – à luz da natureza da referida obrigação, que pode ser perfeitamente atendida por mais de uma forma – estabeleceu não ser necessária a formulação de pedido específico. Neste sentido: Art. 325. O pedido será alternativo quando, pela natureza da obrigação, o devedor puder cumprir a prestação de mais de um modo. Parágrafo único. Quando, pela lei ou pelo contrato, a escolha couber ao devedor, o juiz lhe assegurará o direito de cumprir a prestação de um ou de outro modo, ainda que o autor não tenha formulado pedido alternativo (sem grifos no original). Tal dispositivo comporta interpretação analógica ao caso concreto. Ora, o interesse legítimo do devedor fiduciante é de ter o imóvel em condições adequadas à habitação; devendo o pedido decorrente de tal interesse ser interpretado de forma sistemática. Neste caso, as normas contratuais preveem que a forma do fundo público – gerido pela CEF – de reparar danos físicos no imóvel é por meio de obrigação de fazer, ou, ainda, segundo instruções ao usuário, mediante reembolso. Em nenhuma norma há a previsão de indenização sem que haja a efetiva comprovação da reparação do imóvel. E, conforme já demonstrado, pela natureza do contrato, a situação não pode ser convertida em reparação em dinheiro (TR 3ª Região, RecInoCiv 0004670-64.2021.4.03.6325, Rel. Juiz Federal Alexandre Cassetari j. em 11/07/2023); TRF 4ª REGIÃO, AC 5009680-98.2012.4.04.7001, Rel. Des. SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA, j. EM 15/05/2019), salvo, evidentemente, se a CEF, condenada em obrigação de fazer, não cumprir a obrigação e esta for convertida em perdas e danos. Assim, sem que haja qualquer violação ao princípio da adstrição, tendo em vista a interpretação lógico-sistemática do pedido e o princípio da boa-fé, revela-se cabível a imposição de obrigação de fazer. III.4. Do pedido de indenização por danos morais. Sobre a matéria, a Turma Nacional de Uniformização, fixou a tese de que: "O dano moral decorrente de vícios de construção que não obstam a habitabilidade do imóvel não pode ser presumido (in re ipsa), devendo ser comprovadas circunstâncias que no caso concreto ultrapassam o mero dissabor da vida cotidiana por causarem dor, vexame e constrangimento, cuja gravidade acarreta abalo emocional, malferindo direitos da personalidade" (TNU, PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI Nº 5004907-76.2018.4.04.7202/SC, TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO, Juiz Federal NEIAN MILHOMEM CRUZ, JUNTADO AOS AUTOS EM 11/11/2022) No caso concreto, a parte autora fundamenta o pedido de condenação da ré ao pagamento de indenização por supostos danos morais na presunção de sua ocorrência automática ante a existência de vícios de construção no imóvel. Não foram especificadas violações concretas a direitos da personalidade que não tenham decorrido diretamente de tais vícios construtivos, resultando na natural improcedência do pedido. Os problemas construtivos detectados pelo perito foram bastante pontuais e não inviabilizam a habitação do imóvel. Igualmente não prejudicam a solidez e a segurança do imóvel. Ao contrário do que se alega, a maior parte das patologias constatadas não decorreram de problemas de construção e sim de falta de manutenção que deveria ser realizada pelo devedor fiduciante. Não resta caracterizada, assim, a ofensa aos direitos da personalidade. IV - DISPOSITIVO Diante de todo o exposto, afasto as preliminares e, em relação ao mérito, o pedido revela-se PARCIALMENTE PROCEDENTE, extinguindo-se a ação com resolução de mérito para determinar que a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL realize obrigação de fazer, consistente na realização dos reparos necessários à eliminação dos vícios de construção reconhecidos no laudo pericial (do revestimento cerâmico), conforme fundamentação, devendo ser iniciados os reparos no prazo de 60 (sessenta) dias, a partir do trânsito em julgado desta decisão, sendo a data da conclusão dos reparos fixada em 30 (trinta) dias após o seu início. Defiro à parte autora os benefícios da gratuidade judiciária. Sem condenação ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios neste grau de jurisdição (artigos 54 e 55 da Lei nº 9.099/1995 e artigo 1º da Lei nº 10.259/2001). Analiso o recurso interposto pela CEF. Tratando-se de imóvel financiado através do Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV – Faixa 1, com recursos oriundos do FAR, a responsabilidade da CEF sobre ocorrência de vícios de construção é inequívoca, vez que não atuou apenas na qualidade de agente financeiro, mas também como agente executor de políticas públicas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa renda, escolhendo a construtora, fiscalizando prazos e qualidade da obra, gerindo os recursos financeiros e técnicos, interferindo diretamente na execução do projeto. Nesse sentido: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. SFH. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. IMÓVEL RESIDENCIAL. DEFEITOS NA CONSTRUÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRETENSÃO DE REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. ANÁLISE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. APLICAÇÃO DAS SÚMULAS N. 5 E 7, AMBAS DO STJ. CDC. INAPLICABILIDADE. I - Na origem, trata-se de ação ajuizada contra a Caixa Econômica Federal - CEF objetivando indenização por danos morais e materiais, em razão de defeitos na construção de imóvel residencial do programa Minha Casa Minha Vida. II - Na sentença, julgaram-se procedentes os pedidos para condenar a ré no pagamento de R$ 7.434,23 (sete mil, quatrocentos e trinta e quatro reais e vinte e três centavos) por danos materiais e de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) por danos morais. No Tribunal a quo, a sentença foi parcialmente reformada para reduzir o valor da indenização por danos morais para R$ 30.000,00 (trinta mil reais). Esta Corte conheceu do agravo para negar provimento ao recurso especial. III - A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que a Corte de origem analisou a controvérsia dos autos levando em consideração os fatos e provas relacionados à matéria, além da análise das cláusulas do contrato. Assim, para se chegar à conclusão diversa, seria necessário o reexame fático-probatório, o que é vedado pelos enunciados n. 5 e 7, ambos da Súmula do STJ. IV - No que trata da apontada violação do art. 186 do Código Civil, sem razão a recorrente, porquanto esta Corte Superior tem entendimento firme de que a Caixa Econômica Federal é parte legítima para responder por vícios construtivos, atraso ou outras questões relativa à construção de imóveis objeto do Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida se, à luz da legislação, do contrato e da atividade por ela desenvolvida, atuar como agente executor de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa renda, sendo parte ilegítima se atuar somente como agente financeiro. V - A própria recorrente, em diversas passagens, assumiu o status de administradora do FAR e gestora de política pública para fomento de produção de moradia a publico de baixa renda (fls. 421, 465 e 471). VI – (...) VIII - Agravo interno improvido. (SEGUNDA TURMA, AgInt no AREsp n. 2.161.489/RJ, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe de 1/12/2022 – destaques nossos) Observa-se duas relações jurídicas distintas na aquisição de imóvel pelo PMCMV. Uma firmada entre o FAR e construtora, constando, no instrumento pactuado, responsabilidade pela solidez e segurança da construção, além de previsão contratual pela assunção de obrigação em reparar danos físicos no imóvel, decorrentes de vícios de construção devidamente comprovados, conforme contrato comum nos casos do PMCMC. Outra, da qual participa o FAR (como vendedor-credor) e parte autora (como comprador-devedor), da qual não participa a construtora. O imóvel é de propriedade do FAR até que os particulares que firmaram contratos de arrendamento com opção de compra possam exercer este ato de aquisição no final do contrato. Assim, a CEF pode ser demandada, de forma exclusiva, pelo adquirente do imóvel. Destaque-se que a CEF poderá buscar o ressarcimento de eventuais valores dispendidos por condenações decorrentes de vícios construtivos -- direito de, regressivamente, acionar a construtora --, conforme obrigação assumida. Portanto, não há falar em denunciação da lide. De outra parte, não vejo caracterizada obrigatoriedade de formação de litisconsórcio necessário, na forma do art. 114 do CPC. Destaque-se que a CEF poderá buscar o ressarcimento de eventuais valores dispendidos por condenações decorrentes de vícios construtivos -- direito de, regressivamente, acionar a construtora --, conforme obrigação assumida. Este o entendimento desta 14ª Turma: PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA - FAIXA URBANO 01. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. DETERMINAÇÃO JUDICIAL PARA INCLUSÃO DA CONSTRUTORA NO POLO PASSIVO DA DEMANDA. NÃO CONFIGURADA HIPÓTESE DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. SENTENÇA ANULADA. RECURSO DA PARTE AUTORA PROVIDO. (RecInoCiv 5002221-63.2022.4.03.6341, Rel. Juíza Federal FERNANDA SOUZA HUTZLER, DJEN 16/07/2024) As preliminares de decadência e prescrição foram corretamente analisadas pela sentença, não merecendo reparos. Analiso a insurgência da parte autora contra a condenação da CEF na obrigação de fazer em proceder aos reparos necessários à eliminação dos vícios de construção em imóvel. No ponto, faz-se referência a julgamento desta 14ª Turma Recursal, que bem analisou a questão: O dano material consiste na recomposição da coisa, para que ela volte ao seu estado anterior (status quo ante), podendo ser compensada tanto pela sua reparação in natura quanto pela sua reparação in pecunia. Essa reparação se faz em consonância com o art. 944 do Código Civil, ou seja, de acordo com a extensão do dano, sendo que sua quantificação poderá ser feita por arbitramento pelo profissional técnico, apoiada em critério objetivos e vistoria in loco realizada. No caso em apreço, a prova pericial técnica individualizada na unidade habitacional constatou danos no imóvel ou anomalias de ordem endógena, evidenciando falha na execução da obra e emprego de materiais de baixa qualidade, bem como, que os danos não tiveram origem na ausência de manutenção preventiva e corretiva no imóvel. A r. sentença entendeu que a melhor solução seria a condenação da ré em obrigação de fazer, consistente na realização de reformas no imóvel, com todos os reparos dos vícios construtivos elencados no laudo pericial técnico judicial, e não sua condenação em indenização pecuniária. O dano material, dada a sua natureza jurídica, não tem, peremptoriamente, viés indenizatório ou caráter obrigacional, pode ser reparado/compensado em prestação in natura ou in pecunia. Portanto, se vislumbra que são alternativas entre si, cuja adoção de uma ou outra dependerá da manifestação das partes. O Código Civil não é expresso quanto a possibilidade da reparação ser in natura ou in pecunia, sendo que boa parte da doutrina, deixa a critério subjetivo do lesado (credor da obrigação) tal escolha. Para o civilista Marcos Ehrhardt Jr. “compete ao lesado, isto é, ao credor da obrigação de indenização a opção pela reparação natural ou pela indenização pecuniária, estando a escolha sujeita aos limites gerais do ordenamento jurídico, como qualquer outro ato de exercício da autonomia privada, que não pode desconsiderar as exigências de boa-fé e a vedação do enriquecimento sem causa, previstas na legislação vigente”. (EHRHARDT JR., Marcos. Em busca de uma teoria geral da responsabilidade civil. In: Os 10 anos do Código Civil: evolução e perspectivas. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 328). No entanto, outra parte da doutrina entende que não se mostra adequado deixar somente ao critério subjetivo (opção do lesado), estabelecendo parâmetros objetivos para a escolha. Assim, não cabe a fixação da indenização em pecúnia, se a reparação in natura: a) for suficiente para a recomposição integral do dano; b) não for excessivamente onerosa ao devedor; c) não for recusada concomitantemente pelo credor e devedor. No caso em concreto, verifica-se que tanto a parte autora, quanto a parte ré, pretendem, caso a indenização material seja comprovada nos autos, que a mesma seja fixada in pecunia, como pode se verificar dos pedidos contidos nos recursos inominados interpostos por ambas as partes. E mesmo se assim não fosse, a indenização in pecunia se mostra menos onerosa à parte autora, que poderá realizar as reformas devidas de acordo com os seus critérios (considerando que se trata de sua moradia familiar) e não depender exclusivamente dos critérios empregados pela parte ré. Desse modo, a r. sentença, nesta parte, deve ser reformada para que a indenização material seja convertida de obrigação de fazer (indenização in natura) para indenização pecuniária (in pecunia). (RecInoCiv 0005867-91.2019.4.03.6303, Rel. Juíza Federal FERNANDA SOUZA HUTZLER, DJEN 06/12/2023 – destaques nossos) No mesmo sentido: RecInoCiv 5001624-79.2021.4.03.6325, Rel. Juíza Federal MARCELLE RAGAZONI CARVALHO, DJEN DATA: 25/09/2023). Disso, não é o caso de anulação da sentença, bastando adequar a forma de cumprimento pleiteada pelo autor na inicial, convertendo a obrigação de fazer em indenização pecuniária. No ponto, o perito judicial apresentou planilha orçamentária com os valores necessários à recomposição dos vícios constatados (ID 319146403 - Pág. 14), totalizando o valor de R$ 4.763,10. Por outro lado, o laudo pericial foi produzido por profissional tecnicamente habilitado, analisando o imóvel da parte autora, explicando de forma suficiente, cada item reclamado, os problemas existentes, sua natureza e causa, bem como os motivos que embasaram sua conclusão. As partes não trouxeram subsídio seguro e suficiente que autorize afastar conclusão pericial. Quanto ao sistema de esgoto, o perito foi claro em sua análise, afirmando que “Não foi constatado mau odor nesta unidade durante a vistoria assim como vazamentos e/ou má instalação do sistema de esgoto. Não se classifica este item como vício construtivo.” Com relação às despesas acessórias, colhe-se do orçamento elaborado pelo perito que foram computadas no valor apurado (ID 319146403 - Pág. 14). Portanto, CEF deverá indenizar o autor no valor de R$ 4.763,10. Quanto ao dano moral, este exige que o sofrimento deve ser consequência de uma lesão a direito da personalidade, à dignidade humana; mas não exige para sua configuração uma determinada forma de ilícito; o que importa, é a repercussão que tal ilícito possa ter. Especificamente quanto à indenização por dano moral decorrente de constatação de vícios construtivos, faz-se referência ao entendimento firmado pelo STJ: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. VÍCIOS CONSTRUTIVOS. DANO MORAL. AUSÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIA EXCEPCIONAL. AGRAVO INTERNO PROVIDO PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. 1. Consoante a jurisprudência desta Corte, "o dano moral, na ocorrência de vícios de construção, não se presume, configurando-se apenas quando houver circunstâncias excepcionais que, devidamente comprovadas, importem em significativa e anormal violação de direito da personalidade dos proprietários do imóvel" (AgInt no AREsp 1.288.145/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, DJe de 16/11/2018). 2. No caso, a fundamentação para a condenação em danos morais teve como justificativa somente a existência de vícios de construção no imóvel, sem motivação adicional, a justificar a angústia ou abalo psicológico configuradores de dano moral. 3. Deve, pois, o presente recurso especial ser provido, ante a ausência de referência a circunstância especial que extrapole o mero aborrecimento decorrente do atraso na entrega do imóvel. 4. Agravo interno provido para dar provimento ao recurso especial, a fim de afastar a condenação por danos morais. (QUARTA TURMA, AgInt no REsp n. 1.955.291/RS, relator Ministro Raul Araújo, DJe de 2/3/2022.) AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANOS MORAIS PELO ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. AUSÊNCIA DE MENÇÃO A CIRCUNSTÂNCIAS EXCEPCIONAIS QUE INDIQUEM ABALO À PERSONALIDADE DOS MORADORES. DECISÃO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SÚMULA 83/STJ. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DE DISPOSITIVO OU TESE. SÚMULAS N. 282 E 356 DO STF. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 1. Com efeito, a jurisprudência desta Corte de Justiça é firme no sentido de não ser cabível a condenação à reparação moral na hipótese em que há mero dissabor ou inadimplemento contratual, devendo haver uma consequência excepcional para caracterização dos danos extrapatrimoniais indenizáveis. 1.1. Ademais, "o dano moral, na ocorrência de vícios de construção, não se presume, configurando-se apenas quando houver circunstâncias excepcionais que, devidamente comprovadas, importem em significativa e anormal violação de direito da personalidade dos proprietários do imóvel" (AgInt no AREsp 1.288.145/DF, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe de 16/11/2018). 1.2. Na hipótese, a Corte de origem deixou clara a inexistência de circunstâncias excepcionais devidamente comprovadas que importassem em violação aos direitos da personalidade, sendo inarredável a aplicação da Súmula 83/STJ, a obstar a análise do reclamo por ambas as alíneas do permissivo constitucional. 2. O prequestionamento é exigência inafastável contida na própria previsão constitucional, impondo-se como um dos principais pressupostos ao conhecimento do recurso especial - Súmulas n. 282 e 356/STF. Também não é o caso de se considerar a ocorrência do prequestionamento implícito. 3. Agravo interno improvido. (TERCEIRA TURMA, AgInt no REsp n. 1.995.295/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, DJe de 6/9/2023.) No mesmo sentido a jurisprudência da TNU: PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL. DIREITO CIVIL. DANOS MORAIS DECORRENTES DE VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO EM IMÓVEL FINANCIADO NO ÂMBITO DO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA - PMCMV. ORIENTAÇÃO ASSUMIDA NO ACÓRDÃO RECORRIDO DE QUE NÃO HÁ NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE ABALO MORAL PARA FINS DE CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DA CORRESPONDENTE INDENIZAÇÃO, QUANDO CONSTATADOS VÍCIOS CONSTRUTIVOS NA UNIDADE HABITACIONAL. DISSONÂNCIA COM ENTENDIMENTO DOMINANTE DO STJ, SEGUNDO O QUAL NÃO SE PRESUME DANO MORAL NA OCORRÊNCIA DE VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO, CONFIGURANDO-SE APENAS QUANDO HOUVER CIRCUNSTÂNCIAS EXCEPCIONAIS QUE, DEVIDAMENTE DEMONSTRADAS, IMPORTEM EM SIGNIFICATIVA E ANORMAL VIOLAÇÃO DE DIREITO DA PERSONALIDADE DOS PROPRIETÁRIOS DO IMÓVEL. RECENTE PRECEDENTE DA TNU NO MESMO SENTIDO. RECURSO DA CEF PROVIDO. DEVOLUÇÃO DOS AUTOS À TURMA RECURSAL DE ORIGEM PARA ADEQUAÇÃO DO JULGADO. (Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei (Turma) 5004915-53.2018.4.04.7202, Rel. LEANDRO GONSALVES FERREIRA, pub. 11/11/2022) Muito embora o perito judicial não tenha mencionado necessidade (ou não) de desocupação do imóvel para realização das reformas necessárias, é possível verificar que os danos existentes não são de grande monta (apenas revestimento cerâmico), não comprometendo a habitabilidade ou uso regular, pelo que se conclui que não houve qualquer problema relativo à dinâmica de vida da parte autora. Por outro lado, não há qualquer prova nos autos no sentido de que tenham havido intercorrências ou circunstâncias excepcionais que gerassem abalo emocional de monta suficiente a suplantar o mero aborrecimento. Portanto, correta a sentença, sendo indevida a condenação à indenização por dano moral. Disso, não se verifica hipótese de indenização por dano moral. Ante o exposto, nego provimento ao recurso da CEF e dou parcial provimento ao recurso da parte autora, apenas para fixar o pagamento de indenização por danos materiais em pecúnia, no valor de R$ 4.763,10 (quatro mil, setecentos e sessenta e três reais e dez centavos), na forma do laudo judicial, acrescido de juros e correção, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal. Sem condenação em honorários, visto que somente o recorrente integralmente vencido poderá ser condenado no ônus sucumbencial. É como voto. E M E N T A CIVIL. IMÓVEL. PMCMV. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. DANO MATERIAL CONFIGURADO. CONDENAÇÃO DA CEF NA OBRIGAÇÃO DE FAZER. PEDIDO INICIAL EXPRESSO DE CONDENAÇÃO EM PECÚNIA ACOLHIDO. DANO MORAL NÃO CARACTERIZADO. CIRCUNSTÂNCIA EXCEPCIONAL AUSENTE. RECURSO DA PARTE AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO DA CEF DESPROVIDO. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Quarta Turma Recursal decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso da parte autora e negar provimento ao recurso da Caixa Econômica Federal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. ROGERIO VOLPATTI POLEZZE Juiz Federal

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