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Processo nº 1017885-32.2022.8.11.0042

ID: 339859326

Tribunal: TJMT Órgão: Quarta Câmara Criminal Classe: APELAçãO CRIMINAL Nº Processo: 1017885-32.2022.8.11.0042

Data de Disponibilização: 31/07/2025

Polo Ativo:

CHRISTIAN ADAM DE DEUS

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

ELDER VINICIUS PEREIRA DOS SANTOS

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1017885-32.2022.8.11.0042 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Ameaça, Violência Doméstica Contra a Mulher] Relator: D… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1017885-32.2022.8.11.0042 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Ameaça, Violência Doméstica Contra a Mulher] Relator: Des(a). HELIO NISHIYAMA Turma Julgadora: [DES(A). HELIO NISHIYAMA, DES(A). JUVENAL PEREIRA DA SILVA, DES(A). LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO] Parte(s): [POLÍCIA JUDICIÁRIA CIVIL DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0029-45 (APELANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), CHRISTIAN ADAM DE DEUS - CPF: 038.036.681-90 (APELANTE), ELDER VINICIUS PEREIRA DOS SANTOS - CPF: 032.395.561-46 (ADVOGADO), MARIELLE (TERCEIRO INTERESSADO), KAMILLA APARECIDA OLIVEIRA ROCHA DA SILVA - CPF: 044.423.321-00 (VÍTIMA)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). JUVENAL PEREIRA DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. EMENTA DIREITO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS E PERSEGUIÇÃO. RECURSO DA DEFESA. ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. PALAVRA DA VÍTIMA FIRME E COERENTE NAS DUAS FASES PROCESSUAIS. CORROBORADA POR OUTROS ELEMENTOS DE PROVA. DOSIMETRIA DA PENA. CORREÇÃO DE OFÍCIO. NEUTRALIZAÇÃO DA CULPABILIDADE DO AGENTE. ELEMENTOS INERENTES AO TIPO PENAL DO CRIME DE PERSEGUIÇÃO. AFASTAMENTO DA AGRAVANTE DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER NO CRIME DE DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS. BIS IN IDEM. INAPLICABILIDADE DO TEMA 1.197 DO STJ. RECURSO DESPROVIDO. REDIMENSIONAMENTO DA PENA DE OFÍCIO. I. CASO EM EXAME 1. Recurso de apelação criminal interposto pela defesa contra sentença que condenou o acusado pela prática dos crimes de descumprimento de medidas protetivas de urgência (Lei n. 11.340/2006, art. 24-A) e perseguição (CP, art. 147-A), às penas de 04 meses e 02 dias de detenção e 08 meses e 05 dias de reclusão, em regime aberto. 2. Fatos relevantes: (i) depoimento firme e coerente da vítima nas duas fases processuais; (ii) depoimento da cunhada da vítima que confirma os fatos narrados pela ofendida; (iii) réu que nega a prática delitiva; (iv) culpabilidade valorada negativamente com base em elementos inerentes ao tipo penal do crime de perseguição; (v) ocorrência de bis in idem entre a agravante do art. 61, II, f, do Código Penal e o crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência. 3. Requerimento do recurso: absolvição por insuficiência de provas. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 4. As questões em discussão consistem em verificar: (i) se os elementos probatórios autorizam a condenação do acusado pelos delitos imputados; (ii) se a valoração negativa da culpabilidade foi corretamente fundamentada; e (iii) se há bis in idem entre o crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência e a agravante da violência doméstica e familiar contra a mulher. III. RAZÕES DE DECIDIR 5. A palavra da vítima, em crimes de violência doméstica e familiar, assume especial relevância probatória, nos termos do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero (Resolução CNJ n. 492/2023) e da jurisprudência do STJ. 6. A ausência de prova tecnológica, como gravações ou imagens, não descaracteriza a robustez da prova oral, especialmente quando se trata de crimes cometidos em ambientes privados e por agentes com vínculo familiar com a vítima. 7. Os testemunhos da defesa, prestados por pessoas próximas ao acusado, não descredibilizam a narrativa da vítima e não têm força para desconstituir os demais elementos de convicção coligidos aos autos. 8. A valoração negativa da culpabilidade na dosimetria da pena, fundamentada na reiteração e vigilância constante (elementos integrantes do próprio tipo penal de perseguição) configura bis in idem e deve ser afastada de ofício. 9. A aplicação da agravante do artigo 61, II, "f", do Código Penal ao crime previsto no art. 24-A da Lei n. 11.340/2006,configura bis in idem, pois a violência doméstica já é elemento do tipo penal. IV.DISPOSITIVO 10. Recurso desprovido, com redimensionamento da pena de ofício. ______________________ Dispositivos relevantes citados: CP, arts. 33, §2º, “c”; 61, II, f; 147-A; Lei 11.340/2006, arts. 5º e 24-A; CPP, art. 386, VI e VII. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no HC n. 842.971/SC, REsp n. 2.182.733/DF, Súmula 588; TJMT, ApCrim n. 0008748-65.2017.8.11.0059. RELATÓRIO EXMO. SR. DES. HÉLIO NISHIYAMA Egrégia Câmara Criminal: Trata-se de recurso de apelação criminal interposto pela defesa do acusado Christian Adam de Deus contra a sentença do Juízo da 2ª Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca de Cuiabá, nos autos da ação penal n. 1017885-32.2022.8.11.0042, que o condenou pela suposta prática dos crimes de descumprimento de medidas protetivas de urgência (Lei n. 11.340/2006, art. 24-A) e perseguição (CP, art. 147-A), agravados por terem sido cometidos contra a mulher (CP, art. 61,II, "f") e em concurso material (CP, art. 69), às penas de 04 (quatro) meses e 02 (dois) dias de detenção e 08 (oito) meses e 05 (cinco) dias de reclusão, em regime aberto. Nas razões recursais, a defesa requer a absolvição com fundamento no art. 386, inc. VI ou VII, do Código de Processo Penal, por entender que as provas constantes nos autos não seriam suficientes para embasar a condenação (id. 289272412). Em sede de contrarrazões, o Ministério Público manifesta-se pelo desprovimento do recurso (id. 289272416). A Procuradoria-Geral de Justiça opina pelo desprovimento do recurso defensivo (id. 298590372). É a síntese do necessário. Devidamente relatados, os autos foram encaminhados à revisão. VOTO EXMO. SR. DES. HÉLIO NISHIYAMA (RELATOR) Egrégia Câmara Criminal: O acusado Christian Adam de Deus foi denunciado pela suposta prática dos crimes de descumprimento de medidas protetivas de urgência, por duas vezes (Lei n. 11.340/2006, art. 24-A) e perseguição, por duas vezes (CP, art. 147-A), agravados por terem sido cometidos contra a mulher (CP, art. 61, II, “f”) e em concurso material (CP, art. 69), com base no seguinte contexto fático narrado na inicial acusatória: “(...) DO HISTÓRICO O denunciado CHRISTIAN ADAM DE DEUS é ex-companheiro da vítima Kamilla Aparecida Oliveira Rocha da Silva (31 anos de idade na data dos fatos). A vítima teve deferidas em seu favor Medidas Protetivas n.º 1002339- 05.2020.8.11.0042, em decisão de ID n.º 40163586, proferida no dia 29/09/2020, no seguimento as partes foram devidamente intimadas em 30/09/2020, conforme certidão de ID n.º 40262825. (Válida até 30/04/2021) Novamente foram requeridas cautelares satisfativas, registradas sob o n.º 1006023-98.2021.8.11.0042, deferidas em 22/04/2021, ID 53960649, da qual o requerido foi intimado em 27/04/2021 – ID 54246215. (Válida até 22/10/2021) Extrai-se que o ex-casal conviveu pelo período de 05 anos, terminaram o relacionamento há 08 anos e possuem 02 filhos. Ressai que a vítima já foi vítima de violência física e psicológica em outras oportunidades e registra boletins de ocorrência contra o denunciado desde o ano de 2013. FATO 01 – BO n.º 2021.98921 No dia 14 de abril de 2021, por volta das 16h25m, por meio de telefone celular, via aplicativo whatsapp, em Cuiabá/MT, o denunciado CHRISTIAN ADAM DE DEUS manteve contato com a vítima Kamilla Aparecida Oliveira Rocha da Silva, descumprindo, assim, as medidas protetivas das quais tinha ciência, conforme informado anteriormente. (ID 117705380 fls. 15 e 16) No dia dos fatos, o denunciado enviou mensagem no whatsapp da vítima descumprindo as medidas protetivas, contatando-a por meio eletrônico. Não satisfeito, ele ficou vigiando a residência da vítima, de dentro do carro. FATO 02 – BO n.º 2021.237851 De abril a setembro de 2021, na residência da vítima, localizada na Rua 10, n.º 455 – Bairro 1º de Março em Cuiabá/MT, o denunciado CHRISTIAN ADAM DE DEUS perseguiu a vítima Kamilla Aparecida Oliveira Rocha da Silva, descumprindo, assim, as medidas protetivas das quais tinha ciência e perturbando sua esfera de liberdade e privacidade. Consta que semanalmente o denunciado passa em frente a residência da vítima e diariamente, após as 18 horas, ele sempre costuma frequentar os locais em que a vítima está, sendo em seu próprio bairro ou shoppings. (...)” (id. 289272375). Encerrada a instrução processual, a pretensão punitiva foi julgada parcialmente procedente, para absolver o réu da imputação dos crimes de descumprimento de medidas protetivas e perseguição concernentes ao fato 01 e condená-lo pela prática dos crimes de descumprimento de medidas protetivas e perseguição descritos no fato 02 da inicial acusatória, à pena privativa de liberdade de 04 (quatro) meses e 02 (dois) dias de detenção e 08 (oito) meses e 05 (cinco) dias de reclusão, em regime inicial aberto, respectivamente. Inconformado, o acusado interpôs recurso de apelação, cujos termos passo a analisar. 1. PEDIDO ABSOLUTÓRIO 1.1. Provas de autoria e materialidade A defesa postula a absolvição, sob o argumento de que as provas contidas nos autos seriam insuficientes para embasar a sentença condenatória. Pormenoriza que a ofendida não fez uso dos meios tecnológicos disponíveis para comprovar as ações do acusado, como gravações de celular e imagens de câmeras de segurança, o que reforçaria a inexistência de provas concretas das práticas delitivas. Ressalta que as declarações da vítima apresentam contradições que as tornariam inverossímeis, e que o depoimento da testemunha da acusação demonstrou ter sido orientado para prejudicar o apelante. Além disso, afirma que os depoimentos das testemunhas da defesa foram ignorados pelo juiz sentenciante. Por fim, alega que a vítima age de má-fé, pois estaria tentando utilizar a Lei Maria da Penha para prejudicar o acusado. A despeito do esforço argumentativo da defesa, o pedido não comporta acolhimento. Inicialmente, consigna-se que os crimes apurados nesta ação penal foram praticados em contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, tendo em vista que o apelante e a vítima conviveram maritalmente por 05 (cinco anos), relação da qual tiveram 02 (dois) filhos, enquadrando-se nas hipóteses previstas no artigo 5º da Lei n. 11.340/2006. Nesse contexto, com o fito de evitar que estereótipos negativos de gênero reproduzam formas de violência ou discriminação em julgamento de demandas que envolvam essas questões, o Conselho Nacional de Justiça tornou obrigatória a adoção, pelo Poder Judiciário, do Protocolo para Julgamento e Instrução com Perspectiva de Gênero (Resolução CNJ n. 492, de 17/03/2023). No âmbito do Direito Penal e Processual Penal, o referido protocolo preconiza, em síntese, que seja conferida maior valia às declarações das vítimas em delitos motivados por violência de gênero, uma vez que a maioria desses crimes ocorre em ambiente doméstico, na ausência de quaisquer testemunhas. Em conformidade com o Protocolo para Julgamento e Instrução com Perspectiva de Gênero, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça dispõe: “(...) Nos delitos perpetrados contra a mulher, em contexto de violência doméstica e familiar ou por menosprezo ou discriminação da condição feminina, a palavra da vítima recebe considerável ênfase (...) Isso porque em tais casos os delitos são praticados à clandestinidade, sem a presença de testemunhas, e muitas vezes sem deixar rastros materiais. (...)” (STJ, AgRg no HC n. 842.971/SC, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 15/4/2024, DJe de 18/4/2024). Portanto, em delitos cometidos no âmbito doméstico e familiar contra a mulher, a narrativa da vítima assume especial relevância probatória. Além disso, a mera negativa de autoria, isolada e dissociada dos demais elementos de convicção reunidos aos autos, não é o bastante para conduzir à absolvição. Nesse sentido é a jurisprudência deste Tribunal de Justiça: “(...) A negativa de autoria do apelante não encontra amparo nos autos, sendo isolada e dissociada do conjunto probatório, o que afasta a aplicação do princípio do in dubio pro reo. (...)” (TJMT, ApCrim n. 0008748-65.2017.8.11.0059, relator Desembargador Juvenal Pereira da Silva, Quarta Câmara Criminal, Julgado em 28/02/2025, Publicado no DJE 28/02/2025). Na espécie, tanto a materialidade quanto a autoria delitiva estão cabalmente demonstradas pelo robusto conjunto probatório colhido nos autos, especialmente pelos boletins de ocorrência (ids. 289271932 e 289272369, p. 23 e 30), pelo termo de representação criminal (id. 289272369, p. 11), pelo pedido de providências protetivas (id. 289272369, p. 12-13), pelo relatório policial (id. 289272371) e pelos depoimentos colhidos nas duas fases processuais. A vítima, Kamilla Aparecida Oliveira Rocha da Silva, durante a fase inquisitiva, declarou que o réu monitora com frequência sua rotina e sua residência, e que no dia 21/abril/2021 avistou o veículo do ex-companheiro estacionado nas imediações de sua casa. Declarou, ainda, que vizinhos e sua cunhada Marielle presenciaram algumas ocorrências, e que esta última testemunhou um episódio em que o autor estacionou o carro em frente à casa da vítima, mas foi impedido de entrar pela cunhada da ofendida. Perante a autoridade judicial, a vítima ratificou sua versão dos fatos, e acrescentou que em razão da constante perseguição, precisou se mudar diversas vezes, passando por pelo menos três residências diferentes, até decidir se estabelecer em área rural com o atual esposo para garantir maior segurança para si e seus filhos. Além disso, confirmou que fechou uma lanchonete que mantinha com o atual companheiro em razão das perseguições, bem como que o acusado frequenta locais vinculados a sua vida pessoal, como o local de trabalho de seu atual esposo, a fim de intimidá-la. A informante Marielle Rosa Magalhães, cunhada da vítima, sob o crivo do contraditório, afirmou que, na época em que a ofendida morava na residência de sua família, o apelante compareceu ao local acompanhado de diversos amigos e proferiu xingamentos à ofendida. Destacou também que o acusado a perseguia, especialmente durante o funcionamento da lanchonete que ela mantinha com o atual companheiro, comparecendo frequentemente nas proximidades. Por fim, confirmou que presenciou o descumprimento da medida protetiva de urgência, ao vê-lo pessoalmente na porta da residência, mesmo havendo ordem judicial vigente que o proibia de se aproximar da vítima. As informantes Vanessa Guia de Araújo Bastos (namorada do apelante) e Durcelina Lino de Deus (mãe do apelante) afirmaram em juízo que, em virtude das medidas protetivas impostas ao réu, eram elas as responsáveis por manter contato com a vítima para tratar de assuntos relacionados aos filhos dos envolvidos. Acrescentaram, ainda, que não têm conhecimento de qualquer violação das referidas medidas por parte do acusado. Cristhian Adam de Deus, por sua vez, negou os fatos nas duas fases processuais. Pelo trilhar dos autos, constata-se que as informações colhidas na fase inquisitiva que deram azo ao oferecimento da denúncia foram confirmadas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. Ainda que o réu negue ter descumprido as medidas protetivas, os depoimentos prestados em juízo pela ofendida e por sua cunhada Marielle demonstram um cenário diverso, pois convergem para a conclusão de que o apelante comparecia até a residência da vítima e locais que ela frequentava, a fim de intimidá-la. Além disso, conforme detalhado pela vítima em juízo e corroborado pelas demais provas dos autos, nota-se uma conduta reiterada do acusado em assediá-la moralmente, haja vista que acompanhava seus passos e monitorava seus deslocamentos, constantemente passando em frente à sua residência e ao local de trabalho do atual companheiro da ofendida, de modo a manter uma vigilância sobre sua rotina. Embora a defesa sustente a existência de contradições entre os depoimentos prestados pela vítima nas duas fases processuais, essa alegação não se sustenta. Isso porque verifica-se que, na fase inquisitorial, a ofendida relatou que o apelante descumpria medidas protetivas e a perseguia, ao passo que, em juízo, apenas detalhou a dinâmica e os episódios das violações anteriormente narradas. Não há, portanto, divergência substancial entre os relatos, mas, sim, complementação quanto à forma como os fatos ocorreram, inexistindo qualquer inconsistência apta a comprometer a credibilidade de seu testemunho. Também não prospera a argumentação defensiva de que o fato de a vítima não ter utilizado “os meios tecnológicos disponíveis” para comprovar as violações do réu representaria uma fragilidade do conjunto probatório. Em linha oposta àquela defendida pelo apelante, condicionar a eficácia da persecução penal à apresentação de provas tecnológicas, como gravações de celular ou imagens de câmeras de segurança, frequentemente inacessíveis ou inexistentes em contextos marcados por vulnerabilidade e intimidação, significaria impor à vítima um ônus probatório desarrazoado e incompatível com a finalidade protetiva da Lei Maria da Penha. Essa exigência, além de comprometer a efetividade da tutela penal, esvaziaria o alcance da norma e fomentaria a impunidade. A ausência desses registros, portanto, não compromete, por si só, a credibilidade das declarações da vítima e dos demais elementos de convicção coligidos ao longo da instrução processual. Outrossim, no que se refere à alegação de que as informações prestadas pela namorada e pela mãe do réu não foram consideradas pelo juízo sentenciante, cumpre registrar que o fato de ambas desconhecerem que o acusado perseguia a vítima e se aproximava dela, mesmo com medidas protetivas vigentes, não invalida a ocorrência dos delitos, que foram praticados sem o conhecimento delas. Ademais, ao se sopesar os depoimentos das referidas informantes, pessoas próximas e parciais ao réu, com a palavra da vítima, prevalece esta última, nos termos do Protocolo para Julgamento e Instrução com Perspectiva de Gênero e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. E, quanto à afirmação de utilização maliciosa da Lei Maria da Penha, não se verifica a mínima intenção da vítima de se valer dos seus preceitos para prejudicar o apelante, mas sim de relatar os fatos efetivamente ocorridos, não sobressaindo justificativa para desacreditar a prova oral. Destarte, não prospera o pleito de absolvição, tendo em vista que as provas que compõem o caderno processual são hábeis o bastante para evidenciar a materialidade, autoria e, sobretudo, o dolo do agente em praticar os crimes de descumprimento de medida protetiva e perseguição. 2. DOSIMETRIA DA PENA 2.1. Pena-base Embora não haja irresignação defensiva quanto à dosimetria da pena, verifica-se a necessidade de correção de ofício da sentença neste ponto, notadamente quanto à valoração negativa da culpabilidade do agente em ambos os delitos. O juiz de primeiro grau, na primeira fase das dosimetrias, valorou negativamente a referida circunstância judicial, valendo-se dos seguintes fundamentos: “(...) Na primeira fase, tem-se que culpabilidade deve ser valorada em desfavor do acusado ante o excesso de dolo, haja vista que o acusado insistia reiteradamente passar na frente da casa da vítima e nas suas proximidades, inclusive no emprego do atual companheiro da vítima, de forma desproporcional e motivada a causar temor, medo com o descumprimento, mostrando que a medida protetiva não teria capacidade de impedir que o mesmo a intimida. (...)” – crime de descumprimento de medidas protetivas. “(...) Na primeira fase, tenho que culpabilidade do acusado deve ser valorada em seu desfavor ante o excesso de dolo, haja vista que o acusado reiteradamente perseguiu a vítima, vigiando e a cercando em sua residência e residência de familiares. (...)” – crime de perseguição. Os fundamentos utilizados para valorar negativamente a culpabilidade do réu se confundem com os próprios elementos constitutivos do tipo penal de perseguição, previsto no art. 147-A do Código Penal, porque o núcleo do delito exige, por definição, uma conduta reiterada que comprometa a liberdade ou a tranquilidade da vítima. Logo, a insistência, a repetição e a vigilância constante são pressupostos indispensáveis à configuração típica. Assim, ao utilizar essas mesmas características para exasperar a pena na primeira fase das dosimetrias, o juízo incorreu em bis in idem, notadamente porque, como sabido, não se pode considerar como circunstância judicial desfavorável elemento que já integra o tipo penal de forma indispensável. Dessa forma, impõe-se a correção das penas, com a exclusão da valoração negativa da culpabilidade em ambos os delitos, uma vez que ela se encontra fundamentada exclusivamente em elementos inerentes ao tipo penal de perseguição. 2.2. Pena provisória Na fixação da pena intermediária, com relação ao crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência, verifica-se que o juiz sentenciante aplicou a agravante da violência doméstica, prevista no art. 61, II, "f", do Código Penal. Entretanto, o artigo 24-A da Lei n. 11.340/2006 traz como elementar o contexto de violência doméstica contra a mulher, de maneira que a aplicação simultânea da agravante e a condenação por esse crime representa sobreposição normativa, em desrespeito aos princípios da especialidade, proporcionalidade e vedação ao bis in idem. A propósito, o Superior Tribunal de Justiça, em recente julgado, reconheceu a inaplicabilidade da agravante do 61, II, "f", do Código Penal ao crime de descumprimento de medida protetiva, destacando que, neste tipo penal, não se aplica a tese firmada no Tema Repetitivo 1.197 da mesma Corte. Confira-se: “(...) Configura bis in idem a aplicação da agravante genérica do art. 61, II, ‘f’, do Código Penal, ao crime de descumprimento de medida protetiva de urgência previsto no art. 24-A da Lei Maria da Penha, pois o contexto de violência doméstica já integra as circunstâncias elementares do tipo penal (...) No caso em análise, o delito do art. 24-A da Lei Maria da Penha tem como pressuposto específico a violência doméstica contra a mulher, elemento já considerado pelo legislador ao tipificar a conduta e cominar a pena, o que distingue a hipótese do Tema 1.197/STJ. (...) A aplicação simultânea da agravante e do tipo penal configura sobreposição normativa, em desrespeito aos princípios da especialidade, proporcionalidade e vedação ao bis in idem. (...) Tese de julgamento: ‘1. A aplicação da agravante prevista no art. 61, II, ‘f’, do Código Penal ao crime de descumprimento de medida protetiva de urgência (art. 24-A da Lei Maria da Penha) configura bis in idem, pois o contexto de violência doméstica já é elemento constitutivo do tipo penal. 2. O Tema 1.197/STJ não se aplica ao delito do art. 24-A da Lei Maria da Penha, por tratar de situações distintas, em que a agravante do art. 61, II, f, do Código Penal incidiu sobre crimes que não possuem a violência de gênero como elemento típico (...)” (STJ, REsp n. 2.182.733/DF, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 8/4/2025, DJEN de 22/4/2025). Portanto, sem maiores digressões, é imperativa a exclusão da agravante do artigo 61, II, "f", do Código Penal ao crime de descumprimento de medida protetiva. 3. REDIMENSIONAMENTO DAS PENAS 3.1. Crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência (art. 24-A da Lei n. 11.340/2006) A pena prevista para o crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência, de acordo com a norma vigente à época dos fatos, é de 03 (três) meses a 02 (dois) anos de detenção. Ante a neutralização da culpabilidade, neste voto, bem como da inexistência de outras circunstâncias judiciais negativas, fixo a pena-base no mínimo legal de 03 (três) meses de detenção. Na segunda fase, tendo a vista a exclusão da agravante prevista no art. 61, II, "f", do Código Penal, mantenho a pena intermediária de 03 (três) meses de detenção, a qual torno definitiva, à míngua de outras causas modificativas na terceira fase da dosimetria. 3.2. Crime de perseguição (art. 147-A do Código Penal) A pena prevista para o crime de perseguição é de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos de reclusão, e multa. Ante a neutralização da culpabilidade, neste voto, bem como da inexistência de outras circunstâncias judiciais negativas, fixo a pena-base em 06 (seis) meses de reclusão. Na segunda fase, tendo a vista a incidência da agravante prevista no art. 61, II, "f", do Código Penal, exaspero a pena em 1/6 (um sexto), culminando na pena intermediária de 07 (sete) meses de reclusão, a qual torno definitiva, à míngua de outras causas modificativas na terceira fase da dosimetria. Deixo de fixar pena de multa, em atenção ao princípio non reformatio in pejus, haja vista que não foi estabelecida sanção pecuniária na sentença condenatória. 3.3. Concurso material e regime prisional Reconhecido o concurso material entre os delitos, fixo a pena do apelante em 03 (três) meses de detenção e 07 (sete) meses de reclusão. Fixo o regime inicial aberto, nos termos do art. 33, §2º, “c”, do Código Penal, e deixo de substituir a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, pois “a prática de crime ou contravenção penal contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico impossibilita a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos” (Súmula 588/STJ). 4. DISPOSITIVO Ante o exposto, em consonância com o parecer ministerial, nego provimento ao recurso interposto pelo acusado Christian Adam de Deus e, de ofício, neutralizo a circunstância judicial da culpabilidade reconhecida na primeira fase da dosimetria de ambos os crimes, redimensionando as penas finais para 03 (três) meses de detenção e 07 (sete) meses de reclusão, em regime inicial aberto. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 29/07/2025

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