Processo nº 1001859-59.2022.8.11.0041
ID: 319646868
Tribunal: TJMT
Órgão: Terceira Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1001859-59.2022.8.11.0041
Data de Disponibilização:
08/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JOAO GUILHERME MONTEIRO PETRONI
OAB/SP XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1001859-59.2022.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Obrigação de Fazer / Não Fazer, Planos de saúd…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1001859-59.2022.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Obrigação de Fazer / Não Fazer, Planos de saúde] Relator: Des(a). DIRCEU DOS SANTOS Turma Julgadora: [DES(A). DIRCEU DOS SANTOS, DES(A). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO] Parte(s): [WEVERTON LUIZ DOS SANTOS - CPF: 044.702.231-82 (APELADO), JOAO GUILHERME MONTEIRO PETRONI - CPF: 151.201.388-96 (ADVOGADO), UNIMED CUIABA COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO - CNPJ: 03.533.726/0001-88 (APELANTE), JORGE LUIZ MIRAGLIA JAUDY - CPF: 794.524.851-91 (ADVOGADO), VINICIUS KENJI TANAKA - CPF: 398.159.268-96 (ADVOGADO), JOAQUIM FELIPE SPADONI - CPF: 797.300.601-00 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – PLANO DE SAÚDE – NEGATIVA DE FORNECIMENTO DE MATERIAL PARA REALIZAÇÃO DE CIRURGIA DE DESCOMPRESSÃO DO QUADRIL – OSTEONECROSE FEMORAL – ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE PREVISÃO NO ROL DE PROCEDIMENTOS DA ANS E INCOMPATIBILIDADE DO MATERIAL SOLICITADO COM O TIPO DE CIRURGIA – ROL TAXATIVO MITIGADO – LEGISLAÇÃO SUPERVENIENTE – DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL. DANOS MORAIS CONFIGURADOS – VALOR INDENIZATÓRIO PROPORCIONAL – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. A relação jurídica estabelecida entre as partes caracteriza-se como relação de consumo, aplicando-se o Código de Defesa do Consumidor, conforme orientação jurisprudencial sedimentada, ressalvada a aplicação da legislação específica no que couber. O rol de procedimentos e eventos em saúde editado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar possui natureza exemplificativa, constituindo referência básica para cobertura mínima obrigatória, sobretudo após a alteração legislativa que expressamente estabeleceu tal natureza. Configura-se abusiva a recusa da operadora de plano de saúde em fornecer material específico para tratamento de enfermidade coberta pelo contrato, quando tal material é expressamente indicado pelo médico assistente como necessário ao procedimento, não cabendo à operadora interferir na escolha do tratamento médico. O descumprimento injustificado de decisão judicial que determinou o fornecimento dos materiais necessários para realização da cirurgia, ocasionando demora superior a 40 dias na efetivação do procedimento, com prolongamento do sofrimento físico e psíquico do paciente, agrava o dano moral experimentado. A indenização por danos morais fixada em R$ 8.000,00 (oito mil reais) mostra-se adequada aos parâmetros da razoabilidade e proporcionalidade, considerando as peculiaridades do caso concreto, a gravidade da conduta da operadora de plano de saúde e as consequências suportadas pelo consumidor. R E L A T Ó R I O Trata-se de recurso de apelação cível interposto por UNIMED CUIABÁ COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO, visando reformar a sentença proferida pelo Juízo da 5ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá que, nos autos da ação de obrigação de fazer c/c danos morais com pedido de tutela de urgência n. 1001859-59.2022.8.11.0041, ajuizada por WEVERTON LUIZ DOS SANTOS, julgou procedentes os pedidos iniciais, nos seguintes termos: “51. Diante do exposto, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE os pedidos iniciais para: i) CONFIRMAR a tutela de urgência outrora deferida no sentido de determinar a realização da cirurgia com o fornecimento dos materiais indicados/solicitados pelo médico do autor; ii) CONDENAR a ré UNIMED CUIABÁ COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO ao pagamento de R$ 8.000,00 (oito mil reais) a título de compensação por danos morais, acrescido de juros legais de 1% (um por cento) ao mês a partir da citação, e correção monetária pelo índice INPC a partir da data desta sentença; iii) Diante do descumprimento da medida liminar, imponho multa no valor fixo de R$ 10.000,00 (dez mil reais), como penalidade pelo não atendimento à determinação judicial; 52. Condeno a ré ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, que fixo em 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil.” Em suas razões recursais (id. 285765058), a apelante insiste na tese de que a legislação aplicável à espécie seria a Lei nº 9.656/98 e não o CDC, em virtude do princípio da especialidade. Reitera que não há ilicitude na negativa de fornecimento do material denominado "Kit Cânula Necrose Avascular Quadril", por ausência de previsão no rol da ANS, que sustenta ser taxativo, e por incompatibilidade com o tipo de cirurgia que seria realizada no apelado. Argumenta que o STJ, ao julgar o REsp nº 1.886.929/SP, teria reconhecido a taxatividade do rol da ANS, ainda que com exceções. Impugna a condenação por danos morais, alegando inexistência de ato ilícito e de nexo causal. Alternativamente, pugna pela redução do quantum indenizatório. Quanto à multa pelo descumprimento da liminar, afirma que não houve descumprimento, tendo havido a autorização do procedimento no mesmo dia da concessão da tutela, sustentando que a demora na realização da cirurgia teria decorrido de um cancelamento do contrato do apelado (contrato n. 0564569000183004) em 28/02/2022 e migração para outro plano (contrato 0564563000051001) em 01/03/2022. Em contrarrazões, o apelado rebate os argumentos da apelante e pugna pelo desprovimento do recurso, com a consequente manutenção integral da sentença recorrida. É o relatório. Peço dia para julgamento. DES. DIRCEU DOS SANTOS RELATOR V O T O R E L A T O R Eminentes pares. Ab initio, cumpre analisar a questão preliminar concernente à legislação aplicável à espécie, arguida pela parte recorrente em suas razões recursais, a qual defende a prevalência da Lei nº 9.656/98 sobre o Código de Defesa do Consumidor, em virtude do princípio da especialidade. No que concerne a essa questão preliminar, imperioso ressaltar que, não obstante a existência de legislação específica regulamentando os planos de saúde (Lei nº 9.656/98), tal fato não afasta a incidência concomitante do Código de Defesa do Consumidor, porquanto a relação jurídica estabelecida entre as partes inequivocamente caracteriza-se como relação de consumo. A relação entre o beneficiário de plano de saúde e a operadora configura-se como típica relação de consumo, presente a hipossuficiência técnica do contratante em face da empresa prestadora dos serviços. Trata-se de entendimento pacificado na jurisprudência pátria, inclusive com a edição de enunciado sumular específico sobre a matéria. Vejamos a súmula 608 do STJ: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.” O artigo 35-G da Lei nº 9.656/98, ao estabelecer que se aplicam subsidiariamente aos contratos entre usuários e operadoras as disposições do Código de Defesa do Consumidor, não afasta por completo a incidência da legislação consumerista, mas apenas determina que esta será aplicada naquilo que não conflitar com as disposições específicas da lei dos planos de saúde. Destarte, na hipótese vertente, aplica-se o microssistema normativo formado pela Lei nº 9.656/98 e pelo Código de Defesa do Consumidor, com prevalência das normas específicas da primeira, mas sem exclusão dos princípios e regras protetivas do segundo, notadamente no que concerne à interpretação mais favorável ao consumidor e à vedação de cláusulas abusivas. Com efeito, a controvérsia que deu ensejo à propositura da presente demanda não se refere à autorização do procedimento cirúrgico em si, mas à negativa do fornecimento dos materiais específicos indicados pelo médico assistente como necessários para a realização da cirurgia. Conforme se depreende da documentação acostada aos autos, a apelante negou o fornecimento do sistema de descompressão de quadril com cânula específica, impedindo, por via oblíqua, a realização do procedimento tal qual prescrito pelo profissional médico. A própria apelante reconhece em suas manifestações que negou o fornecimento do material denominado "Kit Cânula Necrose Avascular Quadril", limitando-se a alegar que tal negativa seria legítima por ausência de previsão no rol da ANS e por suposta incompatibilidade do material com o tipo de cirurgia a ser realizada. Tal controvérsia, indubitavelmente, configura pretensão resistida, evidenciando a necessidade e utilidade do provimento jurisdicional pleiteado. Adentrando ao mérito da controvérsia, cumpre examinar a questão central do litígio, qual seja, a legitimidade ou não da recusa da operadora de plano de saúde em fornecer o material específico indicado pelo médico assistente para realização da cirurgia de descompressão do quadril para tratamento de osteonecrose femoral, sob o fundamento de ausência de previsão no rol da ANS e suposta incompatibilidade do material com o tipo de cirurgia. Prima facie, impende estabelecer que o rol de procedimentos e eventos em saúde editado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) constitui referência básica para cobertura mínima obrigatória a ser garantida pelos planos privados de assistência à saúde, não possuindo, contudo, caráter taxativo. A própria Resolução Normativa que estabelece o rol utiliza expressamente a terminologia "referência básica para cobertura mínima obrigatória", evidenciando que se trata de piso mínimo de cobertura e não de teto máximo. A questão, que já ensejava acirrada controvérsia doutrinária e jurisprudencial, foi definitivamente dirimida com a alteração legislativa que modificou a Lei nº 9.656/98, estabelecendo expressamente o caráter exemplificativo do rol da ANS e prevendo a possibilidade de cobertura de procedimentos ou tratamentos não previstos no rol quando existir comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico, ou quando houver recomendações por órgãos técnicos especializados. A mens legis revela-se cristalina no sentido de que o rol da ANS constitui referência básica, estabelecendo cobertura mínima obrigatória que não pode ser suprimida pelas operadoras de planos de saúde, sem, contudo, impedir a cobertura de procedimentos ou tratamentos não previstos expressamente, desde que preencham determinados requisitos. No caso em apreço, o médico assistente do apelado, Dr. Egon Neis, indicou expressamente a necessidade de utilização do sistema de descompressão de quadril com cânula específica para realização da cirurgia de tratamento da osteonecrose femoral, destacando que sem esse material específico não seria possível realizar o procedimento. A apelante, em sua defesa, sustenta que o material solicitado não seria compatível com o tipo de cirurgia a ser realizada, por ser destinado a procedimentos minimamente invasivos, conforme rotulagem junto à ANVISA. Contudo, tal argumento não encontra respaldo na documentação técnica acostada aos autos. O médico assistente esclareceu de forma pormenorizada, por meio de relatório técnico, que o procedimento a ser realizado não se tratava de cirurgia por vídeo ou minimamente invasiva, mas de cirurgia aberta, que, não obstante, necessitava da utilização do referido kit de cânulas específicas para alcançar o resultado terapêutico pretendido. O relatório técnico elaborado pelo Dr. Egon Neis elucida que a cirurgia consistiria em "acesso cirúrgico lateral em quadril, com abertura de fáscia lata, músculo vasto lateral, osteotomia lateral do fêmur para entrada da broca de corte e realização do túnel femoral, até atingirmos a cabeça femoral, onde será realizado a retirada de osso não viável", caracterizando-se, portanto, como cirurgia aberta e não minimamente invasiva. Ainda de acordo com o referido relatório, após a realização do túnel ósseo, seria necessário utilizar "enxerto autólogo, oriundo do túnel ósseo realizado previamente associado a enxerto sintético, para volume adequado, ósteo indução e ósteocondução", sendo que para esta fase do procedimento o sistema de cânulas específicas solicitado seria imprescindível. O profissional médico foi categórico ao afirmar que "sem este material não poderemos realizar o procedimento". Observa-se que o manual de uso do material em questão, acostado aos próprios autos pela apelante, indica que sua utilização fica a critério do médico, podendo variar de acordo com a técnica do profissional e a literatura médica. Ademais, o referido manual destaca que o material é recomendado para tratamento de necrose óssea da cabeça femoral, que é precisamente a enfermidade que acomete o apelado. Diante de tais elementos, resta evidenciado que, independentemente de constar ou não do rol da ANS, o material solicitado pelo médico assistente era imprescindível para a realização da cirurgia, não cabendo à operadora do plano de saúde interferir na escolha do tratamento médico. A jurisprudência tem se firmado no sentido de que, embora seja legítimo ao plano de saúde estipular as doenças cobertas, não lhe é dado restringir os tipos de tratamento a serem realizados, incumbência esta que pertence exclusivamente ao médico que assiste o paciente, conhecedor das peculiaridades do quadro clínico e das técnicas mais adequadas para cada caso. No que concerne ao argumento da apelante baseado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (REsp nº 1.886.929/SP), que teria reconhecido a taxatividade do rol da ANS, cumpre ressaltar que tal entendimento foi superado pela alteração legislativa superveniente, que expressamente estabeleceu o caráter exemplificativo do rol da ANS e fixou critérios objetivos para cobertura de procedimentos ou tratamentos não previstos expressamente. Vejamos o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: “CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA C/C COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. NEGATIVA DE COBERTURA. PROCEDIMENTO NÃO LISTADO NO ROL DA ANS. APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO DA SEGUNDA SEÇÃO SOBRE O TEMA. REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM. 1. Ação de obrigação de fazer com pedido de tutela de urgência c/c compensação por danos morais. 2. A Segunda Seção, ao julgar o EREsp 1.889.704/SP e o EREsp 1.886.929/SP (DJe 03/08/2022), estabeleceu a seguinte tese, com a ressalva do meu entendimento pessoal: 1 - o rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar é, em regra, taxativo; 2 - a operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do Rol da ANS se existe, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao Rol; 3 - é possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento extra Rol; 4 - não havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do Rol da ANS, pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente, desde que (i) não tenha sido indeferido expressamente, pela ANS, a incorporação do procedimento ao Rol da Saúde Suplementar; (ii) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; (iii) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como CONITEC e NATJUS) e estrangeiros; e (iv) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal, ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS. 3. A Lei 14.454/2022, que alterou a Lei 9.656/98 para acrescentar o § 13 do art. 10, em vigor desde 22/09/2022, impôs, como condição para a cobertura pelos de saúde dos tratamentos não listados do referido rol, a existência de comprovação da eficácia científica do tratamento proposto ou a existência de recomendações da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC) ou ao menos de um órgão de avaliação de tecnologias em saúde de renome internacional. 4. Com o objetivo de harmonizar o entendimento firmado nos julgamentos dos EREsp's 1.886.929/SP e 1.889.704/SP com a alteração legislativa trazida pela Lei 14.454/2022, a Segunda Seção deste STJ, no julgamento do REsp. 2.038.333/AM (DJe de 8/5/2024), também com a ressalva do meu entendimento, decidiu que: 1 - quando do julgamento dos EREsps 1.886.929/SP e 1.889.704/SP, a Segunda Seção desta Corte Superior uniformizou o entendimento de ser o Rol da ANS, em regra, taxativo, podendo ser mitigado quando atendidos determinados critérios; 2 - a Lei 14.454/2022 promoveu alteração na Lei 9.656/1998 (art. 10, § 13) para estabelecer critérios que permitam a cobertura de exames ou tratamentos de saúde que não estão incluídos no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar; 3 - com a edição da Lei nº 14.454/2022, o Rol da ANS passou por sensíveis modificações em seu formato, suplantando a eventual oposição rol taxativo/rol exemplificativo; 4 - a superveniência do novo diploma legal (Lei 14.454/2022) foi capaz de fornecer nova solução legislativa, antes inexistente, provocando alteração substancial do complexo normativo. Ainda que se quisesse cogitar, erroneamente, que a modificação legislativa havida foi no sentido de trazer uma "interpretação autêntica", ressalta-se que o sentido colimado não vigora desde a data do ato interpretado, mas apenas opera efeitos ex-nunc, já que a nova regra modificadora ostenta caráter inovador; 5 - em âmbito cível, conforme o Princípio da Irretroatividade, a lei nova não alcança fatos passados, ou seja, aqueles anteriores à sua vigência. Seus efeitos somente podem atingir fatos presentes e futuros, salvo previsão expressa em outro sentido e observados o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e o direito adquirido; 6 - embora a lei nova não possa, em regra, retroagir, é possível a sua aplicação imediata, ainda mais em contratos de trato sucessivo. 5. Em virtude do óbice da súmula 7/STJ - que impede a análise, por esta Corte, do contexto fático-probatório dos autos e da indispensabilidade de determinada prova para a resolução da demanda - e considerando os limites do efeito devolutivo deste recurso especial, forçoso determinar o retorno do processo ao Tribunal de origem, de modo a permitir o reexame dos elementos dos autos e da necessidade de produção de outras provas, a fim de que se realize novo julgamento da apelação com a aplicação da tese firmada pela Segunda Seção. 6. Agravo em recurso especial conhecido. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.” (AREsp n. 2.799.814/PR, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 16/6/2025, DJEN de 24/6/2025.) (Negrito nosso) O Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, seguindo o entendimento acima já se manifestou: “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANOS MORAIS E MATERIAIS – PLANO DE SAÚDE – TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR – CRIANÇA DIAGNOSTICADA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) – NEGATIVA DE COBERTURA – EQUOTERAPIA E PSICOLOGIA – ILEGALIDADE – ROL DA ANS – TAXATIVIDADE MITIGADA – CLÁUSULA DE COPARTICIPAÇÃO – ANÁLISE EXORBITANTE DOS LIMITES DA LIDE – SENTENÇA DECOTADA NO PONTO – RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que o rol de procedimentos da ANS é, em regra, taxativo, mas admite exceções quando demonstrada a necessidade do tratamento por prescrição médica e ausência de alternativa terapêutica eficaz no rol. A recusa de cobertura de tratamento multidisciplinar prescrito a menor diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista – TEA –, com fundamento na ausência de previsão contratual ou de credenciamento de profissionais habilitados, revela-se abusiva e contrária ao ordenamento jurídico vigente, em especial à Constituição Federal, à Lei nº 12.764/2012, à Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), ao Código de Defesa do Consumidor e às normas da ANS, notadamente a Resolução Normativa nº 539/2022. Deve ser afastada a análise da cláusula de coparticipação constante na sentença de primeiro grau, por exorbitar os limites objetivos da lide e configurar julgamento extra petita, haja vista que tal matéria já foi objeto de apreciação em demanda autônoma e não integra o pedido ou a causa de pedir na presente ação de obrigação de fazer.” (N.U 1026485-79.2021.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, DIRCEU DOS SANTOS, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 07/04/2025, Publicado no DJE 07/04/2025) (Negrito nosso) O princípio da legalidade impõe que se observe a legislação em vigor, que é clara ao estabelecer o caráter exemplificativo do rol da ANS, não sendo possível, portanto, acolher a tese da taxatividade defendida pela apelante, mesmo com base em entendimento jurisprudencial anterior à modificação legislativa. No caso vertente, não há controvérsia quanto à cobertura contratual da doença que acomete o apelado (osteonecrose femoral), sendo imperioso, portanto, que a operadora do plano de saúde forneça todos os meios necessários para seu tratamento, inclusive os materiais especificamente indicados pelo médico assistente. A recusa da apelante em fornecer o material solicitado mostra-se abusiva, à luz dos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, que devem nortear as relações contratuais, notadamente aquelas que envolvem direitos fundamentais, como o direito à saúde. Destarte, configura-se perfeitamente legítima a determinação judicial para que a apelante forneça o material solicitado pelo médico assistente, tal como determinado na sentença recorrida. Quanto ao dano moral, sua configuração no caso em apreço é inequívoca. A recusa indevida de cobertura, por si só, já seria suficiente para caracterizar o dano moral, conforme entendimento jurisprudencial consolidado. Todavia, no presente caso, a situação é ainda mais grave, porquanto a negativa de fornecimento do material necessário para realização da cirurgia prolongou o sofrimento físico e psíquico do apelado, que permaneceu por período significativo acometido de dores intensas decorrentes da osteonecrose femoral. Conforme relatado pelo médico assistente, a doença que acomete o apelado, se não tratada adequadamente e em tempo hábil, pode evoluir para quadro mais grave, com risco de afundamento da cabeça femoral e necessidade de procedimento cirúrgico de maior complexidade (artroplastia total de quadril). O apelado, portanto, além de suportar as dores decorrentes da enfermidade, vivenciou prolongado período de angústia e tensão ante a possibilidade de agravamento de seu quadro clínico. Agravando ainda mais a situação, verificou-se o descumprimento da decisão judicial que determinou o fornecimento dos materiais necessários para realização da cirurgia. A operação foi efetivamente realizada apenas em 25/03/2022, mais de 40 dias após o prazo fixado na decisão judicial, havendo, inclusive, uma tentativa frustrada de realização do procedimento em 23/03/2022, devido à nova negativa da apelante em fornecer parte do material necessário. Tal circunstância gerou ao apelado transtornos adicionais, como a necessidade de submeter-se novamente a todos os procedimentos pré-operatórios, incluindo jejum prolongado, além de acentuar sua angústia e expectativa em relação ao tratamento de sua enfermidade. Todos esses elementos evidenciam que o apelado experimentou dano moral indenizável, resultante não apenas da indevida recusa de cobertura, mas também do descumprimento da ordem judicial e das consequências daí decorrentes. Vejamos a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: “DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA INDEVIDA DE COBERTURA DE TRATAMENTO MÉDICO ONCOLÓGICO. HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA. SÚMULA 83/STJ. DANOS MORAIS. REEXAME DAS PROVAS DOS AUTOS. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Agravo interno interposto contra decisão que conheceu em parte do recurso especial, negando-lhe provimento nessa extensão. 2. Nas razões do agravo, a parte agravante defende a taxatividade do rol da ANS para a cobertura do tratamento médico, bem como a necessidade de revaloração do conjunto probatório dos autos quanto à indenização por danos morais, o que afastaria a incidência da Súmula 7/STJ. II. Questão em discussão 3. A questão em discussão consiste em saber se legítima a recusa de tratamento médico que não consta do rol da ANS, e se possível a revisão dos danos morais arbitrados. III. Razões de decidir 4. A jurisprudência desta Corte superior firmou-se no sentido de que as operadoras de plano de saúde possuem o dever de cobertura de exames, procedimentos ou medicamentos utilizados em tratamento contra o câncer, como no caso dos autos, não influindo na análise dessas hipóteses a natureza taxativa ou exemplificativa do rol da ANS. 5. A Corte local, mediante análise do conjunto fático-probatório dos autos, concluiu pela configuração dos danos morais, levando em consideração a grave moléstia que aflige o paciente, para considerar que a recusa da ré ao custeio do procedimento prescrito pelo médico causou angústia e aflição, frustrando suas legítimas expectativas. Nesse contexto, a revisão das conclusões tiradas no acórdão recorrido esbarram no óbice da Súmula 7/STJ. IV. Dispositivo 6. Agravo interno a que se nega provimento.” (AgInt no REsp n. 2.153.037/DF, relatora Ministra Daniela Teixeira, Terceira Turma, julgado em 5/5/2025, DJEN de 8/5/2025.) (Negrito nosso) No que concerne ao quantum indenizatório, a sentença recorrida fixou a indenização por danos morais no valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais), montante que se mostra adequado às peculiaridades do caso concreto. Para fixação do valor da indenização por danos morais, devem ser considerados diversos parâmetros, tais como a gravidade da lesão, a extensão do dano, as condições econômicas das partes, a repercussão do fato, além dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. No presente caso, considerando a gravidade da conduta da apelante - que não apenas negou indevidamente o fornecimento do material necessário para o tratamento de doença grave, como também descumpriu ordem judicial nesse sentido -, bem como as consequências suportadas pelo apelado - que permaneceu por prolongado período acometido de dores intensas, além de suportar angústia e tensão ante a possibilidade de agravamento de seu quadro clínico -, o valor fixado na sentença mostra-se adequado e proporcional. A quantia de R$ 8.000,00 (oito mil reais) revela-se suficiente para compensar o apelado pelos danos experimentados, sem, contudo, configurar enriquecimento sem causa, bem como para desestimular condutas semelhantes por parte da apelante, atendendo à finalidade pedagógica da indenização. Quanto à multa pelo descumprimento da decisão judicial, a alegação da apelante de que teria autorizado o procedimento no mesmo dia da concessão da tutela não encontra respaldo na documentação acostada aos autos. Como já exposto, a cirurgia foi efetivamente realizada apenas em 25/03/2022, mais de 40 dias após o prazo fixado na decisão judicial. Ademais, houve tentativa frustrada de realização do procedimento em 23/03/2022, devido à nova negativa da apelante em fornecer parte do material necessário, especificamente o "sistema específico de lâmina". A alegação de que a demora teria decorrido do cancelamento do contrato do apelado (contrato n. 0564569000183004) em 28/02/2022 e migração para outro plano (contrato 0564563000051001) em 01/03/2022 não se mostra suficiente para justificar o descumprimento da ordem judicial, que determinava expressamente o fornecimento dos materiais necessários para realização da cirurgia conforme prescrição médica. Mesmo considerando a alegada migração contratual, a apelante deveria ter adotado as providências necessárias para garantir a continuidade do atendimento e o cumprimento da ordem judicial, notadamente em se tratando de procedimento médico urgente para tratamento de doença grave, cujo atraso poderia acarretar - como de fato acarretou - prejuízos à saúde do apelado. Ademais, a documentação apresentada pela apelante para comprovar a autorização do procedimento no mesmo dia da concessão da tutela não é suficiente para afastar o descumprimento, consistindo em capturas de tela extraídas de seu próprio sistema interno, sem elementos que permitam aferir sua autenticidade e integralidade. Vejamos a jurisprudência: “DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO INOMINADO. RESSARCIMENTO DE VALORES. AUSÊNCIA DE PROVA IDÔNEA. DANOS MORAIS INDEVIDOS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME Recurso interposto pela reclamante contra decisão monocrática, que homologou o projeto de sentença elaborado por juíza leiga e julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados em ação de ressarcimento de valores, condenando a parte ré ao pagamento de R$ 7.982,66, com correção monetária pelo IPCA/IBGE e juros de mora pela taxa Selic, a partir do desembolso e da citação, respectivamente. A sentença julgou improcedente o pedido de indenização por danos morais. Em sede recursal, a reclamante alega omissão quanto a outros valores supostamente comprovados e reiterou o pedido de indenização por danos morais, requerendo o provimento do recurso para fixação de nova condenação totalizando R$ 11.941,17. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 4. Há duas questões em discussão: (i) verificar se os documentos juntados aos autos comprovam a existência de valores adicionais a serem ressarcidos pela parte ré; (ii) determinar se estão presentes os requisitos legais para a configuração de danos morais indenizáveis. III. RAZÕES DE DECIDIR 5. Compete à parte autora o ônus da prova quanto ao fato constitutivo de seu direito, nos termos do art. 373, I, do CPC, ônus do qual não se desincumbiu quanto aos valores adicionais pleiteados em sede recursal. 6. As provas consideradas na sentença têm respaldo em extratos e recibos que identificam de forma precisa os pagamentos realizados, não sendo admitidas capturas de tela “prints” desacompanhadas de documentos idôneos ou extratos sem identificação da parte autora. 7. A ausência de comprovação inequívoca e documental dos novos valores impede a majoração da condenação imposta na sentença recorrida. 8. O desconforto decorrente da relação contratual não ultrapassa os limites do mero aborrecimento cotidiano, inexistindo nos autos conduta ilícita ou nexo causal aptos a ensejar indenização por dano moral. IV. DISPOSITIVO E TESE 9. Recurso desprovido. Tese de julgamento: A juntada de “prints” e extratos bancários sem identificação da parte interessada não constitui meio idôneo de prova para fundamentar pedido de ressarcimento. A ausência de comprovação inequívoca de valores adicionais impede a ampliação da condenação. O mero aborrecimento decorrente de relação contratual não configura dano moral indenizável. Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 373, I e II; CC, arts. 389, parágrafo único, e 406, § 1º; Lei 9.099/1995, arts. 46 e 55, caput. Jurisprudência relevante citada: RJTJSP, v. 115, p. 207.” (N.U 1065727-63.2024.8.11.0001, TURMA RECURSAL CÍVEL, GONCALO ANTUNES DE BARROS NETO, Primeira Turma Recursal, Julgado em 23/05/2025, Publicado no DJE 23/05/2025) (Negrito nosso) O valor fixado a título de multa pelo descumprimento da decisão judicial - R$ 10.000,00 (dez mil reais) - mostra-se razoável e proporcional à gravidade da conduta da apelante e às consequências dela decorrentes para o apelado, considerando que a multa diária inicialmente fixada (R$ 2.000,00) poderia alcançar montante consideravelmente superior, tendo em vista o prolongado período de descumprimento. Destarte, não merece reparo a sentença recorrida no que concerne à imposição da multa pelo descumprimento da ordem judicial. Ex positis, mantenho integralmente a sentença recorrida, por seus próprios e judiciosos fundamentos. Dispositivo. Com essas considerações, CONHEÇO do recurso e NEGO PROVIMENTO. Inaplicável à hipótese da majoração dos honorários de sucumbência prevista no artigo 85, §11, do CPC, uma vez que o Juízo a quo já aplicou o teto, ou seja, 20% sobre o valor da condenação. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 02/07/2025
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