Banco Itau Consignado S.A. x Aldenor Alves Dos Santos
ID: 312962763
Tribunal: TJSC
Órgão: Diretoria de Recursos e Incidentes
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 5000687-52.2025.8.24.0039
Data de Disponibilização:
02/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JULIANO RICARDO SCHMITT
OAB/PR XXXXXX
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JULIANO RICARDO SCHMITT
OAB/SC XXXXXX
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RICARDO PAULINELLI BATISTA MACHADO
OAB/MG XXXXXX
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Apelação Nº 5000687-52.2025.8.24.0039/SC
APELANTE
: BANCO ITAU CONSIGNADO S.A. (RÉU)
ADVOGADO(A)
: JULIANO RICARDO SCHMITT (OAB PR058885)
ADVOGADO(A)
: JULIANO RICARDO SCHMITT (OAB SC020875)
APELADO…
Apelação Nº 5000687-52.2025.8.24.0039/SC
APELANTE
: BANCO ITAU CONSIGNADO S.A. (RÉU)
ADVOGADO(A)
: JULIANO RICARDO SCHMITT (OAB PR058885)
ADVOGADO(A)
: JULIANO RICARDO SCHMITT (OAB SC020875)
APELADO
: ALDENOR ALVES DOS SANTOS (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: RICARDO PAULINELLI BATISTA MACHADO (OAB MG127272)
DESPACHO/DECISÃO
Banco Itaú Consignado S.A. interpôs recurso de apelação contra sentença (evento 34 do processo de origem) que, nos autos de demanda nominada como "
ação anulatória de empréstimos consignados c/c indenização por danos materiais e morais
", ajuizada por
Aldenor Alves dos Santos
, julgou procedentes os pedidos iniciais.
Para melhor elucidação da matéria debatida nos autos, adota-se o relatório da sentença recorrida:
Trata-se de
"Ação anulatória de empréstimos consignados c/c indenização por danos materiais e morais"
ajuizada por
ALDENOR ALVES DOS SANTOS
em face de BANCO ITAU CONSIGNADO S.A., partes devidamente qualificadas nos autos em epígrafe.
Narra a exordial, em resumo, que o autor foi surpreendido com descontos em seu benefício previdenciário, oriundos de operação que não autorizou. Busca a tutela jurisdicional pretendendo a declaração de inexistência do débito, a repetição do indébito e a condenação da parte contrária ao pagamento de indenização por dano morais.
Citada, a parte ré ofertou contestação (Evento 11.1), oportunidade em que, preliminarmente, suscitou a prescrição, impugnou a assistência judiciária gratuita e o valor da causa, alegou a falta do interesse de agir e necessidade de comparecimento pessoal da autora. No mérito, defendeu a higidez da prestação de serviços, sustentando que a parte autora assinou os contratos e estava ciente de seus termos, pelo que não há ato ilícito capaz de ensejar reparação. Pugnou pela improcedência dos pedidos e pela condenação da parte contrária às penalidades relativas à litigância de má-fé.
Em réplica (Evento 21.1), o autor impugnou a autenticidade da assinatura dos contratos exibidos pelo réu.
Instada à especificação probatória, a parte ré pleiteou a conversão do julgamento em diligência (Evento 30.1).
Vieram-se os autos conclusos.
Da parte dispositiva do
decisum
, extrai-se a síntese do julgamento de primeiro grau:
Isto posto,
julgo procedentes
os pedidos deduzidos nas iniciais e, por via de consequência:
a) declaro a inexistência da dívida proveniente dos contratos descritos na inicial;
b) determino o cancelamento definitivo dos descontos efetuados pelo banco em relação aos referidos contratos;
c) condeno o réu a devolver à parte autora os valores a este título descontados indevidamente de seu benefício, na forma simples quanto às parcelas descontadas até 30-3-2021 e em dobro no tocante às parcelas posteriores à referida data, incidindo correção monetária e juros de mora nos termos da fundamentação, a contar de cada desconto realizado de forma indevida no benefício previdenciário;
d) condeno o réu a pagar à parte autora a título de indenização por danos morais, a quantia de R$ 7.000,00 (sete mil reais), acrescida de juros de mora a contar da citação (relação contratual) e de correção monetária a partir da presente decisão (Súmula 362 do STJ), incidindo os consectários legais nos termos da fundamentação;
e) condeno o réu ao pagamento integral das custas processuais e honorários advocatícios de sucumbência devidos ao procurador ex adverso, verba que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação (art. 85, §2º, CPC/2015), em harmonia com a complexidade da matéria, o número de atos processuais praticados, o grau de zelo do profissional, o local da prestação dos serviços e o tempo de tramitação da demanda;
f) declaro a resolução do mérito da causa com fundamento no art. 487, inc. I, do CPC/2015.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Após o trânsito em julgado, arquive-se com as baixas de estilo. (Grifos no original).
Em suas razões recursais (evento 34 dos autos de origem), a parte ré asseverou que "
não foi dado a oportunidade de o Banco Apelante fornecer suas provas, o que implica em cerceamento de defesa e afronta ao art. 369, do Código de Processo Civil
[...]
requereu a expedição de ofício aos bancos recebedores dos créditos para que traga aos autos os extratos bancários da conta da parte Apelada nos períodos das contratações, bem como designação de Audiência de Instrução e Julgamento, o que foi indeferido
" (p. 3).
Aduziu que "
o Superior Tribunal de Justiça reconheceu ser da instituição bancária a responsabilidade pela comprovação da regularidade do instrumento contratual, tendo ainda vislumbrado a demonstração da validade do negócio jurídico por outros meios de prova diversos da perícia, corroborada pelos documentos apresentados no momento da contratação, pelo comprovante de transferência bancária, dentre outros elementos
[...]
No caso dos autos, independentemente da presunção de falsidade das assinaturas dos contratos, é certo que há manifestação tácita de vontade da parte Apelante em contratar os mútuos
" (p. 5-8).
Alegou que "
O contrato de nº 596847264, ADE nº 33767276, foi celebrado em 16/04/2019, no valor de R$ 2.448,99 (com encargos)
[...]
a parte Apelada apôs assinatura no instrumento da contratação que corresponde à mesma constante dos documentos que apresentou nos autos, o que corrobora a regularidade da contratação
[...]
o crédito de R$ 2.364,80 foi disponibilizado diretamente na conta de titularidade da parte Apelada (Banco 104, agência n.º 1663 – conta corrente n.º 20879-1) em 17/04/2019
[...]
o contrato de nº 598775995, ADE nº 35782334, foi celebrado em 25/07/2019, no valor de R$ 22.349,61 (com encargos)
[...]
Do valor contratado, foi deduzida a quantia de R$ 20.042,97 para liquidação do contrato de empréstimo consignado de nº 584071385
[...]
o crédito de R$ 2.227,35 foi disponibilizado diretamente na conta de titularidade da parte Apelada (Banco 104, agência n.º 1663 – conta corrente n.º 20879-1) em 01/08/2019
[...]
O contrato de nº 619481532, ADE nº 44046090, foi celebrado em 19/05/2020, no valor de R$ 1.735,27
[...]
o crédito de R$ 1.735,27 foi disponibilizado diretamente na conta de titularidade da parte Apelada (Banco 237, agência n.º 2076 – conta corrente n.º 21961-4) em 27/05/2020
[...]
Por fim, o contrato de nº 620119357, ADE nº 46995976, foi celebrado em 19/08/2020, no valor de R$ 24.385,67
[...]
Do valor contratado, foi deduzida a quantia de R$ 19.700,00 para liquidação do contrato de empréstimo consignado de nº 598775995
[...]
o crédito de R$ 4.648,17 foi disponibilizado diretamente na conta de titularidade da parte Apelada (Banco 237, agência n.º 2076 – conta corrente n.º 21961-4) em 18/09/2020
" (p. 8-16).
Sustentou que "
a parte Apelada permaneceu inerte por 5 anos, 9 meses e 1 dia desde a celebração do primeiro negócio jurídico e depósito e, conta, não tendo se insurgido por longo período em face dos descontos das parcelas e/ou dos créditos correspondentes liberados em conta de sua titularidade, o que atrai a aplicação da teoria da supressio
[...]
Com base nisto, é certo que o feito deverá ser revisto e julgado improcedente independentemente da autenticidade das assinaturas impugnadas, tendo em vista que os demais elementos de prova coligidos aos autos denotam a validade dos contratos
" (p. 17-19).
Referiu que "
não há que se falar em reparação de dano material, haja vista que não se verifica o necessário nexo de causalidade entre uma suposta conduta do Banco e o alegado dano, pois não houve falha na prestação de seus serviços
[...]
não tendo a sentença afirmado que restou comprovada a má-fé do Apelante, não há que se falar em devolução em dobro da quantia indevidamente cobrada
" (p. 19-20).
Argumentou que "
no que tange à configuração do dano moral, a parte Apelada não comprovou ter sofrido efeito prático grave, lesivo à sua moral, ao seu patrimônio ou equilíbrio emocional, em decorrência dos fatos narrados na exordial
[...]
não se verifica nos autos a existência de lesão ou ofensa ao direito da personalidade da Apelante, tampouco desrespeito ao princípio fundamental da dignidade humana
[...]
caso seja fixada a indenização por danos morais, o que não se acredita, o quantum indenizatório não poderá ser de monta que enriqueça a parte indevidamente
" (p. 20-22).
Defendeu que "
é inadmissível a incidência de correção monetária e juros de mora desde cada desconto, pois sequer há indício de prova da suposta responsabilidade civil do Apelante.
[...]
caso mantida a condenação, o que não se acredita, deve ser reformada a sentença de primeiro grau para que a correção monetária e os juros de mora incidam a partir da decisão que os fixar
[...]
não há impedimento para a aplicação da SELIC para atualização dos juros de mora, na presente demanda
[...]
Portanto, na remota hipótese de manutenção da condenação, necessária se faz a reforma da sentença para aplicar a TAXA SELIC como índice de atualização dos juros de mora, deduzido o IPCA
" (p. 22-24).
Aduziu que "
com a reforma do recurso e o reconhecimento da improcedência dos pedidos autorais, deve-se reverter o ônus da sucumbência, conforme determina o artigo 86 do Código de Processo Civil, atribuindo à parte que teve seus pleitos rejeitados a responsabilidade pelo pagamento dos honorários advocatícios
" (p. 24).
Por fim, postulou a reforma da sentença para julgar improcedentes os pedidos iniciais. Subsidiariamente, requereu a restituição simples dos valores descontados, a minoração do
quantum
indenizatório por abalo anímico e a alteração dos consectários legais.
Com as contrarrazões (evento 49 do processo de primeiro grau), ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.
É o relato do necessário. Passa-se a decidir.
Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença que julgou procedentes os pedidos iniciais.
Porque presentes os pressupostos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido.
Tem-se como fato incontroverso, porque reconhecido expressamente pelas partes, que o autor é titular de benefício previdenciário e a partir do mês de maio de 2019 passou a sofrer descontos mensais em sua folha de pagamento, decorrentes dos seguintes contratos de empréstimo consignado supostamente celebrados com o banco réu:
a) 596847264, no valor total de R$ 2.364,80, para pagamento em 72 prestações de R$ 66,64, início dos descontos em maio de 2019 e exclusão pelo banco em abril de 2021;
b) 598775995, no valor total de R$ 22.270,32, para pagamento em 72 prestações de R$ 496,98, início dos descontos em agosto de 2019 e exclusão pelo banco em setembro de 2020;
c) 619481532, no valor total de R$ 1.735,27, para pagamento em 84 prestações de R$ 40,64, início dos descontos em junho de 2020 e exclusão pelo banco em dezembro de 2021; e
d) 620119357, no valor total de R$ 24.385, para pagamento em 84 prestações de R$ 496,98, início dos descontos em outubro de 2020 e exclusão pelo banco em dezembro de 2021.
A controvérsia, portanto, cinge-se à deliberação a respeito da nulidade da sentença por cerceamento de defesa, sobre a validade das referidas avenças, acerca do (des)cabimento da repetição de indébito na forma simples ou dobrada e quanto à (in)existência de danos morais indenizáveis e, se existentes, sobre a sua quantificação.
Sobre tais pontos, então, debruçar-se-á esta decisão.
Adianta-se, desde já, que o apelo comporta acolhimento parcial.
I - Da possibilidade de julgamento unipessoal:
Como cediço, o art. 932, IV e V, do Código de Processo Civil autoriza o relator a decidir monocraticamente o resultado de recurso que verse acerca de questão sobre a qual já exista entendimento consolidado no âmbito dos tribunais.
Sobre referido excerto normativo, ensina Daniel Amorim Assumpção Neves:
Nos termos do art. 1.011 do CPC, a apelação será distribuída imediatamente a um relator, que decidirá se julgará o recurso de forma monocrática ou de forma colegiada. [...] Sendo hipótese de aplicação do art. 932, III, IV e V, do CPC, o relator negará conhecimento, negará provimento ou dará provimento ao recurso por decisão unipessoal, recorrível por agravo interno no prazo de 15 dias. Caso entenda não ser caso de decisão monocrática o relator elaborará seu voto para julgamento do recurso pelo órgão colegiado.
(Manual de direito processual civil, volume único. 21. ed. Salvador: JusPODIVM, 2021. p. 1.666).
O art. 132 do Regimento Interno deste Sodalício, por sua vez, estabelece dentre as atribuições do relator as seguintes:
XV – negar provimento a recurso nos casos previstos no inciso IV do art. 932 do Código de Processo Civil ou quando esteja em confronto com enunciado ou jurisprudência dominante do Tribunal de Justiça;
XVI – depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento a recurso nos casos previstos no inciso V do art. 932 do Código de Processo Civil ou quando a decisão recorrida for contrária a enunciado ou jurisprudência dominante do Tribunal de Justiça;
No caso concreto, verifica-se estarem presentes os requisitos legais ao julgamento monocrático, sobretudo porque os temas discutidos na presente insurgência possuem posicionamento jurisprudencial dominante (art. 132, XV e XVI do RI, antes mencionado) no Superior Tribunal de Justiça e nesta Corte, como se verá a seguir.
Deste Órgão Fracionário, a reforçar a possibilidade de julgamento monocrático de recursos sobre a matéria:
AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. AÇÃO ANULATÓRIA DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER, REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PROVIMENTO AO RECURSO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA E PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ADESIVO DO AUTOR. INSURGÊNCIA DESTE.
PRETENDIDA A CONDENAÇÃO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DEMANDANDE QUE SUSTENTA A OCORRÊNCIA DE INEGÁVEIS DANOS, DECORRENTES DA SUPRESSÃO DE PARTE DE SUA ÚNICA FONTE DE RENDA. TESE NÃO ACOLHIDA. DESCONTOS INDEVIDOS QUE NÃO GERAM DANO MORAL PRESUMIDO (IN RE IPSA). QUESTÃO APRECIADA EM SEDE DE INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS, PELO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO CIVIL DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
[...]
HIPÓTESE EM QUE NÃO SE VISLUMBRA SITUAÇÃO VEXATÓRIA, RESTRIÇÃO DE CRÉDITO, TAMPOUCO O COMPROMETIMENTO DA SUBSISTÊNCIA DO AUTOR. DESCONTOS QUE REPRESENTAM PROPORÇÃO ÍNFIMA DA RENDA AUFERIDA. MONTANTE DO EMPRÉSTIMO INTEGRALMENTE CREDITADO EM CONTA BANCÁRIA DE TITULARIDADE DO CONSUMIDOR E NÃO RESTITUÍDO À INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. REPARAÇÃO INDEVIDA. COMANDO TERMINATIVO QUE SE MANTÉM HÍGIDO. RECURSO MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE. APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ART. 1.021, § 4º, DO CPC. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (Apelação n. 5002879-32.2022.8.24.0016, relator Álvaro Luiz Pereira de Andrade, j. 2-5-2024).
E ainda:
AGRAVO INTERNO (ART. 1.021, CPC) EM APELAÇÃO CÍVEL. CONSUMIDOR. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO COM DESCONTO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. AUSÊNCIA DE CONTRATAÇÃO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. DECISÃO MONOCRÁTICA QUE CONHECEU E PROVEU PARCIALMENTE APELO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA PARA AFASTAR DA CONDENAÇÃO A INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E DETERMINAR QUE OS VALORES DESCONTADOS INDEVIDAMENTE ANTERIORES A DATA DE 30-3-2021 SEJAM RESTITUÍDOS NA FORMA SIMPLES. RECURSO DO AUTOR.
DEFENDIDA CARACTERIZAÇÃO DO DANO MORAL INDENIZÁVEL POR SE TRATAR DE DANO IN RE IPSA. TESE REJEITADA. DANO QUE NÃO SE PRESUME. DESCONTOS ILEGAIS QUE NÃO ULTRAPASSARAM 4,5% DO VALOR DO BENEFÍCIO OU ACARRETARAM RESTRIÇÃO CREDITÍCIA, SITUAÇÃO VEXATÓRIA OU COMPROMETIMENTO DA SUA SUBSISTÊNCIA. ÔNUS DA PROVA QUE COMPETIA AO AGRAVANTE. INTELIGÊNCIA DO ART. 373, I, DO CPC. SITUAÇÃO QUE NÃO ULTRAPASSOU O MERO DISSABOR. ABALO ANÍMICO NÃO EVIDENCIADO.
REPETIÇÃO DO INDÉBITO. PLEITO DE INTEGRAL RESTITUIÇÃO EM DOBRO. DESCONTOS QUE COMPREENDEM PERÍODO ANTERIOR E POSTERIOR À TESE FIRMADA NO EARESP 676.608/RS E DO MARCO DE MODULAÇÃO ESTABELECIDO. MANUTENÇÃO DA DEVOLUÇÃO NA FORMA SIMPLES RELATIVO AOS VALORES ANTERIORES A DATA DE 30-3-2021. DECISÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (Apelação n. 5020101-80.2021.8.24.0005, relatora Haidée Denise Grin, j. 22-2-2024).
Ainda deste Sodalício: Agravo Interno em Apelação Cível n. 5003472-06.2021.8.24.0078, relator Ricardo Fontes, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 16-4-2024, e Agravo Interno em Apelação Cível n. 5024593-76.2021.8.24.0018, relator Renato Luiz Carvalho Roberge, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 30-4-2024.
Portanto, cabível ao caso em estudo o julgamento monocrático.
II - Da preliminar de cerceamento de defesa:
Sustentou a parte recorrente a ocorrência de cerceamento de defesa, porquanto entende ser necessária a realização de audiência de instrução e julgamento para que seja colhido o depoimento pessoal do autor e a expedição de ofício à instituição financeira na qual foram creditados valores em favor da parte demandante.
A prefacial não merece prosperar.
Como é sabido, o juiz é o destinatário final da prova e, nos termos do art. 355, I, do CPC, "
julgará antecipadamente o pedido
[...]
quando não houver necessidade de produção de outras provas
".
Prevalece no direito processual brasileiro, portanto, o sistema do livre convencimento motivado do juiz, pelo qual, nos termos do art. 371 do Código de Processo Civil, apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias dos autos, ainda que não alegados pelas partes; indicando, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento.
Ademais, o crédito de valores em conta de titularidade do demandante é fato incontroverso, que não depende de outras provas, a teor do art. 374, III, do CPC, de modo que é desnecessária a remessa de ofício à instituição financeira destinatária da transferência para a sua comprovação.
Para além do já exposto, verifica-se ter sido impugnada em sede de réplica a autenticidade das assinaturas que constam nos contratos apresentados pelo réu (evento 21, OUT1 do processo originário).
No entanto, denota-se que após a intimação para a especificação de provas a instituição financeira pugnou a designação de audiência para a oitiva do autor (evento 30, PET1 do processo originário), não tendo manifestado interesse na produção de prova pericial, única capaz de atestar a validade das assinaturas impugnadas.
Nesse contexto, considerando o arcabouço documental constante nos autos, a ausência de controvérsia sobre os valores depositados e ainda a recusa da parte autora em relação às contratações litigiosas, não parece crível que a designação de audiência de instrução e julgamento faria com que o demandante viesse a se retratar e produzir prova contra si, admitindo a regularidade do negócio jurídico.
Portanto, a produção de prova oral revela-se como providência inócua à solução da lide.
Nesse sentido, deste Colegiado:
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DESCONTOS NÃO AUTORIZADOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO NÃO CONTRATADO. PROCEDÊNCIA PARCIAL NA ORIGEM. APELOS DE AMBAS AS PARTES. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA SUSCITADA PELA RÉ. INSUBSISTÊNCIA. DEPOIMENTO PESSOAL DA AUTORA QUE SE AFIGURA DESNECESSÁRIO NA HIPÓTESE. CONTROVÉRSIA SOBRE AS ASSINATURAS APOSTAS EM CONTRATO QUE DEPENDE DE PROVA TÉCNICA. PROVA ORAL QUE NÃO TERIA O CONDÃO DE ALTERAR O RESULTADO DO JULGAMENTO. PREFACIAL REJEITADA. [...] (Apelação n. 5006433-79.2023.8.24.0067, Sétima Câmara de Direito Civil, j. 19-9-2024).
E também deste Sodalício: Apelação n. 0300226-89.2019.8.24.0011, relator André Carvalho, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 10-12-2024; Apelação n. 5005387-48.2022.8.24.0113, relator Eduardo Gallo Jr., Sexta Câmara de Direito Civil, j. 9-7-2024 e Apelação n. 5020020-52.2022.8.24.0020, relatora Fernanda Sell de Souto Goulart, Oitava Câmara de Direito Civil, j. 4-6-2024.
Logo, deve ser rechaçada a preliminar de nulidade da sentença por cerceamento de defesa, na esteira da jurisprudência dominante desta Corte.
III - Da (ir)regularidade da contratação:
Argumentou a parte ré a regularidade dos descontos, considerando a comprovação de que a parte autora teria celebrado contratos de empréstimo consignado.
Porém, razão não assiste ao banco recorrente quanto ao ponto.
Como é sabido, nos casos em que haja dúvida acerca da celebração de contrato bancário, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento de recurso repetitivo de controvérsia (Tema 1.061), firmou o entendimento no sentido de que incumbe à instituição financeira o ônus de comprovar a autenticidade de assinatura constante em avença que tenha sido impugnada pela parte demandante:
Na hipótese em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura constante em contrato bancário juntado ao processo pela instituição financeira, caberá a esta o ônus de provar a sua autenticidade (CPC, arts. 6º, 368 e 429, II).
(STJ, REsp n. 1.846.649/MA, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, julgado em 24-11-2021, DJe de 9-12-2021).
No presente feito, ainda que a casa bancária tenha trazido aos autos os contratos supostamente firmados (evento 11 dos autos de origem), a autenticidade das assinaturas foi impugnada em sede de réplica e, tendo sido determinada a intimação das partes para a especificação de provas, o demandado requereu apenas a produção de prova oral (evento 30), silenciando a respeito da prova pericial, única capaz de esclarecer acerca da autenticidade das firmas.
Nesse sentido, evidencia-se a correção da decisão do Juízo
a quo
, que reconheceu a inexistência da relação jurídica entre as partes (evento 34 de origem).
Para além do já exposto, importante salientar que o instituto da
supressio
não tem sido majoritariamente admitido por esta Corte de Justiça como fundamento para a convalidação de negócio jurídico negado pela parte autora.
A propósito, deste Órgão Julgador:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO DE DANOS MORAIS. DESCONTOS OCORRIDOS EM RAZÃO DE SUPOSTA CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. SENTENÇA DE INDEFERIMENTO DA INICIAL.
RECURSO DO AUTOR.
PETIÇÃO INICIAL INDEFERIDA EM RAZÃO DA FALTA DE INTERESSE DE AGIR PROVENIENTE APLICAÇÃO DO INSTITUTO DA SUPRESSÃO. DEMANDANTE QUE ADUZIU NÃO TER FEITO A CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO QUE ENSEJOU DESCONTOS INDEVIDOS EM SEU PROVENTO. INTERESSE DE AGIR EVIDENTE, AINDA QUE HOUVE DEMORA DA PARTE PARA SE INSURGIR CONTRA A CONTRATAÇÃO DISCUTIDA NOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE INDEFERIMENTO DA INICIAL. APLICABILIDADE DA TEORIA DA ASSERÇÃO. ERRO DE PROCEDIMENTO CONFIGURADO. INAPLICABILIDADE DA TEORIA DA SUPRESSIO AO CASO CONCRETO. SENTENÇA CASSADA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA REGULAR PROCESSAMENTO DO FEITO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (Apelação n. 5001579-39.2023.8.24.0068, rel. Osmar Nunes Júnior, j. 20-6-2024).
E também deste Sodalício:
EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA, REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO JUNTADO PELO RÉU NA CONTESTAÇÃO. IMPUGNAÇÃO DA ASSINATURA NA RÉPLICA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE COM COMANDO DE IMPROCEDÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. OCORRÊNCIA. INAPLICABILIDADE DA SUPRESSIO. CAUSA REGULADA PELO CDC. DIPLOMA PROTETIVO QUE AFASTA A CONCORDÂNCIA TÁCITA OU TARDIA DO CONSUMIDOR. DECISÃO, ADEMAIS, QUE SUBVERTE O PRAZO DE PRESCRIÇÃO REGULADO PARA A ESPÉCIE. VIOLAÇÃO, OUTROSSIM, DO POSTULADO QUE PREDICA A IMPOSSIBILIDADE DE CONVALIDAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO INEXISTENTE E DE ATO ILÍCITO. NECESSIDADE DE PERÍCIA TÉCNICA. TESE FIRMADA EM JULGAMENTO VINCULANTE SOB O REGIME DOS REPETITIVOS NO ÂMBITO DO STJ (RESP 1.846.649). ANULAÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO PROVIDO.
(Apelação n. 5001819-62.2022.8.24.0068, rela. Maria do Rocio Luz Santa Ritta, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 18-6-2024).
A Corte Superior de Justiça inclusive editou súmula sobre o assunto, cujo teor dispõe:
Súmula 479. As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.
No mesmo sentido é o entendimento deste Tribunal de Justiça, conforme se denota da Súmula 31 do Grupo de Câmaras de Direito Civil: "
É dever do fornecedor de produtos ou serviços demonstrar documentalmente, estreme de dúvidas, a efetiva contratação do produto/serviço pelo consumidor, com o fito de afastar eventual ação ilícita de terceiros, sob pena de responder objetivamente pelos danos oriundos da contratação fraudulenta
".
Assim, apesar de alegar a regularidade da contratação, a instituição financeira demandada não juntou prova cabal da legitimidade da transação, ônus que lhe incumbia.
Logo, com base na tese firmada no julgamento do Tema 1.061 do STJ, o não exercício a contento do ônus previsto no CPC traz como consequência o julgamento desfavorável à parte incumbida da prova (art. 373, II), razão por que o desprovimento do recurso é medida que se impõe.
IV - Da repetição de indébito:
Não deve ser acolhido o pleito de reforma da sentença para afastar a condenação à restituição do montante cobrado indevidamente ou o pedido subsidiário de devolução simples de todas as parcelas.
Na hipótese em estudo, a condenação à restituição das quantias descontadas indevidamente revela-se como consectário lógico do reconhecimento da inexistência da contratação e de débito.
Sabidamente, prevê o art. 42, parágrafo único, do CDC que "
O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável
".
A propósito, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento de embargos de divergência que tiveram por objeto "
dissídio entre a Primeira e a Segunda Seções do STJ acerca da exegese
" do dispositivo legal em estudo, pacificou a interpretação no sentido de que a restituição em dobro "
dispensa a qualificação jurídica do elemento volitivo da conduta do fornecedor
" (EAREsp n. 600.663/RS, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, relator para acórdão Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, julgado em 21-10-2020, DJe 30-3-2021).
Não obstante, em homenagem ao postulado da segurança jurídica, a Corte da Cidadania estabeleceu marco temporal a partir do qual a dispensa do elemento volitivo deve nortear os julgamentos de casos que não envolvam a prestação de serviços públicos, de modo que apenas os descontos realizados a partir de 30-3-2021 é que se submetem à repetição na forma dobrada, ao passo que as quantias cobradas antes de referida data devem ser ressarcidas na forma simples, conforme deliberado na sentença.
No caso em debate, os descontos tiveram início em maio de 2019 e término em dezembro de 2021 (evento 1, ANEXO5 dos autos de origem).
Logo, a partir de orientação do Superior Tribunal de Justiça, nega-se provimento ao recurso no ponto.
V - Dos consectários legais sobre os danos materiais:
O Juízo
a quo
determinou que sobre a quantia a ser restituída pelo réu incida correção monetária e juros de mora desde os respectivos descontos, observadas as alterações promovidas pela Lei n. 14.905/2024 para a aplicação somente da Taxa Selic a partir de 30-8-2024.
A parte demandada postulou a incidência de ambos os consectários tão somente a contar da sentença condenatória.
A insurgência deve ser desprovida.
É de sabença que em se tratando de relação extracontratual os juros de mora são devidos desde o evento danoso (Súmula 54 da Corte Cidadã) que, no caso dos autos, corresponde à data dos descontos irregulares.
Ainda, sobre o valor a ser restituído deve incidir correção monetária também desde cada abatimento, conforme já determinado pelo Juízo
a quo
, razão por que não prospera a pretensão do réu de que ocorra tão somente a contar da condenação.
A propósito, deste Órgão Julgador:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. ACÓRDÃO QUE CONHECEU E DEU PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DA AUTORA. INSURGÊNCIA DE AMBAS AS PARTES. ACLARATÓRIOS OPOSTOS PELA AUTORA. SUSCITADA OMISSÃO QUANTO AO TERMO INICIAL DOS CONSECTÁRIOS LEGAIS INCIDENTES SOBRE OS VALORES A SEREM REEMBOLSADOS PELO REQUERIDO. VÍCIO RECONHECIDO. RELAÇÃO CONTRATUAL DECLARADA INEXISTENTE. CONDENAÇÃO DO RÉU QUE TEM NATUREZA EXTRACONTRATUAL. JUROS DE MORA E ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA QUE DEVEM INCIDIR A PARTIR DA DATA DE CADA DESCONTO INDEVIDO. ACOLHIMENTO DA INSURGÊNCIA. [...] (Apelação n. 5000228-80.2023.8.24.0084, rel. Osmar Nunes Júnior, j. 6-3-2025).
E também deste Tribunal:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATO BANCÁRIO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RECURSO DA AUTORA.
[...]
3) JUROS DE MORA INCIDENTES SOBRE AS PARCELAS A SEREM RESTITUÍDAS. TERMO INICIAL. ESTABELECIMENTO A PARTIR DA CITAÇÃO NA SENTENÇA. TENCIONADA MODIFICAÇÃO PARA O MOMENTO DO EVENTO DANOSO (DATA DE CADA DESCONTO INDEVIDO). RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL. JUROS DE MORA CONTADOS DO EVENTO DANOSO. INCIDÊNCIA DO ART. 398, DO CÓDIGO CIVIL. ENUNCIADO DA SÚMULA 54, DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. TESE ACOLHIDA.
4) PRETENDIDA INCIDÊNCIA DE CORREÇÃO MONETÁRIA A PARTIR DE CADA DESCONTO. SENTENÇA EM CONSONÂNCIA COM O PLEITO APELATÓRIO. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. RECLAMO NÃO CONHECIDO NO PONTO. [...] (Apelação n. 5001010-49.2024.8.24.0053, rel. Gerson Cherem II, Oitava Câmara de Direito Civil, j. 18-2-2025).
Ademais, com as alterações implementadas pela Lei n. 14.905/2024 no Código Civil, passou-se a prever a aplicação da Taxa Selic como índice oficial, que sabidamente engloba tanto os juros moratórios quanto a atualização monetária, esta última que equivale ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA):
Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros, atualização monetária e honorários de advogado.
Parágrafo único. Na hipótese de o índice de atualização monetária não ter sido convencionado ou não estar previsto em lei específica, será aplicada a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apurado e divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou do índice que vier a substituí-lo.
[...]
Art. 406. Quando não forem convencionados, ou quando o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, os juros serão fixados de acordo com a taxa legal.
§ 1º A taxa legal corresponderá à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), deduzido o índice de atualização monetária de que trata o parágrafo único do art. 389 deste Código.
[...]
No caso em exame, considerando a vigência do Provimento n. 13/95, da Corregedoria-Geral de Justiça de Santa Catarina, até o dia 29-8-2024 (nos termos da Circular CGJ n. 345/2024), o valor devido deverá ser atualizado monetariamente pelo INPC e acrescido de juros de mora de 1% ao mês desde a data de cada desembolso.
Por outro lado, a partir de 30-8-2024 (data em que a alteração legislativa acima citada passou a produzir efeitos), a quantia passará a ser atualizada tão somente com base na Taxa Selic.
Nesse sentido, deste Tribunal:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS DECORRENTES DE ACIDENTE DE TRÂNSITO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSOS DE AMBAS AS PARTES. [...] PLEITEADO O EMPREGO DO INPC COMO CRITÉRIO DE CORREÇÃO DAS VERBAS INDENIZATÓRIAS FIXADAS NA ORIGEM, EM VEZ DA SELIC. PARCIAL PROCEDÊNCIA. APLICAÇÃO DO INPC, NOS TERMOS DO PROVIMENTO NÚMERO 13/1995 DA CORREGEDORIA-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA, ATÉ A DATA EM QUE ENTROU EM VIGOR A LEI N. 14.905/2024, APLICANDO-SE SUAS DISPOSIÇÕES DESDE ENTÃO ATÁ A DATA DO EFETIVO PAGAMENTO. [...] RECURSO DA RÉ NÃO CONHECIDO. RECURSO DO AUTOR CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação n. 5002666-33.2020.8.24.0004, relator André Carvalho, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 29-10-2024).
Portanto, nega-se provimento ao recurso no ponto, consoante entendimento dominante do STJ e desta Corte de Justiça.
VI - Da inexistência de danos morais:
Deve ser provido o recurso quanto à tese de inocorrência de danos morais.
A decisão combatida caminhou no sentido de julgar procedente o pleito indenizatório por abalo anímico, arbitrando a verba reparatória no montante de R$ 7.000,00.
Como é cediço, a situação narrada nos autos não configura dano moral presumido (
in re ipsa
), porquanto para o reconhecimento do dever de indenizar é imprescindível a ocorrência de fatos causadores de abalo anímico.
No âmbito deste Sodalício, pacificou-se o entendimento que caminha no sentido de que "
não é presumido o dano moral quando o desconto indevido em benefício previdenciário decorrer de contrato de empréstimo consignado declarado inexistente pelo poder judiciário
" (IRDR n. 5011469-46.2022.8.24.0000, relator Marcos Fey Probst, Grupo de Câmaras de Direito Civil [Tema 25], j. 9-8-2023).
Em síntese, o entendimento dominante desta Corte aponta para a conclusão de que inexiste dano imaterial presumido em casos como o presente, motivo pelo qual é necessário avaliar as consequências da conduta, em especial se o evento efetivamente causou grave ofensa à honra subjetiva da parte autora, a ponto de ensejar o direito à reparação.
De fato, no caso em exame não há comprovação da ocorrência de fatos concretos causadores de abalo anímico indenizável.
Afinal, ainda que os descontos tenham alcançado o valor mensal de R$ 603,86, considerando a soma das parcelas no período entre junho de 2020 e abril de 2021, quantia que representava 12,38% da renda bruta mensal da parte autora, equivalente a R$ 4.875,61 (evento 1, ANEXO5 do processo originário), denota-se que o crédito concedido antecipadamente pelo réu (R$ 31.056,06), não consignado em juízo ou devolvido administrativamente pela parte autora, alcança soma superior ao total dos descontos efetuados (R$ 15.673,50), considerando que as cobranças ocorreram apenas até o mês de dezembro de 2021, razão a mais para se entender que os abatimentos não afetaram o poder de compra a acarretar dano anímico.
A corroborar a tese defendida pelo réu, observa-se que o contrato n. 598775995 diz respeito a um refinanciamento do contrato n. 584071835 (não impugnado no presente feito), que possuía saldo devedor de R$ 20.042,97, de modo que até o mês de julho de 2019 a parte autora já suportava descontos mensais de R$ 496,98.
Já o contrato n. 620119357 trata-se de refinanciamento do contrato n. 598775995, com saldo devedor de R$ 19.700,00 em setembro de 2020, ou seja, houve mera continuidade dos descontos das parcelas de R$ 496,98, além de ter sido disponibilizado mais crédito diretamente em conta do postulante no valor de R$ 4.648,17 (evento 11, DOCUMENTACAO3).
Nesse cenário, da soma das parcelas mensais que totalizaram R$ 603,86 (12,38%), o percentual de renda correspondente ao valor acima indicado (R$ 496,98 = 10,19%) já estava comprometido em razão do contrato n. 584071835 e não há comprovação nos autos de que esses descontos continuaram a ocorrer simultaneamente após os refinanciamentos que são objeto de discussão desta demanda.
Ademais, observa-se dos autos que o contrato mais antigo é datado de abril de 2019 e a ação foi proposta apenas em janeiro de 2025, aproximadamente cinco anos e meio após o início das cobranças, de modo que os referidos abatimentos foram incorporados ao cotidiano financeiro da parte demandante.
Diante desse cenário, tendo em conta que percentual expressivo das parcelas descontadas já estava comprometido em razão de contrato não discutido no presente feito, em relação ao qual houve mera continuidade de descontos em razão de refinanciamentos, o longo período em que ocorreram os abatimentos sem oposição pela parte autora e o montante recebido e não devolvido ou consignado, não se evidencia dos autos demonstração de ocorrência de obstáculo à aquisição de bens ou serviços essenciais à manutenção de sua dignidade humana.
Ainda sobre o contexto probatório existente nos autos, importa salientar que a parte autora postulou apenas a realização de perícia grafotécnica para perquirir acerca da veracidade das assinaturas lançadas nos contratos que defendeu não ter pactuado. Tal prova, no entanto, nada esclareceria acerca de eventuais ocorrências fáticas causadoras de abalo moral.
Sobre o assunto, deste Colegiado:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E REPETIÇÃO DE INDÉBITO COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO COM DESCONTO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. AUSÊNCIA DE CONTRATAÇÃO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA AUTORA.
DEFENDIDA CARACTERIZAÇÃO DO DANO MORAL INDENIZÁVEL POR SE TRATAR DE DANO IN RE IPSA. TESE REJEITADA. DANO QUE NÃO SE PRESUME. DESCONTOS ILEGAIS QUE NÃO ACARRETARAM RESTRIÇÃO CREDITÍCIA, SITUAÇÃO VEXATÓRIA OU COMPROMETIMENTO DA SUA SUBSISTÊNCIA. ÔNUS DA PROVA QUE COMPETIA A AUTORA. INTELIGÊNCIA DO ART. 373, I, DO CPC. SITUAÇÃO QUE NÃO ULTRAPASSOU O MERO DISSABOR. ABALO ANÍMICO NÃO EVIDENCIADO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (Apelação n. 5017876-48.2021.8.24.0018, relatora Haidée Denise Grin, j. 29-2-2024).
Assim, o apelo do banco réu deve ser provido para afastar a condenação do apelante ao pagamento de indenização por danos morais, consoante entendimento dominante desta Corte de Justiça.
VII - Dos ônus sucumbenciais:
Por corolário, diante do sucesso parcial do recurso da instituição financeira e da reforma da sentença vergastada para a improcedência do pedido de indenização por danos morais, faz-se necessária a redistribuição dos ônus sucumbenciais, devendo cada parte arcar com as despesas processuais e os honorários advocatícios proporcionalmente às suas respectivas vitórias e derrotas.
Na hipótese, verifica-se que dos pedidos formulados na inicial a parte autora remanesceu vencida em relação à pretensão de indenização a título de danos morais. Em contrapartida, logrou êxito na postulação de declaração de inexistência de relação jurídica entre as partes e de devolução dos valores descontados.
Assim, diante do provimento jurisdicional obtido, deve ser fixada a sucumbência recíproca, nos moldes do art. 86 do CPC, na proporção de 50% para cada um dos litigantes.
Quanto aos honorários, estabelece o art. 85,
caput
e § 2º, do Código de Processo Civil:
Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
[...]
§ 2º. Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:
I - o grau de zelo do profissional;
II - o lugar de prestação do serviço;
III - a natureza e a importância da causa;
IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
In casu
, e para fins de análise da verba honorária, verifica-se que: a) os causídicos atuaram com grau de zelo profissional dentro do esperado, porquanto apresentaram as teses necessárias aos interesses de seus clientes e não se omitiram nos atos processuais; b) o processo é eletrônico, razão pela qual é irrelevante o local da prestação do serviço; c) trata-se de ação de baixa complexidade; e d) a tramitação processual, da inicial até a presente decisão, transcorreu em aproximadamente seis meses.
Assim, fixa-se em favor dos advogados das partes honorários no equivalente a 10% sobre o valor atualizado da causa (devendo ser observado o percentual da sucumbência recíproca acima estabelecida), porquanto a rejeição do pedido de indenização por danos morais obsta a utilização do valor da condenação como base de cálculo da verba honorária, sob pena de aviltamento do trabalho desenvolvido, inexistindo, por outro lado, proveito econômico aferível.
Entretanto, deve ser suspensa a exigibilidade da verba sucumbencial em relação à parte autora, nos moldes do art. 98, § 3º, do CPC, uma vez que é beneficiária da justiça gratuita (evento 23 dos autos de origem).
Em arremate, "
Fiquem as partes cientificadas de que a insistência injustificada no prosseguimento do feito, caracterizada pela apresentação de recursos manifestamente inadmissíveis ou protelatórios contra esta decisão, ensejará a imposição, conforme o caso, das multas previstas nos arts. 1.021, § 4º, e 1.026, § 2º, do CPC/2015
" (AREsp n. 2.728.212, Ministro Marco Aurélio Belizze, DJe de 11-10-2024), penalidade não agasalhada pelos benefícios da gratuidade da justiça (art. 98, § 4º, do CPC).
Ante o exposto, com fulcro no art. 932, IV e V, do CPC, e no art. 132, XV e XVI, do RITJSC, conheço do recurso e dou-lhe parcial provimento para afastar a condenação ao pagamento de indenização por danos morais e, por corolário, redistribuir os ônus sucumbenciais, conforme fundamentação.
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