Processo nº 1014572-87.2025.8.11.0000
ID: 330981116
Tribunal: TJMT
Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 1014572-87.2025.8.11.0000
Data de Disponibilização:
22/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
LUANA KLIMIUK
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1014572-87.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Efeito Suspensivo / Impugnação / Embargos…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1014572-87.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Efeito Suspensivo / Impugnação / Embargos à Execução, Liminar] Relator: Des(a). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Turma Julgadora: [DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [LUANA KLIMIUK - CPF: 011.356.131-84 (ADVOGADO), PP GONCALVES INVESTIMENTOS LTDA - CNPJ: 56.988.580/0001-21 (AGRAVANTE), CLAUDIA RITA PIRES MORAES - CPF: 508.988.091-34 (AGRAVADO), MARI ANNE TEIXEIRA BRAGAGNOLO - CPF: 054.507.781-80 (ADVOGADO), PAOLLA CARDOSO DE LIMA - CPF: 043.994.481-30 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DIREITO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMBARGOS DE TERCEIRO. TUTELA DE URGÊNCIA CONCEDIDA. INDISPONIBILIDADE DE IMÓVEL. TERCEIRO DE BOA-FÉ. PROTEÇÃO DA SEGURANÇA JURÍDICA. FÉ PÚBLICA REGISTRAL. SUSPENSÃO DA AÇÃO PRINCIPAL. RECURSO PROVIDO. AGRAVO INTERNO PREJUDICADO. I. Caso em exame 1. Agravo de instrumento interposto contra decisão proferida pelo juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Primavera do Leste que, nos autos dos Embargos de Terceiro, indeferiu pedido de tutela de urgência para manutenção da posse de imóvel e afastamento de indisponibilidade decretada em ação anulatória da qual a agravante não integra o polo passivo. Alegação de aquisição de imóvel, mediante escritura pública e registro em 20/09/2024, sendo posteriormente atingida por medida de indisponibilidade decretada em ação anulatória ajuizada em 04/11/2024, que alega vício de consentimento em procuração utilizada para venda anterior do bem. II. Questão em discussão 3. Há três questões em discussão: (i) saber se é cabível a concessão de tutela de urgência em embargos de terceiro para afastar indisponibilidade de imóvel adquirido por terceiro de boa-fé que não integra ação principal; (ii) saber se a proteção conferida pelo princípio da fé pública registral e pela segurança jurídica ampara o adquirente que realizou todas as diligências necessárias à época da aquisição; e (iii) saber se a oposição de embargos de terceiro impõe a suspensão da ação principal na qual foi determinada a constrição. III. Razões de decidir 4. O artigo 678 do Código de Processo Civil estabelece norma específica para os embargos de terceiro, determinando a suspensão das medidas constritivas quando suficientemente provado o domínio ou a posse pelo embargante, constituindo requisitos próprios diversos daqueles previstos no artigo 300 do CPC para tutelas provisórias em geral. 5. A agravante comprovou ter adquirido o imóvel mediante escritura pública de pessoa que figurava como legítima proprietária segundo os registros públicos, tendo o negócio sido devidamente registrado na matrícula imobiliária em observância ao artigo 1.245 do Código Civil, que determina a transferência da propriedade imobiliária pelo registro do título translativo. 6. O sistema jurídico brasileiro consagra o princípio da fé pública registral, pelo qual se presume a veracidade das informações constantes dos registros públicos, gerando segurança jurídica para as relações negociais e proteção ao terceiro que adquire bem confiando nestas informações, como corolário dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança. 7. A proteção ao terceiro de boa-fé encontra expressa guarida no artigo 167, § 2º, do Código Civil, que ressalva os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado, não sendo admissível que eventual nulidade de transações anteriores prejudique adquirente que contratou de boa-fé e realizou as diligências ordinárias esperadas. 8. A indisponibilidade de bens constitui medida excepcional que restringe diretamente o exercício do direito de propriedade, devendo observar os princípios da proporcionalidade, razoabilidade e adequação, não sendo cabível sua extensão a bens de terceiros que não figuram no polo passivo da demanda originária. 9. A oposição de embargos de terceiro impõe a suspensão do curso do processo no qual foi determinada a constrição, tratando-se de medida cogente que visa garantir a efetividade da tutela jurisdicional e evitar que atos judiciais irreversíveis atinjam indevidamente a esfera jurídica de terceiros alheios à controvérsia principal. IV. Dispositivo e tese 10. Agravo de instrumento provido. Agravo interno prejudicado pelo julgamento de mérito do agravo de instrumento. Tese de julgamento: "1. É cabível a concessão de tutela de urgência em embargos de terceiro para afastar indisponibilidade de imóvel quando o embargante comprova ter adquirido o bem de boa-fé, com observância dos requisitos legais e registrais, não integrando a ação principal. 2. O princípio da fé pública registral e a proteção do terceiro de boa-fé amparam o adquirente que realizou as diligências ordinárias à época da aquisição, consultando os registros públicos e verificando a inexistência de impedimentos à alienação. 3. A oposição de embargos de terceiro impõe a suspensão da ação principal quanto aos atos que possam afetar o bem objeto dos embargos, até o julgamento final destes." Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 678, 300 e 1.015, IV; CC, arts. 167, § 2º, 689 e 1.245; Lei nº 6.015/73, art. 1º; Lei nº 8.935/94, art. 1º. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1.735.339/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma; STJ, REsp 1.432.566/DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j. 29.05.2017; STJ, AgInt no AREsp 1.617.200/RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 12.12.2022; TJMT, AI 1029189-86.2024.8.11.0000, Rel. Des. Tatiane Colombo, Segunda Câmara de Direito Privado, j. 22.04.2025. R E L A T Ó R I O EXMO. DES. LUIZ OCTÁVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO (RELATOR) Egrégia Câmara: Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de tutela recursal de urgência de efeito suspensivo, interposto por PP GONÇALVES INVESTIMENTOS LTDA contra decisão proferida pelo juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Primavera do Leste, que nos autos dos Embargos de Terceiro nº 1002026-83.2025.8.11.0037, indeferiu o pedido de tutela de urgência formulado pela agravante na ação que que move em desfavor de CLAUDIA RITA PIRES MORAES. A agravante interpôs agravo de instrumento contra decisão proferida na ação de Embargos de Terceiro (proc. n. 1002026-83.2025.8.11.0037), ajuizada pela agravada, após a constrição judicial (indisponibilidade) do imóvel de matrícula nº 7.794 do CRI de Primavera do Leste/MT. O bem havia sido adquirido pela agravante por R$ 1.500.000,00, após verificação da titularidade no CRI, escritura pública e ausência de restrições aparentes. A indisponibilidade foi decretada em ação anulatória de atos jurídicos (proc. n. 1011029-96.2024.8.11.0037), ajuizada por Cláudia Rita Pires Moraes, que sustenta vício de consentimento na outorga de procuração utilizada por seu ex-companheiro Arnóbio Braganholo para vender o imóvel a Maicon Rodrigo Braganholo, o qual o revendeu posteriormente à agravante. Na referida ação, foi deferida liminar determinando a indisponibilidade do imóvel, já pertencente a parte agravante, que não integra o polo passivo daquela demanda. Nos Embargos de Terceiro, a agravante requereu em sede de tutela de urgência: (i) a manutenção de sua posse sobre o imóvel; (ii) a suspensão da ação anulatória até o julgamento dos embargos; e (iii) a revogação da decisão que determinou a indisponibilidade do bem. A magistrada de primeiro grau indeferiu a tutela, entendendo pela ausência de probabilidade do direito, fundamentando sua decisão na diferença significativa de valores entre as negociações (imóvel adquirido por Maicon por R$ 100.000,00 e vendido ao agravante por R$ 1.500.000,00) e no curto espaço de tempo entre as transações, o que demandaria dilação probatória para verificação da boa-fé. Em suas razões, a agravante sustenta que adquiriu o imóvel de boa-fé, realizando todas as diligências necessárias, que não possui qualquer relação com os negócios anteriores ou com as questões familiares discutidas na ação anulatória, e que está sofrendo prejuízos concretos, comprovados pela declaração de instituição financeira que negou financiamento em razão da indisponibilidade do bem. Requereu o recebimento do presente agravo de instrumento com efeito suspensivo, com o fim de suspender os efeitos da decisão proferida pelo Juízo de Origem até o julgamento do presente agravo. No mérito, requer o provimento do recurso para modificação da decisão proferida pelo Juízo a quo , para que: “Reconheça a necessidade de concessão da tutela antecipada para manter o recorrente na posse do imóvel representado pela matrícula nº 7.794 do CRI de Primavera do Leste (MT); Determine a suspensão da ação principal distribuída sob o nº 1011029- 96.2024.8.11.0037 até o deslinde dos presentes embargos de terceiro e que seja afastado o julgamento em conjunto das ações; Revogue a decisão liminar proferida nos autos nº 1011029-96.2024.8.11.0037 a fim de afastar a inserção da indisponibilidade para toda e qualquer espécie de ônus real, inclusive garantia, alienação do imóvel registrado sob matrícula nº 7.794 do CRI de Primavera do Leste (MT), pois, fere direito adquirido pelo terceiro de boa-fé, ora recorrente.” Houve comprovação do preparo recursal, conforme documento de id. 285040369. Deferido o pedido de tutela recursal de urgência determinando a manutenção da agravante na posse do imóvel registrado sob a matrícula nº 7.794 do CRI de Primavera do Leste; Suspendendo a eficácia da decisão proferida nos autos nº 1011029-96.2024.8.11.0037, no que tange à indisponibilidade do imóvel registrado sob a matrícula nº 7.794 do CRI de Primavera do Leste; Determinando a suspensão da tramitação da ação nº 1011029-96.2024.8.11.0037, especificamente quanto aos atos que possam afetar o imóvel objeto da matrícula nº 7.794 do CRI de Primavera do Leste, até o julgamento final dos Embargos de Terceiro (ID 285183351). Cláudia Rita Pires Moraes, apresentou contrarrazões no recurso de agravo de instrumento pugnando pelo desprovimento para que seja mantida a ordem de despejo determinado pelo juízo de origem. Subsidiariamente, se for julgado procedente no mérito o agravo de instrumento, requer que a parte agravante, PP GONÇALVES INVESTIMENTOS LTDA, realize o depósito nos autos da Ação dos Embargos de Terceiro referente ao pagamento a ser feito ao Sr. Maicon Braganholo, a fim de que a agravada não seja prejudicada em uma ação de perdas e danos (ID 290779371). A parte agravada, Claudia Rita Pires Moraes, interpôs agravo interno (ID 290784351), reiterando os argumentos do agravo de instrumento e defendendo a manutenção da decisão monocrática que deferiu a tutela recursal de urgência, requerendo sua a reconsideração. Contrarrazões ao agravo interno, apresentadas pela PP Goncalves Investimentos Ltda, pugnando pelo desprovimento, mantendo os termos da decisão monocrática proferida (ID 295777858). É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMO. DES. LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO (RELATOR) Egrégia Câmara: Conforme o explicitado, cuida-se de agravo de instrumento, com pedido de tutela recursal de urgência de efeito suspensivo, interposto por PP GONÇALVES INVESTIMENTOS LTDA contra decisão proferida pelo juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Primavera do Leste, que nos autos dos Embargos de Terceiro (processo nº 1002026-83.2025.8.11.0037), que indeferiu o pedido de tutela de urgência formulado pela agravante. O recurso é tempestivo e preenche os requisitos de admissibilidade previstos nos artigos 1.015, inciso IV, e 1.016 do CPC, razão pela qual deve ser conhecido. A origem do litígio é à Ação Anulatória de Atos Jurídicos (processo n. 1011029-96.2024.8.11.0037), ajuizada por Cláudia Rita Pires Moraes, na qual pleiteou a decretação da indisponibilidade de imóvel localizado em Primavera do Leste/MT, registrado sob a matrícula nº 7.794, alegando a existência de vício de consentimento na procuração utilizada por seu ex-cônjuge para a venda do referido bem. A empresa agravante, ao tomar conhecimento da decisão que decretou a indisponibilidade do imóvel objeto da matrícula nº 7.794 do CRI de Primavera do Leste/MT, nos autos da mencionada Ação Anulatória de Atos Jurídicos, ajuizada pela ora agravada em face de Arnóbio Braganholo e Maicon Rodrigo Braganholo, opôs Embargos de Terceiro. Nos embargos a agravante relata que adquiriu o imóvel de forma lícita, legítima e de boa-fé, de Maicon Rodrigo Braganholo e sua esposa, Elaine Nunes Queiroz Braganholo, os quais, por sua vez, o teriam adquirido da autora da ação originária, mediante procuração lavrada em cartório. Afirma que, à época da aquisição, não havia qualquer ônus ou restrição registrada na matrícula do imóvel, e que a compra se deu pelo valor condizente com o de mercado (R$ 1.500.000,00), tendo o negócio sido regularmente registrado na matrícula do imóvel em 20/09/2024, em data anterior à distribuição da ação anulatória (04/11/2024). Aduz que, como terceira de boa-fé, tomou todas as cautelas necessárias para a aquisição do imóvel, consultando os registros públicos e verificando a inexistência de impedimentos à alienação, haja vista que a matrícula encontrava-se “limpa”, sem qualquer restrição ou averbação impeditiva. Sustenta não possuir qualquer relação com os fatos discutidos na ação anulatória, a qual versa sobre suposto vício de consentimento na outorga da procuração pela agravada ao seu ex-companheiro, Arnóbio Braganholo, utilizada para a venda do imóvel a seu filho, Maicon Rodrigo Braganholo, que, posteriormente, alienou o bem à agravante. Informa que a indisponibilidade decretada na ação anulatória tem lhe causado prejuízos concretos, inclusive a recusa, por instituição financeira, na concessão de financiamento com garantia no imóvel, conforme documentação comprobatória acostada aos autos. Nos Embargos de Terceiro, a agravante requereu a concessão de tutela de urgência para: a) manutenção na posse do imóvel; b) suspensão da ação anulatória até o julgamento final dos embargos; c) revogação da decisão que determinou a indisponibilidade do bem. Todavia, o juízo de primeiro grau indeferiu a liminar, com fundamentando sua decisão na diferença significativa de valores entre as negociações anteriores (imóvel adquirido por Maicon por R$ 100.000,00 e vendido à agravante por R$ 1.500.000,00) bem como no curto espaço de tempo entre as transações, o que, a seu ver, demandaria dilação probatória para apuração da efetiva boa-fé nas negociações, determinando a manutenção da indisponibilidade do bem e a continuidade da ação originária. Após análise das razões do agravo de instrumento interposto por PP Gonçalves Investimentos Ltda contra decisão proferida pelo juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Primavera do Leste, nos autos dos Embargos de Terceiro, proferi decisão monocrática, concedendo a tutela recursal de urgência pleiteada para: a) determinar a manutenção da agravante na posse do imóvel registrado sob a matrícula nº 7.794 do CRI de Primavera do Leste; b) suspender a eficácia da decisão proferida nos autos nº 1011029-96.2024.8.11.0037, no que tange à indisponibilidade do imóvel; e c) determinar a suspensão da tramitação da ação anulatória, especificamente quanto aos atos que possam afetar o imóvel em questão, até o julgamento final dos Embargos de Terceiro. Da mencionada decisão, CLÁUDIA RITA PIRES MORAES interpôs agravo interno, aduzindo que a decisão foi proferida sem a formação do contraditório, com base apenas nas alegações unilaterais da agravante, bem como afirmando que a medida de indisponibilidade é necessária para resguardar o resultado útil da ação anulatória. Reitera os argumentos de que há fortes indícios de simulação e fraude na alienação do bem, por meio de procuração viciada, utilizada para venda a preço vil entre parentes próximos (pai e filho), com posterior revenda à agravante por valor significativamente superior, em curto espaço de tempo. Defende que a revogação da medida cautelar compromete a eficácia da tutela jurisdicional e viola o princípio da não-surpresa (art. 10 do CPC), além de representar antecipação indevida do mérito, em desacordo com a lógica processual. Sustenta, ainda, que a tutela recursal liminar somente deveria ser concedida em hipóteses de manifesta ilegalidade ou abuso de poder, o que afirma não ter ocorrido no caso em tela. Requer, por fim, a reconsideração da decisão monocrática ou, caso assim não se entenda, o provimento do agravo interno para restabelecer a indisponibilidade da matrícula e permitir o regular prosseguimento da ação anulatória. Pois bem. A controvérsia central do presente recurso gravita em torno da possibilidade de concessão de tutela de urgência no âmbito dos Embargos de Terceiro, com o objetivo de resguardar a posse e o domínio de bem imóvel adquirido pelo agravante, bem como afastar a restrição de indisponibilidade que sobre ele recai, em decorrência de decisão proferida em ação judicial da qual o agravante não integra o polo passivo. Inicialmente, cumpre ressaltar que, nos termos do artigo 678 do Código de Processo Civil, “a decisão que reconhecer suficientemente provado o domínio ou a posse determinará a suspensão das medidas constritivas sobre os bens litigiosos objeto dos embargos, bem como a manutenção ou a reintegração provisória da posse, se o embargante a houver requerido.” Trata-se, portanto, de norma específica aplicável aos embargos de terceiro, que possui requisitos próprios, diversos daqueles previstos no artigo 300 do CPC para a concessão das tutelas provisórias de urgência em geral. Conforme se extrai dos documentos juntados aos autos, a agravante adquiriu o imóvel registrado sob a matrícula nº 7.794 do CRI de Primavera do Leste/MT mediante escritura pública de compra e venda lavrada em cartório, tendo o negócio sido devidamente registrado na matrícula imobiliária em 20/09/2024, conforme averbação R.08-M.7.794. A aquisição, portanto, foi formalizada com observância dos requisitos legais estabelecidos no artigo 1.245 do Código Civil, que determina que a propriedade imobiliária se transfere entre vivos mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis. Assim, do ponto de vista formal, é inquestionável o domínio da agravante sobre o bem. Por outro lado, a Ação Anulatória que ensejou a medida constritiva de indisponibilidade sobre o referido imóvel foi distribuída apenas em 04/11/2024, ou seja, em momento posterior à formalização e ao registro da aquisição pela agravante. Destaca-se, ainda, que a agravante sequer foi incluída no polo passivo da referida demanda, embora já figurasse como proprietária do imóvel na respectiva matrícula. O ordenamento jurídico brasileiro estrutura-se sobre o pilar da segurança jurídica, do qual emanam princípios essenciais às relações negociais, notadamente a presunção de boa-fé e a fé pública dos registros imobiliários. A boa-fé, em sua vertente objetiva, é um padrão de conduta leal e honesta esperado das partes; em sua acepção subjetiva, traduz-se na crença de estar agindo em conformidade com o direito. Como regra, a boa-fé é presumida, incumbindo à parte que alega a existência de má-fé o ônus de comprová-la de maneira robusta e inequívoca, o que não se verifica na presente quadra processual. Com relação ao princípio da fé pública registral, é comezinho que o aludido instituto possibilita a presunção de que as informações constantes dos registros públicos são verdadeiras, gerando segurança jurídica para as relações negociais. O registro imobiliário, em particular, tem por finalidade garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos relacionados aos imóveis, conforme preconizam o artigo 1º da Lei nº 6.015/73 (Lei dos Registros Públicos) e o artigo 1º da Lei nº 8.935/94 (Lei dos Cartórios). Nesse contexto, o terceiro que adquire um bem confiando nas informações constantes do registro imobiliário merece proteção jurídica, como corolário dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, pilares fundamentais do Estado Democrático de Direito. Tal proteção encontra guarida no art. 167, §2º, do Código Civil, que estabelece: “Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma. [...] § 2º Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.” Da mesma forma, o art. 689 do Código Civil preconiza que: “Art. 689. São válidos, a respeito dos contratantes de boa-fé, os atos com estes ajustados em nome do mandante pelo mandatário, enquanto este ignorar a morte daquele ou a extinção do mandato, por qualquer outra causa.” Conforme documentado nos autos, a empresa agravante, PP GONÇALVES INVESTIMENTOS LTDA., ao adquirir o imóvel de matrícula nº 7.794, adotou as cautelas que se esperam do adquirente diligente. Realizou a consulta ao registro imobiliário e verificou que o bem estava em nome do vendedor, Sr. Maicon Rodrigo Braganholo, e que não pendia sobre ele qualquer gravame, restrição ou anotação de demanda judicial que pudesse colocar em dúvida a legitimidade da transação. A aquisição foi formalizada por meio de escritura pública e devidamente levada a registro em 20 de setembro de 2024, consolidando a transferência da propriedade nos termos do artigo 1.245 do Código Civil. A Ação Anulatória, por sua vez, somente foi ajuizada pela Sra. Claudia em 04 de novembro de 2024, momento posterior à aquisição e ao registro pelo terceiro de boa-fé. A ausência de publicidade prévia da controvérsia que maculava a cadeia dominial anterior é fator determinante para a proteção do adquirente. Exigir que o comprador investigue as nuances e os descontentamentos íntimos das negociações pretéritas, que não encontraram eco no registro público, seria impor-lhe um ônus impraticável e subverter a lógica do sistema registral, cuja finalidade precípua é, justamente, garantir publicidade, autenticidade e segurança aos negócios jurídicos, conforme dispõe o artigo 1º da Lei nº 6.015/73. Os argumentos da agravante interna, Sra. Claudia, centram-se em supostos vícios da transação ocorrida entre ela, seu ex-companheiro e o filho deste. As alegações de venda por preço vil e de vício de consentimento na outorga da procuração são graves, porém, até o presente momento, são oponíveis apenas entre as partes daquele negócio. Contudo, conforme se depreende dos autos, não há um único elemento de prova que aponte para um conluio ou participação da empresa PP GONÇALVES INVESTIMENTOS LTDA. em eventual simulação ou fraude nas transações anteriores envolvendo o imóvel. Ao contrário, consta que a aquisição se deu mediante o pagamento de valor expressivo (R$ 1.500.000,00), compatível com os parâmetros de mercado, o que afasta, de plano, a hipótese de conluio ou má-fé por parte da agravante. A má-fé não se presume; deve ser provada. Nesse sentido, a legislação civil é clara ao ressalvar os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado, conforme o disposto no artigo 167, § 2º, do Código Civil. A eventual discrepância entre o valor da aquisição realizada por Maicon Rodrigo Braganholo (R$ 100.000,00) e o valor pelo qual o bem foi posteriormente transmitido à agravante (R$ 1.500.000,00), embora possa levantar dúvidas quanto à regularidade daquela primeira transação, não é, por si só, suficiente para infirmar a legitimidade da aquisição realizada pela agravante, tampouco para afastar sua condição de terceira de boa-fé. Ademais, a tese de que a disparidade de valores na cadeia de vendas seria um indício tão forte a ponto de obrigar o terceiro a uma investigação aprofundada perde força quando se observa que a própria Sra. Claudia, conforme consta na matrícula do imóvel, adquiriu o bem anteriormente por apenas R$ 30.000,00 (trinta mil reais). Tal fato, por si só, relativiza o argumento de que uma venda por valor considerado baixo seria um indicativo automático de fraude oponível a terceiros. Como bem pontuou o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, na Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.735.339/SP: "A aplicação da teoria da aparência pressupõe que o ato jurídico tenha sido praticado com boa-fé e diligência. [...] A nulidade do negócio jurídico simulado não pode ser arguida contra terceiros de boa-fé". (grifo nosso) Nesse sentido é o julgado deste Sodalício, verbis: “DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMBARGOS DE TERCEIRO. PENHORA INCIDENTE SOBRE IMÓVEL. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA SEM REGISTRO. ALEGAÇÃO DE POSSE EXERCIDA PELO EMBARGANTE HÁ MAIS DE 14 ANOS. PRESUNÇÃO DE BOA-FÉ. SÚMULA 84/STJ. LIMINAR INDEFERIDA. RECURSO DESPROVIDO. I. Os embargos de terceiro são via processual adequada para afastar a constrição judicial sobre bem cuja posse é exercida pelo embargante, ainda que proveniente de compromisso de compra e venda não registrado, nos termos da Súmula 84 do STJ. II. No caso, o agravado demonstrou exercer a posse do imóvel desde 2010, anteriormente ao ajuizamento da ação principal em 2014, além de ter realizado benfeitorias no bem, o que corrobora sua relação possessória. III. A inexistência de averbação de restrição na matrícula do imóvel à época da suposta aquisição e a ausência de prova cabal de ciência do embargante quanto à constrição judicial justificam, neste momento processual, a presunção de boa-fé. IV. Preenchidos os requisitos do artigo 678 do CPC, mostra-se adequada a decisão que deferiu liminar para suspender a adjudicação e manter o embargante na posse do bem até ulterior deliberação. V. Agravo de Instrumento Desprovido.” (N.U 1029189-86.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, TATIANE COLOMBO, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 22/04/2025, Publicado no DJE 22/04/2025). (grifo nosso) Portanto, diante de um registro público hígido e da ausência de prova de má-fé do adquirente final, deve prevalecer a presunção de boa-fé, garantindo-se a validade e a eficácia da aquisição realizada pela PP Gonçalves Investimentos Ltda., ao menos em sede de cognição sumária. Vale ressaltar que, caso a agravada entenda ter havido simulação na venda do imóvel realizada por seu ex-companheiro ao filho deste, Maicon Rodrigo Braganholo, mediante o uso de procuração eivada de vícios, deverá buscar os meios próprios para responsabilizar os envolvidos, sem, contudo, prejudicar terceiros que contrataram de boa-fé. Ademais, a indisponibilidade de bens constitui medida de natureza excepcional, cuja finalidade é impedir a alienação ou oneração patrimonial, com o objetivo de resguardar a utilidade de eventual provimento jurisdicional futuro. Trata-se de providência gravosa, que restringe diretamente o exercício do direito de propriedade, razão pela qual sua decretação deve observar os princípios da proporcionalidade, razoabilidade e adequação. No presente caso, a indisponibilidade foi decretada nos autos da ação anulatória como forma de garantir a eficácia de eventual procedência do pedido. Ocorre que tal medida acabou por alcançar bem que já não integrava mais o patrimônio dos réus naquela ação, sendo de titularidade da agravante, terceira de boa-fé que sequer integra a relação processual originária. Essa circunstância, por si só, já revela a inadequação da medida constritiva, por extrapolar os limites subjetivos da demanda anulatória. A manutenção da indisponibilidade decretada, no caso em tela, configura o que a doutrina denomina de periculum in mora inverso, ou seja, o dano decorrente da manutenção da medida é mais grave e concreto para a parte que a sofre do que o risco que se visa proteger. A PP GONÇALVES INVESTIMENTOS LTDA. demonstrou cabalmente o prejuízo que a restrição lhe acarreta, ao juntar aos autos declaração emitida pela instituição financeira CrediSIS Primacredi, a qual atesta a negativa de concessão de financiamento em razão direta da "indisponibilidade/ônus na matrícula do referido imóvel" (Id. 285054391). Trata-se de um dano efetivo, atual e documentado, que impede a agravante de exercer plenamente os poderes inerentes ao seu domínio. O próprio Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que “[...] a constrição patrimonial (indisponibilidade de bens) tem como objetivo impedir apenas a alienação dos bens da empresa devedora em benefício próprio, para evitar prejuízos aos demais credores, não se aplicando aos bens dos promitentes compradores de imóveis negociados antes da decretação da indisponibilidade. Isso se fundamenta especialmente no direito real à aquisição do imóvel previsto no artigo 1.417 do Código Civil, que protege o promitente comprador que quitou o contrato antes da decisão judicial de constrição. [...]” (REsp 1.432.566/DF, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, DJe 29/05/2017, publicado no DJe em 29/05/2017). Nesse contexto, é importante destacar que a indisponibilidade de bens, por se tratar de medida excepcional, deve recair exclusivamente sobre o patrimônio das partes que integram a relação processual, não sendo admissível sua extensão a bens de terceiros que não figuram no polo passivo da demanda. Manter a constrição sobre o patrimônio de quem, ao que tudo indica, agiu de boa-fé, para garantir um direito futuro e incerto da Sra. Claudia em face de terceiros, é inverter a lógica da proteção processual. A medida cautelar não pode servir como instrumento de penalização antecipada daquele que, aparentemente, é estranho ao ilícito original. Quanto ao pedido de suspensão da ação anulatória (processo nº 1011029-96.2024.8.11.0037), assiste razão à agravante. Isso porque o entendimento do STJ, tem se firmado no sentido de que: “a oposição de embargos de terceiros impõe a suspensão do curso do processo no qual foi determinada a constrição contra a qual se opõe a parte embargante, tratando-se de medida cogente que independe de requerimento da parte interessada.2. Agravo interno a que se nega provimento. "(REsp nº AgInt no AREsp 1617200 / RJ, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, j. em 12/12/2022).” (grifo nosso) Tal posicionamento visa garantir a efetividade da tutela jurisdicional, evitando-se que atos judiciais eventualmente irreversíveis atinjam indevidamente a esfera jurídica de terceiros alheios à controvérsia principal. A medida, portanto, revela-se adequada à proteção do direito de propriedade da agravante, assegurando-se a higidez do processo e a preservação da utilidade do provimento jurisdicional a ser eventualmente proferido nos embargos de terceiro. No caso em apreço, embora a juíza de primeiro grau tenha determinado o julgamento conjunto das ações, é importante ressaltar que os Embargos de Terceiro constituem ação autônoma, com causa de pedir e pedidos distintos da ação anulatória, não configurando hipótese de conexão que justifique o julgamento simultâneo sem a prévia suspensão da eficácia da decisão que atinge o bem de propriedade do terceiro embargante. A finalidade dos embargos de terceiro é justamente proteger o patrimônio de quem não é parte na relação processual originária. Permitir o prosseguimento da Ação Anulatória, com o risco de que uma eventual decisão de mérito naqueles autos atinja o bem do embargante antes do julgamento dos próprios embargos, seria esvaziar a eficácia deste instrumento processual. A suspensão é, portanto, medida que garante a utilidade e a lógica do sistema. Diante do exposto, vislumbro presentes os requisitos necessários à concessão da tutela recursal de urgência, quais sejam: a probabilidade do direito invocado pelo agravante e o perigo de dano decorrente da manutenção da decisão agravada. Considerando a análise acima, que contemplou todos os aspectos relevantes da controvérsia, inclusive aqueles suscitados no agravo interno interposto pela agravada contra a decisão liminar, tenho que o presente julgamento de mérito do agravo de instrumento prejudica a análise do agravo interno, uma vez que as questões ali debatidas foram agora definitivamente apreciadas pelo Colegiado. Sendo assim, em razão do julgamento do agravo de instrumento, resta caracterizada a ausência de interesse recursal, motivo pelo qual o agravo interno deve ser prejudicado. Ante o exposto, CONHEÇO do agravo de instrumento e, no mérito, DOU-LHE PROVIMENTO a fim de reformar a decisão agravada e conceder a tutela provisória pleiteada nos Embargos de Terceiro, para: a) determinar a manutenção da agravante na posse do imóvel registrado sob a matrícula nº 7.794 do CRI de Primavera do Leste; b) suspender a eficácia da decisão proferida nos autos nº 1011029-96.2024.8.11.0037, no que tange à indisponibilidade do referido imóvel; e c) determinar a suspensão da tramitação da ação nº 1011029-96.2024.8.11.0037, especificamente quanto aos atos que possam afetar o imóvel objeto dos embargos, até o julgamento final dos Embargos de Terceiro. Por fim, julgo PREJUDICADO o agravo interno interposto contra a decisão liminar, tendo em vista o julgamento definitivo do presente agravo de instrumento. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 15/07/2025
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