Processo nº 0800334-76.2023.8.18.0047
ID: 335371691
Tribunal: TJPI
Órgão: VARA ÚNICA DA COMARCA DE CRISTINO CASTRO
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0800334-76.2023.8.18.0047
Data de Disponibilização:
28/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANILSON ALVES FEITOSA
OAB/PI XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PIAUÍ Vara Única da Comarca de Cristino Castro DA COMARCA DE CRISTINO CASTRO Rua João de Ouro, S/N, Fórum Dr. João Martins, Mutirão, CRISTINO CASTRO - PI - CEP: 64920-00…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PIAUÍ Vara Única da Comarca de Cristino Castro DA COMARCA DE CRISTINO CASTRO Rua João de Ouro, S/N, Fórum Dr. João Martins, Mutirão, CRISTINO CASTRO - PI - CEP: 64920-000 PROCESSO Nº: 0800334-76.2023.8.18.0047 CLASSE: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) ASSUNTO(S): [Empréstimo consignado] AUTOR: JOAO FRANCISCO DOS SANTOS REU: BANCO BRADESCO SENTENÇA I. RELATÓRIO JOÃO FRANCISCO DOS SANTOS ajuizou uma AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA E EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS em face do BANCO BRADESCO S.A. A autora foi surpreendida ao perceber uma redução significativa em seus proventos mensais de aposentadoria. Ao procurar a Agência do INSS, foi informada da existência de um empréstimo consignado que nunca solicitou ou autorizou, realizado em seu nome junto ao BANCO BRADESCO S.A. O referido contrato, com valor de R$ 1.750,00 (mil e setecentos e cinquenta reais), gerou descontos mensais de R$ 53,60 (cinquenta e três reais e sessenta centavos). JOÃO FRANCISCO DOS SANTOS alega que nunca contratou tal empréstimo e desconhece o crédito de qualquer valor relacionado a essa operação. Como resultado, afirma ter sofrido prejuízos financeiros e transtornos emocionais decorrentes dos descontos indevidos em sua aposentadoria. Diante dessa situação, a autora pleiteia a concessão do benefício da justiça gratuita, a inversão do ônus da prova e a nulidade do contrato de empréstimo consignado, com a consequente declaração de inexistência de qualquer débito em seu nome junto ao BANCO BRADESCO S.A. Além disso, requer a devolução em dobro dos valores indevidamente descontados de seus proventos, corrigidos monetariamente e acrescidos de juros. Por fim, busca a condenação do banco ao pagamento de indenização por danos morais, em virtude dos transtornos e abalos sofridos, além das custas processuais e honorários advocatícios. A contestação foi apresentada pelo banco no ID 63332876, onde o réu argumenta que o contrato contestado foi regularmente firmado pela autora. É o relatório. Fundamento e Decido. II. FUNDAMENTAÇÃO II.a.1. DO JULGAMENTO ANTECIPADO DO MÉRITO O art. 355, do Código de Processo Civil, prevê duas situações passíveis de avocar o fenômeno do julgamento antecipado da lide. Veja-se: Art. 355. O juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando: I - Não houver necessidade de produção de outras provas; II- O réu for revel, ocorrer o efeito previsto no art. 344 e não houver requerimento de prova, na forma do art. 349. Como ensina CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, “a razão pela qual se permite a antecipação do julgamento do mérito é invariavelmente a desnecessidade de produzir provas. Os dois incisos do art. 330 desmembram essa causa única em várias hipóteses, mediante uma redação cuja leitura deve ser feita com a consciência de que só será lícito privar as partes de provar quando as provas não forem necessárias ao julgamento” (Instituições de Direito Processual Civil, v. III, 2ª ed., Malheiros, p.555) Destarte, perfeitamente cabível que se julgue antecipadamente o mérito,sem olvidar que, nos termos do artigo 139, inciso II, do Código de Processo Civil, compete ao magistrado velar pela rápida solução do litígio, privilegiando a efetividade do processo, quando prescindível a instrução processual (cf. José Roberto dos Santos Bedaque, Efetividade do Processo e Técnica Processual, 2ª ed., Malheiros, p. 32/34), e atendendo a garantia constitucional de razoável duração do processo insculpida no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal. Assim, o feito admite julgamento no estado em que se encontra, com o conhecimento direto do pedido, uma vez que a matéria posta em debate versa questão única e exclusivamente de direito, nos termos do disposto no artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, existentes nos autos todos os elementos necessários ao deslinde da pendência. Ademais, desnecessária a produção de outras provas, não havendo que se falar em violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, pois os documentos que instruem os autos são suficientes à demarcação dos fatos, restando tão somente matéria de direito a ser decidida. Destarte, o julgamento antecipado é de rigor, sendo certo que outras provas pretendidas consistem em diligências inúteis e desnecessárias que em nada contribuirão para o deslinde do feito. II.b. DAS PRELIMINARES II.b.1. INICIAL INEPTA: DA AUSÊNCIA DE DOCUMENTOS INDISPENSÁVEIS Compulsando os autos, verifico que a petição inicial tem todos os requisitos necessários para o andamento do processo. Não há o que se falar em inépcia, tendo em vista que a exordial atende a todos os requisitos previstos nos arts. 319, 320 e 321 do CPC. Desse modo, afasto a referida preliminar. II.b.2. DA IMPUGNAÇÃO AO PEDIDO DE GRATUIDADE DA JUSTIÇA Rejeito o pedido de impugnação da justiça gratuita formulado pela parte autora, uma vez que a afirmação de insuficiência de recursos da pessoa natural goza de presunção de veracidade. Assim, não vislumbro no presente feito, indícios razoáveis de que o pleito da parte autora seja temerário a ponto de indeferimento. II.c. DAS PREJUDICIAIS DE MÉRITO II.a.1. DA INOCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO In casu, entendo aplicável o lapso prescricional de 05 (cinco) anos em obediência ao Código de Defesa do Consumidor – CDC no art. 27 e não ao Código Civil/02. Entretanto, tal prazo tem como termo inicial a cessação dos descontos, conforme entendimento deste Egrégio Tribunal e do próprio Superior Tribunal de Justiça. A propósito: APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO Declaratória de nulidade/inexistência de relação contratual c/c repetição de indébito e indenização por danos morais. Prescrição quinquenal. negócio jurídico celebrado com analfabeto. AUSÊNCIA DE procuração pública. contrato nulo. Restituição EM DOBRO dos valores descontados do benefício previdenciário. COMPENSAÇÃO com os valores repassados pelo banco a título de empréstimo. Repetição do indébito calculada apenas sobre o saldo credor. Danos morais concedidos. recurso conhecido e provido. I. preliminar de Prescrição. 1. Aplica-se aos contratos bancários às regras do Código de Defesa do Consumidor, cujo prazo prescricional, aplicável à espécie, é de 5 anos, contados do conhecimento do dano e de sua autoria. 2. O TJPI e demais tribunais pátrios reconhecem que a relação jurídica decorrente de empréstimos, que importa em violação de direitos, com descontos indevidos e contínuos nos benefícios previdenciários, é de trato sucessivo, contando-se o prazo prescricional a partir do último desconto. (Precedente TJPI, AC 2016.0001.013907-1, Rel Des. Oton José Lustosa Torres, julgado em 26-09-2017; TJMS, APL 08005674920158120038, Relator: Geraldo de Almeida Santiago, julgado em 10-11-2015) 3. O último desconto sofrido pelo autor em seu benefício previdenciário ocorreu em maio de 2013, e o ajuizamento da Ação ocorreu em 13-10-2015, portanto, só restam prescritas as parcelas anteriores à 13-10-2010. 4. Prescrição quinquenal acolhida. II. MÉRITO 4. Os requisitos para a validade do negócio jurídico descritos no art. 104 do CPC se restringem à: agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e forma prescrita ou não defesa em lei. 5. O analfabetismo não induz em presunção de incapacidade relativa ou total da pessoa, consoante se denota dos artigos 3º e 4º do Código Civil. 6. Mesmo porque, a incapacidade ou redução da capacidade de leitura não impede o analfabeto de exprimir sua vontade, nem mesmo de praticar os atos da vida civil, incluindo, a celebração de contrato. 7. Quanto ao objeto, a hipótese dos autos se refere a empréstimo bancário, mediante desconto em benefício previdenciário, cuja celebração da avença ocorre por meio de contrato de mútuo celebrado com instituição financeira, mediante aplicação de juros e correção monetária, conforme previsão contida no CC, arts. 586. 8. Desse modo, verifico que o objeto é lítico, possível e determinado. 9. No tocante à formalização do contrato, reafirmo o entendimento já consolidado pela Súmula 297 do STJ de que “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. 10. O art. 54, parágrafo 3º, do CDC prescreve que \"os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.\" 11. Isso nos leva à fácil compreensão de que o analfabeto merece uma maior proteção, de modo a permitir que o contratante conheça de forma clara as implicações da negociação, haja vista sua condição de maior vulnerabilidade em detrimento dos demais consumidores. 12. Assim vem se consolidando o entendimento na doutrina e jurisprudência de que o negócio jurídico celebrado com pessoa analfabeta só é válido se mediante procuração pública, considerando referida exigência como essencial para a validade do negócio, e torna nulo o negócio jurídico se descumprida tal solenidade, nos termos do art. 166, V, do CC. 13. In casu, verifico através da cópia do contrato acostada pelo Banco, que se trata de contrato de empréstimo, no qual contém a suposta digital da parte autora/contratante e assinatura de duas testemunhas, inexistindo a comprovação de que o negócio foi celebrado por escritura pública ou, ainda, por meio de procurador constituído através de instrumento público. 14. Portanto, o referido contrato é nulo, razão pela qual deverá o banco apelado devolver o valor descontado indevidamente do benefício previdenciário da parte apelante. 15. Também é devida a restituição do indébito em dobro, posto que o ato praticado pela instituição financeira de cobrar empréstimo, com base em contrato nulo, afronta o direito do consumidor, e, nesse caso, deve devolver em dobro, os valores descontados, na forma do parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor. 16. Em contrapartida, diante da informação de que foi realizado o repasse do valor do empréstimo através de TED, na conta de titularidade do apelante, deve ocorrer a devida compensação, nos moldes do art. 368 do CC, e, em havendo saldo em favor do credor, sobre este que será aplicado a repetição do indébito, sob pena de enriquecimento ilícito. 17. No que se refere aos danos morais, evidente a incidência na hipótese e, por consequência, presente o dever de indenizar. 18. A verba indenizatória, por sua vez, deve ser fixada, levando-se em consideração dois parâmetros: o caráter compensatório para a vítima e o caráter punitivo para o causador do dano. 19. Assim, considerando as particularidades do caso concreto, e o parâmetro já adotado nos julgados desta corte, em casos análogos, fixo os danos morais em R$ 3.000,00 (três mil reais), quantia razoável e adequada, não implicando ônus excessivo ao réu, tampouco enriquecimento sem causa à demandante, devidamente atualizado com juros e correção monetária na forma da lei. 20. apelação conhecida e provida. (TJ-PI - AC: 00003426320158180113 PI, Relator: Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho, Data de Julgamento: 01/08/2018, 3ª Câmara Especializada Cível). PROCESSUAL CIVIL. CONSUMIDOR. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. IRRESIGNAÇÃO MANIFESTADA NA VIGÊNCIA DO NCPC. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PRAZO PRESCRICIONAL. CINCO ANOS. ART. 27 DO CDC. TERMO INICIAL. ÚLTIMO DESCONTO. DECISÃO EM CONFORMIDADE COM O ENTENDIMENTO DESTA CORTE. PRESCRIÇÃO RECONHECIDA NA ORIGEM COM BASE NOS FATOS DA CAUSA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7 DO STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADO ANTE A INCIDÊNCIA DOS ÓBICES SUMULARES. INCIDÊNCIA DA MULTA PREVISTA PELO ART. 1.021, § 4º, DO NCPC. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO, COM IMPOSIÇÃO DE MULTA. 1. Aplica-se o NCPC a este recurso ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC. 2. O Tribunal a quo dirimiu a controvérsia em conformidade com a orientação firmada nesta Corte, no sentido de que, para a contagem do prazo prescricional quinquenal previsto no art. 27 do CDC, o termo inicial a ser observado é a data em que ocorreu a lesão ou pagamento, o que, no caso dos autos, se deu com o último desconto do mútuo da conta do benefício da parte autora. Incidência da Súmula nº 568 do STJ, segundo a qual, o relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema. 3. Para modificar o termo inicial firmado no acórdão recorrido, para efeito de contagem do início de fluência da prescrição nos autos, seria imprescindível derruir a afirmação contida no decisum atacado, o que, forçosamente, ensejaria em rediscussão de matéria fática, incidindo, na espécie, o óbice contido na Súmula nº 7 do STJ. 4. A jurisprudência desta Corte firmou o entendimento de que não é possível o conhecimento do recurso especial interposto pela divergência jurisprudencial na hipótese em que o dissídio é apoiado em fatos, e não na interpretação da lei. Isso porque a Súmula nº 7 do STJ também se aplica aos recursos especiais interpostos pela alínea c do permissivo constitucional. Precedente: AgRg no Ag 1.276.510/SP, Rel. Ministro PAULO FURTADO (Desembargador Convocado do TJ/BA), DJe 30/6/2010. 5. Em virtude de anterior advertência em relação a aplicabilidade do NCPC, aplica-se ao caso a multa prevista no art. 1.021, § 4º, do referido Código, no percentual de 3% sobre o valor atualizado da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito da respectiva quantia, nos termos do § 5º daquele artigo de lei. 6. Agravo interno não provido, com imposição de multa.(STJ - AgInt no AREsp: 1367313 MS 2018/0247837-2, Relator: Ministro MOURA RIBEIRO, Data de Julgamento: 20/05/2019, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/05/2019). Na hipótese dos autos, no caso do BANCO BRADESCO S.A, a cessação dos descontos ocorreu em 03/2019, conforme documento acostado em ID. 37354109. II.c.2. DA DECADÊNCIA Quanto à prejudicial de decadência, o réu sustentou que, ainda que se entenda pela inaplicabilidade da prescrição trienal, incidiria no caso o prazo decadencial de quatro anos previsto no artigo 178 do Código Civil, para pleitos de anulação de negócio jurídico fundados em erro, dolo, coação ou qualquer outro defeito de consentimento. A defesa alega que a autora discute a existência de um vício de consentimento no contrato e, por isso, o prazo decadencial deve ser contado da data de conhecimento do alegado defeito. No entanto, essa argumentação também não se aplica ao presente caso. A demanda ajuizada pela autora não trata de um vício de consentimento ou de nulidade relativa, que de fato atrairia o prazo de quatro anos para decadência. Ao contrário, a parte autora pleiteia a declaração de inexistência de relação jurídica, sob a alegação de que nunca firmou o contrato em questão. Essa situação se enquadra em uma nulidade absoluta, que não está sujeita a prazo decadencial e pode ser arguida a qualquer tempo. A jurisprudência do STJ é clara no sentido de que, em casos de inexistência de contratação, a pretensão é de declaração de nulidade absoluta, o que afasta qualquer prazo de decadência. Assim, a discussão é mais abrangente e não está restrita a vícios de consentimento que seriam passíveis de decadência. Além disso, a alegação de fraude ou inexistência de contratação constitui fundamento para o pedido de declaração de nulidade, que se contrapõe à tese de decadência. Desse modo, deve ser afastada a prejudicial de decadência, uma vez que a pretensão da autora é a declaração de nulidade de negócio jurídico inexistente, não se aplicando o prazo decadencial de quatro anos previsto no Código Civil. Em resumo, as preliminares de prescrição trienal e decadência não se aplicam ao presente caso, devendo ser analisadas sob a ótica do prazo quinquenal previsto no CDC para as ações de repetição de indébito e nulidade de relação jurídica decorrente de contratos bancários não celebrados. Sem mais preliminares, nulidades ou vícios a serem declarados por este juízo, passa-se ao exame de mérito. II.d. DO MÉRITO II.d.1.Da incidência do Código de Defesa do Consumidor e do ônus da prova Como se infere, o mérito da demanda envolve nítida relação de consumo e deve ser interpretado à luz do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que a requerida é pessoa jurídica direcionada ao fornecimento de serviços a seu destinatário final (parte autora), devendo ser aplicada a inversão do ônus probatório. Por sua vez, determina o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor que: “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre fruição e riscos”. Ato contínuo, “(...) § 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro”. No caso sub judice, a parte autora questiona a existência de empréstimo consignado, alegando que jamais o realizou: i. Contrato nº 785122770, junto ao BANCO BRADESCO S.A. O valor do suposto empréstimo foi de R$ 1.750,00 (mil e setecentos ecinquenta reais), com início dos descontos em 04/2014, no valor de R$ 53,60 (cinquenta etrês reais e sessenta centavos) por parcela. Desse modo, aplicando-se a inversão do ônus probatório, mormente em razão da verossimilhança da alegação autoral (art. 6º, VIII, CDC), pois os documentos juntados embasam os argumentos lançados na vestibular, e é dever da ré comprovar que a relação jurídica deveras existe, apresentando cópia do contrato devidamente assinado, ainda que a rogo e comprovante de crédito na conta do valor correspondente aos empréstimos na conta do demandante. II.d.2. Da manutenção da avença ante a comprovação da regularidade na contratação Analisando os autos, verifico que a parte autora sustentou na inicial que jamais realizara empréstimo consignado objeto do contrato nº 785122770, no valor de R$ 1.750,00 (mil e setecentos ecinquenta reais), com parcelas de R$ 53,60 (cinquenta etrês reais e sessenta centavos), com início em 04/2014. Quanto a tais alegações, verifico que a ré trouxe aos autos cópia do contrato firmado com a parte autora para comprovar o negócio firmado com a parte requerente, conforme ID 63332881. Observo ainda que na cédula de crédito bancário, que instrumentaliza o mútuo, há assinatura da promovente, não havendo que se falar de situação de não alfabetizada dela. Noutra via, a parte promovida não juntou comprovante de transferência válida de empréstimo e não se prestou a comprovar o crédito na conta do promovente ou o respectivo saque. A propósito: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA .EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. RELAÇÃO DE CONSUMO. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. AUSÊNCIA DO COMPROVANTE DE TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA (TED). INEXISTÊNCIA DA CONTRATAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. A autor comprova os descontos em seu beneficio previdenciário, os quais têm origem no suposto empréstimo consignado apontado na inicial. Por outro lado, a instituição financeira não comprova a validade da contratação. Isso porque a instituição financeira não apresentou o comprovante de transferência bancária dos valores supostamente contratados, o que enseja a declaração de nulidade da avença, com os consectários legais (Súmula 18, do TJPI). 2. No que se refere ao quantum indenizatório relativo aos danos morais, entendo que o valor arbitrado na origem, a saber, R$ 1.000,00 (um mil reais) é proporcional e deve ser mantido. 3. Recurso conhecido e improvido. (TJ-PI - AC: 08024092620208180037, Relator: Oton Mário José Lustosa Torres, Data de Julgamento: 15/07/2022, 4ª CÂMARA ESPECIALIZADA CÍVEL) Diante de tais razões, a anulação da referida avença é medida impositiva, com as consequências daí advindas. Dessa forma, entendo que os argumentos expostos autorizam a exclusão do débito, bem como a restituição das quantias descontadas no benefício da promovente, vez que a requerida não logrou êxito em provar a efetiva contratação e utilização dos serviços por parte da autora. Quanto ao pedido de devolução dos valores descontados indevidamente, o parágrafo único do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor preceitua que: Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. Uma vez constatada a falha na prestação do serviço, a restituição deverá ocorrer em valor dobrado, nos termos do dispositivo legal supratranscrito. Ademais, Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça fixou tese para estabelecer que a restituição em dobro do indébito independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que cobrou valor indevido, revelando-se cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva (EAREsp nº 676.608). Isso posto, tornou-se prescindível a comprovação de efetiva má-fé na conduta do prestador de serviços para o fim de autorizar a restituição em dobro do valor irregularmente cobrado do consumidor. II.c.3.Do dano moral No que se refere à indenização por dano moral pleiteada, é inconteste o abalo moral sofrido pela parte autora em razão de todos os percalços e entraves suportados, mormente por ter sido lesada financeiramente durante certo tempo, sem, contudo, nada dever. Em suma, é certo que o desconto irregular produz sofrimento psíquico anormal, tendo em vista o desfalque repentino de parcela do patrimônio vital da beneficiária, considerada a natureza alimentar da verba atingida pelo ato ilícito. Tal subtração, ainda que os valores isoladamente possam não ser de elevada monta, insere-se no campo do dano moral presumido (“in re ipsa”). Nesses termos, segue julgado: Consumidor. Descontos indevidos em benefício de aposentadoria. Entidade Ré que é prestadora de serviço. Responsabilidade objetiva. Teoria do risco Demonstração do nexo de causalidade. Dano moral existente independentemente de prova. Indenização de R$6.000,00 que atende aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Recurso provido” (TJSP Apelação 1002315-22.2017.8.26.0411. Relator (a): Luiz Antônio Costa Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Privado Foro de Pacaembu - 2º Vara Data do Julgamento: 19/06/2018 Data de Registro:19/06/2018). Em relação aos critérios para fixação da indenização, leciona Sérgio Cavalieri Filho: Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes” (in Programa de Resp. Civil, 9ª ed., São Paulo: Malheiros, 2005, p. 98). Considerando esses aspectos, entendo que o quantum a título de indenização pelos danos morais deve ser fixado em R$ 2.000,00 (dois mil reais), porquanto condizente com os valores envolvidos na demanda e com a dimensão do dano comprovado, com correção monetária pelo IGP-M desde a sentença (súmula 362 do STJ) e os juros de mora em 1% (um por cento) ao mês, a partir do evento danoso (súmula 54 do STJ). III. DISPOSITIVO Ante o exposto, julgo PROCEDENTES os pedidos formulados por JOÃO FRANCISCO DOS SANTOS em face do BANCO BRADESCO S.A., nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para: a) ANULAR o empréstimo consignado junto ao Banco promovido, objeto do contrato nº 785122770, no valor de R$1.750,00 (mil e setecentos ecinquenta reais), com parcelas de R$ 53,60 (cinquenta etrês reais e sessenta centavos), com início em 04/2014. Por consequência lógica, reconheço a inexistência de relação jurídica entre as partes e a inexigibilidade do débito, devendo a parte requerida se abster de efetuar novos descontos na conta corrente da autora, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais); b) CONDENAR a parte requerida ao pagamento da importância de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a título de indenização por danos morais, corrigido monetariamente pelo IGP-M, a partir desta decisão, nos termos da súmula 362 do STJ, com juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês, desde o evento danoso (Súmula nº 54 do STJ); c) CONDENAR a parte requerida a devolver à requerente as parcelas do empréstimo já descontadas em seu benefício previdenciário, de forma dobrada e acrescidas de correção monetária pelo IGP-M e juros de mora de 1% ao mês, ambos a contar dos respectivos descontos (Súmulas 43 e 54 do STJ); d) Sucumbente, condeno a parte ré a arcar com as custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios em favor do patrono da autora, que fixo em 10% sobre o valor da condenação, conforme artigo 85, § 2º do Código de Processo Civil. Em caso de recurso de apelação, por não haver mais juízo de admissibilidade a ser exercido por este juízo (art. 1010, CPC), intime-se a parte contrária para oferecer resposta, no prazo de 15 dias. Em caso de haver recurso adesivo, intime-se a parte contrária para oferecer contrarrazões. Após, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, para apreciação do recurso de apelação. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Cumpra-se. CRISTINO CASTRO - PI, datado eletronicamente. CLEBER ROBERTO SOARES DE SOUZA Juiz de Direito da Vara Única da Comarca de Cristino Castro
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