Processo nº 5159517-72.2025.8.21.7000
ID: 316720271
Tribunal: TJRS
Órgão: Secretaria da 19ª Câmara Cível
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 5159517-72.2025.8.21.7000
Data de Disponibilização:
04/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
EVERTON LEMOS
OAB/RS XXXXXX
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Agravo de Instrumento Nº 5159517-72.2025.8.21.7000/RS
TIPO DE AÇÃO:
Nota promissória
RELATORA
: Desembargadora FABIANA ZILLES
AGRAVADO
: ANTONIO BERTOLINO FLORES MELLO (EXEQUENTE)
ADVOGADO(A)
: EVER…
Agravo de Instrumento Nº 5159517-72.2025.8.21.7000/RS
TIPO DE AÇÃO:
Nota promissória
RELATORA
: Desembargadora FABIANA ZILLES
AGRAVADO
: ANTONIO BERTOLINO FLORES MELLO (EXEQUENTE)
ADVOGADO(A)
: EVERTON LEMOS (OAB RS095488)
EMENTA
DIREITO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUBCLASSe Direito Privado não especificado. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. IMPENHORABILIDADE. VALORES BLOQUEADOS. ART. 833, IV E X, DO CPC NÃO COMPROVADA. IMPENHORABILIDADE AFASTADA. DECISÃO MANTIDA. RECURSO desPROVIDO.
I. CASO EM EXAME
1. Agravo de instrumento interposto contra decisão que afastou a impenhorabilidade de valores bloqueados via Sisbajud.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. São as matérias em debate: a) interpretação da extensão de aplicação das regras de impenhorabilidade dos incisos IV e X do art. 833 do CPC; b) necessidade de comprovação de que o valor constrito era o mesmo recebido a título de verba alimentícia para atração da regra do inc. IV do art. 833 do CPC; c) relativização da regra que proíbe a penhora de valores depositados em caderneta de poupança até o limite de 40 salários-mínimos, estendendo-a para casos de constrição em conta-corrente ou qualquer outra aplicação financeira, desde que comprovado pelo devedor que o montante sirva como reserva financeira que lhe assegure a sobrevivência e a dignidade.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. Na forma do inciso IV do art. 833 do CPC, os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º, são impenhoráveis. Caso concreto no qual o devedor, todavia, não comprovou a alegação de que o valor constrito é originário de seguro desemprego.
5. Conforme julgamento paradigmático do Superior Tribunal de Justiça no Resp. 1.677.144, pela Corte Especial, a garantia da impenhorabilidade é aplicável automaticamente apenas ao montante de até quarenta salários-mínimos quando o valor estiver depositado em caderneta de poupança. Se a medida constritiva atingir dinheiro mantido em conta de outra natureza ou qualquer outra aplicação financeira, poderá eventualmente a garantia da impenhorabilidade ser estendida a tal investimento, respeitado o teto de quarenta salários-mínimos e desde que fique comprovado pelo devedor que o montante constitui reserva de patrimônio destinado a assegurar o mínimo existencial. Caso concreto no qual não houve tal comprovação.
IV. DISPOSITIVO E TESE
6. Recurso desprovido.
7.
Tese de julgamento
: (i) a não comprovação da origem do valor bloqueado em conta bancária do devedor impede o reconhecimento da impenhorabilidade com base no inc. IV do art. 833 do CPC; (ii) a garantia da impenhorabilidade do art. 833, X, do CPC, aplica-se automaticamente à quantia de até 40 salários-mínimos depositada em caderneta de poupança, sendo extensível à constrição que atingir valor mantido em conta-corrente ou qualquer outra espécie de aplicação financeira, desde que comprovado pela parte atingida pela constrição que o montante constitui reserva de patrimônio destinada a assegurar o seu mínimo existencial.
Dispositivos relevantes citados:
CPC, art. 833, IV e X.
Jurisprudência relevante citada:
STJ, REsp: 1677144 RS 2017/0136287-5, Relator.: Ministro Herman Benjamin, Data de Julgamento: 21/02/2024, CE - Corte Especial, Data de Publicação: DJe 23/05/2024.
DECISÃO MONOCRÁTICA
Trata-se de agravo de instrumento interposto por
ROBERTO FLORES MELLO
contra a decisão proferida no
evento 73, DESPADEC1
dos autos do cumprimento de sentença ajuizado por
ANTONIO BERTOLINO FLORES MELLO
, proferida nos seguintes termos:
Vistos.
1. A requerimento da parte exequente, foi realizada penhora via SISBAJUD em contas bancárias de titularidade da parte executada
ROBERTO FLORES MELLO
, restando bloqueados os valores de R$ 871,32, R$ 393,55 e R$ 2.054,00 (
evento 58, DESPADEC1
).
Ciente da constrição, a parte devedora manifestou-se no
evento 65, IMPUGNAÇÃO1
alegando a impenhorabilidade da quantia sob o fundamento de que ela, além de ser inferior a 40 salários mínimos, é oriunda de seguro-desemprego. Requereu, portanto, a restituição dos valores bloqueados.
É o breve relato. Passo à fundamentação.
Nos termos do art. 833, IV e X do CPC, são impenhoráveis os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, assim como também é impenhorável a quantia depositada em caderneta de poupança, limitados os montantes, respectivamente, a 50 e a 40 salários mínimos.
Ocorre que as impenhorabilidades precisam ser interpretadas restritivamente, de modo a não inviabilizar a satisfação do crédito. No caso dos autos, em que pesem os argumentos apresentados pela parte devedora, não sobreveio ao feito prova idônea acerca da impenhorabilidade sustentada. Observe-se, nesse ponto, que os extratos anexados no
evento 65, EXTR2
e no
evento 65, EXTR3
não comprovam a alegada origem da quantia tornada indisponível, não sendo possível, portanto, presumir sua relação com os créditos descritos no documento do
evento 65, OUT4
.
Outrossim, a parte devedora deixou de comprovar a natureza de poupança atribuída às contas bancárias diligenciadas pelo Juízo, de modo que não incide automaticamente, à espécie, o disposto no art. 833, X do CPC.
ANTE O EXPOSTO,
rejeito
a alegação de impenhorabilidade.
Intimação eletrônica agendada.
Preclusa a presente decisão e inexistindo eventual penhora no rosto dos autos, expeça-se alvará eletrônico dos valores bloqueados em favor da parte credora.
2. Desde já, indefiro o requerimento de expedição de ofício à RGE e à CORSAN, pois a medida não apresenta resultado útil ao processo.
3. Intime-se a parte credora para impulsionar o feito no prazo de 15 dias, sob pena de suspensão nos termos da decisão proferida no
evento 58, DESPADEC1
.
4. Deixo de analisar o requerimento de concessão de gratuidade da justiça ao executado, pois a benesse já lhe foi concedida no
evento 38, DESPADEC1
.
Intimação eletrônica agendada.
Diligências legais.
Em suas razões recursais, o agravante alegou que os valores constritos judicialmente decorrem de seguro desemprego recebido, a atrair a impenhorabilidade do art. 833, IV, do CPC. Argumentou que a quantia é inferior a 40 salários-mínimos, a justificar, também, a impenhorabilidade pelo art. 833, X, do CPC. Requereu a concessão da gratuidade da justiça e o provimento do agravo para reconhecer a a impenhorabilidade dos valores constritos com a imediata ordem de liberação.
Vieram os autos conclusos.
É o relatório.
Decido.
ADMISSIBILIDADE
Inicialmente, recebo o recurso porquanto tempestivo.
A parte agravante está dispensada de recolher o preparo, porque litiga sob o amparo da gratuidade da justiça (
evento 38, DESPADEC1
).
Nos termos do artigo 1.015, parágrafo único, do Código de Processo Civil, é hipótese de cabimento do recurso de agravo de instrumento às decisões interlocutórias proferidas nas execuções:
Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:
Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.
Assim,
conhecço, na íntegra, do agravo
.
POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO MONOCRÁTICO
Nos termos do artigo 932, VIII, do CPC, incumbe ao relator “
exercer outras atribuições estabelecidas no regimento interno do tribunal
”.
No mesmo sentido, o inciso XXXVI do artigo 206 do RITJRS autoriza ao Relator negar ou dar provimento ao recurso quando houver jurisprudência dominante acerca da matéria em discussão no âmbito do STF, do STJ, e do próprio Tribunal:
Art. 206. Compete ao Relator:
XXXVI - negar ou dar provimento ao recurso quando houver jurisprudência dominante acerca do tema no Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça com relação, respectivamente, às matérias constitucional e infraconstitucional e deste Tribunal;
Neste contexto, o recurso aceita, na hipótese, pronunciamento monocrático, tendo em vista o entendimento ora consolidado na 19ª Câmara Cível.
MÉRITO
O artigo 833 do Código de Processo Civil lista os bens protegidos pela regra da impenhorabilidade:
Art. 833. São impenhoráveis:
I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;
II - os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;
III - os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor;
IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º ;
V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado;
VI - o seguro de vida;
VII - os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas;
VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;
IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social;
X - a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;
XI - os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político, nos termos da lei;
XII - os créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária, vinculados à execução da obra.
§ 1º A impenhorabilidade não é oponível à execução de dívida relativa ao próprio bem, inclusive àquela contraída para sua aquisição.
§ 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, §8º, e no art. 529, §3º.
§ 3º Incluem-se na impenhorabilidade prevista no inciso V do caput os equipamentos, os implementos e as máquinas agrícolas pertencentes a pessoa física ou a empresa individual produtora rural, exceto quando tais bens tenham sido objeto de financiamento e estejam vinculados em garantia a negócio jurídico ou quando respondam por dívida de natureza alimentar, trabalhista ou previdenciária.
No caso, o agravante teve bloqueado em conta o valor total de R$ 3.318.87. (
evento 55, SISBAJUD1
,
evento 55, SISBAJUD2
e
evento 55, SISBAJUD8
) em conta mantida na Caixa Econômica Federal.
Na manifestação que impugnou o bloqueio (
evento 65, IMPUGNAÇÃO1
) alegou que tais valores são oriundos de seguro desemprego, sendo a quantia essencial à manutenção de sua subsistência, haja vista se tratar de verba alimentar, também constituindo reserva de patrimônio destinado a assegurar o mínimo existencial.
Quanto ao primeiro argumento, entendo que não restou devidamente comprovado pelo recorrente que a origem dos valores é oriunda de seguro desemprego, porquanto nos extratos do
evento 65, EXTR2
,
evento 65, EXTR3
,
evento 1, EXTR2
, e
evento 1, EXTR3
não consta qualquer informação lançada a respeito do ingresso de quantias sob tal rúbrica. Apesar de os documentos do
evento 65, OUT4
,
evento 1, OUT4
,
evento 1, OUT5
,
evento 1, OUT6
e
evento 1, OUT7
demonstrarem que o recorrente recebeu seguro desemprego, não há informação da conta, na qual foram creditados as quantias.
Dessa forma, sob o aspecto do art. 833, IV, do CPC, inexiste como reconhecer a impenhorabilidade.
.No que diz com o segundo ponto que baliza a pretensão recursal, não obstante existam divergências acerca do tema, com a mitigação da regra da impenhorabilidade, é certo que, considerando-se a existência de duas vertentes, de um lado o direito ao mínimo existencial do devedor e de outro o direito à satisfação executiva do credor, há necessidade da realização de um juízo de ponderação a cada caso concreto.
Quer dizer, não há como interpretar de forma absoluta a impenhorabilidade descrita no artigo 833, X, do Código de Processo Civil.
O simples fato de a quantia ser inferior a quarenta salários-mínimos não a torna impenhorável. E ainda que se interprete de forma extensiva o art. 833, inc. X, do CPC, para abranger quantias depositadas em outras espécies de contas e aplicações bancárias além da caderneta de poupança, a impenhorabilidade, neste caso, está restrita apenas aos valores economizados pelo devedor, quantia essa necessária à sua subsistência.
A conclusão pela relativização da regra que proíbe a penhora de valores depositados em caderneta de poupança até o limite de 40 salários mínimos e que ela pode ser estendida para casos de conta-corrente ou qualquer aplicação financeira, desde que o montante sirva para assegurar a sobrevivência do atingido pela constrição, foi reforçada recentemente pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, em voto de relatoria do Ministro HERMAN BENJAMIN, no REsp 1.677.144:
PROCESSUAL CIVIL. BLOQUEIO DE DINHEIRO VIA BACEN JUD. DINHEIRO DISPONÍVEL EM CONTA-CORRENTE, NÃO EM CADERNETA DE POUPANÇA. IMPENHORABILIDADE ABSOLUTA . ART. 833, X, DO CPC (ANTIGO ART. 649, X, DO CPC/1973). NORMA RESTRITIVA . INTERPRETAÇÃO AMPLIATIVA. IMPOSSIBILIDADE. PRESTÍGIO À JURISPRUDÊNCIA FIRMADA NESSE SENTIDO. AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA EXCEPCIONAL OU RELEVANTES RAZÕES PARA ALTERAÇÃO . DEVER DOS TRIBUNAIS SUPERIORES DE MANTER SUAS ORIENTAÇÕES ESTÁVEIS, ÍNTEGRAS E COERENTES. DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA 1. A controvérsia cinge-se ao enquadramento das importâncias depositadas em conta-corrente até 40 (quarenta) salários mínimos na impenhorabilidade prevista no art. 649, X, do CPC/1973, atual art . 833, X, do CPC/2015.2. O Tribunal de origem reformou a decisão de primeiro grau para considerar impenhorável o valor de R$ 15.088,97 depositado em conta-corrente do executado, pois tal garantia "pode ser estendida a outras formas de reserva financeira além da poupança" (fl . 127, e-STJ). JURISPRUDÊNCIA DO STJ A RESPEITO DA QUESTÃO CONTROVERTIDA 3. A orientação cediça do STJ, desde a introdução do instituto no Código de Processo Civil de 1973, sempre foi no sentido de que a disposição contida no art. 649, X, do CPC/1973 - atual art . 833, X, do CPC/2015 - era limitada aos valores depositados em caderneta de poupança, consoante dicção expressa da lei. Por todos: "O art. 649, X, do CPC, não admite intepretação extensiva, de modo a abarcar outras modalidades de aplicação financeira, de maior risco e rentabilidade, que não detêm o caráter alimentício da caderneta de poupança" (REsp 1.330 .567/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJe 27.5.2013) . No mesmo sentido: AgRg no REsp 1.371.567/SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, DJe 12 .6.2013; AgRg no AREsp 385.316/RJ, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, DJe 14 .4.2014; AgRg no AREsp 511.240/AL, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 30 .3.2015; AgInt no AgInt no AREsp 886.532/SP, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, DJe 14 .6.2017.4. Vale acrescentar que, nos casos em que os depósitos realizados eram utilizados mais para fins de movimentação financeira do que de poupança, o entendimento jurisprudencial era de que estava descaracterizada a proteção conferida pela regra da impenhorabilidade, pois destinada a conferir segurança alimentícia e familiar, o que deixava de ocorrer no caso de uso como fluxo de caixa para despesas diversas .5. Esse posicionamento começou a sofrer alteração a partir de alguns julgados do STJ que passaram a adotar posição diametralmente oposta, no sentido de que "a impenhorabilidade da quantia de até quarenta salários mínimos poupada alcança não somente as aplicações em caderneta de poupança, mas também as mantidas em fundo de investimentos, em conta-corrente ou guardadas em papel-moeda, ressalvado eventual abuso, má-fé, ou fraude, a ser verificado de acordo com as circunstâncias do caso concreto" (REsp 1.582.264/PR, Rel . Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 28.6.2016).No mesmo sentido: REsp 1 .230.060/PR, Rel. Ministra Isabel Gallotti, Segunda Seção, DJe 29.8 .2014; AgRg no REsp 1.566.145/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 18 .12.2015; e REsp 1.666.893/PR, Rel . Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 30/6/2017.6. O acórdão a quo se baseou em precedente da Segunda Seção, firmado por maioria, no REsp 1.230 .060/PR, DJe 29.8.2014, Rel. Ministra Isabel Gallotti, para desbloquear as verbas penhoradas da conta-corrente do executado . INTERPRETAÇÃO DO ART. 833, X, DO CPC À LUZ DA CF/1988 E DO ART. 5º DA LINDB 7. Originalmente, o voto apresentado aplicava solução coerente com a posição jurisprudencial que vinha sendo aplicada pacificamente no STJ até 2014, isto é, restringindo a impenhorabilidade do montante de até quarenta (40) salários mínimos para o dinheiro aplicado exclusivamente em cadernetas de poupança, com lastro na interpretação literal das normas do CPC/1973 e do atual CPC .8. Não obstante, dado o brilhantismo dos fundamentos lançados no Voto-Vista divergente apresentado pelo Ministro Luis Felipe Salomão, pedi Vista Regimental para sobre eles refletir e apresentar solução intermediária.9. Saliento, conforme exposição abaixo, que a modificação adequada e ora submetida ao colegiado possui abrangência menor do que a veiculada na proposta do eminente par .10. Primeiramente, reitero, com base nos precedentes acima citados, que o STJ procedeu à alteração jurisprudencial acerca do tema no ano de 2014, situação que não pode ser desconsiderada no julgamento da presente causa.11. Em segundo lugar, tem-se como claro e incontroverso, pela leitura dos dois votos até aqui apresentados, que a redação literal do Código de Processo Civil (tanto o de 1973 - art . 649, X - como o atual - art. 833, X) sempre especificou que é absolutamente impenhorável a quantia de até quarenta (40) salários mínimos aplicada apenas em caderneta de poupança.12. Sucede que não é despropositado observar que realmente houve alteração na realidade fática relativamente às aplicações financeiras .13. Na cultura generalizada vigente nas últimas décadas do século passado, o cidadão médio, quando pensava em reservar alguma quantia para a proteção própria ou de sua família, pensava naturalmente na poupança.14. Hoje em dia, não é incomum verificar a grande expansão de empresas especializadas em atender a um crescente mercado voltado ao investimento no mercado financeiro, sendo frequente que um segmento social (ainda que eventualmente pequeno) relativamente privilegiado sabe muito bem que, atualmente, a poupança é a aplicação que dá menor retorno .15. Exatamente por essa razão é que se entende, após melhor ponderação sobre o tema, que o nome da aplicação financeira, por si só, é insuficiente para viabilizar a proteção almejada pelo legislador. Em outras palavras, a se considerar que a reserva de numerário mínimo, destinada a formar patrimônio necessário ao resguardo da dignidade da pessoa humana (aqui incluída a do grupo familiar a que pertence), constitui o fim social almejado pelo legislador, não seria razoável, à luz da Constituição Federal e do art. 5º da LINDB, consagrar entendimento no sentido de proteger apenas a parte processual que optou por fazer aplicação em "cadernetas de poupança", instituindo tratamento desigual para outros que, aplicando sua reserva monetária em aplicações com características e finalidade similares à da poupança, buscam obter retorno financeiro mais bem qualificado .16. No sentido acima, chama-se atenção para o fato de que a hipótese não é de interpretação ampliativa - incabível em relação às normas de exceção em um microssistema jurídico -, mas de sua exegese à luz da Constituição Federal de 1988 e do art. 5º da LINDB.17 . Não sensibiliza, todavia, a genérica menção à ampliação da impenhorabilidade, que passaria a ser geral e irrestrita, a todo e qualquer tipo de aplicação financeira de até quarenta salários mínimos, com amparo na necessidade de se proceder à exegese da norma em conformidade com outros valores prestigiados constitucionalmente.18. Isso porque, embora, evidentemente, as normas não possam ser interpretadas contra outros valores constitucionais, a ciência jurídica impõe o acato e a observância à rigorosa técnica da hermenêutica e de ponderação de valores de normas aparentemente conflitantes. Assim, a menção abstrata a outros valores de estatura constitucional, por si só, é insuficiente para justificar, como resultado exegético, interpretação que entre em atrito com outras máximas, ou princípios e fundamentos técnico-jurídicos, como os de que a lei não contém palavras inúteis, ou de que as normas de exceção devem ser interpretadas restritivamente .19. Dito de outro modo, o que se tem por razoável é considerar, na melhor das hipóteses, que a norma sobre a impenhorabilidade deve ser interpretada, à luz da CF/1988, sob a perspectiva de preservar direitos fundamentais, sem que isso autorize, entretanto, a adoção de interpretação ampliativa em relação a normas editadas com finalidade eminentemente restritiva (já que a impenhorabilidade, como se sabe, constitui exceção ao princípio da responsabilidade patrimonial), pois, em tal contexto, não haveria interpretação buscando compatibilizar normas jurídicas, mas construção de um ordenamento jurídico sustentado por sistema hermenêutico autofágico, em que uma norma aniquilaria o espírito e a razão de existir de outra.20. É precisamente por esse motivo que merece reprodução o seguinte excerto lançado no próprio Voto-Vista do Ministro Luis Felipe Salomão, o qual se reporta à "lapidar lição de Fredie Didier Jr" (destaques meus, em negrito): "( ...) a restrição à penhora de certos bens apresenta-se como uma técnica processual tradicional e bem aceita pela sociedade contemporânea. Mas essas regras não estão imunes ao controle de constitucionalidade in concreto e, por isso, podem ser afastadas ou mitigadas se, no caso concreto, a sua aplicação revelar-se não razoável ou desproporcional."21. Como base no acima exposto, à luz do princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, é absolutamente inadequado formar-se posicionamento jurisprudencial que consubstancie orientação no sentido de que toda aplicação de até quarenta 40 (quarenta), em qualquer tipo de aplicação bancária ou financeira, estará sempre enquadrada na hipótese do art . 833, X, do CPC.22. A partir do raciocínio acima, a melhor interpretação e aplicação da norma é aquela que respeita as seguintes premissas:a) é irrelevante o nome dado à aplicação financeira, mas é essencial que o investimento possua características e objetivo similares ao da utilização da poupança (isto é, reserva contínua e duradoura de numerário até quarenta salários mínimos, destinada a conferir proteção individual ou familiar em caso de emergência ou imprevisto grave) - o que não ocorre, por exemplo, com aplicações especulativas e de alto risco financeiro (como recursos em bitcoin, etc.);b) não possui as características acima o dinheiro referente às sobras que remanescem, no final do mês, em conta-corrente tradicional ou remunerada (a qual se destina, justamente, a fazer frente às mais diversas operações financeiras de natureza diária, eventual ou frequente, mas jamais a constituir reserva financeira para proteção contra adversidades futuras e incertas);c) importante ressalvar que a circunstância descrita no item anterior, por si só, não conduz automaticamente ao entendimento de que o valor mantido em conta-corrente será sempre penhorável . Com efeito, deve subsistir a orientação jurisprudencial de que o devedor poderá solicitar a anulação da medida constritiva, desde que comprove que o dinheiro percebido no mês de ingresso do numerário possui natureza absolutamente impenhorável (por exemplo, conta usada para receber o salário, ou verba de natureza salarial);d) para os fins da impenhorabilidade descrita na hipótese a, acima, ressalvada a hipótese de aplicação em caderneta de poupança (em torno da qual há presunção absoluta de impenhorabilidade), é ônus da parte devedora produzir prova concreta de que a aplicação similar à poupança constitui reserva de patrimônio destinado a assegurar o mínimo existencial ou a proteger o indivíduo ou seu núcleo familiar contra adversidades. SÍNTESE DA TESE OBJETIVA AQUI APRESENTADA 23.
A garantia da impenhorabilidade é aplicável automaticamente, no patamar de até 40 (quarenta), ao valor depositado exclusivamente em caderneta de poupança. Se a medida de bloqueio/penhora judicial, por meio físico ou eletrônico (Bacenjud), atingir dinheiro mantido em conta-corrente ou quaisquer outras aplicações financeiras, poderá eventualmente a garantia da impenhorabilidade ser estendida a tal investimento - respeitado o teto de quarenta salários mínimos -, desde que comprovado, pela parte processual atingida pelo ato constritivo, que o referido montante constitui reserva de patrimônio destinada a assegurar o mínimo existencial
. HIPÓTESE DOS AUTOS 24. No caso concreto, conforme descrito pela parte recorrida, a penhora incidiu sobre numerário em conta-corrente, constituindo-se, em tese, verba perfeitamente penhorável.25. Superada a exegese adotada na Corte regional, devem os autos retornar para que esta, em respeito ao princípio da não supressão de instância, prossiga no julgamento do Agravo de Instrumento, no que concerne aos demais argumentos veiculados pela parte contrária, isto é, de liberação da penhora em razão de: a) o débito se encontrar parcelado (importante identificar se eventual parcelamento foi concedido antes ou depois da medida constritiva); e b) necessidade de utilização dos valores para sobrevivência da parte devedora .26. Recurso Especial provido. (STJ - REsp: 1677144 RS 2017/0136287-5, Relator.: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 21/02/2024, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 23/05/2024)
E o ônus de provar a impenhorabilidade é do devedor, porquanto apenas ele pode demonstrar o que é ou não necessário para sua subsistência, tratando-se de prova de inviável produção pelo credor.
Das informações do inteiro teor do referido julgamento
1
:
A controvérsia dos autos está em definir se é impenhorável a quantia depositada em conta-corrente do executado, até o limite de 40 salários-mínimos, nos termos do art. 833, X, do CPC (art. 649, X, do CPC/1973).
O art. 649, X, do CPC/1973, desde a sua introdução no Código de Processo Civil de 1973, vinha recebendo a orientação jurisprudencial cediça do STJ de que a regra da impenhorabilidade era limitada aos valores depositados em caderneta de poupança, consoante dicção expressa da lei.
A partir de 2014, todavia, alguns julgados do STJ passaram a adotar posição diametralmente oposta, no sentido de que "a impenhorabilidade da quantia de até quarenta salários mínimos poupada alcança não somente as aplicações em caderneta de poupança, mas também as mantidas em fundo de investimentos, em conta corrente ou guardadas em papel-moeda, ressalvado eventual abuso, má-fé, ou fraude, a ser verificado de acordo com as circunstâncias do caso concreto" (REsp 1.582.264/PR, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 28/6/2016).
A redação literal do Código de Processo Civil (tanto o de 1973 - art. 649, X - como o atual - art. 833, X) sempre especificou que é absolutamente impenhorável a quantia de até quarenta (40) salários mínimos aplicada apenas em caderneta de poupança.
No entanto, sucede que não é despropositado observar que realmente houve alteração na realidade fática das aplicações financeiras. Na cultura generalizada vigente nas última décadas do século passado, o cidadão médio quando pensava em reservar alguma quantia para a proteção própria ou de sua família, pensava naturalmente na poupança.
Hoje em dia, não é incomum verificar a grande expansão de empresas especializadas em atender a um crescente mercado voltado ao investimento no mercado financeiro, sendo frequente que um segmento social (ainda que eventualmente pequeno) relativamente privilegiado saiba muito bem que, atualmente a poupança é a aplicação que dá menor retorno.
Exatamente por essa razão, é de se reconhecer que o nome da aplicação financeira, por si só, é insuficiente para viabilizar a proteção almejada pelo legislador.
Assim, se considerar que a reserva de numerário mínimo, destinado a formar patrimônio necessário ao resguardo da dignidade da pessoa humana (aqui incluída a do grupo familiar a que pertence), constitui o fim social almejado pelo legislador, não seria razoável, à luz da Constituição Federal, consagrar o entendimento no sentido de proteger apenas a parte processual que optou por fazer aplicação em cadernetas de poupança, instituindo tratamento desigual para outros que, aplicando sua reserva monetária em aplicações com características e finalidade similares à da poupança, buscam obter retorno financeiro mais bem qualificado.
Ademais, o que se tem por razoável é considerar que a norma sobre a impenhorabilidade deve ser interpretada, à luz da CF/1988, sob a perspectiva de preservar direitos fundamentais, sem que isso autorize, entretanto, a adoção de interpretação ampliativa em relação a normas editadas com finalidade eminentemente restritiva (já que a impenhorabilidade constitui exceção ao princípio da responsabilidade patrimonial), pois, em tal contexto, não haveria interpretação buscando compatibilizar normas jurídicas, mas construção de um ordenamento jurídico sustentado por sistema hermenêutico autofágico, em que uma norma aniquilaria o espírito e a razão de existir de outra.
A partir do raciocínio acima, conclui-se no sentido de que:
a) é irrelevante o nome dado à aplicação financeira, mas é essencial que o investimento possua características e objetivo similares ao da utilização da poupança (isto é, reserva contínua e duradoura de numerário até quarenta salários mínimos, destinado a conferir proteção individual ou familiar em caso de emergência ou imprevisto grave).
b) não possui as características acima o dinheiro referente às sobras que remanescem, no final do mês, em conta corrente tradicional ou remunerada (a qual se destina, justamente, a fazer frente às mais diversas operações financeiras de natureza diária, eventual ou frequente, mas jamais a constituir reserva financeira para proteção contra adversidades futuras e incertas).
c) importante ressalvar que a circunstância descrita anterior, por si só, não conduz automaticamente ao entendimento de que o valor mantido em conta corrente será sempre penhorável. Com efeito, deve subsistir a orientação jurisprudencial de que o devedor poderá solicitar a anulação da medida constritiva, desde que comprove que o dinheiro percebido no mês de ingresso do numerário possui natureza absolutamente impenhorável (por exemplo, conta usada para receber o salário, ou verba de natureza salarial).
d) para os fins da impenhorabilidade descrita acima, ressalvada a hipótese de aplicação em caderneta de poupança (em torno da qual há presunção absoluta de impenhorabilidade), é ônus da parte devedora produzir prova concreta de que a aplicação similar à poupança constitui reserva de patrimônio destinado a assegurar o mínimo existencial ou a proteger o indivíduo ou seu núcleo familiar contra adversidades.
Em resumo, a garantia da impenhorabilidade é aplicável automaticamente, em relação ao montante de até quarenta (40) salários mínimos, ao valor depositado exclusivamente em caderneta de poupança.
Se a medida de bloqueio/penhora judicial, por meio físico ou eletrônico (Bacenjud), atingir dinheiro mantido em conta corrente ou quaisquer outras aplicações financeiras, poderá eventualmente a garantia da impenhorabilidade ser estendida a tal investimento, respeitado o teto de quarenta salários mínimos, desde que comprovado, pela parte processual atingida pelo ato constritivo, que o referido montante constitui reserva de patrimônio destinado a assegurar o mínimo existencial.
No caso concreto, o agravante não fez qualquer prova de que os valores estavam guardados em conta ou caderneta serviriam para sua utilização substancial, de necessidade familiar ou preservação de sua dignidade, próprios da poupança, porquanto nos extratos do
evento 1, EXTR2
e do
evento 1, EXTR3
sequer há a informação a respeito da modalidade da conta do agravante, se corrente ou poupança, bem como inexistem outros documentos para comprovar a imprescindibilidade das quantias para a sua subsistência.
Assim, ausente prova da impenhorabilidade dos valores, é caso de manter, na íntegra, a decisão agravada.
DISPOSITIVO:
Ante o exposto,
em decisão monocrática
, é caso de
NEGAR PROVIMENTO ao agravo de instrumento, nos termos da fundamentação.
Intimem-se.
Tratando-se de processo eletrônico, a comunicação do Juízo de origem será realizada, de forma automática, pelo Sistema Eproc.
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. https://processo.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?acao=pesquisar&livre=1677144&livre=@docn&operador=e&b=INFJ&tp=T
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