Processo nº 5807298-37.2023.8.09.0051
ID: 327398994
Tribunal: TJGO
Órgão: 4ª Câmara Cível
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5807298-37.2023.8.09.0051
Data de Disponibilização:
17/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MARCO ANTÔNIO GONÇALVES DE OLIVEIRA
OAB/GO XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIOTribunal de Justiça do Estado de GoiásGabinete do Desembargador Diác. Delintro Belo de Almeida Filho APELAÇÃO CÍVEL Nº 5807298-37.2023.8.09.0051 Comarca de Goiâ…
PODER JUDICIÁRIOTribunal de Justiça do Estado de GoiásGabinete do Desembargador Diác. Delintro Belo de Almeida Filho APELAÇÃO CÍVEL Nº 5807298-37.2023.8.09.0051 Comarca de Goiânia 4ª Câmara Cível Apelante: MONISE ADRIELLY FERREIRA GOMES DA COSTA Apelada: CLINICA VITTA LTDA RECURSO ADESIVO (MOV. 56) Recorrente: CLINICA VITTA LTDA Recorrida: MONISE ADRIELLY FERREIRA GOMES DA COSTA Relator: Desembargador Diác. DELINTRO BELO DE ALMEIDA FILHO VOTO 1. Trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta por MONISE ADRIELLY FERREIRA GOMES DA COSTA e RECURSO ADESIVO interposto por CLINICA VITTA LTDA, nos autos da AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZATÓRIA ajuizada por essa em desfavor daquela, contra sentença prolatada pelo MM. Juiz de Direito da 10ª Vara Cível da comarca de Goiânia, Elaine Christina Alencastro Veiga Araújo. 1.1 Conforme se extrai dos termos da petição inicial (mov. 1, doc. 1), a Requerente alega que, após rescindir o contrato com uma enfermeira funcionária, responsável por aplicar vacinas em domicílio, essa continuou prestando o mesmo serviço, de forma fraudulenta, em nome da empresa, lesando os seus clientes, dentre eles a Requerida, que passou a difamar-lhe em aplicativos de mensagem e redes sociais, violando a sua imagem, razão pela qual pugna, em juízo, a concessão de tutela inibitória, a imposição de retratação pública e a reparação por danos morais. 1.2 Após regular processamento do feito, o juízo de origem prolatou sentença de parcial procedência dos pedidos iniciais (mov. 34), nos seguintes termos, verbis: “(…) Ante o exposto, resolvo o mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC, para julgar procedente o pedido inicial, para:a) CONDENAR a promovida a excluir todas as postagens, na internet ou em meio físico, que contenham informações depreciativas sobre a promovente, em relação aos fatos contidos neste processo, isso no prazo de 15 dias, sob pena de multa diária de R$ 200,00, limitados a 60 dias.b) DETERMINAR que a promovida a se abstenha de postar, na internet ou em meio físico, informações depreciativas sobre a promovente, em relação aos fatos contidos neste processo, isso no prazo de 15 dias, sob pena de multa diária de R$ 200,00, limitados a 60 dias.c) Condeno a promovida ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 3.000,00 (três mil reais), acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a partir do evento danoso (19/10/2023, data da postagem) [STJ, Súmula 54], além de correção monetária pela taxa Selic a partir da presente data (data do arbitramento) [STJ, Súmula 362].d) CONDENAR a parte promovida nas custas e despesas processuais, além dos honorários advocatícios, estes fixados em R$ 1.500,00, nos termos do art. 85, §8°, do CPC.RECONVENÇÃOTendo em vista o pedido de desistência da reconvenção, julgo extinto sem resolução do mérito os pedidos reconvencionais, nos termos do artigo 485, VIII, do CPC (...).” 1.3 Irresignada, a Requerida interpôs Apelação Cível (mov. 53), postulando a reforma da sentença recorrida, visando o julgamento de improcedência dos pedidos iniciais. 1.3.1 Em suas extensas razões de fundamentos repetitivos, argui a ocorrência de negativa de prestação jurisdicional, por não apreciação das teses de defesa relativas à negligência grave, permitindo uma ex-funcionária aplicar vacinas sem controle, rastreabilidade e registro, implicando risco sanitário e à integridade física das crianças e da sua filha em particular. 1.3.2 Afirma que os comentários foram realizados em grupo privado de whatsapp composto por número restrito de participantes (mães), em caráter preventivo e informativo, com fundamento no direito constitucional à liberdade de expressão, não havendo interesse de agir em face da ausência de apontamento concreto da violação à honra objetiva do Apelado. 1.3.3 Reitera que “a manifestação da Apelante não teve qualquer intenção de difamar ou caluniar a Apelada, mas sim expor uma falha grave na prestação de um serviço essencial, a fim de evitar que outras mães passassem por situação semelhante”, não podendo ser responsabilizada por eventual repercussão externa. 1.3.4 Pontifica que não extrapolou os limites da razoabilidade e não imputou falsamente qualquer conduta criminosa à Apelada; que não há ato ilícito, não há dano (que não pode ser presumido, devendo ser provado o impacto negativo na atividade empresarial) e nem nexo de causalidade. 1.3.5 Defende que o édito recorrido, ao impor uma obrigação de não-fazer com imposição de multa diária, representa uma censura prévia; que eventual abuso da liberdade de expressão deve ser verificado a posteriori; e que o valor indenizatório é excessivo, devendo ser reduzido para atender ao princípio da proporcionalidade. 1.3.6 Ao final, assim sintetiza suas pretensões: ANTE O EXPOSTO, requer a Apelante a este Egrégio Tribunal que se digne de conhecer e dar provimento integral ao presente Recurso de Apelação Cível, para que seja integralmente reformada a sentença recorrida, nos seguintes termos:5.1. O recebimento do recurso nos efeitos devolutivo e suspensivo, nos termos do art. 1.012 do Código de Processo Civil, em razão da gravidade das penalidades impostas à Apelante, bem como dos prejuízos irreparáveis que decorreriam da execução imediata da decisão recorrida.5.2. A declaração de nulidade absoluta da sentença recorrida, ante a evidente negativa de prestação jurisdicional e a ausência de fundamentação adequada, em flagrante violação ao art. 93, IX, da Constituição Federal e ao art. 489, §1º, IV, do Código de Processo Civil, determinando o retorno dos autos ao Juízo de origem para prolação de nova decisão que analise integralmente as teses defensivas suscitadas.5.3. Caso não seja este o entendimento deste Tribunal, requer, subsidiariamente, a reforma integral da sentença, para que sejam julgados improcedentes os pedidos formulados pela Apelada, reconhecendo-se: (i) A inexistência de ato ilícito na conduta da Apelante, diante do exercício regulardo direito de liberdade de expressão, garantido pelo art. 5º, IV e IX, da Constituição Federal; (ii) A ausência de dano moral, uma vez que não houve comprovação de qualquer prejuízo concreto à honra objetiva da Apelada, nos termos do art. 373, I, do Código de Processo Civil e da jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça; (iii) A ilegalidade da obrigação de não fazer imposta à Apelante, por configurar censura prévia vedada pela Constituição Federal, conforme entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal.5.4. Caso este Tribunal entenda pela manutenção da condenação, requer-se, ainda que subsidiariamente, a redução substancial do valor fixado a título de indenização por danos morais, em observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, conforme jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, evitando-se enriquecimento sem causa e a fixação de valor desproporcional à realidade dos autos.5.5. A revogação da multa diária fixada na sentença recorrida, por ausência de fundamento jurídico válido, bem como por afrontar diretamente o direito constitucional à liberdade de expressão da Apelante, conforme preceitua a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 1.3.7 Colaciona precedentes para escorar suas teses. 1.3.8 Preparo comprovado. 1.4 Na mov. 55, a Apelada apresentou contrarrazões, onde, sem alegar fato novo, rebateu as teses recursais, pugnando seja a Apelação Cível conhecida e desprovida. 1.5 Concomitantemente, a Requerente interpôs Recurso Adesivo (mov. 56), postulando a reforma da sentença para a majoração do valor indenizatório e dos honorários advocatícios. 1.5.1 Em suas razões, alega que “embora não seja possível mensurar o número de pessoas atingidas pela mensagem, esta foi replicada diversas vezes e atingiu considerável alcance”. 1.5.2 Ressalta que “no período da divulgação das mensagens pela Recorrida, a Recorrente precisou direcionar contingente de colaboradores para esclarecer e orientar os pacientes que a procuravam questionando a segurança dos serviços oferecidos”. 1.5.3 Alega, ainda, que “ao divulgar as mensagens de conteúdo difamatório em grupos de mães da região em que a Recorrente exerce suas atividades, é evidente que o prejuízo enfrentado pela parte foi ampliado”. 1.5.4 Preparo comprovado. 1.6 Na mov. 58, o Recorrido apresentou contrarrazões, impugnando as razões do Recurso Adesivo e pugnando seja o recurso conhecido e desprovido. 2. Admissibilidade 2.1 Presentes os pressupostos de admissibilidade da Apelação Cível e do Recurso Adesivo, dentre os quais a legitimidade e interesse recusais, a regularidade formal, a tempestividade, o cabimento (CPC, art. 1.009) e o preparo (comprovado), passo à análise conjunta do seu mérito. 3. Responsabilidade civil e obrigação de fazer 3.1 Inicialmente, convém ressaltar que, ao contrário do que alega a Apelante, a sentença recorrida não carece de fundamentação, porquanto foram declinados os fundamentos de fato e de direito que, segundo a convicção do juiz, justificam a prolação de édito condenatório. 3.1.1 A nem se negou, ainda, à prestação jurisdicional, porquanto o magistrado não é obrigado a analisar, ao julgar o feito, todas as alegações deduzidas pelas partes, sendo suficiente o enfrentamento das matérias capazes de influenciar o resultado do julgamento, como ocorreu no caso. 3.1.2 Por fim, ainda, a título preliminar, convém lembrar que a ausência de interesse de agir alegada confunde-se com o próprio mérito da lide, devendo sua análise ser cotejada com as provas constantes nos autos e não com a mera assertiva das partes, conforme determina a teoria da asserção. Nesse sentido: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE INTERDITO PROIBITÓRIO - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DO DEMANDADO. (...) 3. A jurisprudência deste Superior Tribunal adota a teoria da asserção para aferição da presença das condições da ação, bastando, para tanto, a narrativa formulada na inicial, sem necessidade de incursão no mérito da demanda ou qualquer atividade instrutória (...) (STJ. AgInt no AREsp n. 2.046.864/SC, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 3/10/2022, DJe de 6/10/2022.) 3.2 Quanto ao mérito, é consabido que, sob o gênero liberdade de expressão, situam-se todos os direitos ligados à manifestação do pensamento, assim como a própria liberdade dos meios de comunicação social e de imprensa, que é garantida pelo art. 220 da CF/88, verbis: “Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.§ 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. (grifei) 3.2.1 Entretanto, na esteira do entendimento universal de que nenhum direito é absoluto, ainda que se qualifique como sendo de natureza fundamental, o próprio legislador constituinte originário previu limitações ao exercício da liberdade de manifestação do pensamento e da imprensa, em mitigação à parcela perniciosa dos efeitos da doutrina do “livre mercado de ideias” (marketplace of ideas), limitações essas que se dão, basicamente, via dois sistemas: o da ponderação simples (controle prévio) e o da relativização a posteriori (controle reparador). 3.3 Em casos como o presente, verifico encontrar-se em jogo a prevalência de um dentre dois direitos com igual assento constitucional: a) o direito à liberdade de opinião (arts. 5º, inciso IV, da CF/88) e b) os direitos de personalidade relativos à honra e à imagem (art. 5º, inciso X, da CF/88), ora reputados violados pelo Apelado. 3.3.1 Havendo a ocorrência de aparente colisão entre direitos fundamentais, deve o magistrado utilizar-se do princípio da ponderação, a fim de estabelecer, conforme as peculiaridades apresentadas, qual direito aplicável ao caso, para resolução da lide. 3.3.2 No escólio de Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino: “(...) Segundo a lição da doutrina, na hipótese de conflito entre direitos fundamentais, o intérprete deverá realizar um juízo de ponderação, consideradas as características do caso concreto (…).No caso de conflito entre dois ou mais direitos fundamentais, o intérprete deverá lançar mão do princípio da concordância prática ou da harmonização, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual, sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com suas finalidades precípuas (...)”. (in Direito Constitucional Descomplicado. 5ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Forense. Pág. 106). 3.3.3 Conforme se extrai da lição doutrinária, não se pode estabelecer previamente, em um juízo abstrato, qual dos direitos fundamentais em colisão merece ser garantido, devendo o magistrado atentar-se para a circunstâncias que envolvem o litígio, a fim estipular a prevalência proporcional de um sobre o outro no caso concreto. 3.4 Deve-se extremar as consequências jurídicas da opinião veiculada em meio eletrônico com manifesta intenção pejorativa e difamatória - que pressupõe necessariamente a emissão de um juízo de valor -, da informação inspirada em interesse público, isto é, com mero animus narrandi ou animus informandi. 3.4.1 No primeiro caso, vislumbra-se, sem fímbria de dúvidas, a ocorrência de abuso do direito de opinião, por invasão ilícita à esfera de proteção à honra e à imagem da pessoa noticiada, autorizando, por conseguinte, o exercício da pretensão à reparação dos danos porventura experimentados. 3.4.2 Já na última hipótese, ao contrário, a opinião veiculada na mídia não tem o poder de ofender os direitos personalíssimos da pessoa noticiada, posto manejada com suporte em fatos de conhecimento público ou obtidos junto a fontes identificadas, com o exclusivo objetivo de informar, ainda que em tom crítico, mas sem qualquer abuso. 3.5 É consabido que a responsabilidade civil compõe-se do ato ilícito, do dano experimentado, do nexo de causalidade que os une e da culpa. 3.5.1 No caso, observo restar incontroverso que uma ex-funcionária da Apelada, utilizando-se de sua antiga função, aplicou vacina na filha da Apelante que, inconformada com os riscos enfrentados, pela falta de controle e procedência, publicou em grupo de aplicativo social composto por mães (intitulado “Mamães Hapvida”) o fato, em tom alarmante, conforme imagens que escoltam a petição inicial (mov. 17, doc. 1). Veja-se: 3.5.2 Nota-se, pelo teor da mensagem enviada, que a Apelante fez menção à Apelada ao comunicar a ocorrência da fraude cometida pela ex-funcionária Luana, mas em momento algum externa uma firme opinião depreciativa, jocosa e difamatória em seu desfavor, a ponto de prejudicar a sua imagem perante os seus clientes, efetivos ou potenciais. 3.5.3 A mensagem revela apenas uma indignação ante os riscos enfrentados pela filha da Apelada ao receber vacina de duvidosa procedência e compartilha tal informação com outras potenciais vítimas. 3.5.4 Note-se que nos autos sequer há a indicação da quantidade de integrantes do grupo e de sua qualidade, com vista à aferição da ocorrência ou não de danos à imagem da Apelada. 3.5.5 Outrossim, do texto contido em tal print, observa-se que a imputação de fraude, efetivada pela Agravada, fora direcionada exclusivamente à “enfermeira Luana”, que supostamente estava “roubando” as vacinas da clínica, sendo a esta atribuída tão-somente a posição de isentar-se de responsabilidade, o que não indica, portanto, haver provas acerca da alegada difamação praticada pela Agravada. 3.6 Retomando o raciocínio anterior, a informação veiculada na mídia não tem o poder de ofender os direitos personalíssimos da pessoa noticiada, se manejada com suporte em fatos reais ou obtidos junto a fontes identificadas, com o exclusivo objetivo de informar e de apresentar sua indignação pelo fato, ainda que em tom crítico, mas sem qualquer abuso. 3.6.1 A propósito, colaciono trecho do voto condutor da decisão prolatada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF 130/7, que tratou do tema concernente à “liberdade de informação jornalística”, da relatoria do douto Ministro Ayres Brito: “(...) 41. Sem que o receio ou mesmo o temor do abuso seja impeditivo do pleno uso das duas categorias de liberdade, acabamos de falar, porque, para a Constituição, o que não se pode é, por antecipação, amesquinhar os quadrantes da personalidade humana quanto aos seguintes dados de sua própria compostura jurídica: liberdade de manifestação do pensamento e liberdade de expressão em sentido genérico (aqui embutidos a criação e o direito de informar, informar-se e ser informado, como expletivamente consignado pelo art. 37, 1, da Constituição Portuguesa de 1976, 'versão 1997'). Caso venha a ocorrer o deliberado intento de se transmitir apenas em aparência a informação para, de fato, ridicularizar o próximo, ou, ainda, se objetivamente faz-se real um excesso de linguagem tal que faz o seu autor resvalar para a zona proibida da calúnia, da difamação, ou da injúria, aí o corretivo se fará pela exigência do direito de resposta por parte do ofendido, assim como pela assunção de responsabilidade civil ou penal do ofensor. Esta, e não outra, a lógica primaz da interação em causa. 42. Lógica primaz ou elementar – retome-se a afirmação – porque reveladora da mais natural cronologia das coisas. Não há como garantir a livre manifestação do pensamento, tanto quanto o direito de expressão lato sensu (abrangendo, então, por efeito do caput do art. 220 da CF, a criação e a informação), senão em plenitude. Senão colocando em estado de momentânea paralisia a inviolabilidade de certas categorias de direitos subjetivos fundamentais, como, por exemplo, a intimidade, a vida privada, a imagem e a honra de terceiros. Tal inviolabilidade, aqui, ainda que referida a outros bens de personalidade (o entrechoque é entre direitos de personalidade), não pode significar mais que o direito de resposta, reparação pecuniária e persecução penal, quando cabíveis; não a traduzir um direito de precedência sobre a multicitada parelha de sobre direitos fundamentais: a manifestação do pensamento e a expressão em sentido geral. (...)” (ADPF 130, Relator(a): CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 30/04/2009, DJe-208 DIVULG 05-11-2009 PUBLIC 06-11-2009 EMENT VOL-02381-01 PP-00001 RTJ VOL-00213-01 PP-00020) 3.6.2 Nesse contexto, a liberdade de expressão e de pensamento constitui instrumento de preservação da própria liberdade de informação, pois é através dela que tomamos conhecimento dos fatos que acontecem no nosso cotidiano. Portanto, cercear esse direito, que é de todos, é inaceitável. 3.6.3 A liberdade de expressão e pensamento exercida de modo regular, sem abusos ou excessos, é fundamental em uma sociedade fundada em bases democráticas, pois o processo de divulgação de informações satisfaz o verdadeiro interesse público. 3.7 Sendo assim, tenho como incomprovada a difamação alegada, não havendo, portanto, falar em ato ilícito e nem em violação à honra objetiva da Apelada, restando ausentes os pressupostos da responsabilidade civil e a justa causa para o deferimento da tutela inibitória (obrigação de não-fazer). Nesse sentido: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANO MORAL PESSOA JURÍDICA. HONRA OBJETIVA. SÚMULA 122 STJ. RESPONSABILIDADE CIVIL. PESSOA JURÍDICA. REQUISITOS LEGAIS. INOBSERVÂNCIA. ATO ILÍCITO E DANO NÃO DEMONSTRADOS. SENTENÇA MANTIDA. RECUSO DESPROVIDO. I. Caracteriza inovação recursal e obsta o conhecimento nesta instância revisora a apresentação de provas novas não disponibilizadas em primeira instância, quando ausente demonstração de situação de força maior a justificar a ausência de juntada no momento oportuno. II. Nos termos da súmula nº. 227 do Superior Tribunal de Justiça, ?a pessoa jurídica pode sofrer dano moral?. Todavia, a aplicação dessa súmula restringe-se àquelas hipóteses em que ferida a honra objetiva da empresa, sendo imprescindível a demonstração, por meio de provas concretas, da repercussão negativa dos fatos sobre sua imagem, reputação e credibilidade, não havendo presunção dos danos. Entendimento da Súmula 20 deste Tribunal. III. Na indenização por calúnia e difamação, o dano moral decorrente do ilícito civil é caracterizado pelo ânimo de ofender a honra de alguém, sendo imprescindível a comprovação cabal da conduta culposa imputada ao suposto ofensor. IV. O dano moral associado à pessoa jurídica está associado a um ?desconforto extraordinário?, não bastando meras situações desconfortáveis. V. Para que se configure a obrigação de indenização por danos morais, é imprescindível a demonstração da ilicitude da conduta, da ocorrência de dano e o nexo de causalidade, requisitos não configurados no caso concreto. VI. Não preenchidos os requisitos do dever de indenizar, é de se confirmar a sentença que julgou improcedente o pedido inicial quanto a reparação dos danos morais. APELAÇÃO CÍVEL, PARCIALMENTE, CONHECIDA E IMPROVIDA. (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5534826-27.2020.8.09.0051, Rel. Des(a). ALICE TELES DE OLIVEIRA, 11ª Câmara Cível, julgado em 12/04/2024, DJe de 12/04/2024) AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MENSAGEM ENCAMINHADA EM GRUPO DE WHATSAPP. CONTEÚDO VEXATÓRIO E CALUNIOSO. NÃO EVIDENCIADOS. DANOS MORAIS INEXISTENTE. ÔNUS DA PROVA (CPC, 373, I). SENTENÇA REFORMADA. PLEITO RECONVENCIONAL. IMPROCEDENTE. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA (CPC, 86). 1. Somente se classificam como indenizáveis as publicações que imputem à parte inocente calúnia, injúria, difamação ou que caracterizem abuso do direito de manifestação de pensamento, havendo tais situações de ser comprovadas nos autos por quem alega prejuízo moral. 2. In casu, não há, nos autos, comprovação da ocorrência da conduta caluniosa (conduta), tampouco comprovação do efetivo prejuízo moral decorrente desta (dano), ônus que se impunha ao demandante e do qual não se desincumbiu, a teor do que estabelece o art. 373, inciso I, do Código de Processo Civil, razão de ser descabida a pretensão indenizatória. Sentença reformada. 3. Por outro lado, infundado o pleito contraposto quanto à necessidade de condenação do autor ao pagamento de danos morais, uma vez que, em igual sentido, não resta comprovado, nos autos, prejuízo de ordem moral à apelante. 4. Considerando a improcedência dos pleitos autoral e reconvencional, denota-se que cada litigante é, em parte, vencedor e vencido, razão pela qual faz-se mister a distribuição proporcional dos ônus sucumbenciais (CPC, 86). APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5003232-57.2017.8.09.0051, Rel. Des(a). DESEMBARGADOR FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 1ª Câmara Cível, julgado em 24/01/2022, DJe de 24/01/2022) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DIFAMAÇÃO. COMPROVAÇÃO DE ATO ILÍCITO. NECESSIDADE. ÔNUS DA PROVA. PEDIDO INICIAL JULGADO IMPROCEDENTE. SENTENÇA MANTIDA. No caso de responsabilidade civil por difamação impõe-se a presença do dolo, consistente na intenção de lesar a honra de eventual vítima (animus diffamandi). Destarte, não desincumbindo o autor do ônus de demonstrar que a apelada propagou informações a respeito de suposto caso de abuso sexual na intenção de difamá-lo, é de se manter a improcedência do pedido indenizatório. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA. (TJGO, Apelação (CPC) 0368088-81.2013.8.09.0051, Rel. JOSÉ CARLOS DE OLIVEIRA, 2ª Câmara Cível, julgado em 06/12/2017, DJe de 06/12/2017) 3.8 Em tal contexto, devem ser julgados improcedentes os pedidos iniciais e, por conseguinte, prejudicado o Recurso Adesivo, cujo objeto é a majoração do valor indenizatório e da verba honorária sucumbencial. 4. Distinguishing 4.1 Para fins do disposto no art. 489, § 1º, inciso VI, do CPC, ressalto que a presente decisão se apresenta em harmonia com a jurisprudência desta Corte, do STJ e do STF, não havendo declinação pelas partes, em suas contrarrazões recursais, de precedentes de caráter vinculante em sentido contrário, nem mesmo persuasivos. 5. Honorários recursais 5.1 Em razão do provimento da Apelação Cível, não se mostra possível a majoração dos ônus sucumbenciais, que devem, aliás, ser objeto de inversão, assim como as custas processuais. 6. Dispositivo 6.1 Ante o exposto, CONHEÇO DA APELAÇÃO CÍVEL E DOU-LHE PROVIMENTO para, em reforma da sentença, julgar improcedentes os pedidos iniciais, invertendo os ônus sucumbenciais, bem como JULGO PREJUDICADO O RECURSO ADESIVO. 7. É como voto. Goiânia, Desembargador Diác. Delintro Belo de Almeida FilhoRelator (documento datado e assinado eletronicamente)(4) APELAÇÃO CÍVEL Nº 5807298-37.2023.8.09.0051 Comarca de Goiânia 4ª Câmara Cível Apelante: MONISE ADRIELLY FERREIRA GOMES DA COSTA Apelada: CLINICA VITTA LTDA RECURSO ADESIVO (MOV. 56) Recorrente: CLINICA VITTA LTDA Recorrida: MONISE ADRIELLY FERREIRA GOMES DA COSTA Relator: Desembargador Diác. DELINTRO BELO DE ALMEIDA FILHO EMENTA: DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZATÓRIA. DIFAMAÇÃO. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. DANOS MORAIS. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS INICIAIS. RECURSO ADESIVO PREJUDICADO.I. CASO EM EXAME1. Trata-se de apelação cível e recurso adesivo interpostos em ação de obrigação de fazer cumulada com indenizatória, na qual se alegou difamação em aplicativo de mensagens por parte da apelante contra a apelada.1.1 A sentença de primeiro grau julgou parcialmente procedente o pedido, condenando a apelante à exclusão de postagens, à abstenção de novas postagens e ao pagamento de danos morais.II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO2. As questões em discussão são: (i) se houve difamação por parte da apelante; (ii) se a conduta da apelante configurou abuso da liberdade de expressão; (iii) se houve danos morais à apelada; e (iv) se o valor da indenização por danos morais está adequado.III. RAZÕES DE DECIDIR3. A mensagem veiculada pela apelante, embora em tom alarmante, limitou-se a relatar um fato ocorrido com sua filha, sem imputar falsamente conduta ilícita ou criminosa à apelada. Não houve intenção de difamar ou caluniar.3.1 O compartilhamento da informação em grupo fechado de WhatsApp, com o objetivo de alertar outras mães sobre um possível risco à saúde, não configura, por si só, abuso da liberdade de expressão. O direito à informação e o alerta sobre riscos à saúde se sobrepõem à pretensão indenizatória, em razão da ausência de animus difamandi.3.2 Não há prova robusta de que a mensagem tenha causado violação à honra objetiva da apelada, a ponto de afetar sua imagem ou credibilidade perante o público. O dano moral não pode ser presumido, devendo ser comprovado.3.3 A ausência de ato ilícito e de danos morais torna prejudicado o recurso adesivo que pleiteava a majoração da indenização e da verba honorária, objeto de inversão.IV. DISPOSITIVO E TESE4. Apelação cível provida. Recurso adesivo prejudicado. Sentença reformada.4.1 A simples comunicação de fato ocorrido, mesmo em tom alarmante, sem intenção de difamar, não configura ato ilícito. 4.2 A liberdade de expressão prevalece sobre a pretensão indenizatória quando não há animus difamandi e a comunicação visa a informar e alertar sobre riscos à saúde. 4.3 O dano moral deve ser comprovado e não presumido.Dispositivos relevantes citados: CPC, art. 487, I; art. 485, VIII; art. 85, § 8º; art. 1.009; art. 1.012; art. 489, § 1º, IV; art. 93, IX, CF/88; art. 5º, IV e IX, CF/88; art. 373, I, CPC; art. 220, CF/88.Jurisprudências relevantes citadas: STJ, Súmula 54; STJ, Súmula 362; STJ, AgInt no AREsp n. 2.046.864/SC; STF, ADPF 130.APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PROVIDA.RECURSO ADESIVO PREJUDICADO.SENTENÇA REFORMADA. ACÓRDÃO 1. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos da APELAÇÃO CÍVEL Nº 5807298-37.2023.8.09.0051 da comarca de Goiânia, em que figuram como Apelante/Recorrido Adesivo MONISE ADRIELLY FERREIRA GOMES DA COSTA e como Recorrente/Apelada CLINICA VITTA LTDA. 2. Acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, pela Quinta Turma Julgadora de sua Quarta Câmara Cível, à unanimidade de votos, em CONHECER DA APELAÇÃO CÍVEL E DAR-LHE PROVIMENTO, bem como JULGAR PREJUDICADO O RECURSO ADESIVO, tudo nos termos do voto do Relator. 3. Presidiu a sessão de julgamento a Excelentíssima Senhora Desembargadora Elizabeth Maria da Silva. 4. Esteve presente a representante da Procuradoria-Geral de Justiça, Dra. Orlandina Brito Pereira. 5. Fez sustentação oral o Dr. Alan Marques Paula, pela Apelada/Recorrente e o Dr. Marco Antônio Gonçalves de Oliveira esteve presente pela Apelante/Recorrida. Goiânia, Desembargador Diác. Delintro Belo de Almeida FilhoRelator(documento datado e assinado eletronicamente)
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5807298-37.2023.8.09.0051 Comarca de Goiânia 4ª Câmara Cível Apelante: MONISE ADRIELLY FERREIRA GOMES DA COSTA Apelada: CLINICA VITTA LTDA RECURSO ADESIVO (MOV. 56) Recorrente: CLINICA VITTA LTDA Recorrida: MONISE ADRIELLY FERREIRA GOMES DA COSTA Relator: Desembargador Diác. DELINTRO BELO DE ALMEIDA FILHO EMENTA: DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZATÓRIA. DIFAMAÇÃO. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. DANOS MORAIS. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS INICIAIS. RECURSO ADESIVO PREJUDICADO.I. CASO EM EXAME1. Trata-se de apelação cível e recurso adesivo interpostos em ação de obrigação de fazer cumulada com indenizatória, na qual se alegou difamação em aplicativo de mensagens por parte da apelante contra a apelada.1.1 A sentença de primeiro grau julgou parcialmente procedente o pedido, condenando a apelante à exclusão de postagens, à abstenção de novas postagens e ao pagamento de danos morais.II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO2. As questões em discussão são: (i) se houve difamação por parte da apelante; (ii) se a conduta da apelante configurou abuso da liberdade de expressão; (iii) se houve danos morais à apelada; e (iv) se o valor da indenização por danos morais está adequado.III. RAZÕES DE DECIDIR3. A mensagem veiculada pela apelante, embora em tom alarmante, limitou-se a relatar um fato ocorrido com sua filha, sem imputar falsamente conduta ilícita ou criminosa à apelada. Não houve intenção de difamar ou caluniar.3.1 O compartilhamento da informação em grupo fechado de WhatsApp, com o objetivo de alertar outras mães sobre um possível risco à saúde, não configura, por si só, abuso da liberdade de expressão. O direito à informação e o alerta sobre riscos à saúde se sobrepõem à pretensão indenizatória, em razão da ausência de animus difamandi.3.2 Não há prova robusta de que a mensagem tenha causado violação à honra objetiva da apelada, a ponto de afetar sua imagem ou credibilidade perante o público. O dano moral não pode ser presumido, devendo ser comprovado.3.3 A ausência de ato ilícito e de danos morais torna prejudicado o recurso adesivo que pleiteava a majoração da indenização e da verba honorária, objeto de inversão.IV. DISPOSITIVO E TESE4. Apelação cível provida. Recurso adesivo prejudicado. Sentença reformada.4.1 A simples comunicação de fato ocorrido, mesmo em tom alarmante, sem intenção de difamar, não configura ato ilícito. 4.2 A liberdade de expressão prevalece sobre a pretensão indenizatória quando não há animus difamandi e a comunicação visa a informar e alertar sobre riscos à saúde. 4.3 O dano moral deve ser comprovado e não presumido.Dispositivos relevantes citados: CPC, art. 487, I; art. 485, VIII; art. 85, § 8º; art. 1.009; art. 1.012; art. 489, § 1º, IV; art. 93, IX, CF/88; art. 5º, IV e IX, CF/88; art. 373, I, CPC; art. 220, CF/88.Jurisprudências relevantes citadas: STJ, Súmula 54; STJ, Súmula 362; STJ, AgInt no AREsp n. 2.046.864/SC; STF, ADPF 130.APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PROVIDA.RECURSO ADESIVO PREJUDICADO.SENTENÇA REFORMADA. Acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, pela Quinta Turma Julgadora de sua Quarta Câmara Cível, à unanimidade de votos, em CONHECER DA APELAÇÃO CÍVEL E DAR-LHE PROVIMENTO, bem como JULGAR PREJUDICADO O RECURSO ADESIVO, tudo nos termos do voto do Relator.
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