Processo nº 5010418-77.2025.8.13.0686
ID: 320473886
Tribunal: TJMG
Órgão: 1ª Vara Cível da Comarca de Teófilo Otôni
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5010418-77.2025.8.13.0686
Data de Disponibilização:
09/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANDERSON ABU KAMEL COSTA
OAB/MG XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Teófilo Otoni / 1ª Vara Cível da Comarca de Teófilo Otôni Avenida Doutor Júlio Rodrigues, 415, Avenida Doutor Júlio…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Teófilo Otoni / 1ª Vara Cível da Comarca de Teófilo Otôni Avenida Doutor Júlio Rodrigues, 415, Avenida Doutor Júlio Rodrigues 415, Marajoara, Teófilo Otoni - MG - CEP: 39803-902 PROCESSO Nº: 5010418-77.2025.8.13.0686 CLASSE: [CÍVEL] PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) ASSUNTO: [PASEP, Indenização por Dano Material] AUTOR: CELSINA SENA SILVA CPF: 650.596.706-00 RÉU: BANCO DO BRASIL SA CPF: 00.000.000/0001-91 SENTENÇA Versam os autos sobre ação ajuizada por CELSINA SENA SILVA contra BANCO DO BRASIL S/A. Repetindo ação anteriormente ajuizada, cuja petição inicial foi indeferida. De novo a parte autora alegou insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios. Entretanto, qualificou-se como servidora pública aposentada, tem renda mensal de aproximadamente cinco salários mínimos (ID 10482839495), em 2022 declarou aplicações financeiras de R$ 393.202,14 (ID 10482880814), R$ 1.434.387,12 em bens e direitos, e R$ 84.531,09 de rendimentos tributáveis (ID 10482904458), e contratou advogado, abrindo mão da assistência jurídica estatal. Fatos esses que depõem contra sua declarada impossibilidade de arcar com as despesas do processo. O acesso à jurisdição em regra não é gratuito; exige-se do jurisdicionado o pagamento de custas e taxas, salvo se ele comprovar sua hipossuficiência financeira (Constituição da República Federativa do Brasil - CRFB, art. 5.o, “caput”, LXXIV, art. 24, IV, e art. 145, II). Estabelece o Código de Processo Civil - CPC: Art. 82. Salvo as disposições concernentes à gratuidade da justiça, incumbe às partes prover as despesas dos atos que realizarem ou requererem no processo, antecipando-lhes o pagamento, desde o início até a sentença final ou, na execução, até a plena satisfação do direito reconhecido no título. Art. 84. As despesas abrangem as custas dos atos do processo, a indenização de viagem, a remuneração do assistente técnico e a diária de testemunha. Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei. § 1.º A gratuidade da justiça compreende: I - as taxas ou as custas judiciais (...). Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso. (...) § 2.º O juiz somente poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido, determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos. § 3.º Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural. A assistência jurídica integral e gratuita é uma garantia constitucional voltada à materialização, em benefício dos efetivamente pobres, da também constitucional garantia de acesso à justiça (art. 5.o, “caput”, XXXV, da CRFB). Quando alguém declara que não pode pagar despesas do processo, afirma algo que em princípio não tem como comprovar por outros meios, haja vista que a prova negativa é dificílima ou impossível produção. Porque a má-fé não se presume, a mera declaração de hipossuficiência visando à obtenção da gratuidade da justiça presume-se verdadeira, inclusive porque a boa-fé traduz um dever de quem postula em juízo (art. 5.º do CPC). Como a presunção é meio de prova (art. 212, IV, do CPC), a declaração de hipossuficiência comprova que seu subscritor necessita do benefício da assistência jurídica integral e gratuita. Contudo, essa presunção não é absoluta. No exercício dos poderes instrutórios que lhe são conferidos pela lei (art. 370, parágrafo único, do CPC), à vista de provas que se contraponham à presunção de hipossuficiência, o juiz não só pode como deve exigir do requerente que se desincumba do ônus de comprovar por outros meios sua efetiva necessidade. A lei impõe ao magistrado que indefira o pedido de gratuidade da justiça se no caso concreto verificar que a parte não é hipossuficiente. Deve fazê-lo inclusive de ofício, sem necessidade de impugnação incidente pela parte contrária. Afinal, se a esta interessa o reembolso das despesas processuais que realizar, e a seu advogado, o recebimento de honorários de sucumbência, ao Estado interessa o pagamento das custas processuais e da taxa judiciária com que mantém os serviços judiciais, e não arcar com as despesas com reembolso de diligências de oficial de justiça, pagamento de honorários de perito e outras a que faz jus o beneficiário da gratuidade judiciária. Embora o juiz não seja defensor do Estado, tem o dever de legal de “fiscalizar o pagamento de impostos, taxas, custas e emolumentos, nos processos em que funcionar” (art. 55, XXX, da Lei Complementar Estadual 59/2001). O indeferimento de pedido de gratuidade da justiça não afronta o disposto no art. 5.o, XXXV, da CRFB, porque o pagamento das custas processuais e da taxa judiciária encontra previsão em normas constitucionais (art. 24, IV, e art. 145, II), estabelece-se por lei (art. 84 do CPC; Lei Estadual 14.939/2003) e sua isenção, também nos termos da lei, beneficia apenas aos comprovadamente necessitados, para concretização do princípio do acesso à Justiça, que não encontra óbice algum na situação financeira favorável de quem pode arcar com todas as despesas do processo. Esse entendimento está em consonância com os seguintes julgados do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: Ementa: JUSTIÇA GRATUITA. LEI 1.060/50. ALEGAÇÃO DE CONDIÇÃO DE POBREZA. PRESUNÇÃO "JURIS TANTUM". INDEFERIMENTO DO PEDIDO COM BASE NAS PROVAS DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO NESTA CORTE. SÚMULA 07/STJ. I - O benefício da justiça gratuita é concedido mediante a simples afirmação da parte de que não está em condição de arcar com as custas do processo. Entretanto, tal afirmação possui presunção juris tantum, podendo ser confrontada por outras provas lançadas aos autos, nos termos do § 1.o do art. 4.o da Lei 1.060/50. II - A decisão do Tribunal a quo que indefere pedido de justiça gratuita com base nas provas dos autos não pode ser revista nesta Corte ante o óbice previsto na súmula 7/STJ. III - Recurso especial a que se nega provimento. [SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, REsp 1.052.158/SP, 1.a Turma, relator: Min. Francisco Falcão, julgado em: 27 ago. 2008]. Ementa: PROCESSUAL CIVIL. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO RECEBIDO COMO AGRAVO REGIMENTAL. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA SITUAÇÃO DE DIFICULDADE FINANCEIRA. INDEFERIMENTO COM BASE NO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1. Pedido de Reconsideração recebido como Agravo Regimental. Princípio da Fungibilidade. 2. "Esta Corte Superior entende que ao Juiz, amparado por evidências suficientes que descaracterizem a hipossuficiência, impende indeferir o benefício da gratuidade, uma vez que se trata de presunção juris tantum" (AgRg no Ag 334.569/RJ, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJ 28.08.2006). 3. “In casu”, se o Tribunal a quo, analisando as provas contidas nos autos, negou o benefício da assistência judiciária gratuita aos agravados, não há como entender de maneira diversa, sob pena de reexame do material fático-probatório apresentado, o que encontra óbice na Súmula 07 desta Corte. 4. Agravo Regimental não provido. [SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, AgRg no Ag 831.247/DF, 2.ª Turma, relator: Min. Herman Benjamin, julgado em: 26 jun. 2007]. Ementa: Civil. Agravo no agravo de instrumento. Pedido de assistência judiciária gratuita negado. Análise da situação fática relacionada à alegada pobreza da parte. Possibilidade de recusa do benefício, se demonstrada sua desnecessidade. Inviabilidade do reexame das provas em recurso especial. - O juiz pode negar o benefício da assistência judiciária gratuita, apesar do pedido expresso da parte que se declara pobre, se houver motivo para tanto, de acordo com as provas dos autos. - É inviável o reexame de provas em recurso especial. Agravo no agravo de instrumento não provido [SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, AgRg no Ag 909.225/SP, 3.a Turma, relatora: Min.a Nancy Andrighi, julgado em: 12 dez. 2007]. Ementa: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. JUSTIÇA GRATUITA INDEFERIDA. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 07/STJ. IMPOSSIBILIDADE. I. É entendimento desta Corte que "pelo sistema legal vigente, faz jus a parte aos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família (Lei n. 1.060/50, art. 4.o), ressalvado ao juiz, no entanto, indeferir a pretensão se tiver fundadas e motivadas razões para isso (art. 5.o)" (AgRgAg no 216.921/RJ, Quarta Turma, Relator o Senhor Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 15/5/2000). II. "Havendo dúvida da veracidade das alegações do beneficiário, nada impede que o magistrado ordene a comprovação do estado de miserabilidade, a fim de avaliar as condições para o deferimento ou não da assistência judiciária." (AgRg nos Edcl no AG n. 664.435,Primeira Turma, Relator o Senhor Ministro Teori Albino Zavascki, DJ de 01/07/2005). III. Se o Tribunal de origem reconheceu que o agravante não se enquadra na situação de pobreza, a pretensão deduzida no recurso especial implica no reexame da matéria fática, não podendo o mesmo ser admitido, nos termos da Súmula n. 07/STJ. IV. Agravo improvido. [SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, AgRg no Ag 714.359/SP, 4.a Turma, relator: Min. Aldir Passarinho Júnior, julgado em: 6 jun. 2006]. Embora aqueles acórdãos tenham sido proferidos sob a vigência de regras da Lei 1.060/1950 as quais vieram a ser revogadas pelo CPC de 2015, o atual tratamento da matéria pela lei continua semelhante ao anterior, pelo que tais julgados continuam referenciando as hodiernas decisões sobre a gratuidade da justiça. O seguinte acórdão do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS exprime com justeza como a gratuidade da justiça deve ser tratada pelo Judiciário: EMENTA: ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. PARTE REQUERENTE QUE POSSUI CONDIÇÕES DE ARCAR COM DESPESAS PROCESSUAIS. INDEFERIMENTO. Superado o clássico positivismo jurídico, os juízes não mais devem aplicar mecanicamente a lei. É preciso aplicá-la de modo a encontrar o justo no caso concreto. O sistema jurídico, em geral, é controlado e aplicado como uma rede axiológica e hierarquizada de princípios, de normas e de valores jurídicos, cuja função é a de dar cumprimento aos princípios e objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito, assim como se encontram consubstanciados, expressa ou implicitamente, na Constituição da República. Com o fenômeno da "constitucionalização do direito infraconstitucional", o Código Civil certamente perdeu a centralidade de outrora. O papel unificador do sistema, tanto nos seus aspectos mais tradicionalmente civilísticos, quanto naqueles de relevância publicista, é desempenhado de maneira cada vez mais incisiva pelo Texto Constitucional. As regras sobre assistência judiciária (Lei n.o 1.060/50), devem ser examinadas do modo sistêmico, com atenção à natureza tributária de taxa atribuída às custas judiciais (STF, ADI n.o 3.694-AP, min. Sepúlveda Pertence, DJU 06.11.2006). O artigo 11, “caput”, da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n.o 101/2001) impõe aos agentes públicos responsabilidade na gestão fiscal, a qual terá como requisitos essenciais a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação. A Lei Complementar n.o 101/2001 também se aplica no âmbito do Poder Judiciário (artigo 1.o, §3.o, inciso I, alínea "a", LC 101/2001). Com efeito, possui natureza administrativa, em sentido amplo, a atividade arrecadadora das custas judiciais, ainda que sujeita ao crivo dos magistrados. Onde há função, não há autonomia da vontade. A vontade é submetida aos fins previstos na Constituição e nas leis. Há o dever de curar o interesse público. Mais do que poder, o administrador tem dever de curar o interesse público (Celso Antônio Bandeira de Mello, "Discricionariedade e Controle Jurisdicional", 1996, pp. 13-14). Haverá "desvio de finalidade" quando o agente administrativo praticar "o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência" (art. 2.o, par. ún., al. "e", da Lei n.o 4.717/65 - Lei da Ação Popular). Dos magistrados, enquanto gestores da atividade arrecadadora das custas judiciais, exige-se reverência aos ditames da Constituição e da legislação infraconstitucional. Das partes litigantes, em contrapartida, exige-se submissão aos preceitos da boa-fé, para que não declarem falsamente pobreza no intuito de obter os benefícios da assistência judiciária. Processo custa dinheiro. Não passaria de ingênua utopia a aspiração a um sistema processual inteiramente solidário e coexistencial, realizado de modo altruísta por membros da comunidade e sem custos para quem quer fosse. Seria igualmente discrepante da realidade a instituição de um sistema judiciário inteiramente gratuito para os litigantes, A gratuidade generalizada seria incentivo à litigância irresponsável, em detrimento desse serviço público que é a jurisdição. Os casos de gratuidade são excepcionais e específicos, estando tipificados em normas estritas (Cândido R. Dinamarco, "Instituições de Processo Civil", vol. II, 2001, pp. 629-630). No Direito, salvo situações muito excepcionais previstas em lei, não lidamos com verdades absolutas. Por isso, recomenda-se ao hermeneuta jurídico a observância do "princípio da razoabilidade". O Direito, em sua aplicação administrativa ou jurisdicional contenciosa, não se exaure num ato puramente técnico, neutro e mecânico; não se esgota no racional nem prescinde de valorações e de estimativas (Diogo de Figueiredo Moreira Neto, "Curso de Direito Administrativo", 1992, p. 72). A Constituição Federal (art. 5.o, LXXIV) e a Lei n.o 1.060/50 (art. 5.o) conferem ao juiz, em havendo fundadas razões, o poder de exigir do pretendente à assistência judiciária a prova da insuficiência de recursos. A declaração de insuficiência de recursos, firmada pelo interessado, é, em princípio, bastante para a concessão da assistência judiciária, mas não deve ser aceita, quando das circunstâncias do caso concreto, se verificarem indícios de que possui condições para arcar com as despesas processuais. V.v. A Constituição Federal, em seu art. 5.o, estabelece a igualdade entre todos sem qualquer distinção, que, em seu inciso LXXIV assegura a assistência judiciária integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. A Lei 1.060/50, que regulamenta a assistência judiciária, embora anterior à Constituição Federal em vigor, estipula que a parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio e de sua família. [TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS, Agravo 1.0450.08.005844-6/001, 14.a Câmara Cível, relator: Des. Rogério Medeiros, julgado em: 03 jul. 2008]. Transcrevo adiante trecho de paradigmático voto do Des. Marcelo Rodrigues sobre a questão: A Constituição da República é certo, em seu art. 5.º, XXXV, assegura que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, e o faz com o propósito de não apenas garantir mas também de ampliar e facilitar o acesso de todos ao Judiciário, principal guardião dos direitos fundamentais e da cidadania no Estado Democrático de Direito. Ainda no mesmo artigo, logo mais à frente (LXXIV), confere que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita (gênero em cuja espécie se inclui a assistência judiciária), mas adverte que tal auxílio será dado apenas aos que comprovarem insuficiência de recursos. Necessário então que o intérprete pondere e equalize ambos os dispositivos constitucionais e o faça diante das peculiaridades do caso concreto. No conflito concreto entre regras a solução, que recai não no plano da validade, mas sim no da aplicação, resultará de um processo de sopesamento entre razões, em função da finalidade que cada uma delas visa a preservar, extraindo-se o resultado do juízo valorativo do aplicador. De início importa anotar, para efeito didático, que a taxa judiciária, custas judiciais (e ainda os emolumentos) são espécies do gênero custas processuais. Com efeito, tanto a taxa judiciária como as custas em sentido estrito são serviços prestados pelo poder público direta ou indiretamente à população, tendo, pois, natureza tributária. A taxa judiciária é devida em razão da atuação dos serviços dos magistrados e membros do Ministério Público, em qualquer procedimento judicial e as custas pelo processamento dos feitos a cargo dos serventuários de justiça (ao passo que os emolumentos são a remuneração dos atos praticados pelos titulares das delegações nas atividades dos Tabelionatos e Registros Públicos, a fim de garantir a segurança, autenticidade, eficácia e publicidade de importantes atos jurídicos previstos na lei civil). Não há dúvida e não questiono que, no melhor dos mundos, a Justiça ideal é a inteiramente gratuita. Todavia, assinalo que o substantivo feminino gratuidade não deixa de retratar uma bela ilusão, dado que, à exceção dos sonhos e talvez um ou outro gesto verdadeiramente desprendido (cada vez mais raro), nada no mundo real é gratuito. Com efeito, não existe 'almoço grátis', diria um atento observador do cotidiano, pautado na inquestionável percepção de que tudo tem um custo, uns mais, outros menos palpáveis. A questão que se apresenta, verdadeiramente se resume a: quem pagará a conta da 'gratuidade'? Duas alternativas se apresentam de plano: a) o Estado assume inteiramente tal conta, indistintamente, para tudo e para todos (princípio da igualdade sem critério diferenciador, independentemente aos bens ou aos fins de que se serve); b) o usuário do serviço judiciário remunera o serviço prestado pelo Estado e na composição desse custo, naturalmente, arca com o encargo adicional, rateado, representado pelas hipóteses de isenção e não-incidência previstas na Lei estadual 14.939, de 2003 (1). Aqui, no mundo real brasileiro, a opção possível até aqui é a contida na letra 'b'. E assim acontece porque vivemos numa sociedade social, econômica, financeira e regionalmente profundamente desigual. Não é por acaso que a Constituição logo em seu art. 3º (III) adverte ao leitor que prossegue constituir um dos objetivos fundamentais da República brasileira erradicar a pobreza e a marginalização (CR, art. 3.º, III), tarefa que o Estado, sozinho, após 190 anos, até aqui não deu conta do necessário, para dizer o menos. Percebe-se, então, sem muito esforço, que o Estado, ou melhor, a federação brasileira não está ainda aparelhada para financiar sozinha todos os custos inerentes à prestação judiciária. Circunstância que é observada também até mesmo entre algumas das maiores economias do mundo(2). Lado outro, seja no plano da validade, seja no plano da aplicação, não compreendo que a exigência de comprovação da insuficiência de recursos (LXXIV, art. 5.º CR), possa representar, por si só, obstáculo ao livre acesso ao Judiciário (XXXV, art. 5.º, CR). Trata-se aquela de regra constitucional que claramente determina comportamento para preservar um valor ético-social, segundo o qual o custo do acesso ao Judiciário não será suportado por aquele que financeiramente seja efetiva e comprovadamente necessitado. Estabeleceu-se, apenas, um critério diferenciador, no caso, apurado segundo a capacidade financeira e um fim a ser colimado: remunerar o serviço prestado. Assim, dois usuários do serviço Judicial podem ser vistos como iguais ou diferentes, no momento de recolher custas e taxa judiciária. Dado que se um deles tiver maior capacidade contributiva, recolherá o tributo devido, ao passo que o necessitado estará isento de fazê-lo. O critério diferenciador estabelecido parece-me coerente. Já os meios previstos a tanto, além de razoáveis, são adequados e necessários, portanto, proporcionais aos fins colimados. Sabe-se que os princípios remetem o intérprete a valores e modos diversos de promover resultados, frutos de avaliação intrinsecamente subjetiva. Todavia a resolução da questão aqui enfrentada não passa sequer por um problema de gosto (matter of taste), antes, é puramente racional. O comportamento determinado - comprovar a alegada necessidade -, além de obrigatório, é preciso. Independe do tipo de ponderação ou o modo pelo qual deverá ser validamente fundamentada(3). De fato, possivelmente porque mais próxima da realidade social contemporânea, tem sido amplamente majoritária a jurisprudência da magistratura de 1º grau no sentido de somente deferir a assistência judiciária gratuita a quem comprovar o alegado estado de necessidade. Esse posicionamento foi moldado não apenas em atendimento à exigência estampada no dispositivo constitucional do inciso LXXIV do art. 5.º, mas também pela flagrante e inquestionável percepção do crescente desvirtuamento do instituto. Segundo decorre da observação do que ordinariamente acontece, ministrada pelo senso comum, tem sido cada vez mais freqüente o abusivo pleito da isenção prevista na Lei 1.060, de 1950, época em que a sociedade, no geral, possuía outra dinâmica, possivelmente também valores éticos e sociais mais apurados(4). O que era para ser exceção - litigar sob o pálio da gratuidade -, tornou-se regra, incentivando o ingresso de lides de natureza temerária, inclusive por pessoas que não satisfazem a condição legal de necessitado e que, de igual forma, não constituem público alvo do atendimento da Defensoria Pública, incumbida constitucionalmente do cumprimento do princípio contido no art. 5.º da Constituição da República. Estamos, então, diante de uma não-conformidade, um paradoxo. Não por acaso, o projeto do novo Código de Processo Civil, cujo principal objetivo é conferir mais racionalidade à Justiça, no §1.º de seu art. 99, normatiza o que a jurisprudência de longa data já tratava de temperar em relação ao diploma legal de 1950 e acima referido, diante da relatividade da presunção que sempre encerrou, cedendo diante de evidências em contrário, a que não pode o magistrado ignorar. Muitos parâmetros, todos objetivos, já são fornecidos não apenas pela lei, mas até mesmo pela própria Constituição da República, para definir, com segurança e justiça, na imensa maioria das situações, quem é ou não necessitado. É de grande relevância registrar, outrossim, que a Corte Superior deste Egrégio Tribunal, pronunciou-se, em sessão de julgamento realizada em 14/07/2010, nos autos do incidente de uniformização n.º 1.0024.08.093413-6/002, pela possibilidade de condicionar a concessão da gratuidade de justiça à comprovação da miserabilidade, não bastando, pois, a simples afirmação do requerente quanto a impossibilidade de arcar com os custos do processo, sendo perfeitamente admitido ao magistrado, quando tiver fundadas razões, indeferir o pedido de assistência judiciária gratuita, não obstante declaração da parte em sentido contrário. Pois bem. No caso concreto, analisando os autos, mormente a documentação juntada à f. 20-TJ, denota-se que o recorrente aufere renda anual em torno de R$66.908,79, e, portanto, conforme a fundamentação acima exposta, não se enquadra no conceito de necessitado, não fazendo jus ao benefício requerido. Sublinho, por último, que o direito público subjetivo à assistência judiciária gratuita poderá ser deferido em qualquer fase do processo, bastando para tanto que o(a) interessado(a) o reitere, motivadamente e produza a comprovação exigida na regra do art. 5º, LXXIV, da Constituição da República. À luz dessas considerações, nego provimento ao recurso e, como medida de conseqüência, mantenho a decisão que indeferiu o requerimento de justiça gratuita. É como voto. 1. 'Art. 2.º, § 1.º. Aos juízes de primeiro e segundo graus e aos desembargadores é defeso despachar petição inicial ou reconvenção, dar andamento, proferir sentença ou prolatar acórdão em autos sujeitos as custas judiciais sem que neles conste o respectivo pagamento sob pena de responsabilidade pessoal pelo cumprimento dessa obrigação, além das sanções administrativas cabíveis, ressalvado o disposto no art. 10 desta Lei.' 'Art. 21. Cabe à Corregedoria-Geral de Justiça, ao Juiz de Direito e ao Ministério Público, de ofício ou mediante solicitação do interessado, fiscalizar o cumprimento do disposto nesta Lei.' 2. Avançando no debate, matéria veiculada na revista jurídica eletrônica 'Conjur' (www.conjur.com.br), exige a reflexão dos profissionais do direito. Com o título "Governo Britânico quer reduzir assistência judiciária" a matéria expõe que a Justiça inglesa está em fase de contenção de verbas e, na busca para desvendar os ralos por onde descem as verbas do Judiciário, encontrou a assistência judiciária. 3. Aleksander Peezenick, On Law and Reason, p. 80-82; Jaap C. Hage, Reasoning with Rules, p. 34-116; Frederick Schauer, Playing by the Rules, p. 35. 4. Sob o título 'Justiça gratuita dá prejuízo de R$ 16 bilhões anuais aos cofres públicos' extraído da mesma publicação (www.conjur.com.br): '(...) A questão da Justiça gratuita tem sido confundida como mero instrumento para estimular aventuras jurídicas estimuladas pela permissiva incompreensão de seus limites. Na verdade, facilitar o acesso ao Judiciário não significa que o vencido não seja obrigado a pagar as despesas processuais ao final do processo. A Constituição Federal não define quem seria competente para conceder a justiça gratuita, mas a Lei 1.060/50 estabelece que seria o juiz. Porém, nada impede que isto seja alterado em lei, pois em muitos países esta função é exercida por outros órgãos como na Europa. Consoante o artigo 5º, inciso LXXIV da Constituição Federal 'é dever do Estado prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos'. A Lei 1.060 não exige a comprovação, mas a Constituição Federal sim. A rigor, em todos os países da Europa e nos Estados Unidos exige-se alguma forma de comprovação de carência para evitar abusos (…). [TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS, Agravo de Instrumento Cv 1.0024.12.156838-0/001, 11.ª Câmara Cível, relator: Des. Marcelo Rodrigues, julgado em: 06 set. 2012]. Portanto, equivoca-se quem entende que basta à parte declarar-se hipossuficiente para merecer o deferimento da gratuidade da justiça. O juiz não pode fechar os olhos para a realidade e dar mais valor a uma versão documentada do que a fatos que comprovam que tal versão é falsa. Diz-se popularmente que papel aceita tudo. Mas, engana-se quem acha que a Justiça é cega. A venda sobre os olhos de Têmis não a impede de enxergar fatos comprovados. Ao juiz, por dever de ofício, em cumprimento da CRFB, da lei e orientado por referenciada jurisprudência, impõe-se indeferir o pedido gratuidade da justiça toda vez que constatar que, apesar de se afirmar hipossuficiente, a parte comprovadamente puder arcar com as despesas do processo. No caso sob decisão, a hipossuficiência declarada pela parte autora vai de encontro aos fatos, consoante analisei supra. A realidade comprovada sobrepõe-se à presunção, fato metafísico que rui ante à constatação da verdade material. O indeferimento do pedido em tela não afeta a garantia do acesso à jurisdição, que não é absoluta e se concretizará desde que a parte autora cumpra a lei e pague as custas prévias e a taxa judiciária, e antecipe as demais despesas do processo, consoante lhe é possível. Posto isso, indefiro o pedido de gratuidade da justiça formulado pela parte autora. Tramitou processo neste juízo com as mesmas partes e mesmo pedido, sendo que naqueles autos (5000867-73.2025.8.13.0686), no qual intimada a parte autora para emendar a inicial com documentos essenciais para o prosseguimento da demanda e comprovar o pagamento das custas processuais, apesar de oportunizada a parte autora não o fez no prazo de 15 dias, descumprindo a obrigação estatuída pelos arts. 82 e 84 do Código de Processo Civil, por isso proferi sentença extinguindo o feito sem resolução do mérito. Nos presentes autos que a postulação remanesce defeituosa. A parte autora não corrigiu os vícios que levaram à sentença extintiva sem resolução do mérito, entre eles, a juntada de documentos essenciais à propositura da ação. Estabelece o Código de Processo Civil: Art. 486. O pronunciamento judicial que não resolve o mérito não obsta a que a parte proponha de novo a ação. § 1.º No caso de extinção em razão de litispendência e nos casos dos incisos I, IV, VI e VII do art. 485, a propositura da nova ação depende da correção do vício que levou à sentença sem resolução do mérito. Assim, a despeito do caráter formal da coisa julgada originada de sentença terminativa, a qual permite a repropositura de mesma ação, o ajuizamento da nova demanda está condicionada à correção do vício que justificou a extinção do processo anterior, o que não ocorreu nestes autos. Posto isso, com base nos arts. 485, I e IV do Código de Processo Civil, indefiro a petição inicial e extingo o processo sem resolução do mérito. Ciente a parte autora de que não estou decidindo que ela não tem direito a receber seu dinheiro. Esta sentença significa apenas que novamente o processo não começou corretamente, faltam documentos que são necessários e não foram apresentados, bem como o recolhimento de custas prévias e da taxa judiciária. Outrossim, de que a mera repetição da ação agora extinta duas vezes sem a correção dos vícios da postulação ensejará seu apenamento como litigante de má-fé, bem como, a responsabilização solidária do advogado pelas despesas do processo. Sem custas. Após o trânsito em julgado, arquive-se com baixa. Intime-se a autora por meio de seu advogado e envie-se-lhe pelo correio eletrônico cópia desta sentença. Data da assinatura eletrônica. Emerson Chaves Motta JUIZ DE DIREITO
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