Processo nº 5491979-73.2021.8.09.0051
ID: 335540751
Tribunal: TJGO
Órgão: 11ª Câmara Cível
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5491979-73.2021.8.09.0051
Data de Disponibilização:
28/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
RONALDO JOSÉ DA SILVA
OAB/GO XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIOTribunal de Justiça do Estado de GoiásGabinete do Desembargador Paulo César Alves das Nevesgab.pcaneves@tjgo.jus.br___________________________________________________________APELAÇÃO …
PODER JUDICIÁRIOTribunal de Justiça do Estado de GoiásGabinete do Desembargador Paulo César Alves das Nevesgab.pcaneves@tjgo.jus.br___________________________________________________________APELAÇÃO CÍVEL Nº. 5491979-73.2021.8.09.005111ª CÂMARA CÍVELAPELANTE: HUGO CESAR FREIRE DE OLIVEIRAAPELADA: POLO IMÓVEIS ADMINISTRADORA DE ALUGUÉIS LTDA.RELATOR: Desembargador Paulo César Alves das Neves EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C RESCISÃO CONTRATUAL E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO DE LOCAÇÃO. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. LEI Nº 8.245/91. LAUDO DE VISTORIA. AUSÊNCIA DE PROVA ROBUSTA DOS DANOS. COBRANÇA DE REPAROS INDEVIDA. EXCEÇÃO: FOGÃO. ENTREGA DAS CHAVES. ENCERRAMENTO DA RELAÇÃO LOCATÍCIA. COBRANÇA DE ALUGUÉIS POSTERIORES INDEVIDA. CONTAS DE CONSUMO. RESPONSABILIDADE ATÉ A ENTREGA DAS CHAVES. DANO MORAL. MERO ABORRECIMENTO. INOCORRÊNCIA. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.1.A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que as normas do Código de Defesa do Consumidor não se aplicam aos contratos de locação regidos pela Lei nº 8.245/91, por possuírem legislação específica. A relação locatícia não se enquadra na definição de relação de consumo, pois o locatário não é considerado consumidor final do imóvel, mas sim um usuário que busca a posse direta do bem.2.O laudo de vistoria, especialmente quando unilateral ou desprovido de elementos comprobatórios robustos como fotografias datadas e detalhadas, perde sua força probatória. Assim, não se pode atribuir ao locatário a responsabilidade por avarias no imóvel quando a vistoria de entrada foi impugnada e o laudo de saída não comprova a origem dos danos, com exceção de item específico (fogão) cuja troca foi realizada. 3.A entrega das chaves do imóvel encerra a relação locatícia e, consequentemente, a obrigação de pagar aluguéis e encargos. A recusa do locador em receber as chaves por conta de supostos danos não justifica a continuidade da cobrança de aluguéis. 4.As contas de consumo (gás, energia e saneamento) são de responsabilidade do locatário apenas até a data da efetiva entrega das chaves, conforme as leituras das concessionárias, pois se referem ao período de posse do imóvel. 5.O mero descumprimento contratual, por si só, não é suficiente para configurar dano moral indenizável, sendo necessária a comprovação de ofensa a direito da personalidade ou de situação que extrapole o mero aborrecimento do cotidiano. No caso, os transtornos enfrentados pelo apelante com os problemas no imóvel e as cobranças indevidas não configuram dano moral. 6.Reconhecida a sucumbência recíproca, as custas processuais e os honorários advocatícios devem ser distribuídos proporcionalmente entre as partes, observada a suspensão da exigibilidade para o beneficiário da assistência judiciária gratuita. RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
PODER JUDICIÁRIOTribunal de Justiça do Estado de GoiásGabinete do Desembargador Paulo César Alves das Nevesgab.pcaneves@tjgo.jus.br___________________________________________________________APELAÇÃO CÍVEL Nº. 5491979-73.2021.8.09.005111ª CÂMARA CÍVELAPELANTE: HUGO CESAR FREIRE DE OLIVEIRAAPELADA: POLO IMÓVEIS ADMINISTRADORA DE ALUGUÉIS LTDA.RELATOR: Desembargador Paulo César Alves das Neves VOTO Presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso, dele conheço. Conforme relatado, trata-se de apelação cível interposta por HUGO CESAR FREIRE DE OLIVEIRA contra a sentença proferida pela Juíza de Direito da 23ª Vara Cível da Comarca de Goiânia, Dra. Denise Gondim de Mendonça, nos autos da "ação declaratória de inexistência de débito c/c rescisão contratual e indenização por danos morais", ajuizada contra a POLO IMÓVEIS ADMINISTRADORA DE ALUGUÉIS LTDA. A pretensão inicial informa que o autor firmou contrato de locação com a ré em 11/01/2021. Ao adentrar no imóvel, constatou defeitos não constantes no laudo de vistoria, como problemas elétricos, hidráulicos e danos em móveis. Comunicou os problemas à requerida, solicitando a retificação do laudo e a realização de reparos, o que não foi atendido. Uma nova vistoria foi agendada, confirmando os defeitos, mas o laudo atualizado não foi entregue. Após seis meses, a esposa do autor recebeu proposta de trabalho em outro estado, motivando a rescisão antecipada do contrato. O autor entregou as chaves em 30/06/2021, solicitando a liberação de encargos futuros, porém, a requerida continuou cobrando aluguéis referentes ao período posterior, além de exigir o pagamento de reformas. O autor tentou resolver a situação administrativamente, sem sucesso. Alegou que a ré descumpriu o dever de boa-fé, previsto no art. 421-A, inciso I, do Código Civil, e os artigos 2º, 3º, § 2º, 6º, inciso VI, e 30 do CDC. Requereu, ao final, a declaração da inexistência do débito, a rescisão do contrato e indenização por danos morais. A ré apresentou contestação (mov. 19), onde patrocina que os danos foram causados pelo autor, e que a cobrança é legítima, pois ele não devolveu o imóvel nas mesmas condições em que o recebeu. Aduziu, ainda, que o autor permaneceu na posse do imóvel de 09/07/2021 a 12/07/2021, sendo devida a cobrança de aluguéis e encargos proporcionais a esse período. Por fim, alegou que não houve má-fé, e que a cobrança do acerto final foi feita dentro dos ditames legais e contratuais. Requereu a improcedência dos pedidos. A sentença ora recorrida (mov. 123), restou assim assentada: “Ante o exposto, resolvo o mérito e julgo improcedentes os pedidos contidos na inicial, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Condeno a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% sobre o valor dado à causa, com exigibilidade suspensa, nos termos do art. 98, § 3º do CPC.” A presente decisão fora desafiada por meio de embargos de declaração (mov. 126), os quais foram desacolhidos (mov. 130). Inconformado com a sentença prolatada mov. 123, HUGO CESAR FREIRE DE OLIVEIRA, dela recorre. Nas razões recursais (evento n. 133), sustenta que: 1) a sentença é omissa, pois não se manifestou sobre a perícia realizada nem sobre os esclarecimentos periciais, os quais apontam para a responsabilidade do embargado pelas condições do imóvel e a ilegitimidade das cobranças; 2) a cobrança dos encargos e tributos após 30/06/2021 é indevida, porque o embargante teve acesso ao imóvel somente para realizar reparos, não para uso contínuo; 3) o caso deve ser analisado sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que a relação entre o apelante e a apelada caracteriza relação de consumo; 4) deve ser a recorrida condenada ao pagamento de uma indenização por danos morais. Requer, ao final, o provimento do recurso para reformar a sentença de primeiro grau, julgando-se integralmente procedente o pleito inicial. Pois bem. Inicialmente, o apelante argumenta que o caso deve ser analisado sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor (CDC), uma vez que a relação entre ele e a apelada caracteriza relação de consumo. Contudo, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é pacífica no sentido de que as normas do CDC não se aplicam aos contratos de locação regidos pela Lei nº 8.245/91 (Lei do Inquilinato), por possuírem legislação específica. A relação locatícia não se enquadra na definição de relação de consumo, pois o locatário não é considerado consumidor final do imóvel, mas sim um usuário que busca a posse direta do bem. Nesse sentido, o STJ já se manifestou reiteradamente: “DIREITO CIVIL. LOCAÇÃO. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS AGRAVOS EM RECURSOS ESPECIAIS. SÚMULA 182/STJ. INAPLICABILIDADE. RECONSIDERAÇÃO DA DECISÃO DA PRESIDÊNCIA. AÇÃO DE DESPEJO CUMULADA COM COBRANÇA DE ALUGUÉIS E ACESSÓRIOS. LEGITIMIDADE PASSIVA DO FIADOR . CONTRATO DE FIANÇA. PRORROGAÇÃO ATÉ A ENTREGA DAS CHAVES. PREVISÃO CONTRATUAL. AGRAVO INTERNO PROVIDO. RECURSOS ESPECIAIS DESPROVIDOS. (…) 3. Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor ao contrato de locação regido pela Lei 8.245/91. Precedentes (…)” (STJ – AgInt nos EDcl no AREsp: 2227091 PR 2022/0320882-0, Relator.: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 25/09/2023, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/09/2023). “AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE LOCAÇÃO. cobrança de aluguéis. 1. MULTA CONTRATUAL. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. SÚMULA 83/STJ. 2. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. MORA EX RE. PRECEDENTES. 3. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. REDIMENSIONAMENTO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 4. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que "não se aplica o Código de Defesa do Consumidor ao contrato de locação regido pela Lei n. 8.245/1991, porquanto, além de fazerem parte de microssistemas distintos do âmbito normativo do direito privado, as relações jurídicas não possuem os traços característicos da relação de consumo, previstos nos arts. 2º e 3º da Lei n. 8 .078/1990." (AgRg no AREsp n. 101.712/RS, Relator o Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 3/11/2015, DJe 6/11/2015). (…)” (STJ – AgInt no AREsp: 1147805 RS 2017/0193302-3, Relator.: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 05/12/2017, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/12/2017). Prosseguindo, o cerne da insurgência exposta no presente recurso, recai sobre o pedido do autor de que seja declarado rescindido o contrato entre as partes, e, de consequência, afastadas as cobranças a ele direcionadas indevidamente, referente ao período de 01/07/2021 a 12/07/2021, haja vista ter entregue as chaves do apartamento de forma definitiva em 30/06/2021. Além disso, pugna sejam consideradas indevidas as cobranças realizadas pela requerida no segundo laudo de vistoria de saída, uma vez que não deu causa a tais defeitos. No caso, verifica-se do contrato de locação firmado entre as partes (mov.01, doc.01), especialmente em sua cláusula 6ª, que o prazo de locação do imóvel seria de 30 meses, iniciando-se em 11/01/2021 e findando em 10/07/2023. Consta ainda do referido instrumento que: “CLÁUSULA SEGUNDA – Ao ingressar no imóvel o (a) LOCADOR (A) deverá entregar ao (à) LOCATÁRIO (A), um LAUDO DE VISTORIA, onde fique expressamente figurado o estado atual do imóvel.CLÁUSULA TERCEIRA – Qualquer reclamação do (a) LOCATÁRIO (A) deverá ser encaminhada ao (à) LOCADOR (A), por escrito, dentro dos 05 (cinco) primeiros dias do início da locação, ou seja, do recebimento das chaves, não sendo acolhidas reclamações verbais, nem escritas apresentadas após o referido prazo. As reclamações aqui aludidas referem-se exclusivamente, as irregularidades e defeitos que conflitarem com o estado do imóvel descrito no LAUDO DE VISTORIA, pois as demais ocorrências serão consideradas como emergentes no curso da locação.CLÁUSULA QUARTA – Obriga-se o (a) LOCATÁRIO (A) a bem conservar o imóvel locado, que declara ter recebido em perfeitas condições de asseio e habitabilidade, conforme LAUDO DE VISTORIA que fica fazendo parte integrante desse instrumento, com os aparelhos sanitários, iluminação, portas, fechaduras, chaves, maçanetas, assoalhos, pinturas, forros, vidraças, espelhos, mármores, pias, ralos, torneiras, sifões, encanamentos, emboços e demais acessórios, perfeitos, respondendo pelos prejuízos que sobrevierem não só por culpa sua como pela de seus prepostos e sublocatários, correndo por sua conta todas as obras que fizer para sua conservação e funcionamento como para qualquer outro fim, bem como os respectivos ônus, multas e encargos fiscais.Parágrafo único: Fica ajustado entre as partes que transcorrido o prazo para que o(a) locatário(a) realize a emissão do laudo de ressalva de vistoria, apontando possíveis defeitos, qualquer defeito detectado posterior a este prazo será de exclusiva responsabilidade do locatário, não incidindo desta forma, nenhum ônus a(o) locador(a), cabendo a manutenção do imóvel exclusivamente ao locatário(a).CLÁUSULA QUINTA – O (A) LOCATÁRIO (A) fica obrigado (a) a, no curso da locação, satisfazer a sua própria custa, a todas e quaisquer intimações dos poderes competentes a que der causa, mesmo que expedidas em nome do (a) LOCADOR (A). Intimações sanitárias não motivarão a rescisão do presente contrato. CLÁUSULA SEXTA – O (A) LOCATÁRIO (A) se compromete a devolver o imóvel nas mesmas condições em que o recebeu, conforme LAUDO DE VISTORIA, com pintura nova com observância da cor, da qualidade e do padrão do material a ser aplicado, para que não haja divergências com o estado anterior do imóvel.CLÁUSULA SÉTIMA – Caso o (a) LOCATÁRIO (A) se recuse a efetuar a reforma/pintura do imóvel, fica o (a) LOCADOR (A) no direito de fazê-la, apresentando posteriormente os comprovantes das despesas ao (à) LOCATÁRIO (A), para reembolso imediato, incluindo-se nestas, taxas de serviços, diligências, custas judiciais, honorários advocatícios e outros.” Da simples leitura dessa previsão contratual, evidencia-se que de fato restou estabelecida a necessidade de preenchimento do laudo de vistoria do imóvel, tanto no início quanto ao final da locação. Contudo, não há como se afirmar que o locatário foi o responsável por todas as avarias causadas, haja vista a imprecisão do estado do bem, já que a vistoria de entrada foi impugnada pelo locatário, conforme se depreende dos prints das conversas de whatsapp entabulada entre as partes.O autor alega em sua exordial que após a contestação da vistoria inicial, foi agendada uma segunda vistoria com o requerido, e, por sua vez, constatou vários danos e defeitos no imóvel. Contudo, segundo afirma, o segundo laudo não lhe foi entregue.Em contestação, a locatária informa que após a realização da segunda vistoria do imóvel, os defeitos alegados pelo autor foram reparados e que os itens contestados no início da locação não foram cobrados na saída. Diante da divergência das informações prestadas pelas partes, foi determinada a realização de perícia indireta, por meio da qual, o perito judicial, Rafael Fernandes, em suas respostas aos quesitos, corrobora as alegações do apelante em diversos pontos. Conforme o laudo pericial (mov.102), na seção 6, "RESPOSTAS AOS QUESITOS", o expert afirma: “Quesitos da Autora:1. Na análise das vistorias de entrada e saída, ha divergência em relação ao estado de imóvel no início da locação e na data da devolução? Resposta: Retirando o fogão que foi trocado, e devido a ausência de fotos dos itens na vistoria de entrada, não é possível afirmar com precisão sobre as patologias apontadas no laudo de saída.2. A Requerida na vistoria de saída levou em consideração os itens contestados pelo Requerente? Resposta: Não, a requerida não levou devidamente em consideração os itens contestados pelo requerente na vistoria de saída. Conforme evidenciado nas conversas de WhatsApp e na análise da vistoria de entrada, o requerente já havia informado a requerida sobre defeitos preexistentes, como os problemas nas luminárias, armários e gavetas.3. Os itens contestados pelo Requerente no início da locação foram cobrados na vistoria de saída? Resposta: Sim.” (grifei). A análise técnica pelo perito judicial atesta que: “a) devido à ausência de fotos da pintura, na vistoria de entrada, não é possível afirmar com precisão sobre as patologias apontadas no laudo de saída; b) a cobrança por reparo dessas luminárias na saída não é justificável, pois o problema já existia no momento da entrada; c) o laudo de saída sugere reparos nos armários, mas, considerando o estado descrito na entrada, tais danos não podem ser atribuídos ao requerente; d) devido à ausência de fotos dos ângulos de todo o portal na vistoria de entrada, não é possível afirmar com precisão sobre as patologias apontadas no laudo de saída; e)na vistoria de saída, foi constatada a instalação de um fogão divergente daquele identificado na vistoria de entrada (…)” - grifei. Outrossim, ainda que haja expressa previsão legal (artigo 23, inciso III, da Lei n.º 8.245/91) no sentido de que é dever do locatário restituir o imóvel, finda a locação, no estado em que o recebeu, tal não tem aplicação efetiva na situação posta sob apreciação, mormente porque não se pode aferir de fato quais as condições em que o bem foi locado. Desta forma, com fulcro nas respostas do perito, à exceção do fogão, que diverge daquele identificado na vistoria inicial, entendo que não procedem as cobranças efetuadas pela requerida. Ademais, a jurisprudência pátria é uníssona no sentido de que o laudo de vistoria, especialmente quando unilateral ou desprovido de elementos comprobatórios robustos como fotografias datadas e detalhadas, perde sua força probatória. O perito, ao mencionar a ausência de fotos na vistoria de entrada, enfraquece a tese da apelada de que os danos foram causados pelo locatário. Mutatis Mutandis, a jurisprudência: “Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. LOCAÇÃO. AÇÃO DE COBRANÇA DE ALUGUÉIS. I. Restando incontroverso o pacto locatício entre as partes, cabe a locatária comprovar que efetuou o pagamento dos aluguéis e encargos oriundos da locação. Não vindo tal prova aos autos, a condenação ao pagamento dos locativos em atraso é medida que se impõe. II. Os aluguéis e os encargos decorrentes do contrato de locação devem incidir até a data da efetiva entrega das chaves. III. É ônus do locador comprovar que o imóvel não foi devolvido em condições idênticas daquelas em que recebido pelo inquilino e de que este foi responsável por eventuais danos. No caso, muito embora demonstrado os danos no imóvel, carece comprovação da realização de laudo inicial e final de vistoria, com detalhamento do estado do bem no momento do início e término da locação, com o que não se pode atribuir à ré a autoria das avarias e a conseguinte responsabilidade pela reparação do imóvel. IV. Sucumbência mantida. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME.” (Apelação Cível, Nº 70083217406, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ergio Roque Menine, Julgado em: 03-06-2020) - grifei. “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO. RECONVENÇÃO. CONTRATO LOCAÇÃO. ENTREGA DO IMÓVEL. REPARAÇÃO DE DANOS. ÔNUS DA PROVA. AUSÊNCIA VISTORIA FINAL. REPAROS NECESSÁRIOS INCONTROVERSOS. ORÇAMENTO. LAUDO JUDICIAL.1. Após as alegações de realização de reparos no imóvel pela locatária, não tendo sido feita vistoria pelo locador, nos moldes do contrato, a entrega das chaves é regular, com a consequente extinção do vínculo locatício.A responsabilidade da locatária com as despesas relativas ao imóvel é somente até o dia 31/07/2013, data em que foi disponibilizada a chave ao locador.2. Cabe ao locador o ônus de provar as deteriorações decorrentes da má utilização do imóvel pelo locatário. A demonstração dos danos no imóvel deve ser daqueles existentes na data da entrega das chaves. 3. Ausente vistoria final e a fim de identificar quais reparos ainda eram necessários no imóvel mesmo após a reforma que a locatária afirma ter feito, deve ser considerado os reparos que a própria locatária, na inicial, pretendeu pagar, posto que incontroversos.APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA.” (TJGO, Apelação (CPC) 0307773-76.2013.8.09.0087, Rel. ORLOFF NEVES ROCHA, 1ª Câmara Cível, julgado em 23/02/2018, DJe de 23/02/2018) - grifei. Assim, a procedência do pedido inicial, de modo a afastar a condenação do requerente ao pagamento dos reparos questionados na vistoria final (com exceção do fogão), é medida que se impõe. Prosseguindo, o apelante sustenta que a cobrança dos encargos e tributos após 30/06/2021 é indevida, pois teve acesso ao imóvel apenas para realizar reparos, não para uso contínuo. O laudo pericial, na seção 5.2, "Encargos e Tributos", aborda essa questão: “Cobrança de Aluguel: A requerida cobra aluguel até o dia 12/07/2021, data da entrega definitiva das chaves. Dado que o requerente permaneceu com as chaves até essa data, a cobrança proporcional é justificada. Gás, Energia e Saneamento: As contas de gás, energia e água são retroativas, com vencimentos em agosto de 2021. Essas cobranças são relativas ao período anterior a entrega das chaves e devem ser consideradas validas, conforme a leitura das concessionarias.” No caso em tela, o apelante entregou as chaves em 30/06/2021 (mov.19, doc.03), tendo-as retirado posteriormente apenas para realizar reparos. Embora o perito judicial tenha considerado a cobrança proporcional do aluguel até 12/07/2021, justificada pela posse das chaves, a jurisprudência tem se posicionado no sentido de que a entrega das chaves, ainda que com pendências de reparos, encerra a relação locatícia e, consequentemente, a obrigação de pagar aluguéis. A recusa do locador em receber as chaves na data de 30/06/2021 por conta de supostos danos não justifica a continuidade da cobrança. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já consolidou esse entendimento: “AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE LOCAÇÃO. AÇÃO DE DESPEJO C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS E ENCARGOS. ART. 1.022 DO CPC/2015. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. RESTITUIÇÃO DO IMÓVEL. RESCISÃO. DESOCUPAÇÃO SEM PROVA DE EFETIVA ENTREGA DAS CHAVES. CABIMENTO DE ALUGUÉIS DO INADIMPLEMENTO ATÉ A EFETIVA IMISSÃO NA POSSE. CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. REVISÃO DO JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. MATÉRIA QUE DEMANDA REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULAS 5 E 7/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 1. A alegação de ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015 não ficou configurada, uma vez que o Tribunal de origem examinou, de forma fundamentada, todas as questões submetidas à apreciação judicial na medida necessária para o deslinde da controvérsia, ainda que tenha decidido em sentido contrário à pretensão dos recorrentes. 2. O acórdão estadual está em consonância com a jurisprudência desta Corte, que firmou orientação no sentido de que a entrega das chaves do imóvel em juízo põe fim à relação locatícia, sendo devido o aluguel referente ao período que antecedeu à referida extinção . 3. A alteração da conclusão adotada pela Corte de origem demandaria, necessariamente, a interpretação de cláusulas contratuais e novo exame do acervo fático-probatório constante dos autos, providências vedadas no âmbito do recurso especial, conforme os óbices previstos nas Súmulas 5 e 7/STJ. 4. Agravo interno improvido. (STJ – AgInt no AREsp: 1779898 PR 2020/0273779-5, Relator.: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 19/04/2021, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/04/2021). Lado outro, é de sabença trivial que as concessionárias de serviço público realizam a leitura das contas de água, energia, gás, dentre outros, de acordo com o período efetivamente utilizado. Daí porque, deve ser o recorrente condenado ao pagamento das referidas contas, referente ao período em que esteve no imóvel, ou seja, até a data de 30/06/2021. Nesse sentido: “EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DESPEJO COM COBRANÇA DE ALUGUEIS. PARCELAS VENCIDAS E VINCENDAS. CONTA DE ÁGUA, ENERGIA E IPTU. RESPONSABILIDADE DA LOCATÁRIA. DEDUÇÃO DOS VALORES PAGOS. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. SENTENÇA REFORMADA. 1. Escorreita a sentença que condenou as requeridas ao pagamento dos débitos em aberto, pois é de responsabilidade da locatária arcar com as despesas do imóvel durante todo o período de utilização do mesmo, e, por óbvio, necessário o abatimento dos gastos devidamente comprovados pelos apelantes, sob pena de pagamento em duplicidade. 2. Devem ser comprovados, em cumprimento de sentença, os valores vencidos durante o curso do processo, até a data da efetiva entrega das chaves, a título de contas de água, luz, taxas de condomínio e IPTU, como bem assinalado na sentença recorrida, não havendo que se falar em reforma do julgado. 3. Com relação à restituição em dobro pela cobrança indevida, imprescindível a comprovação da má-fé para aplicação do artigo 940 do Código Civil, o que, no caso, não restou demonstrado. 4. Desprovido o recurso, cumpre majorar os honorários advocatícios, nesta seara recursal, para 20% (vinte por cento) em desfavor das apelantes, nos termos do artigo 85, §11 do CPC. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA.” (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5441316-62.2017.8.09.0051, Rel. Des(a). DESEMBARGADOR WILSON SAFATLE FAIAD, Goiânia - 15ª Vara Cível e Ambiental, julgado em 25/10/2021, DJe de 25/10/2021). Finalmente, o apelante pleiteia indenização por danos morais, alegando que a conduta da apelada, ao descumprir o contrato e realizar cobranças indevidas, causou-lhe abalo psicológico e transtornos. No entanto, a jurisprudência pátria tem se posicionado no sentido de que o mero descumprimento contratual, por si só, não é suficiente para configurar dano moral indenizável, sendo necessária a comprovação de ofensa a direito da personalidade ou de situação que extrapole o mero aborrecimento do cotidiano. Nesse sentido, os seguintes julgados: “APELAÇÃO – LOCAÇÃO DE IMÓVEL – Rescisão contratual cumulada com pedido de indenizações por danos materiais e morais. RESPEITÁVEL SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. Reconheceu 50% dos danos materiais a serem ressarcidos às autoras; manteve a multa contratual; e, afastou a pretensão de obter indenização por danos morais. Apelam as autoras insistindo nos danos materiais e morais, além da exclusão da multa contratual. Apela adesivamente a ré Aparecida pela improcedência. Cabia à ré, na condição de locadora (artigo 22, I e IV, da Lei 8.245/91), ter providenciado, à época dos fatos a ele relatados, o conserto completo da estrutura elétrica da casa. Multa contratual afastada. Danos materiais referentes aos utensílios domésticos "queimados" não comprovados por orçamento nem nota fiscal de conserto. Despesas com mudança de residência não guardam relação com a locação. Afastamento. Dano moral. Inocorrência. Ausência de demonstração de ofensa à honra, boa-fé subjetiva ou à dignidade da pessoa, justificativas da reparação moral. Situações de mero aborrecimento ou de descumprimento contratual que não justificam recompensa pecuniária. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS.” (TJ-SP – Apelação Cível: 1008072-72.2022.8.26.0006 São Paulo, Relator.: Dario Gayoso, Data de Julgamento: 30/04/2024, 27ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 30/04/2024). “APELAÇÃO AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS Locador que não entregou imóvel compatível com a finalidade para a qual fora locado. Vícios ocultos no imóvel não relatados em vistoria inicial. Problemas estruturais do imóvel que apenas surgiram com sua utilização. Descumprimento contratual por parte do locador Inteligência do art. 22 da Lei 8.245/91 De rigor a aplicação de multa contratual Aplicação do art. 413 do Código Civil à hipótese vertente Valor de um aluguel que deve ser descontado do montante total devido a título de multa por rescisão antecipada DANOS MORAIS Não configurados Inadimplemento contratual Ausência de violação a direito personalíssimo ou honra objetiva Redistribuição dos ônus sucumbenciais Recurso parcialmente provido.” (TJSP - 1004042-77.2020.8.26.0001 - Relator (a): Hugo Crepaldi - Órgão julgador: 25a Câmara de Direito Privado - Publicação: 21/12/2021). No caso em análise, embora o apelante tenha enfrentado transtornos com os problemas no imóvel e as cobranças indevidas, não há nos autos elementos que demonstrem que tais fatos tenham extrapolado o mero dissabor, causando-lhe sofrimento ou abalo psicológico de tal monta que justifique a condenação por danos morais. A situação se enquadra na esfera do mero inadimplemento contratual, que, conforme a jurisprudência, não enseja, por si só, a reparação por danos morais. Daí porque, neste ponto, não merece reparos o édito sentencial. Diante do exposto, CONHEÇO do recurso de apelação e DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO para reformar a sentença de primeiro grau, nos termos da fundamentação, a fim de:a) declarar a inexigibilidade das cobranças referentes a reparos no imóvel (com exceção do fogão que foi trocado), b)declarar a inexigibilidade dos aluguéis e encargos cobrados após 30/06/2021, data da entrega das chaves, ressalvando-se a validade das contas de consumo (gás, energia e saneamento) referentes ao período de posse do imóvel, conforme as leituras das concessionárias. Considerando a sucumbência recíproca, as custas processuais e os honorários advocatícios, que fixo em 15% sobre o valor da condenação, serão distribuídos na proporção de 50% para cada parte, observada a suspensão da exigibilidade em relação ao apelante, por ser beneficiário da assistência judiciária gratuita. É como voto. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Desembargador Paulo César Alves das NevesRelator ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as supraindicadas. ACORDAM os componentes da 4ª Turma Julgadora da 11ª Câmara Cível do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, elencados(as) no extrato da ata de julgamento, à unanimidade de votos, em conhecer e dar parcial provimento à apelação cível, nos termos do voto do Relator. Presidiu a sessão o relator, Desembargador Paulo César Alves das Neves. Presente o(a) ilustre representante da Procuradoria de Justiça. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Desembargador Paulo César Alves das NevesRelator
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