1. Mateus Silva Dos Santos (Impetrante) x 2. Tribunal De Justiça Do Estado De São Paulo (Impetrado)
ID: 338502371
Tribunal: STJ
Órgão: SPF COORDENADORIA DE PROCESSAMENTO DE FEITOS DE DIREITO PENAL
Classe: HABEAS CORPUS
Nº Processo: 0234406-35.2025.3.00.0000
Data de Disponibilização:
30/07/2025
Polo Ativo:
Advogados:
MATEUS SILVA DOS SANTOS
OAB/SP XXXXXX
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HC 1014775/SP (2025/0234406-9)
RELATOR
:
MINISTRO CARLOS CINI MARCHIONATTI (DESEMBARGADOR CONVOCADO TJRS)
IMPETRANTE
:
MATEUS SILVA DOS SANTOS
ADVOGADO
:
MATEUS SILVA DOS SANTOS - SP481071
IMPETRADO
…
HC 1014775/SP (2025/0234406-9)
RELATOR
:
MINISTRO CARLOS CINI MARCHIONATTI (DESEMBARGADOR CONVOCADO TJRS)
IMPETRANTE
:
MATEUS SILVA DOS SANTOS
ADVOGADO
:
MATEUS SILVA DOS SANTOS - SP481071
IMPETRADO
:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE
:
REGINALDO DE OLIVEIRA
INTERESSADO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de REGINALDO DE OLIVEIRA, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado (e-STJ fls. 19):
“Receptação e Roubo majorado pelo concurso de agentes e pelo emprego de arma. Recurso defensivo objetivando a absolvição por insuficiência de provas, do crime de receptação - Impossibilidade. Prova Segura. Depoimentos da vítima e testemunhas coerentes e sem desmentidos - Ausência de justificativa plausível quanto à posse do bem produto de ilícito a demonstrar plena ciência sobre a origem espúria do bem - Dolo evidente - Condenação mantida - Primeira fase. Penas majoradas em razão dos maus antecedentes do apelante. Segunda fase - Plenamente configurada a agravante da reincidência reprimenda majorada em 1/6. Terceira fase - Aplicação independente das causas de aumento de pena dos § 2º, II e § 2ºA do art. 157 do C.P. - Regime fechado mantido único adequado para a reprovação e prevenção do crime ante a gravidade concreta do delito e a personalidade do réu voltada ao exercício de atividades criminosas - Incabível substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (CP, 44, I) - Recurso defensivo improvido.”
Consta dos autos que Reginaldo de Oliveira foi condenado à pena de 13 anos, 5 meses e 15 dias de reclusão, em regime inicial fechado, mais o pagamento de 38 dias-multa, por infração ao art. 157, § 2º, II, e § 2º-A, I, e art. 180, caput, na forma do art. 69, todos do Código Penal (fls. 45-59). A denúncia imputou ao paciente os crimes de roubo e receptação, conforme descrito nos autos. O juiz de primeiro grau julgou procedente a ação penal, condenando o paciente nos exatos termos da denúncia. O Tribunal de origem, por sua vez, manteve a sentença condenatória, negando provimento ao recurso defensivo.
No presente writ, o impetrante sustenta que houve violação ao art. 226 do Código de Processo Penal, alegando nulidade do reconhecimento fotográfico realizado sem observância das formalidades legais. Argumenta que a absolvição do crime de roubo e receptação é devida, nos termos do art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, por insuficiência de provas, uma vez que há evidente fragilidade das provas dos autos e incerteza quanto à autoria, que não restou provada nos autos, sem prova segura para embasar uma condenação. Alega ainda que teria ocorrido bis in idem na dosimetria, tendo em vista que a pena base foi aumentada na primeira fase da dosimetria da pena em 1/6 em razão de reincidência e maus antecedentes. Na terceira fase, a magistrada a quo também majorou a pena em 2/3 em circunstância do emprego da arma de fogo, requerendo-se o aumento mínimo diante das causas de aumento de pena (Súmula 443, do STJ).
Requer liminarmente a concessão da ordem para que seja declarada a nulidade do reconhecimento fotográfico e a consequente absolvição do paciente. Alternativamente, pleiteia a revisão da dosimetria da pena.
A liminar foi indeferida (e-STJ fls. 100).
Foram prestadas informações (e-STJ fls. 106-146).
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo não conhecimento do habeas corpus, nos termos da seguinte ementa (fls. 148-172):
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. INVIABILIDADE. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIMES DE ROUBO MAJORADO E RECEPTAÇÃO. CONDENAÇÃO ÀS PENAS DE 13 ANOS, 05 MESES E 15 DIAS DE RECLUSÃO, EM REGIME FECHADO, MAIS PAGAMENTO DE 38 DIAS- M U LTA . NULIDADE DA CONDENAÇÃO. ILICITUDE DA PROVA DE AUTORIA. MANIFESTA INADMISSIBILIDADE DA IMPETRAÇÃO. NÃO INAUGURAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO STJ PARA REVISÃO DE SEU JULGADO (ART. 105, I, "E", DA CF). RECONHECIMENTO DO RÉU CORROBORADO POR OUTRAS PROVAS IDÔNEAS, NOTADAMENTE AS PALAVRAS DAS VÍTIMAS E DOS AGENTES POLICIAIS EM JUÍZO, APREENSÃO DE PARTE DOS BENS SUBTRAÍDOS NA POSSE DO RÉU E DO AUTOMÓVEL RECEPTADO, TUDO A JUSTIFICAR A CONDENAÇÃO. ACÓRDÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. DILAÇÃO PROBATÓRIA INCOMPATÍVEL COM A VIA ELEITA. PEDIDO DE REVISÃO DA DOSIMETRIA. 1ª FASE. ALEGAÇÃO DE CONFIGURAÇÃO DE BIS IN IDEM. UTILIZAÇÃO DE CONDENAÇÕES DISTINTAS NA 1ª E NA 2ª FASE. POSSIBILIDADE. “ O CONCEITO DE MAUS ANTECEDENTES, POR SER MAIS AMPLO, ABRANGE NÃO APENAS AS CONDENAÇÕES DEFINITIVAS POR FATOS ANTERIORES CUJO TRÂNSITO EM JULGADO OCORREU ANTES DA PRÁTICA DO DELITO EM APURAÇÃO, MAS TAMBÉM AQUELAS TRANSITADAS EM JULGADO NO CURSO DA RESPECTIVA AÇÃO PENAL, ALÉM DAS CONDENAÇÕES TRANSITADAS EM JULGADO HÁ MAIS DE CINCO ANOS, AS QUAIS TAMBÉM NÃO INDUZEM REINCIDÊNCIA, MAS SERVEM COMO MAUS ANTECEDENTES”. INOCORRÊNCIA DE BIS IN IDEM. PRECEDENTES DESSA CORTE. PRETENSÃO DE AFASTAMENTO DA MAJORANTE DE EMPREGO DE ARMA DE FOGO. A APREENSÃO DA ARMA DE FOGO OU A PERÍCIA ACERCA DE SUA LESIVIDADE SÃO DISPENSÁVEIS QUANDO HÁ OUTROS MEIOS DE COMPROVAÇÃO DO EFETIVO USO DO ARTEFATO, COMO NO CASO. JURISPRUDÊNCIA DO STJ. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. PARECER PELO NÃO CONHECIMENTO DO HABEAS CORPUS.
É o relatório.
Decido.
A Constituição da República assegura, no artigo 5º, caput, inciso LXVII, que “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.
É entendimento pacífico do egrégio Superior Tribunal de Justiça que o habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio, salvo em casos de manifesta ilegalidade, abuso de poder ou teratologia (AgRg no HC n. 972.937/MT, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 20/3/2025, DJEN de 26/3/2025; AgRg no HC n. 985.793/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 18/3/2025, DJEN de 26/3/2025; AgRg no HC n. 908.616/RS, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 19/3/2025, DJEN de 24/3/2025).
O entendimento é de elevada importância e deve ser utilizado para preservar a real utilidade e eficácia da ação constitucional, qual seja, a proteção da liberdade da pessoa, quando ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a necessária celeridade no seu julgamento.
Assim, diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração sequer deveria ser conhecida, segundo orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e do próprio Superior Tribunal de Justiça. Contudo, considerando as alegações expostas na peça inicial, razoável o processamento do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal a justificar a concessão do habeas corpus, de ofício.
Analisando-se o conteúdo da documentação colacionada aos autos, não se verifica de plano qualquer violação ao ordenamento jurídico ou flagrante constrangimento ilegal, que implique ameaça de violência ou coação na liberdade de locomoção do paciente, nos termos da Lei nº 14.836, de 8/4/2024, publicada no Diário Oficial da União de 9/4/2024.
Inicialmente, quanto a higidez do auto de reconhecimento fotográfico e existência de lastro probatório mínimo para a condenação do impetrante, destaco as seguintes trechos do acórdão impugnado (e-STJ : 28-32):
De proêmio, cumpre salientar que a responsabilidade criminal da apelante Reginaldo pelo crime de roubo majorado é indiscutível, pois, devidamente comprovada pelo relato das vítimas e das testemunhas policiais que destacaram como foram as diligências que culminaram com a identificação do réu autor dos crimes sob judice.
Desta feita, sua condenação quanto a este crime era medida de rigor, tanto que, contra isso, não se insurgiu a defesa, pretendendo, tão somente, a absolvição do crime de receptação, bem como redução das penas que lhe foram impostas.
Restritos, assim, os limites de atuação recursal nesta Instância, diante do princípio do tantum devolutum quantum apellatum, passa-se à análise das insurgências defensivas e, desde logo, adianto que, diante de todos os elementos obtidos no curso da instrução, verifica-se segura a prova produzida sob o crivo do contraditório também é segura no sentido de determinar a responsabilidade criminal do apelante pelo crime de receptação.
Ressalte-se que o ofendido Francisco Alves dos Anjos narrou que, na época dos fatos estava viajando para São Paulo com uma Van uma Fiat Ducato Maxi - quando foi assaltado por três indivíduos que estavam em duas motos, eles determinaram que saísse do carro e assumiram a direção do veículo.
Por sua vez, as vítimas Tatiana e Gilson, em depoimentos seguros e coesos, destacaram que estavam o saindo de São Paulo em direção a Curitiba, sendo que Gilson havia comprado alguns equipamentos de Kart e, por volta das 21h00, foram empurrados para o acostamento por uma Van Ducato Maxi branca e quando pararam três indivíduos desceram armados.
Os assaltantes levaram o veículo das vítimas e todas as mercadorias e os deixaram apenas com a roupa do corpo e, pouco tempo depois, o veículo Van subtraído foi recuperado e também parte dos bens subtraídos, não tendo recuperado um aparelho celular, as malas pessoais e alguns presentes.
Anote-se que, em crimes iguais aos aqui apurados, as palavras das vítimas assumem indiscutível importância para a busca da verdade real, uma vez que elas não teriam motivo algum para, levianamente, alterar a dinâmica dos fatos e, então, incriminar um inocente, sendo seu único interesse ver responsabilizado aquele que lhe acarretou prejuízo material e abalo psicológico.
[...]
Lado outro, as testemunhas Julio, Alan e Marcio, testemunhas policiais, destacaram que o réu Reginaldo já era investigado por diversos roubos de cargas que estavam ocorrendo na Rodovia Regis Bittencourt, tendo informações de que ele e seu bando utilizavam uma Van branca para o cometimento dos crimes.
Souberam que o referido veículo estava circulando na região de Osasco, indicando um determinado recinto e, então, se dirigiram ao local onde encontraram a Van, em aparente estado de abando o com diversas peças de Kart no seu interior.
Fizeram, então, contato com as vítimas do roubo dos Karts e, após lhe serem exibidas diversas fotografias de indivíduos diferentes, reconheceu o réu Reginaldo como um dos autores do roubo a que foi vítima, bem como a Van branca Fiat /Ducato Maxi utilizada no roubo.
Fizeram, então, contato com as vítimas do roubo dos Karts e, após lhe serem exibidas diversas fotografias de indivíduos diferentes, reconheceu o réu Reginaldo como um dos autores do roubo a que foi vítima, bem como a Van branca Fiat /Ducato Maxi utilizada no roubo.
Nessa esteira já decidiu o Colendo Supremo Tribunal Federal: “o valor do depoimento testemunhal de servidores públicos especialmente quando prestados em juízo, sob a garantia do contraditório reveste-se de inquestionável eficácia probatória, não se podendo desqualificá-lo pelo só fato de emanar de agentes estatais incumbidos, por dever de ofício, da repressão penal.” (HC nº 74.608-0/SP, rel. Min. Celso de Mello).
Desta feita, como já dito, vê-se que a prova oral coligida, em especial as declarações das vítimas, bem confirmou a responsabilidade criminal de Reginaldo, pelo que era, de fato, de rigor a condenação dele pelo crime de roubo descrito na inicial.
Nos termos da jurisprudência desta colenda Corte, "O reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa" (HC n. 598.886/SC, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 27/10/2020, DJe de 18/12/2020).
Nesse ponto, assinalo que, o reconhecimento do agente foi devidamente corroborado pelos demais elementos probatórios acostados aos autos. Noutras palavras, a conclusão pela autoria delitiva não foi extraída tão somente do reconhecimento do paciente pela vítima, fundando-se, em verdade, na análise aprofundada das provas produzidas na fase inquisitorial e posteriormente referendadas na fase judicial.
Sobre o tema, alinha-se a esta posição a Quinta Turma:
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. FALSA IDENTIDADE. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO. PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 226 DO CPP. INOBSERVÂNCIA. MUDANÇA DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. INVALIDADE DA PROVA. AUTORIA ESTABELECIDA COM BASE EM OUTROS ELEMENTOS PROBATÓRIOS. ABSOLVIÇÃO INVIÁVEL. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. O habeas corpus não se presta para a apreciação de alegações que buscam a absolvição do paciente ou a desclassificação da conduta, em virtude da necessidade de revolvimento do conjunto fático-probatório, o que é inviável na via eleita. Precedente.
2. Esta Corte Superior inicialmente entendia que "a validade do reconhecimento do autor de infração não está obrigatoriamente vinculada à regra contida no art. 226 do Código de Processo Penal, porquanto tal dispositivo veicula meras recomendações à realização do procedimento, mormente na hipótese em que a condenação se amparou em outras provas colhidas sob o crivo do contraditório.
3. Em julgados recentes, ambas as Turmas que compõe a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça alinharam a compreensão de que "o reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.
4. Dos elementos probatórios que instruem o feito, verifica-se que a autoria delitiva do crime de roubo não tem como único elemento de prova o reconhecimento fotográfico, o que gera distinguishing em relação ao acórdão paradigma da alteração jurisprudencial. Na hipótese, além de a vítima ter descrito as características do paciente e o reconhecido, por meio de foto, perante a autoridade policial, o reconhecimento foi confirmado, sem dúvidas, em juízo.
Ademais, o paciente foi preso em flagrante, poucas horas depois do crime, ao desembarcar da garupa de uma motocicleta pilotada por outro agente que logrou fugir, e entrar no veículo roubado, com as chaves originais, e tentar liga-lo, quando foi surpreendido pelos policiais que estavam em campana.
Outrossim, no momento da prisão em flagrante os policiais encontraram o paciente "munido de diversas ferramentas, além de ter fornecido identidade falsa à polícia para esconder seus antecedentes", tendo o juízo sentenciante ressaltado que "nada há nos autos que sustente a versão do indigitado de que não praticou roubo, mas foi apenas contratado para transportar o veículo, porque, se assim fosse, qual o sentido de utilizar ferramentas para remover peças do automóvel. No mais, não se preocupou em dizer onde estaria no dia e hora da ação criminosa e já estava munido com identidade falsa, e sem o aparelho de monitoramento eletrônico ao que foi submetido, justamente em razão de práticas delituosas anteriores à atual, não havendo que se falar em insuficiência de provas para a condenação, como almejado pela defesa".
5. Agravo regimental não provido.
(AgRg no HC n. 746.378/CE, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 9/8/2022, DJe de 16/8/2022.)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ROUBO QUALIFICADO E EXTORSÃO. APELAÇÃO JULGADA HÁ MAIS DE SETE ANOS. PRECLUSÃO TEMPORAL. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - STF. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO CORROBORADO POR OUTRAS PROVAS NA FASE JUDICIAL. LEGALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Conforme consignado na decisão impugnada, o Tribunal de origem julgou a apelação em exame no dia 9 de fevereiro de 2015 e somente no dia 29 de abril de 2022 foi impetrado o presente habeas corpus, o que impede o seu conhecimento em decorrência da preclusão da matéria.
2. Com efeito, em respeito à segurança jurídica e lealdade processual, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça - STJ tem se orientado no sentido de que as nulidades, ainda quando denominadas absolutas, devem ser arguidas em momento oportuno, bem como qualquer outra falha ocorrida no julgamento, sujeitando-se à preclusão temporal. Precedentes do STJ e do STF.
3. Ademais, é certo que o reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.
No caso, a autoria delitiva não tem como único elemento de prova o reconhecimento fotográfico, porque, durante a instrução processual, foram ouvidas a vitima e duas testemunhas comuns à acusação e defesa, respeitados o contraditório e a ampla defesa, restando consignado que o réu não compareceu em Juízo para ser interrogado e na Delegacia, havia ficado em silêncio. Foi declarada sua revelia nos termos do art. 367 do Código de Processo Penal.
4. Vale ressaltar, ainda, que a Corte de origem destacou que "um talão de cheques subtraído da vítima foi apreendido na residência do réu quando o mesmo era investigado pela prática de outro roubo, tudo a confirmar sua participação nos crimes" (fl. 29).
Sendo certo que "a jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que é possível a utilização das provas colhidas durante a fase inquisitiva - reconhecimento fotográfico - para embasar a condenação, desde que corroboradas por outras provas colhidas em Juízo - depoimentos e apreensão de parte do produto do roubo na residência do réu, nos termos do art. 155 do Código de Processo Penal" (AgRg no HC 633.659/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, DJe 5/3/2021).
5. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no HC n. 738.559/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 7/6/2022, DJe de 10/6/2022.)
Assim, tem-se que as instâncias ordinárias, após a análise minuciosa de todos os elementos probatórios produzidos em fase policial e confirmados sob o crivo do contraditório, concluíram pela suficiência de provas de autoria a ensejar um decreto condenatório em face do paciente. O acolhimento das razões levantadas pela defesa reclamaria a reanálise do acervo fático-probatório dos autos, o que impede a atuação excepcional desta Corte.
A essa mesma conclusão chegou o Ministério Público Federal em seu respeitável parecer (e-STJ fls. 159-164), reafirmando que:
"[...] na presente hipótese, estar configurada a inequívoca intenção da impetração de revolver o conjunto fático-probatório dos autos no bojo do habeas corpus, providência não admitida na via estreita do mandamus. Ora, a condenação baseou-se nos elementos de prova contidos nos autos (declarações das vítimas que apontaram as características físicas do réu, bem como dos policiais que participaram das investigações, todas confirmadas em juízo, e também a apreensão de parte dos bens subtraídos com o acusado) e na existência de indícios suficientes de autoria e prova da materialidade, diante dos quais a tese absolutória não se sustentou.
[...]
na hipótese dos presentes autos, ao contrário do acórdão paradigma citado, a autoria do acusado não está amparada única e exclusivamente no reconhecimento fotográfico realizado pelas vítimas em delegacia, mas, na linha aceita por essa Corte Superior, está lastreada em provas autônomas e adicionais, pois decorre do reconhecimento do réu associado às declarações das vítimas em juízo, à apreensão de parte dos bens subtraídos e do automóvel receptado na posse do paciente, e aos depoimentos dos agentes policiais sobre a dinâmica das investigações, ouvidos sob o crivo do contraditório, cujo robusto mosaico probatório afasta qualquer dúvida quanto ao efetivo envolvimento do denunciado nos delitos ora debatidos.
Assim, como o reconhecimento pessoal do ora paciente foi corroborado por outros elementos idôneos, nos presentes autos, a autoria delitiva está hígida, sendo também certo, como já mencionado, que o pleito defensivo de absolvição requer óbvio revolvimento fático e probatório, de todo inviável na via eleita."
Passado esse ponto, quanto ao pleito de redimensionamento da pena, não há qualquer ilegalidade ou teratologia nas palavras utilizadas pelo Tribunal de origem e, como se sabe, o redimensionamento da pena em sede de habeas corpus ou recurso especial é medida excepcional. A dosimetria da pena insere-se em um juízo de discricionariedade do julgador, atrelado às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas do agente, somente passível de revisão por esta Corte no caso de inobservância dos parâmetros legais ou de flagrante desproporcionalidade.
Ressalto que é uníssona a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que “[a] individualização da pena, como atividade discricionária do julgador, está sujeita à revisão apenas nas hipóteses de flagrante ilegalidade ou teratologia, quando não observados os parâmetros legais estabelecidos ou o princípio da proporcionalidade” (AgRg no REsp n. 2.118.260/MS, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 13/5/2024, DJe de 15/5/2024).
A revisão da dosimetria somente é possível em situações excepcionais, de manifesta ilegalidade ou abuso de poder reconhecíveis de plano, sem maiores incursões em aspectos circunstanciais ou fáticos e probatórios (AgRg no REsp n. 2.042.325/MS, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 14/8/2023, DJe de 18/8/2023).
Quanto ao tema, destaca-se que “[a] legislação brasileira não prevê um percentual fixo para o aumento da pena-base em razão do reconhecimento das circunstâncias judiciais desfavoráveis, tampouco em razão de circunstância agravante ou atenuante, cabendo ao julgador, dentro do seu livre convencimento motivado, sopesar as circunstâncias do caso concreto e quantificar a pena, observados os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade” (EDcl no HC n. 908.566/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 10/6/2024, DJe de 12/6/2024).
Quanto ao emprego da arma de fogo, o Tribunal de origem consignou que, embora não tenha sido apreendida, o relato das vítimas demonstraram que "na ação criminosa, o réu e seus comparsas utilizaram armas de fogo." (e-STJ fl. 32).
Nesse contexto, o entendimento está em consonância com a jurisprudência desta Corte, uma vez que "A Terceira Seção deste Tribunal Superior, no julgamento dos Embargos de Divergência n. 961.863/RS, firmou o entendimento de que é dispensável a apreensão e a perícia da arma de fogo, para a incidência da respectiva majorante, quando existirem, nos autos, outros elementos de prova que evidenciem a sua utilização no roubo, como no caso concreto" (AgRg no HC n. 892.318/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 23/9/2024, DJe de 25/9/2024.).
Por fim, não se verifica o alegado bis in idem na consideração de maus antecedentes e reincidência, pois baseados em fatos distintos, cujas condenações, conforme delineado nas instâncias de origem, se deram em processos diferentes. Confira-se, no ponto, a fundamentação do Acórdão impugnado (e-STJ fls. 36-37):
Na primeira fase, sopesados as circunstâncias do artigo 59 do Código Penal, ante os maus antecedentes do apelante ( Fls. 285/286: Proc. 1500608-82.2020.8.26.0628, transito em julgado aos 05/09/2023; Fls.287/288: 0007956-25.2022.8.26.0268, transito em julgado aos 08/08/2024; Fl. 286: 1500969-31.2022.8.26.0628, transito em julgado aos 06/06/2024), as penas foram majoradas em 1/6, chegando a 04 (quatro) anos e 08 (oito) meses de reclusão, para o crime de roubo e 01 (um) ano e 02 (dois) meses de reclusão e pagamento de 12 (doze) dias-multa, para o crime de receptação.
Na segunda fase, presente a agravante da reincidência (Proc. 0012598-07.2013.8.26.0268, transito 05/12/2016 , execução n° 0001607-66.2016.8.26.0041 cancelada e apensada à execução nº 7000156-45.2017.8.26.0268, conforme pesquisa realizada nesta data pelo sistema informatizado deste E. Tribunal; Proc. 000793-24.2012.8.26.0355, transito em julgado em 25/04/2016, execução nº 7000156-45.2017.8.26.0268, extinta pelo cumprimento aos 11/11/2023, c. fls.283) e ausentes circunstâncias atenuantes, as penas foram exasperadas em 1/6, chegando a 05 (cinco) anos, 05 (cinco) meses e 10 (dez) dias de reclusão e pagamento de 12 (doze) dias- multa, para o crime de roubo e 01 (um) ano, 04 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão e pagamento de 12(doze) dias-multa, para o crime de receptação.
Assim, conforme consignado no acórdão, verifica-se que o paciente possui condenações diversas transitadas em julgado, sendo uma apta a configurar maus antecedentes e outra apta a configurar a reincidência, segundo consignou o Tribunal local. Dessa forma, tendo em vista que são condenações por fatos diversos, não há ilegalidade em utilizar uma na primeira fase e outra na segunda fase.
Nesse sentido:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. ROUBO SIMPLES EM CONCURSO FORMAL. DOSIMETRIA. PENA-BASE. POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE CONDENAÇÕES ANTERIORES NA PRIMEIRA E NA SEGUNDA ETAPAS DA DOSIMETRIA QUANDO SE TRATA DE PROCESSOS DISTINTOS. BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. PLEITO DE RECONHECIMENTO DE CRIME ÚNICO. IMPOSSIBILIDADE. LESÃO A PATRIMÔNIOS DISTINTOS. FRAÇÃO DE AUMENTO EM RAZÃO DO CONCURSO FORMAL. NÚMERO DE DELITOS COMETIDOS. PRECEDENTES DESTA CORTE. REGIME INICIAL FECHADO. FUNDAMENTAÇÃO DO REGIME MAIS GRAVOSO QUE SE ALICERÇOU NA QUANTIDADE DA PENA E NA REINCIDÊNCIA DO PACIENTE. BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. PRECEDENTES. DETRAÇÃO. AINDA QUE APLICADA, NÃO REDUZIRIA A PENA PARA PATAMAR INFERIOR A 4 ANOS. REGIME MAIS GRAVOSO COM BASE NA REINCIDÊNCIA.
IRRELEVÂNCIA DO EVENTUAL APROVEITAMENTO DO TEMPO DE PRISÃO
PROVISÓRIA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. 2. Condenações pretéritas podem ser utilizadas tanto para valorar os maus antecedentes na primeira fase, bem como para agravar a pena na segunda fase, a título de reincidência, sem ocorrência de bis in idem, desde que as condenações sejam de fatos diversos. Precedentes.
3. No caso dos autos, verifica-se que o paciente possui condenações diversas transitadas em julgado, sendo uma apta a configurar maus antecedentes e outra apta a configurar a reincidência
4. É assente nesta Corte Superior que o roubo perpetrado contra diversas vítimas, ainda que ocorra em um único evento, configura o concurso formal e não o crime único, ante a pluralidade de bens jurídicos tutelados ofendidos.
5. Em relação à fração adotada para aumentar a pena em razão do reconhecimento do concurso formal, nos termos da jurisprudência deste Tribunal Superior, o aumento tem como parâmetro o número de delitos perpetrados, no intervalo legal entre as frações de 1/6 e 1/2. 6. No presente caso, tratando-se de três infrações, a escolha da fração de 1/5 foi correta, não havendo ilegalidade a ser sanada.
7. A fixação do regime prisional segue as regras do artigo 33 do Código Penal. A dosimetria da pena, por sua vez, respeita os critérios definidos pelos arts. 59 e 68 do Código Penal. Assim, inexiste bis in idem quando a reincidência é utilizada para agravar a pena, na segunda fase da dosimetria da pena, e, novamente, para fundamentar o regime mais gravoso.
8. A aplicação do comando previsto no § 2º do art. 387 do Código de Processo Penal se refere, simplesmente, ao cômputo da prisão provisória para efeito de fixar o regime inicial, o que demanda análise objetiva sobre a eventual redução da pena para patamar mais brando, dentre as balizas previstas no § 2º do art. 33 do Código Penal 9. No caso, verifica-se que, mesmo aplicada a regra da detração, o tempo de prisão provisória não reduziria a pena para patamar inferior a 4 anos, sendo o regime mais gravoso fixado com base em fundamentação concreta (reincidência), razão pela qual a efetiva detração de eventual pena cumprida de forma provisória seria irrelevante.
10. Habeas corpus não conhecido.
(HC n. 430.716/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 19/6/2018, DJe de 29/6/2018.)
Portanto, em face do exposto, não se identifica, na documentação colacionada, qualquer flagrante ilegalidade, teratologia ou abuso de poder que justifique a concessão da ordem de habeas corpus, seja por cognição da impetração como sucedâneo de recurso próprio, seja pela atuação de ofício.
A decisão proferida pelo Tribunal de origem está adequadamente fundamentada, e a pretensão defensiva não logrou demonstrar o efetivo prejuízo exigido para o reconhecimento da nulidade, tampouco cumpriu o ônus da dialeticidade recursal nas instâncias anteriores.
Pelo exposto, não conheço do habeas corpus substitutivo e, na análise de ofício, não visualizo elementos capazes de caracterizar flagrante ilegalidade.
Publique-se.
Intimem-se.
Relator
CARLOS CINI MARCHIONATTI (DESEMBARGADOR CONVOCADO TJRS)
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