Processo nº 5002208-73.2022.4.03.6144
ID: 312312502
Tribunal: TRF3
Órgão: Gab. 49 - DES. FED. ERIK GRAMSTRUP
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 5002208-73.2022.4.03.6144
Data de Disponibilização:
01/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ROBERTO HIROMI SONODA
OAB/SP XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 7ª Turma APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002208-73.2022.4.03.6144 RELATOR: Gab. 49 - DES. FED. ERIK GRAMSTRUP APELANTE: PRISCILA APARECIDA SILVA LIMA …
PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 7ª Turma APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002208-73.2022.4.03.6144 RELATOR: Gab. 49 - DES. FED. ERIK GRAMSTRUP APELANTE: PRISCILA APARECIDA SILVA LIMA Advogado do(a) APELANTE: ROBERTO HIROMI SONODA - SP115094-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 7ª Turma APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002208-73.2022.4.03.6144 RELATOR: Gab. 49 - DES. FED. ERIK GRAMSTRUP APELANTE: PRISCILA APARECIDA SILVA LIMA Advogado do(a) APELANTE: ROBERTO HIROMI SONODA - SP115094-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP R E L A T Ó R I O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ERIK GRAMSTRUP (RELATOR): Trata-se de agravo interno interposto por PRISCILA APARECIDA SILVA LIMA, nos termos do artigo 1.021 do Código de Processo Civil, em face da decisão monocrática de ID 314002268 que, em ação de natureza previdenciária, negou provimento ao apelo da parte autora para restabelecer o benefício assistencial desde a data da cessação do mesmo em 01/07/2021. Em suas razões recursais de ID 315275834, sustenta a parte autora que preencheu todos os requisitos para o restabelecimento do benefício assistencial desde a data de sua cessação. O INSS não apresentou contrarrazões. É o relatório. VOTO-DIVERGENTE O Exmo. Desembargador Federal Marcus Orione: Trata-se de agravo interno interposto em face de decisão monocrática que negou provimento ao recurso de apelação da parte autora para manter a sentença que negou o pedido de restabelecimento do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 203, V, da Constituição da República. Consoante relatado, a autora afirma o preenchimento dos requisitos legais para a concessão do benefício, em especial, o impedimento de longo prazo. O Exmo. Sr. Desembargador Federal Erik Gramstrup, DD. Relator do presente recurso, entendeu que, no caso em tela, a demandante não atendeu ao requisito socioeconômico para gozo do benefício assistencial em análise. Contudo, com a devida vênia do Relator, ouso divergir de seu voto, pelas seguintes razões. Segundo o art. 203, inciso V, da Constituição Federal, o benefício de um salário-mínimo mensal deve ser conferido ao idoso e à pessoa com deficiência física. O primeiro aspecto relevante da norma é o seu cotejo com a renda mensal vitalícia – o que era, de início, indispensável para se compor, inclusive, o polo passivo, bem como, atualmente, se revela importante para se compreender a origem do benefício assistencial previsto constitucionalmente e se chegar a algumas conclusões necessárias. Embora frequentemente tenhamos presenciado o equívoco de se equipará-las, há que se frisar que uma coisa era a renda prevista no art. 203, inciso V, da Constituição Federal de 1988; outra, completamente diversa, era a renda mensal vitalícia prevista no art. 139, da Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 1.991 (e regulamentada pelo art. 281, do Decreto n.º 611, de 21 de julho de 1.992), revogado posteriormente pela Lei 9528 de 1997. Não obstante ambas contivessem no seu bojo previsão sobre a concessão de um salário-mínimo aos idosos e deficientes, não poderiam ser confundidas, pelos motivos que se seguem. Primeiramente, a renda mensal vitalícia integrava "o elenco de benefícios da Previdência Social" (art. 139, da Lei n.º 8.213, de 1.991), embora com o limite temporal estabelecido pelo art. 248, do Decreto n.º 611, de 1.992. Já o benefício previsto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal integra "a assistência social" prestada pelo Estado, encontrando-se à margem dos benefícios previdenciários. Em segundo lugar, havia requisitos específicos para a concessão da renda mensal vitalícia - tempo mínimo de filiação à Previdência Social de 12 meses consecutivos ou não; exercício de atividade abrangida pela Previdência por no mínimo cinco anos; no caso do idoso, exigia-se que tivesse ocorrido filiação posterior aos sessenta anos sem que se fizesse "jus" aos demais benefícios previdenciários. Por outro lado, nenhum destes requisitos podem ser exigidos no caso do disposto na Constituição Federal, sendo o valor devido ao idoso ou inválido atendidas apenas as exigências - menos severas - do art. 20, da Lei n.º 8.742, de 1.993. Frise-se, por fim, que o disposto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal, trata da assistência social prestada pelo Estado, independentemente de qualquer contribuição à Seguridade Social. Há, pois, dois sistemas paralelos: um previdenciário, no qual se insere o benefício da renda mensal vitalícia, e outro, assistencial, no qual se encontra o salário-mínimo mensal constitucional. A distinção foi feita para que se entenda a razão de que um benefício assistencial se submeta, ainda com mais razão, a uma lógica constitucional de razoabilidade – fundamental para que se compreenda as razões seguintes. No caso dos autos, constata-se que estamos diante do benefício assistencial, com a correspectiva dispensa de contribuição e demais consectários acima apontados. Por outro lado, urge frisar que a matéria foi regulada pela Lei n.º 8.742, de 1993. Conforme a disposição do art. 203, inciso V, da Constituição Federal: "A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos ('caput'): (...) a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei (inciso V)”. Primeiramente, cumpre verificamos, quanto ao momento de sua eficácia e aplicabilidade, qual a classificação da norma insculpida no texto constitucional acima. Deve-se, inicialmente, constatar que as normas constitucionais, no que concerne à sua eficácia e aplicabilidade, se subdividem nas seguintes espécies - segundo lição do Prof. José Afonso da Silva: a) normas constitucionais de eficácia plena; b) normas constitucionais de eficácia contida; c) normas constitucionais de eficácia limitada. As primeiras são aquelas que possuem a eficácia e aplicabilidade independente de edição de qualquer norma posterior. Possuem efeitos plenos desde o instante de sua edição. As segundas são aquelas que, apesar de já produzirem efeitos desde o momento de seu nascimento, podem vir a ser reduzidas no seu conteúdo por normas posteriores. As últimas estão entre aquelas que possuem a sua eficácia e aplicabilidade diferida à edição de norma posterior, que lhes implemente os efeitos. Entendemos que, a despeito de já produzir o seu efeito desde o momento do nascimento, o disposto no art. 203, inciso V, pode vir a ser reduzido no seu conteúdo por norma posterior. Portanto, é caso de norma de eficácia contida. Não obstante, há que ter bastante cuidado para não se admitir que a "lei regulamentadora" - no caso trata-se da Lei n.º 8.742, de 07 de dezembro de 1993 - limite demais os termos da Constituição, retirando-lhe a eficácia. Como já mencionava Hugo de Brito Machado, "admitir possa o legislador ordinário modificar conceitos da Constituição é admitir que a supremacia constitucional é apenas retórica, e que supremo na verdade é o legislador". Assim, basta, para efeitos de concessão de benefícios, a verificação do estado de pobreza exigido pela Constituição Federal (verificável a partir da expressão: “... que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua família...”). Na realidade, não apenas a renda “per capita”, mas também outros elementos constantes dos autos, devidamente analisados, merecem ser destacados para a constatação do estado de pobreza exigido constitucionalmente, conforme reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (RESP 222764/SP, RESP 223603/SP, RESP 222777/SP). Urge afastar também a incidência da decisão na ADIN n.º 1232-1/DF, publicada no D.J.U n.º 172-E, Seção 1, de 09/09/98, p. 2. Tratando-se de improcedência em ADIN, esta sentença não tem eficácia erga omnes. Nesta senda: “... Se adotarmos a ação direta para a declaração de inconstitucionalidade, a lide se fixará em tais limites e tudo o que se decidir terá força de lei e tal limitação (art. 468, do C.P.C.). Nas declarações incidenter tantum, porém, o efeito secundário da sentença prevalece como tal definido em lei. Como o efeito erga omnes se refere apenas à inconstitucionalidade, a decisão que julga constitucional a norma guardará sua limitação subjetiva apenas inter parte”. Assim, tendo sido julgado improcedente o pedido, não há como se falar na ocorrência do efeito erga omnes. Não estamos aqui discutindo a constitucionalidade ou não do art. 20 da 8.742, de 1993, como fator de seu afastamento. Urge apenas frisar que, além da renda familiar, outros elementos são importantes para se entender que alguém não pode prover a sua subsistência ou tê-la provida por seus familiares. E estes devem ser subtraídos da própria relação processual em curso, como se faz a seguir. Este o critério de razoabilidade que acentuamos quando buscamos mostrar, no início, a distinção entre benefícios de natureza assistencial, como é o caso dos autos, e de índole previdenciária. Passando à análise dos requisitos necessários à concessão do benefício, verifico, por primeiro, que o laudo pericial produzido em juízo atesta a incapacidade parcial e permanente da autora para o exercício de atividades laborativas, em razão do diagnóstico de miastenia gravis, osteoporose com fraturas patológicas, plaquetopenia cíclica, litíase renal, amenorreia primária e migrânia. Como observado, à época de elaboração do laudo médico pericial, a autora convivera com a primeira doença mencionada por mais de 19 anos, já havendo experienciado duas paradas cardiorrespiratórias em 2005 e internação hospitalar por dois anos em 2007. Não há controvérsia quanto ao atendimento do requisito de enquadramento da autora como pessoa com deficiência. Trata-se de aspecto reconhecido pela sentença apelada e confirmado também pela decisão monocrática e pelo voto do Eminente Relator. Sob outro aspecto, no caso dos autos, entendo que o estado de pobreza - e não de miserabilidade - exigido pela Constituição Federal vem bem demonstrado pelo estudo social (ID 312593041), a despeito de sua conclusão afirmar que o grupo familiar da parte autora “é capaz de prover suas necessidades básicas”. Partindo do aludido laudo socioeconômico, conforme pertinentemente observado no voto do Eminente Relator e em sua decisão monocrática, a autora não apresenta renda própria, sendo mantida por sua família, cuja renda per capita familiar orbitava o valor de R$ 534,00 à época de elaboração do estudo. Trata-se, como também notado, de valor abaixo dos R$ 651,00 equivalentes à metade do salário-mínimo então vigente. A autarquia previdenciária não apresentou qualquer indício de que o núcleo familiar da autora receberia valor acima do indicado. Complementando as ponderações anteriormente aventadas, conforme se mencionou, a jurisprudência construiu-se no sentido de que há defasagem no critério de 1/4 do salário-mínimo como renda per capita familiar apta a ensejar o benefício de prestação continuada requerido (STF. Plenário. RE 567985/MT, red. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes, 17 e 18/4/2013; RE 580963/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 17 e 18/4/2013 (repercussão geral) (Info 702)). Nesse sentido, o ainda importante Tema Repetitivo de nº 185 do E. STJ já assentava que: A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário-mínimo. Mesmo com as supervenientes alterações legislativas, cuida-se de raciocínio ainda aplicável. Como arrazoado acima, para além da renda per capita familiar, há outros elementos que, considerados, permitem conclusão diversa da que se encerrou nos autos até o momento. A despeito de as fotografias da residência indicarem bom estado de conservação dos itens do interior da casa, nota-se que os rendimentos familiares advêm, com exclusividade, do trabalho intermitente do genitor da autora. Por essa razão, a renda indicada, que já é baixa e apta à concessão do benefício pleiteado, nos padrões adotados como razoáveis pela jurisprudência dominante – o que se reconheceu no voto do Eminente Relator -, padece, ainda, de risco de variações mensais e contextuais. Tal fator é indicativo de que não há previsibilidade satisfatória quanto aos valores disponíveis ao núcleo familiar, contribuindo para situação de insegurança financeira e quadro de vulnerabilização social. Para além disso, há gastos mensais fixos e necessários para o tratamento das graves enfermidades que acometem a autora, acima mencionadas. O conjunto das despesas fixas descrito no laudo, que não considera as despesas eventuais, já é bastante próximo do total de renda estimado pelo genitor da autora. Por isso, o núcleo familiar, já dependente da contingência de atividades eventual e informalmente praticadas pelo genitor, também apresenta vulnerabilização pelo comprometimento quase total de sua baixa renda com gastos fixos, incluindo medicamentos. Sob tal ótica, não se trata de complementar a renda de família não abastada. Ao contrário, entende-se ser caso de assegurar que pessoa com graves deficiências, comprovadas por laudo pericial, tenha acesso a renda mínima que lhe permita dignidade e, em última instância, garanta haver fundos para custeio de seus tratamentos. A penúria absoluta e o sofrimento às escâncaras não são requisitos para a concessão do benefício visado. A legislação aplicável ao tema não é indiferente à insegurança trazida pelas atividades de natureza eventual. Em tal contexto, o Decreto de nº. 6.214/2007, que regulamenta o benefício de prestação continuada requerido, estipula, por exemplo, que não serão computados como renda mensal bruta familiar “rendas de natureza eventual ou sazonal, a serem regulamentadas em ato conjunto do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e do INSS” (art. 4º, § 2º, V, do Decreto nº. 6.214/2007). Tal compreensão exclui do cômputo da – frise-se – baixa renda bruta familiar todo o conjunto de rendimentos auferidos pelo genitor da autora, advindo de trabalho descrito expressamente como “intermitente” (ID 312593041 - Pág. 8). Ao menos, tal exercício poderia gerar a exclusão dos R$ 300,00 informados como advindos de atividade informal esporádica, diminuindo ainda mais o valor computável à já combalida renda familiar. No mesmo sentido, há julgados deste e de outros Tribunais Regionais Federais. Confira-se, com destaques acrescidos, alguns exemplos: CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. CONDIÇÃO DE IDOSO. SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO. 1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (pessoa que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condição com as demais pessoas) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família. 2. A condição de idoso do autor restou comprovada por meio de documentos. 3. A situação de desamparo necessária à concessão do benefício assistencial é presumida quando a renda familiar per capita for inferior ao valor de ¼ (um quarto) do salário mínimo. 4. Operada a exclusão da renda eventual e incerta percebida pelo autor, a renda mensal per capita é inferior ao limite estabelecido pelo art. 20, § 3º, da Lei n.º 8.742/93, configurando-se, assim, a situação de risco social necessária à concessão do benefício. 5. Comprovado o preenchimento dos requisitos legais, deve ser concedido o benefício em favor da parte autora, desde a data do requerimento administrativo. 6. Determinado o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício, a ser efetivada em 45 dias, nos termos do art. 461 do CPC. (TRF4. 6ª Turma. Apelação Cível nº 0017768-77.2011.4.04.9999/TRF4, rel. Des. Federal Celso Kipper, julgado em 26/09/2012, publicado em 05/10/2012) ASSISTÊNCIA SOCIAL. REEXAME NECESSÁRIO. NÃO CONHECIMENTO. APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. EXCLUSÃO DE RENDA EVENTUAL. MISERABILIDADE CONFIGURADA. TERMO INICIAL. DATA DA CITAÇÃO. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. - A norma do art. 496 do NCPC, estabelecendo que não necessitam ser confirmadas pelo Tribunal condenações da União em valores inferiores a 1000 (um mil) salários mínimos, tem incidência imediata aos feitos em tramitação nesta Corte, ainda que remetidos na vigência do CPC/73. Não conhecimento do reexame oficial. - A Constituição garante à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprove não possuir meios de prover sua própria manutenção o pagamento de um salário mínimo mensal. Trata-se de benefício de caráter assistencial, que deve ser provido aos que cumprirem tais requisitos, independentemente de contribuição à seguridade social. - No caso dos autos, conforme o estudo social, compõem a família do autor ele (que relata renda eventual de cerca de R$300,00 como vendedor autônoma), sua esposa (que recebia pensão no valor de um salário mínimo - R$810,00) e três enteados. - Nos termos do art. 4º, §2º, V, do Anexo do Regulamento do Benefício de Prestação Continuada (Decreto n. 6.214/2007), "não serão computados como renda mensal bruta familiar[...] rendas de natureza eventual ou sazonal, a serem regulamentadas em ato conjunto do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e do INSS". - Assim, a renda mensal familiar per capita era de R$162,00, inferior a ¼ do salário mínimo então vigente, equivalente a R$202,50. Deste modo, é caso de deferimento do benefício, pois há presunção absoluta de miserabilidade, nos termos da jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça: - Quanto ao termo inicial do benefício, tem razão o Ministério Público Federal ao afirmar que deve ser fixado na data da citação, pois o requerimento administrativo dizia respeito ao benefício previdenciário de auxílio-doença e não ao benefício assistencial. - Reexame necessário não conhecido. Recurso de apelação a que se dá parcial provimento. (TRF3. 8ª Turma. Apelação/Remessa Necessária nº 0009122-61.2018.4.03.9999/SP, rel. Des. Federal Luiz Stefanini, julgado em 08/10/2018, e-DJF3 em 23/10/2018) O arcabouço probatório dos autos, inclusive os elementos do laudo socioeconômico, demonstra que a autora não possui condições para o seu próprio sustento, tampouco de tê-lo provido por sua família. Assim, não há como se afastar, na situação em apreço, o disposto no art. 203, V, da Constituição Federal. O termo inicial do benefício deve ser fixado a partir da data da cessação indevida (01/07/2021), em conformidade com sólido entendimento jurisprudencial. Os juros de mora e a correção monetária serão calculados de acordo com as disposições do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, com a observância do disposto no artigo 3º, da Emenda Constitucional nº 113/2021 (Resolução nº 784/2022-CJF, de 08/08/22). Os honorários advocatícios em favor da parte vencedora devem ser apurados em liquidação de sentença, com base nos parágrafos 2º, 3º e 4º, inciso II, do art. 85, do CPC, incidindo sobre o valor das parcelas vencidas até a presente data, na forma do enunciado sumular de nº 111 do E. STJ, tendo em vista que o pedido foi julgado improcedente no Juízo a quo. Em se tratando de demanda que tramitou perante a Justiça Federal, as autarquias são isentas das custas processuais (artigo 4º, inciso I da Lei 9.289/96), devendo, no entanto, reembolsar, quando vencidas, as despesas judiciais feitas pela parte vencedora (artigo 4º, parágrafo único). Diante do exposto, respeitosamente e com a devida vênia, divirjo do voto do i. Relator e dou provimento ao agravo interno para que seja provida a apelação da parte autora, a fim de julgar procedente o pedido e condenar o réu a conceder-lhe o benefício assistencial à pessoa com deficiência, nos termos da fundamentação. É o como voto. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 7ª Turma APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002208-73.2022.4.03.6144 RELATOR: Gab. 49 - DES. FED. ERIK GRAMSTRUP APELANTE: PRISCILA APARECIDA SILVA LIMA Advogado do(a) APELANTE: ROBERTO HIROMI SONODA - SP115094-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP V O T O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ERIK GRAMSTRUP (RELATOR): Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. DO JULGAMENTO MONOCRÁTICO. Estabelece o artigo 932, incisos II, IV e V, do CPC que: “Art. 932. Incumbe ao relator: (...) II - apreciar o pedido de tutela provisória nos recursos e nos processos de competência originária do tribunal; (...) IV - negar provimento a recurso que for contrário a: a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a: a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência.”. Por sua vez, a Súmula n.º 568 do C.STJ dispõe que: “O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema.”. Desta feita, sopesando o disposto no art. 932, II, IV e V, do CPC, e aplicando analogicamente a Súmula n.º 568, do C.STJ, entendo cabível o julgamento monocrático no presente caso, já que este atende aos princípios da celeridade processual e da observância aos precedentes judiciais. Ademais, a interposição do agravo interno (artigo 1.021 do CPC) possibilita a submissão do feito a julgamento pelo órgão colegiado, inclusive com possibilidade de sustentação oral pela parte interessada (art. 7º, § 2º-B da Lei 8.3906/94), pelo que restam resguardados os princípios da colegialidade e da ampla defesa. Nesse sentido, vem sendo o entendimento desta Corte Regional: “PREVIDENCIARIO. PROCESSUAL CIVIL. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. CABIMENTO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. DECADÊNCIA DO DIREITO DA AUTARQUIA. OCORRÊNCIA. ERRO MATERIAL. DIREITO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA RESGUARDADOS. LEGALIDADE NO RECÁLCULO DO BENEFÍCIO ORIGINÁRIO E DA PENSÃO POR MORTE. I - Plenamente cabível a aplicação do artigo 932 do CPC ao presente caso, porquanto a decisão ora agravada apoiou-se em jurisprudência majoritária proferida por esta Corte. Ressalta-se que não se exige que a jurisprudência dos Tribunais seja unânime ou que exista Súmula a respeito da matéria. Ademais, com o reexame do feito pelo órgão colegiado, que ora se realiza por ocasião do julgamento deste agravo, resta prejudicada a questão referente ao alegado vício da apreciação monocrática. (...) VII – Agravo (art. 1.021 do CPC) da autora improvido.” (TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5001330-92.2023.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO, julgado em 07/02/2024, DJEN DATA: 09/02/2024); “PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO (ART. 1.021, DO CPC). INTERPOSIÇÃO CONTRA DECISÃO SINGULAR DO RELATOR. CABIMENTO. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO OU CONTRADIÇÃO NO JULGADO. APLICABILIDADE DO TEMA 692/STJ. DESNECESSIDADE DE AGUARDAR O TRÂNSITO EM JULGADO DO ACÓRDÃO PARADIGMA. 1. O denominado agravo interno (artigo Art. 1.021 do CPC/15) tem o propósito de impugnar especificamente os fundamentos da decisão agravada e, em caso de não retratação, possa ter assegurado o direito de ampla defesa, com submissão das suas impugnações ao órgão colegiado, o qual, cumprindo o princípio da colegialidade, fará o controle da extensão dos poderes do relator e, bem assim, a legalidade da decisão monocrática proferida, não se prestando, afora essas circunstâncias, à rediscussão, em si, de matéria já decidida, mediante reiterações de manifestações anteriores ou à mingua de impugnação específica e fundamentada da totalidade ou da parte da decisão agravada, objeto de impugnação. 2. Na hipótese, a decisão agravada não padece de qualquer ilegalidade ou abuso de poder, estando seus fundamentos em consonância com a jurisprudência pertinente à matéria devolvida a este E. Tribunal. 3. Agravo interno desprovido.” (TRF 3ª Região, 9ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5022555-66.2021.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN, julgado em 14/09/2023, DJEN DATA: 20/09/2023); “AGRAVO. PREVIDENCIÁRIO. DECISÃO SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADA. REPETIÇÃO DEARGUMENTOS. 1. O julgamento monocrático tem por objeto liberar as pautas de julgamento dos tribunais de recursos cuja matéria já tenha entendimento firmado na jurisprudência majoritária das Cortes nacionais. 2. Não há que se falar em ofensa ao duplo grau de jurisdição se a questão já foi reiteradamente discutida nos Tribunais. 3. A agravante reitera em suas razões recursais os mesmos argumentos trazidos na inicial, já debatidos e resolvidos pela decisão recorrida. 4. Agravo não provido.” (TRF 3ª Região, 8ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5041512-96.2018.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal MARCELO VIEIRA DE CAMPOS, julgado em 30/01/2023, DJEN DATA: 03/02/2023) Passo, portanto, à análise da matéria impugnada por meio do agravo interno apresentado. DA ASSISTÊNCIA SOCIAL NA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL A assistência social deve ser definida e interpretada como elemento do Estado Democrático, tendo a participação da sociedade como característica marcante. Para delimitar esse ponto, convocamos o auxílio de doutrina especializada: “O exemplo da assistência social no Brasil é emblemático nesse sentido. Quando reconhecemos, no primeiro capítulo, que a desigualdade social era bem mais do que a diferença de recursos materiais a disposição dos indivíduos, levantamos indiretamente uma questão central para a democracia. Se por um lado parece imperioso, sob riscos de abalar a coerência de uma ideia contemporânea e radical de democracia, o reconhecimento da cidadania e do direito à participação nas questões que afetam o indivíduo independa de qualquer requisito prévio, como educação, saúde, moradia, estabilidade familiar etc.; de outro, seria ingênuo considerar que a condição de pobreza não limita gravemente a liberdade comunicativa dos indivíduos. Como vimos, a pobreza pode ser entendida como uma forma de desrespeito na medida em que afeta a construção da identidade pessoal, a partir de um sofrimento de indeterminação causado pela baixa autoconfiança, autorrespeito e autoestima. O problema, a nosso ver, pelo menos no debate sobre o direito à assistência social no Brasil, é bem mais simples do aquele tratado por Iris Marion Young (2001) sobre a necessidade de inclusão de outras formas discursivas e de expressão que não o discurso moral como a base de uma democracia deliberativa aberta à diferença. O problema aqui é, antes de qualquer coisa, de equidade política.” (CHAVES, Vitor Pinto. O direito à assistência social no Brasil: reconhecimento, participação e alternativas de concretização. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013, p. 137/138). Para concluir a caracterização desse segmento, invoco ainda o ensinamento da ilustre magistrada e doutrinadora MARISA SANTOS, a propósito da assistência social: “(...) o art. 203 da CF prescreve que a Assistência Social “será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social”. E, mais, que: “as prestações de assistência social independem de contribuição para o custeio da seguridade social por parte do beneficiário”. Por fim, que: “Para a CF a Assistência Social é instrumento de transformação social, e não meramente assistencialista. As prestações de assistência social devem promover a integração e a inclusão do assistido na vida comunitária, fazer com que, a partir do recebimento das prestações assistenciais, seja ‘menos desigual’ e possa exercer atividades que lhe garantam a subsistência”. (SANTOS, Marisa. Direito previdenciário esquematizado. Ed. digital. São Paulo: Saraiva Educação, 2020) DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL Postula a parte autora a concessão do Benefício Assistencial, instituído pela Constituição Federal, nos termos do artigo 203, caput e inciso V, in verbis: Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: (...) V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. A Lei n.º 8.742, de 07.12.1993 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), regulamentada pelo Decreto n.º 6.214, de 26.09.2007, foi recepcionada e deu eficácia plena à referida norma constitucional, criando o benefício de prestação continuada, também denominado benefício assistencial, disposto no art. 20, com a seguinte redação, in verbis: Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) HYPERLINK "https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L13985.htm"(Vide Lei nº 13.985, de 2020) Portanto, a rigor, o BPC subdivide-se em dois tipos, conforme o beneficiário. É prestado ao idoso, maior de 65 anos e à pessoa com deficiência. Em ambos os casos, é exigida a prova da pobreza e do desamparo, ou seja, a inexistência de meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família Dada a natureza assistencial do benefício, este independe de qualidade de segurado ou cumprimento de período de carência; tampouco se exige do postulante que desenvolva alguma atividade laboral. DOS BENEFICIÁRIOS 1) Idosos A redação original do art. 20 da Lei n.º 8.742/1993, que vigeu no período de 01.01.1996 a 31.12.1997, estabelecia a idade mínima de 70 anos como requisito para a obtenção do benefício. A partir de 01.01.1998, conforme redação dada pela MP n.º 1.599-39, de 1997, e reedições, posteriormente convertida na Lei n.º 9.720/1998, a idade mínima necessária passou a ser 67 anos. Com a edição da Lei n.º 10.741, de 1º de outubro de 2003, acabou-se por eleger a idade de 65 anos como critério etário para o recebimento do benefício assistencial, nos seguintes termos: "Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas." Sendo assim, a Lei n.º 12.435/2011 atualizou o art. 20 da Lei n.º 8.742/1993, para estabelecer que a pessoa com 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou mais, desde que exposta à situação de hipossuficiência financeira, pode ser amparada pela Seguridade Social por meio do benefício assistencial. 2) Pessoa com condição de deficiência O conceito de pessoa com deficiência, para fins de concessão do benefício de amparo social, foi previsto no artigo 20, § 2º, da Lei n.º 8.742/1993, que em sua redação original dispunha que o deficiente era aquele que: (i) tinha necessidade de trabalhar, mas não podia, em razão da deficiência; (ii) estava também incapacitado para a vida independente. assim dispunha. Nestes termos: “§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.” Com o ingresso formal da Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência no ordenamento pátrio, ratificada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 186/2008, e promulgada pelo Decreto nº 6.949/2009, o conceito de pessoa com deficiência foi ampliado e modificado substancialmente, nos termos do o artigo 1º, que define: “Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.” Vê-se, portanto, que não se trata mais de um parâmetro puramente médico, mas a este foi adicionado um conceito social – o impedimento deve ofertar dificuldade para a vida em sociedade. A redação original do artigo 20, § 2º, da LOAS, foi alterada pela Lei n.º 12.435/2011, de modo que o benefício passou a ser destinado às pessoas com deficiência que: (i) tinham necessidade de trabalhar, mas não podiam, por conta de limitações físicas ou mentais; (ii) estavam também incapacitados para a vida independente, in verbis: “§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, considera-se: I - pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas; II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.” A Lei n.º 12.470/2011 promoveu nova alteração no conceito de pessoa com deficiência, dispensando a menção à incapacidade para o trabalho ou à incapacidade para a vida independente como requisito à concessão do benefício. A partir de então, o artigo 20 da LOAS passou a ter a seguinte redação: “Art. 20 (...) “§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.” (...) “§ 10 Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2º deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.” Por fim, com o advento da Lei n.º 13.146/2015, que instituiu a Lei de Inclusão à Pessoa com Deficiência, vigente a partir de 02/01/2016, a redação do artigo 20, § 2º, da LOAS sofreu nova alteração, passando a ter a atual redação: “§ 2º Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.” Verifica-se, assim, que a definição de deficiente proveio de legislação própria, editada em cumprimento a compromissos internacionais, muito mais ampla do que a noção de incapacidade para o trabalho. A deficiência, essencialmente, é um impedimento de longo prazo que obstrui a participação plena e efetiva na sociedade. Esse impedimento é de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, operando em interação com uma ou mais barreiras. Portanto, não é mera condição de saúde, nem simples invalidez. É considerado em sua relação com óbices de natureza social. Para a avaliação da condição como deficiente, o parágrafo 6º do artigo 20 da Lei n.º 8.742/93 prevê que o requerente deverá ser submetido às avaliações médica e social, devendo a primeira considerar as deficiências nas funções e nas estruturas do corpo do requerente, e, a segunda, os fatores ambientais, sociais e pessoais a que está sujeito o interessado. Logo, para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência não se confunde com a situação de incapacidade laborativa; como se vê, um conceito biopsicossocial superou a noção anterior, de incapacidade. O impedimento do requerente deve ser de longo prazo, com duração mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde o início do impedimento até a data prevista para a sua cessação. 3) Extensão ao estrangeiro residente O caput do art. 5º da Constituição Federal, expressamente, assegura a observância dos direitos e garantias fundamentais aos estrangeiros residentes no Brasil. “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)” Neste sentido, o Egrégio Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do RE n. 587.970, pacificou que o benefício assistencial é devido a “brasileiros natos, naturalizados e estrangeiros residentes no País, atendidos os requisitos constitucionais e legais” (RE 587970, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 20-04-2017, acórdão eletrônico repercussão geral - mérito dje-215 divulg 21-09-2017 public 22-09-2017). O referido precedente ensejou o Tema nº 173/STF, sendo fixada a seguinte tese: “Os estrangeiros residentes no País são beneficiários da assistência social prevista no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, uma vez atendidos os requisitos constitucionais e legais.” 4) Requisitos formais: CPF e ‘CadÚnico’ De acordo como o art. 12, do Regulamento da LOAS (Decreto n.º 6.214/2007), introduzido pelo Decreto n.º 8.805, de 7.7.2016, são requisitos para a concessão, a manutenção e a revisão do benefício de prestação continuada, as inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas - CPF e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal – CadÚnico, in verbis: Art. 12. São requisitos para a concessão, a manutenção e a revisão do benefício as inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas - CPF e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - CadÚnico. (Redação dada pelo Decreto nº 8.805, de 2016) Na forma do art. 12, § 1º, do referido regulamento, o beneficiário que não realizar a inscrição ou a atualização no CadÚnico terá o seu benefício suspenso. DA HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA No tocante ao requisito socioeconômico, ressalta-se que o objetivo da assistência social é prover o mínimo para a manutenção do beneficiário, de modo a assegurar-lhe a vida digna. Para a concessão do benefício, não se exige uma situação de miserabilidade absoluta, bastando a caracterização de que o requerente não tem condições de prover a própria manutenção, nem de tê-la provida por sua família. 1) Da definição legal de núcleo familiar A redação original do parágrafo 1º, do art. 20, da LOAS, assim definia a família: “a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes”. Com a criação da MP n.º 1.473-34, de 11/08/1997, convertida na Lei n. 9.720, de 30/11/1998, a definição de núcleo familiar alcançou o conjunto de pessoas elencadas no artigo 16 da Lei n.º 8.213, de 24/07/1991, desde que vivessem sob o mesmo teto. Presentemente, a redação do artigo 20, §1º, da Lei 8.742/93, alterada pela Lei n.º 12.435/2011, traz como conceito de família o núcleo composto pelo “(...) requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto”. 2) Da composição da renda Conforme dispõe o artigo 20, § 4º, da LOAS, alterado pela Lei nº 14.601, de 19/06/2023, o benefício de prestação continuada não pode ser acumulado com qualquer outro benefício social, exceto os da assistência médica, da pensão especial de natureza indenizatória, bem como as transferências de renda provenientes dos programas de renda básica familiar (art. 6º, parágrafo único, e art. 203, inciso VI, da CF) e de renda básica de cidadania (Lei 10.835/2004), in verbis: “Art. 20. (...) § 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória, bem como as transferências de renda de que tratam o parágrafo único do art. 6º e o inciso VI do caput do art. 203 da Constituição Federal e o caput e o § 1º do art. 1º da Lei nº 10.835, de 8 de janeiro de 2004. (Redação dada pela Lei nº 14.601, de 2023)” Para a aferição da situação de hipossuficiência do requerente, a Lei nº 13.982, de 02/04/2020, incluiu o § 14 ao artigo 20 da LOAS, que prevê a exclusão de benefício assistencial ou previdenciário de até 1 (um) salário-mínimo da composição da renda para fins de concessão de BPC. Eis o teor in verbis: Art. 20 (...)§ 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo. 3) Requisito da miserabilidade O parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, com a redação dada pela Lei 14.176/2021, considera como hipossuficiente, para a obtenção deste benefício, pessoa incapaz de prover a sua manutenção por integrar família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. Inicialmente, esse parâmetro foi confrontado por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 1.232-1/DF, a qual foi julgada improcedente pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, declarando a constitucionalidade do § 3º do artigo 20 da Lei n. 8.742/1993. (ADI 1.232, Relator p/ Acórdão: Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, j. 27/08/1998). Todavia, os contínuos debates acerca do tema levaram o E. STF, no julgamento do RE 567.985/MT (18/04/2013), com repercussão geral reconhecida – revendo o seu posicionamento anterior (ADI nº 1.232/DF e Reclamações nº 2.303/RS e 2.298/SP) –, a reconhecer e declarar, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/93, em razão da defasagem do critério caracterizador da miserabilidade contido na mencionada norma. Segundo o Relator do acórdão, Min. Gilmar Mendes, os programas de assistência social no Brasil utilizam atualmente o valor de meio salário mínimo como referencial econômico. O referido precedente ensejou a tese do Tema 27/STF, segundo a qual: “É inconstitucional o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, que estabelece a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo como requisito obrigatório para concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 203, V, da Constituição” (Leading Case: RE 567.985, Tribunal Pleno, DJe 3.10.2013). Em que pese o julgado, não houve a declaração de nulidade do art. 20, § 3º, da LOAS, de modo que passaram a ser admitidos distintos parâmetros para aferição da condição de miserabilidade, conforme tese firmada pelo C. STJ, no Tema Repetitivo nº 185/STJ, que dispõe: “A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo”. (REsp 1.112.557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Terceira Seção, j. 28/10/2009, transitado em julgado em 21/03/2014)” A Lei n.º 13.146, de 06/07/2015, alterou a LOAS, para incluir o § 11 ao artigo 20, possibilitando a utilização de outros parâmetros aptos à avaliação da renda per capta familiar e, consequentemente, da miserabilidade, dispondo que: “Art. 20 (...) § 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento”. Em 2020, com o advento da Lei n.º 13.981, de 23/03/2020, o § 3º do artigo 20 da LOAS foi alterado para majorar o critério de aferição de hipossuficiência para 1/2 (meio) salário mínimo. Entretanto, teve a sua eficácia suspensa pelo E. STF, por liminar concedida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 662. Assim, a Lei n.º 13.982, de 02/04/2020, alterou novamente o referido parágrafo, fazendo-o retornar a sua redação original. Ademais, complementado os critérios de concessão do benefício de prestação continuada, a Lei nº 14.176, de 22/06/2021, incluiu o § 11-A ao artigo 20 da Lei n. 8.742/1993, que concedeu expressa licença normativa ao regulamento para fins de ampliar o limite da renda per capta até ½ (meio) salário-mínimo, in verbis: Art. 20 (...) § 11-A. O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021). Há, portanto, supedâneo legal para a ampliação do critério de avaliação socioeconômica para o valor de ½ (meio) salário-mínimo. A par do que, há que avaliar o estado de necessidade daquele que pleiteia o benefício, consideradas suas especificidades, não devendo se ater à presunção absoluta de miserabilidade que a renda per capita sugere. Em outras palavras, dita presunção milita a favor, mas nem sempre contra o requerente do benefício. O fato de o critério objetivo de renda familiar ser considerado, até certo ponto, compatível com a Constituição não é contraditório com a intenção de se verificar, no caso concreto, se há outras indicações de pobreza e desamparo. Tal verificação poderia ser realizada pela autoridade judiciária. Além disso, leis subsequentes à LOAS, como aquelas que instituíram outros programas sociais (por exemplo, o “bolsa família”) flexibilizaram os critérios para a concessão de outros benefícios assistenciais. No sentido esposado: PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. CONDIÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO CARACTERIZADA. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. INCIDÊNCIA. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015. II - A 1ª Seção desta Corte, no julgamento do Recurso Especial n. 1.355.052/SP, submetido ao rito do art. 543-C do Código de Processo Civil, sedimentou entendimento no sentido de afastar do cômputo da renda per capita, prevista no art, 20 § 3º, da Lei n. 8.742/93, o benefício previdenciário ou assistencial, no valor de um salário mínimo, recebido por idoso que faça parte do núcleo familiar, quando do requerimento de benefício assistencial feito por deficiente, diante da interpretação dada ao art. 34 parágrafo único, da Lei n 10.741/03 (Estatuto do Idoso). III - No entanto, firmou-se o entendimento segundo o qual a delimitação do valor da renda familiar per capita não é o único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado, pois representa apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se a miserabilidade quando comprovada renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo. IV - In casu, rever o entendimento do Tribunal de origem, que concluiu pela ausência da hipossuficiência, demandaria necessário revolvimento de matéria fática, o que é inviável em sede de recurso especial, à luz do óbice contido na Súmula n. 7/STJ. V - Não apresentação de argumentos suficientes para desconstituir a decisão recorrida. VI - Em regra, descabe a imposição da multa, prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015, em razão do mero improvimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso. VII - Agravo Interno improvido. (AgInt no REsp n. 1.831.410/SP, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 25/11/2019, DJe de 27/11/2019.) PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. FATOS NARRADOS PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS PERMITEM CONCLUIR PELA MISERABILIDADE DO BENEFÍCIÁRIO. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A Constituição Federal prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. 2. Esta Corte, no julgamento do REsp. 1.112.557/MG, representativo de controvérsia, DJe 20.11.2009, pacificou o entendimento de que a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo. 3. No presente caso, conforme analisado pela sentença, o beneficiário preencheu os requisitos legais, tendo logrado comprovar sua condição de vulnerabilidade social por outros meios de prova, motivo pelo qual faz jus à concessão do benefício assistencial pleiteado. 4. Não há que se falar em violação à Súmula 7/STJ, uma vez que a decisão agravada não reexaminou o conjunto fático-probatório dos autos, tendo adotado os fatos tais como delineados pelas instâncias ordinárias. 5. Agravo Interno do INSS a que se nega provimento. (AgInt no AgRg no AREsp n. 665.981/SP, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 13/12/2018, DJe de 4/2/2019.) PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. COMPROVAÇÃO DA DEFICIÊNCIA E DA HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. A jurisprudência do STJ pacificou-se no sentido de que a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de provar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para aferir a necessidade, ou seja, presume-se absoluta a miserabilidade quando demonstrada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo. Orientação reafirmada no julgamento do REsp 1.112.557/MG, sob o rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC). 2. Hipótese em que o Tribunal a quo, ao analisar as provas dos autos, concluiu que o ora agravante reúne condições de prover a própria manutenção, possuindo sua família renda mensal per capita superior a 1/4 de salário mínimo. A revisão desse entendimento pelo STJ é obstada pelo disposto na Súmula 7/STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial". 3. Agravo Regimental não provido. (AgRg no REsp n. 1.514.461/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 7/4/2016, DJe de 24/5/2016.) CONCLUSÃO: REQUISITOS Conclusivamente, considerada a evolução jurisprudencial e legislativa, o BPC reclama a reunião dos seguintes requisitos: i) ser o requerente, alternativamente, idoso com 65 anos ou mais ou pessoa com deficiência, de qualquer idade; ii) estar em situação de hipossuficiência econômica, caracterizada pela ausência de condições de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família; e iii) não possuir outro benefício no âmbito da Seguridade Social ou de outro regime, salvo o de assistência médica, de pensão especial de natureza indenizatória e das transferências de renda, nos termos do art. 20, §4º, da LOAS. CASO CONCRETO Com essas breves considerações, passo ao exame do mérito recursal. Em síntese, a insurgência da agravante se refere que preencheu todos os requisitos para o restabelecimento do benefício assistencial desde a data de sua cessação, 01/07/2021. Sem razão, contudo. Quanto a condição como pessoa com deficiência, não há controvérsias de que a autora de fato se enquadra na condição, emerge do laudo médico pericial, realizado em 21/03/2023 (ID 312593045, fls. 1/6), que a requerente nascida em 13/10/1993 “Pericianda portadora de Miastenia Gravis, na forma generalizada. Iniciou sintomas aos 10 anos de idade, caracterizados por fraqueza global, disfagia, dispneia, cansaço e disfonia, cursando com duas paradas cardiorrespiratórias em 2005 ocasionadas por agravamento da doença de base. Permaneceu em internação hospitalar prolongada em UTI para suporte respiratório por ventilação mecânica por 2 anos. Em 2007, foi submetida a timectomia (retirada da glândula timo), com melhora parcial do quadro neurológico geral. Paciente também apresenta osteoporose com fraturas patológicas, plaquetopenia cíclica, litíase renal, amenorréia primária e migrânia. Faz atualmente uso de medicações para controle da doença de base. A paciente ao exame é do sexo feminino, tem 29 anos e vem acompanhada da mãe Maria Aparecida da Silva Lima. Deu entrada na sala caminhando por seus próprios meios com leve / moderada dificuldade, sem necessitar de uso de meios auxiliares (bengala / andador). Está em bom estado físico geral e aparenta uma idade física compatível à idade cronológica. Ao exame pericial, paciente encontra-se normotensa, normocárdica, com dispneia leve à fala. Mucosas hipocoradas e hidratadas, acianóticas e anictéricas. Presença de cicatriz esternal (timectomia). Ao exame físico neurológico, apresenta-se lúcida, orientada em tempo e espaço. Há hipotrofia muscular global, com força muscular grau IV em membros superiores e inferiores. Apresenta tremores em membros e no tronco e fadiga ao longo da avaliação. O pensamento tem forma, curso e conteúdo normais, a memória está presente e preservada. Humor adequado e congruente às situações propostas. (...) A Autora é portadora de Miastenia Gravis (MG) desde os 10 anos de idade, ou seja, há 19 anos. Esta corresponde a uma doença autoimune da junção neuromuscular, cuja principal característica e fraqueza muscular flutuante, que melhora com o repouso e piora com o exercício ou ao longo do dia. A crise miastenica (CM) e definida por insuficiência respiratória associada a fraqueza muscular grave. Fonte: PORTARIA CONJUNTA SAES/SCTIE/MS. No 11, DE 23 DE MAIO DE 2022. ” Por fim, o laudo conclui que “Há incapacidade laborativa parcial permanente, visto tratar-se de doença neurológica crônica, que é passível de tratamento (cujo objetivo e tornar os pacientes minimamente sintomáticos e minimizar os efeitos colaterais dos medicamentos), porém não há cura definitiva desta patologia, até o presente momento. ” Assim, vê-se que, nos termos do art. 20, §2º, da LOAS, restou preenchido o requisito relativo à deficiência da autora. Em relação à hipossuficiência econômica, emerge do estudo social elaborado com base em visita realizada à residência do requerente, no dia 31/03/2023 (ID 312593041, fls. 1/12), que o núcleo familiar é formado pela autora e seus genitores (Maria Aparecida Silva Lima, 54 anos; Luís Roberto de Lima, 64 anos). De acordo com o laudo socioeconômico “A autora cursa terceiro semestre de medicina pela Uninove sendo 100% bolsista, declara que recebeu o amparo assistencial por cinco anos, sendo suspenso em 2021, desde então declara que a situação financeira ficou difícil, pois o pai trabalha em formato intermitente, ou seja, o salário é conforme os dias trabalhados e há um ano entrou com pedido de aposentadoria e ainda não houve resultado. Busca o restabelecimento do benefício para ter uma renda própria e ajudar nas despesas da casa. No bairro tem posto de saúde, escola e creche. Existe infraestrutura de pavimentação, guias e sarjetas, iluminação pública, coleta de lixo, saneamento básico e fornecimento de energia elétrica, água e transporte coletivo. O terreno é da família, o imóvel é próprio há 10 anos, no quintal tem quatro construções residências de alvenaria que acolhe a rede parental. A casa da autora tem uma disposição física de quadro cômodos, divididos em dois andares, com piso de cerâmica, paredes pintadas em bom estado de conservação e cobertura de laje. Sala: tem uma mesa de jantar, mesa com notebook, um jogo de sofá de dois e três lugares, sofá de dois lugares, televisão LCD de 40 polegadas e várias caixas de papelão. Móveis em bom estado de conservação. Cozinha: possui um fogão de seis bocas, exaustor, pia com gabinete, geladeira duplex, armário, dois gabinetes, micro-ondas, máquina de lavar, tanque, tanquinho elétrico e mesa de madeira. Móveis em bom estado de conservação. Banheiro: azulejado, vaso sanitário e lavabo. Segundo piso Hall: tem dois guarda roupas e caixas de papelão. Dormitório: possui uma cama de casal, guarda roupa e cômoda. Móveis em bom estado de conservação. Dormitório: tem uma cama de solteiro, escrivaninha, poltrona, cama de solteiro, rack e outro guarda roupa. Móveis em bom estado de conservação. ” (Grifo nosso). As despesas mensais são “Alimentação/mat. Limpeza, higiene pessoas e outros – R$ 700,00; Luz – janeiro/23– R$ 102,08; gás – R$ 110,00; Medicamento – R$ 300,00; Água – março/23– R$ 65,76; Total – R$1.277,84”. Quanto à renda, segundo o laudo socioeconômico, “O pai trabalha de forma intermitente, tendo dificuldade de informar a renda, pois depende de quantos dias é chamado no mês para poder trabalhar, colocando uma estimativa de R$ 1.302,00 e faz atividade informal esporadicamente, tendo uma renda em torno de R$ 300,00”. Portanto, a renda total do presente núcleo familiar é de R$ 1.602.00 (mil seiscentos e dois reais). Conforme consignado na decisão agravada, dividindo-se a referida renda mensal, pelo número de membros do núcleo familiar (03 pessoas), chega-se no valor per capita de R$534,00 (quinhentos e trinta e quatro reais), considerando que o salário-mínimo, o qual, à data da perícia, equivalia a R$ 1.302,00, nos termos do §3º, do art. 20, da LOAS, observa-se que a renda per capita familiar não excedeu o valor de meio salário-mínimo (R$ 651,00) utilizado como parâmetro jurisprudencial de aferição da hipossuficiência econômica do núcleo familiar. Todavia, conforme as descrições e fotos juntadas com o laudo social (ID 312593041 , fls. 3/8), é possível identificar pela residência da autora, que a família possui condições de manter a subsistência da mesma, afinal, segundo o próprio laudo descreve : “Com base nos dados obtidos e presenciados, a autora tem estabilidade habitacional, adequada e devidamente guarnecida de todos os eletrodomésticos necessários ao conforto da família. Quanto ao orçamento familiar apresentado, existe compatibilidade entre receitas e despesas. Não estamos afirmando que a família é abastada, sabemos das dificuldades e não são poucas, contudo existe uma divergência entre a situação retratada com a alegada de miserabilidade. Concluímos, tecnicamente, que a autora Priscila Aparecida Silva Lima não possui recursos próprios e seu grupo familiar é capaz de prover suas necessidades básicas, excluindo-o de uma situação socioeconômica de miserabilidade. ” (Grifo nosso). Neste sentido, destaco excerto da bem fundamentada sentença neste particular (ID 312593049, fl. 12): “Como se vê, o estudo social não revela situação de hipossuficiência econômica. E não há prova produzida pela parte autora que indique o desacerto da decisão administrativa, considerada a data em que emitida. Embora se note a ausência de renda própria da parte autora, restou demonstrado que ela frequenta curso superior como bolsista e que o seu grupo familiar é capaz de prover sua manutenção, excluindo-a de uma situação socioeconômica de miserabilidade. Os genitores, em especial, estão cumprindo a obrigação de assistência à filha, que é primordialmente da família. ” (Grifo nosso). A decisão atacada bem destacou que o benefício de prestação continuada não se destina a complementar a renda de famílias em situação de pobreza, mas de garantir o mínimo existencial aos vulneráveis em situação de miséria, motivo pelo qual verificou-se que a condição da família da autora não permite a concessão do benefício pleiteado. De acordo com a situação fática ora descrita, entendo que a parte autora não demonstrou preencher um dos requisitos legais para fazer jus ao benefício assistencial requerido, devendo ser mantido o decreto de improcedência do pedido. Portanto, a decisão se ateve ao entendimento vigente no âmbito da Corte Superior e desta Turma. Desta feita, a decisão agravada não merece reparos no tocante a data de início do benefício. CONCLUSÃO Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno. É o voto. E M E N T A DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. COMPROVAÇÃO DO ESTADO DE POBREZA. EXCLUSÃO DE RENDA EVENTUAL. PROVIMENTO. I. CASO EM EXAME Agravo interno interposto contra decisão monocrática que negou provimento à apelação da parte autora e manteve sentença de improcedência do pedido de restabelecimento do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da CF/1988. O indeferimento do pedido fundou-se na suposta ausência do requisito socioeconômico. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 3. A questão em discussão consiste em saber se estão presentes os requisitos constitucionais e legais para a concessão do benefício assistencial à pessoa com deficiência, considerando a exclusão de rendimentos de natureza eventual e o conjunto probatório dos autos. III. RAZÕES DE DECIDIR 4. O laudo pericial confirma que a autora é pessoa com deficiência, sendo portadora de doenças graves e incapacitantes. 5. O estudo socioeconômico demonstra que a renda familiar per capita é inferior à metade do salário-mínimo e provém de atividade intermitente e informal exercida pelo genitor. 6. A jurisprudência do STF e do STJ admite a exclusão de rendas eventuais do cálculo e reconhece que outros elementos além da renda comprovam o estado de pobreza exigido pela CF/1988. 7. Restando evidenciada a insuficiência de recursos para prover a própria manutenção ou de tê-la provida pela família, é devida a concessão do benefício. 8. O termo inicial do benefício deve ser fixado na data da cessação indevida (01.07.2021), observando-se os critérios do Manual de Cálculos da Justiça Federal e da EC nº 113/2021. IV. DISPOSITIVO E TESE 9. Agravo interno provido para dar provimento à apelação da parte autora, com a condenação do réu à concessão do benefício assistencial. Tese de julgamento: “1. A concessão do benefício assistencial à pessoa com deficiência pode ser reconhecida com base em laudo socioeconômico que comprove a situação de pobreza, ainda que a renda per capita familiar supere 1/4 do salário-mínimo. 2. Devem ser excluídas do cômputo da renda familiar as verbas de natureza eventual ou informal, conforme previsto no Decreto nº 6.214/2007.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 203, V; Lei nº 8.742/1993, art. 20; Decreto nº 6.214/2007, art. 4º, § 2º, V; EC nº 113/2021, art. 3º. Jurisprudência relevante citada: STF, RE 567.985/MT, Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário, j. 17.04.2013; STJ, REsp 222.764/SP, Rel. Min. Vicente Leal, 6ª Turma, j. 14.12.1999. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, POR MAIORIA, DECIDIU DAR PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO, NOS TERMOS DO VOTO DO DES. FEDERAL MARCUS ORIONE, COM QUEM VOTARAM O DES. FEDERAL MARCELO VIEIRA E O DES. FEDERAL JEAN MARCOS, VENCIDOS O RELATOR E A JUÍZA CONVOCADA LUCIANA ORTIZ QUE NEGAVAM PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO. LAVRARÁ O ACÓRDÃO O DES. FEDERAL MARCUS ORIONE, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. MARCUS ORIONE Desembargador Federal
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