Janilda De Sousa Lima e outros x Estado Do Ceara e outros
ID: 262573197
Tribunal: TJCE
Órgão: 2º Gabinete da 2ª Câmara de Direito Público
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 3007236-38.2022.8.06.0001
Data de Disponibilização:
30/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
PAULO DE TARSO CAVALCANTE ASFOR JUNIOR
OAB/CE XXXXXX
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TAYTALA VIRGINIA DE OLIVEIRA
OAB/CE XXXXXX
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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA2ª CÃMARA DE DIREITO PÚBLICO APELAÇÃO CÍVEL Nº 3007236-38.2022.8.06.0001 APELANTE: JANILDA DE SOUSA LIMA APELADOS: MUNICÍPIO DE FORTALEZA E ES…
ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA2ª CÃMARA DE DIREITO PÚBLICO APELAÇÃO CÍVEL Nº 3007236-38.2022.8.06.0001 APELANTE: JANILDA DE SOUSA LIMA APELADOS: MUNICÍPIO DE FORTALEZA E ESTADO DO CEARÁ ORIGEM: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE FORTALEZA EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL POR ERRO MÉDICO. RELATO DE MORDEDURA DE RATO PELO PACIENTE. DESCONSIDERAÇÃO PELOS AGENTES PÚBLICOS DE SAÚDE. PÉRIPLO EM UNIDADES DO SISTEMA PÚBLICO DE SAÚDE. ATENDIMENTOS E EXAMES MÉDICOS INADEQUADOS AO TRATAMENTO EFICAZ DO PACIENTE. CONTÁGIO POR LEPTOSPIROSE. AGRAVAMENTO DOS SINTOMAS. DIAGNÓSTICO TARDIO. NEGLIGÊNCIA E IMPERÍCIA MÉDICAS CONFIGURADAS. NEXO DE CAUSALIDADE. CONDUTAS DOS AGENTES PÚBLICOS DE SAÚDE E EVENTO MORTE. SENTENÇA REFORMADA. INVERSÃO DO ÔNUS SUCUMBENCIAL. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Pretensão indenizatória por danos morais sofridos em consequência de sucessivos erros médicos e tratamentos inadequados, por negligência e imperícia do sistema público de saúde, que levaram a óbito o esposo da apelante, em consequência de Acidose Refratária, Insuficiência Renal Crônica, Choque Séptico e Leptospirose, realizados em unidades de saúde do Município de Fortaleza e do Estado do Ceará - UPA Jangurussu, Hospital São José e Hospital Geral de Fortaleza. Sentença de improcedência. 2. Evidentes omissão e imperícia dos agentes de saúde em atendimentos ao paciente, sucessivos e falhos, em diversas unidades de saúde, desde a fase precoce da doença. 3. Conjunto probatório que revela, pela negligência na aplicação do tratamento adequado, o rápido agravamento do estado do paciente até a iminência da morte, quando nada mais poderia ser feito. 4. Não observância pelos agentes de saúde pública das circunstanciadas orientações oficiais e protocolos a serem seguidos, constantes do Guia de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde e do Boletim Epidemiológico do Estado do Ceará - Vigilância da Leptospirose, no atendimento ao paciente, tanto pela desconsideração do seu próprio relato sobre a mordedura do rato, quanto pela ausência de administração da terapêutica medicamentosa, de forma inicial e adequada à moléstia, a configurar a responsabilização civil. 5. Agravamento acelerado do quadro clínico do paciente, evidenciado nos exames médicos, simultâneo aos sintomas característicos de leptospirose, sem tratamento adequado pelas unidades do sistema de saúde pública procuradas. 6. Comprovação da responsabilidade civil objetiva do Município de Fortaleza e do Estado do Ceará, pela conduta desidiosa dos seus agentes públicos, consubstanciada na inobservância das recomendações oficiais para o tratamento básico da doença, do evento morte e do nexo de causalidade, pela tardia e inócua prestação da terapêutica medicamentosa prevista para a moléstia. 7. Reforma da sentença, pelo dano moral suportado pela recorrente, a ser reparado em face da dor e sofrimento advindo da morte do seu esposo, em fatigante busca por tratamento médico adequado e percalços sofridos, em diversas unidades de saúde. 8. O valor da indenização, arbitrado em R$ 100.000,00 (cem mil reais), a ser dividido entre os apelados de forma equitativa, atende ao princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, considerando-se as circunstâncias fáticas que envolveram os autos e o descaso dos agentes de saúde ante o agravamento do quadro infeccioso do paciente; além do caráter pedagógico-punitivo da condenação, com o escopo de coibir semelhantes condutas. 9. O valor indenizatório fica acrescido de correção monetária pelo IPCA-E a partir do arbitramento (Súmula 362 do STJ) e juros moratórios aplicáveis à caderneta de poupança desde o evento danoso (Súmula 54 do STJ), conforme parâmetros fixados pelo STJ no REsp 1.495.146/MG. 10. Em razão da sucumbência, ficam os demandados condenados ao pagamento de honorários advocatícios no montante de 10% sobre o valor da condenação, a ser rateado igualmente entre ambos, nos termos do art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC. 11. Apelação Cível conhecida e provida. ACÓRDÃO ACORDA a 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, mediante julgamento estendido, por maioria de votos, em conhecer do recurso de Apelação Cível para provê-lo, nos termos do voto da Desembargadora Designada para lavrar o Acórdão. Fortaleza, 02 de abril de 2025. TEREZE NEUMANN DUARTE CHAVES Desembargadora Designada para lavrar o Acórdão e Presidente do Órgão Julgador VOTO Vieram-me os autos conclusos por conta de pedido de vista, que formulei ante o Voto apresentado pela eminente Relatora, Des.ª Maria Iraneide Moura Silva, na Sessão da 2ª Câmara de Direito Público do dia 19/02/2025 (Relatório e Voto nos IDs 17679726 e 18144392, respectivamente). Adoto o bem elaborado relatório no ID 17679726 da Relatoria, a seguir transcrito: Cuida-se de Apelação nos autos da ação de Indenização por dano moral por erro médico, em cujo feito restou julgado improcedente o pedido, fixando honorários em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa. Na exordial, alega a autora Janilda de Sousa Lima que no dia 1º.07.2018, seu esposo, Sr. Antônio Ferreira Lima, de 48 (quarenta e oito) anos de idade, estava limpando o quintal quando fora mordido no pé direito por um rato. Que no dia seguinte fora ao posto de saúde do bairro, onde fora informado que não tinha vacina e que procurasse um hospital se inflamasse, já que se tratava de uma "feridinha". Acrescenta que no dia 05.07.2018 começou a sentir febre e dor de cabeça e se dirigiu até a UPA Jangurussu, onde recebeu dipirona e foi encaminhado ao Hospital São José, e após ser medicado com ibuprofeno fora mandado para casa por não se tratar de leptospirose. Contudo, alega que os sintomas pioraram com vômitos, dor no corpo e cloração amarelada da pele, motivo pelo qual retornou no mesmo dia à UPA de Jangurussu, bem como nos dias 07.07 e 08.07, sendo sempre medicado para dor e encaminhado para casa. Afirma que no dia 09.07.2018 foi até o Hospital Frotinha da Parangaba e após realizar exames foi encaminhado a um hospital para ser internado, mas como não havia vaga, fora internado na UPA do Jangurussu. No dia seguinte, dia 10.07, alega que a médica inseriu o seu esposo na central de leitos, porquanto precisava fazer hemodiálise. Aduz que no dia 11.07.2018 foi encaminhado na UTI para o Hospital Geral de Fortaleza - HGF, onde iniciou tratamento tardio, porquanto na tarde do dia seguinte veio a falecer por acidose refratária, insuficiência renal crônica, choque séptico e leptospirose. Aponta falta de tratamento adequado, porquanto mesmo tendo procurado ajuda todos os dias, nenhum médico lhe auxiliou com a informação ou tratamento adequado, mesmo quando ciente de que se tratava de mordida de rato, motivo pelo qual requereu indenização por dano moral no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). Regularmente citado, o Estado do Ceará rechaçou a pretensão autoral, arguindo não ser possível responsabilizar o profissional da saúde ou o ente público em decorrência de condições de saúde inerente ao quadro do paciente. Ressaltou a inexistência de nexo causal apto a gerar obrigação de indenizar e, por fim, alegou excessiva a verba indenizatória pleiteada. No mesmo sentido a contestação do Município de Fortaleza. Juntada a réplica e redistribuídos os autos, foram as partes intimadas para produção de provas, sendo realizada audiência e seguida da entrega dos memoriais, do parecer ministerial e da sentença de improcedência do pedido. Irresignada, autora apelou pela reforma do julgado, arguindo a comprovação do erro médico no atendimento com uso de medicação inadequada, porquanto somente obteve tratamento da leptospirose após várias idas a UPA, Hospital São José e Frotinha, restando, assim, caracterizado o nexo causal e o dever de indenizar. Apresentadas as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte de Justiça. É o relato. Posta a questão sob exame, passo à análise do mérito da demanda. Como relatado, trata-se de Apelação cível interposta por Janilda de Sousa Lima, tendo como apelados o Município de Fortaleza e o Estado do Ceará, contra a sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Tauá, nos autos da Ação de Indenização por Danos Morais, que julgou improcedente o pleito autoral indenizatório por dano moral que afirma ter sofrido em consequência de erros médicos consistentes em tratamentos inadequados, por negligência e imperícia, que levaram a óbito seu esposo, Antônio Ferreira Lima, 48 anos de idade, em consequência de Acidose Refratária, Insuficiência Renal Crônica, Choque Séptico e Leptospirose (Certidão de Óbito no ID 15590514), realizados em unidades de saúde do Município de Fortaleza e do Estado do Ceará - UPA Jangurussu, Hospital São José e Hospital Geral de Fortaleza. A sentença de primeiro grau julgou improcedentes os pedidos autorais por entender que os elementos contidos nos autos, in verbis: "reforçam a argumentação de que não houve erro de diagnóstico que tivesse contribuído para o evento danoso, sendo certo que restou comprovado que o falecido foi atendido por vários profissionais e se submeteu a diversos exames, em curto período de tempo, afastando, assim, alegação de negligência ou imperícia médica, aptas a ensejar a condenação em danos morais." (ID 15590713). Como visto, o Magistrado fundamentou-se, para afastar o cometimento de erro de médico - seja por negligência ou imperícia -, na inexistência de erro de diagnóstico; no atendimento ao paciente por vários profissionais; e na realização de vários exames. Não obstante, o contexto fático-probatório dos autos aponta em sentido inverso. Isso porque os atendimentos médicos e exames realizados foram inadequados ao tratamento eficaz do paciente, pela negligência e imperícia com que foram prestados, como se constata do exame da prova documental. O certo é que o Sr. Antônio Ferreira Lima, esposo da autora, realizou verdadeiro périplo de angústia e dor pelas unidades de saúde do município e do Estado, buscando o tratamento adequado ao seu grave quadro clínico gerado pela mordedura do rato, a cada dia agravado pela desídia com que foi acompanhado pelos agentes públicos de saúde responsáveis pelo seu restabelecimento. Vejamos a sequência de sua via crucis: - Dia 01/07/2018: Antônio Ferreira Lima foi mordido por um rato enquanto limpava o quintal de sua residência. - Dia 02/07/2018: Procurou Posto de Saúde do seu bairro Jangurussu, onde a mordedura foi considerada apenas uma "feridinha", sendo informado que não dispunham de vacina e orientado a procurar um hospital se o ferimento inflamasse. - Dia 05/07/2018, às 17:41hs: O paciente buscou à UPA Jangurussu, acometido de febre e dores de cabeça, sendo atendido pela médica Dra. HAYLA OLIVEIRA TAROIN ROZEIRA, CRM 10390, a qual lhe prescreveu "Dipirona", com recomendação de encaminhamento ao Hospital São José de Doenças Infecciosas (ID 15590518): PRESCRIÇÃO MÉDICA DIPIRONA 1 GRAMA …...1 CAIXA TOMAR 1 COMP VO DE 6 EM 6 HORAS SE DOR OU FEBRE ENCAMINHAMENTO MÉDICO AO HOSPITAL SÃO JOSÉ MORDEDURA DE RATO HÁ 5 DIAS [grifei] Na Ficha de Atendimento, a médica aponta, tão somente, como "Hipótese Diagnóstico: CEFALEIA", embora soubesse do relato do próprio paciente que: "PCT RELATA QUE FOI MORDIDO POR UM RATO HÁ 5 DIAS E NÃO PROCUROU ATENDIMENTO MÉDICO" [grifei] Portanto, mais que documentada a ciência do sistema de saúde de que o paciente fora mordido por rato; razoável, portanto, que esse dado fosse considerado para a identificação da causa dos sintomas que o acometiam, a determinar o tratamento adequado. - Dia 05/07/2018, às 23:07hs: No mesmo dia do atendimento supra referido, o paciente retornou à UPA Jangurussu, sendo atendido pelo médico Dr. CARLOS TAIRO DIÓGENES HOLANDA, CRM 15586 (ID 15590517, fls. 02): Queixa: CEFALEIA E FEBRE HÁ 1 DIA CLASSIFICAÇÃO DE RISCO: VERDE Hipótese Diagnóstico: INFECÇÃO VIRAL NÃO ESPECIFICADA HDA/Exame Físico: REFERE HÁ 1 DIA CEFALEIA E FEBRE NÃO MENSURADA CHECO HC SEM ANORMALIDADES [grifei] Não consta desse documento qualquer prescrição de medicamento ou exame. Note-se que o paciente, com mordedura de rato há cinco dias - fato do pleno conhecimento do sistema de saúde, registrado no atendimento da UPA, expressamente, pela Dra. HAYLA OLIVEIRA TAROIN ROZEIRA, conforme consta do atendimento anterior - foi incluído, mesmo assim, com total desídia, no Risco Verde, com diagnóstico genérico de INFECÇÃO VIRAL NÃO IDENTIFICADA, sem prescrição. - Dia 07/07/2018: Atendimento no "HOSPITAL SÃO JOSÉ DE DOENÇAS INFECCIOSAS" da Secretaria de Saúde do Estado do Ceará - portanto hospital especializado no tratamento de infecções - por encaminhamento da UPA, confirmado pelo próprio ente público estadual (ID 15590721, fls. 04): (…) o encaminhamento que teria sido realizado pela unidade básica de saúde [UPA Jangurussu] foi adequado, pois o Hospital São José é um nosocômio destinado ao tratamento de doenças infecciosas, trabalhando, inclusive, na formação de médicos infectologistas, sendo o centro médico especializado mais adequado para o tratamento da condição de saúde do paciente. Isso porque a leptospirose é uma doença infecciosa febril aguda, transmitida a partir da exposição direta ou indireta à urina de animais (principalmente ratos) infectados pela bactéria leptospira, que penetra na pele, principalmente a partir de lesões ou na pele íntegra em longos períodos de imersão em água contaminada ou por mucosas. [grifei] O paciente, com histórico de mordedura por rato há sete dias, apresentando vários sintomas compatíveis com a grave infecção que o acometia (Cefaleia + Artralgia + Febre + Odinofagia + Diurese Escura de Início há 3d) [ID 1590517 - fls. 03], foi atendido, em 07/07/2018, pela médica infectologista Dra. MÔNICA DE PAIVA SANTOS, CREMEC 4511, que recebeu o Sr. Antônio Ferreira de Lima encaminhado por unidade de saúde pública. No entanto - pelo que se vê na Receita acostada aos autos - limitou-se a prescrever-lhe tão somente o fármaco "IBUPROFENO", anti-inflamatório destinado ao alívio de febre, cefaleia e outras dores, com a posologia de "1 comprimido de 12/12 h", sem qualquer outra observação sobre o quadro clínico do paciente (Receita Médica no ID 15590518 - fls. 04). Dessa prova documental exsurge a desídia da médica pelo paciente; não se pode falar em imperícia, pois a infectologista tem quase quatro décadas nessa especialidade, que diagnostica, trata e previne doenças infecciosas, causadas por microrganismos como bactérias, vírus, fungos e parasitas. Naturalmente que a Dra. MÔNICA DE PAIVA SANTOS, com formação especializada nessa área da Infectologia, tinha vasta experiência, pois se encontra inscrita no CRM/CE desde 03/02/1987 (fonte: https://cremec.org.br/busca-medicos), há 38 anos portanto; assim, não poderia ignorar o relato do paciente sobre a mordedura do rato, tampouco o encaminhamento feito pela UPA, nem mesmo os sintomas graves do quadro clínico do paciente. Não obstante, prescreveu-lhe apenas um Anti-inflamatório, quando deveria tê-lo internado imediatamente e iniciado o tratamento com antibióticos. Se prestou atendimento a mais ao paciente, nenhum documento foi apresentado pelo Estado do Ceará - a exemplo de Ficha de Atendimento - para provar que o paciente tenha sido examinado; que tenha havido alguma anotação sobre seu histórico de queixas; que tenha sido emitida alguma hipótese de diagnóstico; ou alguma determinação para a realização de exames. Dessa forma, razão assiste à apelante, ao rechaçar esse atendimento, por negligência médica, pois é consabido, pelos estudos e prática clínica generalizada no tratamento de infecções, a indicação dos Antibióticos. - Dia 07/07/2018, às 23:15hs: Nesse mesmo dia, continuando seu doloroso périplo pelas unidades de saúde, o paciente retornou à UPA Jangurussu, sendo atendido na última hora do dia pelo médico Dr. DAVI FALCÃO MENEZES BRILHANTE - CRM 16182 (ID 1590517 - fls. 03 e 15590517 - fls. 07): CLASSIFICAÇÃO DE RISCO: AMARELO Queixa: Cefaleia + Artralgia + Febre + Odinofagia + Diurese Escura de Início há 3d Hipótese Diagnóstico: OUTROS SINTOMAS E SINAIS GERAIS Como visto, já passada uma semana da mordedura do rato, agravados os sintomas, o paciente apresentou preocupante quadro de saúde, que elevou a sua classificação de risco para "Amarelo". A denotar o descaso com paciente, na UPA, na sua "Ficha de Atendimento" há a despropositada anotação de "Chikungunya: Sim" (ID 15590530, fls. 06). Quanto ao campo a preencher denominado: "Hipótese Diagnóstico", também há incoerência e desídia, pois genérico, sem nada esclarecer; apenas se consigna, nessa rubrica, sintomas que acometiam o paciente: Hipótese Diagnóstico: OUTROS SINTOMAS E SINAIS GERAIS. O médico responsável por esse atendimento, Dr. DAVI FALCÃO MENEZES BRILHANTE, se limitou a determinar a realização de Exames de Sangue, Urina e Raio X de tórax; bem como prescrever anti-inflamatórios, sem considerar nem mencionar o histórico da mordedura do rato: - Dia 08/07/2018, às 12:30hs: Mais uma vez na UPA Jangurussu, o paciente foi atendido pela médica Dra. LOUISE TEIXEIRA CARVALHO, CRM 11987, que relatou (ID 15590517 - fls. 05 e ID 15590530 - fls. 09), in verbis: - HDA/Exame físico: Paciente, 48 anos, sem comorbidades, tabagista importante, retorna assintomático para mostrar exames, pois evadiu-se durante a madrugada. Refere história de cefaleia, febre vespertina, colúria e mialgia com 2 dias de evolução, que melhoraram significativamente com medicação realizada nessa unidade. Nega perda ponderal ou dores abdominais ou dorsaldia. Nega Alergias medicamentosas. [grifei] A Dra. LOUISE TEIXEIRA CARVALHO se refere à suposta "evasão" do paciente durante a madrugada e seu retorno à Unidade para mostrar exames. A afirmação é contraditória e não corresponde aos fatos, pois o paciente não estava internado, mas sim em atendimento na Emergência da UPA; apenas se ausentou por algumas horas; tanto que retornou "para mostrar exames", como diz a própria médica. Admitindo-se que isso tivesse ocorrido, a profissional não explica qual a falha no sistema de segurança da UPA que teria permitido a "evasão". O certo é que o paciente foi atendido na última hora do dia 07/07/2018, às 23:15 hs e retornou na manhã do dia seguinte, 08/07/2018, com o resultado dos Exames (ID 15590527, fls. 10): - (07/07/18): HB 14,2, HT 41,6%, 7000 LEU, 104.000 PLAQ. INR 0,98, TGO 89, TGP 108, UR 27, BT 2,99, BD 2,04, BI 0,95, K 4,2, NA 132, EAS COM UROBILINOGÊNIO 2,0 AO EXAME, BEG. ORIENTADO, EUPNEICO, NORMOCORADO, ICTÉRICO 1+/4+, AC e AP Fisiológico. CD: Oriento prosseguir com investigação de SD Colestática A/E. Inclusive no documento de ID 15590530 - fls. 12, foi registrada a sua saída da Emergência, no dia 08/07/2018, às 12:39 h. Portanto, a palavra "evasão", se empregada no sentido de "fuga", não corresponde ao ocorrido. O próprio Estado do Ceará admite que o demandante somente foi internado posteriormente, referindo-se ao internamento do paciente na UPA em 09/07/2018 (ID 15590526, fls. 04): O não internamento anterior não mostra nenhum erro médico ou negligência. Os médicos responsáveis pelos atendimentos anteriores apenas diagnosticaram a não necessidade de internação. Não é porque em momento posterior foi necessário a internação que essa mesma necessidade se mostrou anteriormente. - Dia 09/07/2018, às 08:07 hs: Já bastante debilitado, às vésperas de sua morte, o paciente, prosseguindo na busca por tratamento, buscou o HOSPITAL DISTRITAL MARIA JOSÉ BARROSO DE OLIVEIRA - HDMJBO - Frotinha Parangaba (ID 15590530 - fls. 20-21 e 26-27), sendo atendido no "Atendimento Emergencial", conforme consta nas Informações prestadas pelo Diretor Técnico desse hospital, Dr. AMAURY DE CASTRO E SILVA FILHO - CRM 8969, in verbis (ID 15590530): Após pesquisa no sistema de gerenciamento de atendimentos - SIGIS - foi identificado um único atendimento do referido paciente na data de 09/07/2018 às 08:07 horas no Hospital Distrital Maria José Barroso de Oliveira, como consta no REGISTRO DE ATENDIMENTO EMERGENCIAL e no REGISTRO DE ATENDIMENTO AMBULATORIAL (ambos em anexo). Baseado apenas nesses documentos, pode-se informar que o paciente foi atendido na emergência do referido nosocômio com queixas de dor articular, febre e urina escura. Na ocasião, o paciente foi medicado, às 08:50 horas, com hidratação venosa, medicamentos sintomáticos para dor e febre e realizou ultrassonografia de abdome total. Após o resultado dos exames, o médico assistente encaminhou o paciente para um hospital terciário por constatar que o perfil de gravidade do mesmo não se adequava ao perfil do hospital. O paciente não foi internado nesta unidade. [grifos originais] Como visto, o paciente obteve mais do mesmo tratamento até então dispensado ao seu grave estado: soro, remédios para dor e febre. Fizeram Ultrassonografia de abdome total e constataram a gravidade do seu estado. Nesse Hospital Distrital, apesar de identificarem essa gravidade - tanto que o Dr. AMAURY DE CASTRO E SILVA FILHO reconhece a necessidade urgente de encaminhá-lo a um Hospital Terciário - nenhuma providência foi adotada para sua internação imediata, o que facilitaria seu posterior encaminhamento ao Hospital Terciário (já estaria incluído para a transferência pelas vias oficiais do sistema de saúde). Não obstante, mais uma vez foi mandado para casa. O Sr. Antônio Ferreira de Lima só seria internado no dia seguinte, quando, por sua iniciativa, novamente procurou a UPA Jangurussu. - Dia 09/07/2018, às 17:53 hs: Nesse mesmo dia, à tarde, o paciente que deveria ter sido internado imediatamente em Hospital Terciário, retornou à UPA Jangurussu. Foi atendido novamente pela Dra. HAYLA OLIVEIRA TARDIN ROZEIRA, CRM 10390, no final do Plantão (a mesma médica que o atendera no dia 05/07/2018, e anotara, na respectiva Ficha de Atendimento, a "MORDEDURA DE RATO HÁ 5 DIAS"). O paciente vinha do Hospital Distrital Maria José Barroso de Oliveira - Frotinha Parangaba, em estado bem mais agravado em relação ao primeiro atendimento com essa médica. Note-se que nesse Hospital Distrital tinham identificado a gravidade do estado do paciente, a confirmar sua dolorosa peregrinação pelas unidades do sistema público de saúde, sem que obtivesse o tratamento adequado. Novamente na UPA, a referida médica, na Ficha de Atendimento desse dia 09/07/2018, anotou (ID 15590517): HDA/Exame Físico: PT COM MECOLUÇÃO EM 4 DIAS COM VÔMITOS, FEBRE, DOR ABDOMINAL DIFUSA E ICTERÍCIA. DEU ENTRADA HOJE, NESSA EMERGÊNCIA, ENCAMINHADO DO FROTINHA COM RESULTADO DE US ABD TOTAL (CALCULOSE BILIAR E RENAL) E EXAMES LABORATORIAIS: PLAQUETOPENA: Plaquetopena: 37, SEG: 84, BILIRR: 13,16 E INDITETA: 12,71, CREATININA: 1,4 UREIA: 77. NEGA HISTÓRICO DE ABUSO DE INGESTA DE BEBIDA ALCOÓLICA. [grifei] - EXAMES: LOTE, FASCIES DE DOR, TURGOR DIMINUÍDO, ICTÉRICO (++/6), AFEBRIL, HIPOCORADO (++/4). RELATA URINA COR DE COCA-COLA E FEZES DE COLORAÇÃO NORMAL. ABD: GLOBOSO, DISTENDIDO E DOLOROSO A PALPAÇÕES. [grifei] ACV: RCR, 2T, BNF AR: MV + SEM RA Houve "Queixa: DOR ABDOMINAL DIFUSA HÁ 10 DIAS COM PIORA HÁ 2 DIAS" A "Classificação de Risco" mudou para "LARANJA". Não obstante, a médica Dra. HAYLA OLIVEIRA TARDIN ROZEIRA, CRM 10390, passa o plantão para o colega, consignando na "Ficha de Atendimento": "Hipótese Diagnóstico: DOR ABDOMINAL E PÉLVICA" "PASSADO CASO PARA CHEFIA DE PLANTÃO. PEÇO EXAMES COMPLEMENTARES DO DIA" No campo destinado à "Hipótese de Diagnóstico", a médica se limita a anotar apenas dois sintomas do paciente - dor abdominal e pélvica - sem qualquer menção ao mal que o afligia. Ademais, não fez qualquer alerta ao médico sucessor no Plantão sobre a "MORDEDURA DE RATO" que sofrera o paciente há 9 dias atrás; fato do seu pleno conhecimento desde o dia 05/07/2018, quando atendeu ao paciente pela primeira vez; informação imprescindível ao colega para o tratamento adequado. Ressalte-se que nesse dia 09/07/2018, o paciente já havia piorado bastante, estando a apenas três dias da morte. Mesmo assim, a essa altura, a médica ainda precisava de "exames complementares" para prestar o tratamento adequado a um paciente mordido por rato, com sintomas compatíveis com Leptospirose. Se não houve negligência, resta evidente a imperícia do agente público de saúde. Nessa mesma Ficha de Atendimento do dia 09/07/2018, às 20:21hs, no "PROTOCOLO DE SEPSE" (ID 15590516, fls. 01), o Dr. RENATO DE CASTRO PEREIRA ROBERTO - CREMEC 12.772, anotou a PA do paciente: 100 x 60 e Sepse Grave: Sim. - 10/07/2018: A dois dias da morte do paciente é emitido um Relatório pela UPA de JANGURUSSU, requerendo com urgência homodiálise para o paciente, sob risco de óbito, assinado pelo médico Dr. RENATO DE CASTRO PEREIRA ROBERTO, CREMEC 12.772, Cirurgião Geral (ID 15590516): ATESTO QUE, PARA OS DEVIDOS FINS, O SR. ANTÔNIO FERREIRA LIMA, 48 ANOS, INTERNADO NESTE SERVIÇO DESDE 09/07/2018 POR QUADRO DE INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA (CID10: N17.9), SEPTICEMIA (CID 10: A 41.9) NECESSITANDO DE HEMODIÁLISE DE URGÊNCIA PERMANECE NA UPA JANGURUSSU COM SUPORTE VENTILATÓRIO (MÁSCARA VENTURI 50%), VIGILÂNCIA DA FUNÇÃO RENAL, E TENTATIVAS DE TRANSFERÊNCIA VIA UNISUS PARA HOSPITAL TERCIÁRIO A FIM DE REALIZAR TRATAMENTO ADEQUADO COM HOMOCIÁLISE EM CARÁTER DE URGÊNCIA. (…) O ATRASO NA TRANSFERÊNCIA CULMINARÁ NO ATRASO DA TERAPÊUTICA INTEGRAL DO PACIENTE, PODENDO ACARRETAR EM AGRAVOS DA SUA CONDIÇÃO CLÍNICA, INCLUSIVE ÓBITO. [grifos originais] Esse Relatório bem revela as mazelas do sistema público de saúde, por não ter providenciado o tratamento adequado do paciente em tempo hábil a salvar-lhe a vida. Somente na 25ª hora, quando a septicemia se alastrava pelo corpo do paciente, despertou-se para a solução última da hemodiálise em caráter de urgência, a qual necessitava de UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA - UTI - PRIORIDADE 1, sob risco de óbito do paciente, conforme expresso no referido relatório. Tantas vezes o sistema público de saúde mandou o paciente de volta para casa, com fármacos paliativos contra dores, a título de tratamento contra a Leptospirose que o consumia progressivamente. Desde o primeiro atendimento, o diagnóstico já se evidenciara pela provável hipótese de Leptospirose, tanto pela mordedura do rato, quanto pelos sintomas do paciente, compatíveis com essa doença infecciosa. Vejamos as manifestações clínicas compatíveis com esse diagnóstico, a exemplo de febre, dor de cabeça, mialgia (dor muscular, principalmente nas panturrilhas), tosse, naúseas e vômitos, abdome agudo, hiperemia conjuntival (vermelhidão da conjuntiva), insuficiência renal e respiratória, hipotensão, hemorragia, e icterícia (pele amarelada), conforme se extrai do site do Ministério da Saúde do Governo Federal. Comparecem-se esses sintomas ao quadro clínico do paciente, conforme "Resumo Clínico" no ID 15590516, fls. 08): SÍNDROME FEBRIL ICTÉRICA A/E (LEPTOSPIROSE? SEPSE BILIAR?) [A dois dias da morte do paciente, ainda a dúvida] INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA (…) COM RELATO DE DOR ABDOMINAL DIFUSA, MIALGIA, DOR EM PANTURRILHAS, VÔMITOS, FEBRE, HIPEREMIA CONJUNTIVAL, ICTERÍCIA PROGRESSIVA DE INÍCIO EM 05/07/2018. RELATO DE MORDIDA DE RATO HÁ 2 SEMANAS. EVOLUÇÃO. PACIENTE EVOLUI COM DESCONFORTO RESPIRATÓRIO, NECESSITANDO DE MV50%, PIORA DA ICTERÍCIA E QUEIXA-SE DE DOR ABDOMINAL DIFUSA, ANÚRICO, E PROGRESSIVAMENTE APRESENTANDO SONOLÊNCIA. É consabido que o tratamento para a Leptospirose, pelo menos na fase precoce, é feito com antibióticos, o que, naturalmente, não mais terá o efeito desejado nos pacientes na fase tardia. Naturalmente que uma precoce identificação do estado do paciente é essencial, o que não ocorreu no caso, pois o Sr. Antônio Ferreira de Lima, a despeito do seu grave estado de saúde, somente foi internado a três dias de seu falecimento, após vários atendimentos infrutíferos, inclusive de uma médica infectologista. Pelo conjunto probatório, exsurge dos autos a negligência e imperícia que protelaram o tratamento até levar o paciente às portas da morte, quando nada mais poderia ser feito ante a rápida escalada da Acidose Refratária, Insuficiência Renal Crônica, Choque Séptico e Leptospirose, causas de sua morte, conforme Certidão de Óbito no ID 15590514. Registra-se, por oportuno, o Pedido de Regulação do Paciente - LAUDO DE SOLICITAÇÃO DE INTERNAÇÃO, demandado pela Unidade Pronto Atendimento UPA Jangurussu à CRESUS - Central de Regulação Estadual do SUS, datado de 10/07/2018 (ID 15590515 - fls. 03-07), em que se informa a evolução do quadro de saúde, as terapêuticas médicas adotadas e a lista de ocorrências até a ciência da autorização de transferência para o HGF. Na Justificativa para a internação consta apenas como "Diagnóstico Inicial, Principal e Sedundário: Insuficiência renal aguda não especificada"; e como "Principais Sinais e Sintomas Clínicos: Icterícia + Insuficiência Renal Aguda + Febre (Leptospirose? Colangite?)" [Ainda a dúvida sobre o diagnóstico a dois dias da morte do paciente] Subsequentemente, foi realizada a transferência do paciente para o Hospital Geral de Fortaleza - HGF. - Dia 11/07/2018: Na véspera da morte do paciente, ele foi transferido da UPA Jangurussu para o Hospital Geral de Fortaleza - HGF (ID 15590517 - fls. 10). 00:57 - Paciente 801173. Clínica/Enfermaria/Leito: Reanimação/Reanimação/01 Na "Interconsulta", constam os seguintes dados: - Solicitante - Profissional: Pedro Pinto Firmeza - Data da solicitação: 11/07/2018 00:57 - Solicitação - Paciente: sim - Especialidade: Nefrologia - Interconsulta: Relato de dor abdominal difusa, mialgia, dor em panturrilhas, febre, icterícia progressiva de início em 05/07/18. Relato de mordida de rato há 2 semanas. [Inequívoca ciência do sistema de saúde desse evento]. Evoluiu anúrico nas últimas 24 horas. Piora da função renal. Acidose metabólica e plaquetopenia. [grifei] 10:05 - Identificação do paciente/cadastro. Prontuário: 801173. Admissão 11/07/2018 (ID 15590517 - fls. 09). Evolução registrada pelo profissional Alisson Dantas de Medeiros, assinada pela Dra. Rafaela Marrocos - CRM 18358 - relatando a condição do paciente e consignando as condutas adotadas: - Solicito rotina laboratorial, sorologias para hepatites e leptospirose, checo gasometria arterial (acidose respiratória, hipocalemia). - Solicito vaga de UTI. - Procedo com IOT e confecciono acesso de diálise. - Solicito RX de tórax e USG de abdome total. - Realizo fase rápida de reposição de potássio - Inicio ATB (Ceftriaxona) pensando em cobrir infecção por leptospira - Deixo suporte de glicose devido episódios recorrentes de hipoglicemia. [grifei] [Nessa Evolução, à véspera da morte do paciente, cogita-se em cobrir infecção por leptospira] - Dia 12/07/2018, às 16:44 hs: O Sr. Antônio Ferreira de Lima falece no Hospital Geral de Fortaleza - HGF. Fora admitido nesse Hospital no dia anterior, 11/07/2018, após progressiva piora, conforme Evolução assinada pelo Dr. EUGÊNIO SANTANA FRANCO FILHO, CREMEC 15636, médico emergencista (ID 15590515): EVOLUÇÃO: PACIENTE EVOLUIU COM PIORA PROGRESSIVA DO QUADRO SEM RESPOSTAS A DROGAS VASOATIVAS INDO A ÓBITO ÀS 16:44. Certidão de óbito no ID 15590514, constando como "causa mortis": Acidose Refratária, Insuficiência Renal Crônica, Choque Séptico e Leptospirose. Detalhado o atendimento médico prestado ao sr. Antônio Ferreira Lima, mediante dados extraídos do acervo probatório, prontuários e receituários médicos, passa-se à análise dos argumentos das partes, com vistas ao deslinde da questão em exame. Em suas razões (ID 15590717), a apelante alega que "a sentença não observou adequadamente as provas constantes nos autos e a responsabilidade objetiva do Estado e do Município, conforme previsto no artigo 37, §6º, da Constituição Federal." Na sequência aponta: a) o erro diagnóstico e falha no atendimento, pois, ao informar na consulta médica, dia 05/07/2018, que o seu esposo havia sido mordido por um rato há 5 dias, fora-lhe receitado dipirona e encaminhado ao Hospital São José; b) que nessa unidade de saúde, a médica infectologista, que o atendeu, prescreveu Ibuprofeno de 12/12 h, e lhe mandou pra casa; c) que nas diversas unidades de saúde em que foi atendido, entres os dias 05/07 a 09/07, não recebeu o tratamento adequado para a mordida de rato, o que culminou em leptospirose e, infelizmente, no seu óbito; d) que a sentença não considerou adequadamente o fato de que, pesar das múltiplas consultas e exames, o diagnóstico correto e o tratamento adequado foram negligenciados; e) a demora no atendimento e a falta de orientação sobre a vacina necessária foram fatores críticos que contribuíram para a gravidade da infecção; f) que se a médica infectologista que o atendeu, tivesse dado um GOOGLE teria visto que o melhor tratamento para mordida de rato era/é antibiótico e não anti-inflamatório, como é ocaso do IBUPROFENO, acrescenta que a profissional seria a responsável pela morte do seu esposo; g) somente veio a ser tratado da leptospirose depois de diversas idas a UPA, Hospital São José e Frotinha; e h) o argumento que o paciente fugiu da UPA, nada mais foi que foi a pedido médico, pois ele iria esperar mais de 4 horas pelo resultado de um exame de sangue, tanto que retornou na manhã do dia seguinte, conduta comum nas UPAS vez que se trata de um lugar de doenças e perigoso. Requesta, ao fim, pela condenação dos promovidos ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). Ofertando contrarrazões no ID 15590719, o Estado do Ceará argumenta, em suma, que: a) a parte demandante não se desincumbiu do seu ônus processual de provar o alegado, no caso o suposto erro médico, corroborado pelo trecho da sentença: "(…) A promovente, que detinha o ônus processual de comprovar suas afirmações, manifestou, expressamente, em audiência, concordar com o teor do relatório médico acostado em id. 56729005," não se vislumbra outro desfecho senão a declaração de improcedência do pedido; b) ao atender um paciente, o médico faz todo o possível para que este recupere sua saúde o mais breve, todavia, caso isto não ocorra, não pode o médico assumir qualquer responsabilidade, pois se trata de uma obrigação de meio, em que o resultado esperado não é exigível, exceto quando há dolo por parte do profissional; c) o Poder Público não foi omisso, pois foram feitos todos os procedimentos necessários, assim, inexistindo culpa, inexiste responsabilidade; d) inexiste razão para a condenação ao pagamento de indenização à parte autora, vez que restou comprovado que não houve negligência, em nenhum momento, por parte do ente estatal, tendo sido prestados devidamente os serviços de saúde; e) em se tratando de atividade médica, é imprescindível a realização de perícia oficial para se averiguar eventual negligência, imperícia ou desídia por parte do agente público estadual e f) impugna o valor dos danos morais almejados. Por sua vez, no ID 15590720, o Município de Fortaleza contra-arrazoa aduzindo, em síntese, que: a) no atendimento prestado pela UPA em 05/07/2018, o paciente referiu que foi mordido por rato há 5 dias e não procurou atendimento médico, tendo sido realizado hemograma completo na ocasião, tendo se evadido da unidade às 18:12h; b) na ocasião do primeiro atendimento na UPA Jangurussu, os sintomas eram inespecíficos de febre e cefaleia; c) após ter se evadido da unidade, retornou no mesmo dia às 22:31h, sendo o seu hemograma sem anormalidades; d) o segundo atendimento realizado na UPA, ocorreu em 07/07/2018, tendo sido relatada cefaleia, artralgia (dor nas articulações), febre, odinofagia (dor ao deglutir) e diurese escura há 3 dias, tendo sido requeridos diversos exames; e) alega que nos atendimentos seguintes, 08/07/20218 e 09/07/2018, o paciente relatou que os sintomas melhoraram significativamente com medicação realizada na unidade; f) em vista do resultado dos exames dentro da normalidade, mas a presença de icterícia, a médica orientou o paciente a prosseguir com a investigação de Síndrome Colestática; g) encaminhado do Hospital Frotinha, em vista do perfil de gravidade do paciente não se adequar ao hospital, na UPA Jangurussu, foram utilizados medicamentos para o tratamento da leptospirose, por exemplo, metoclopramida e ampicilina, sendo a leptospirose uma das hipóteses diagnósticas; h) ressalta que, no relatório de evolução do paciente também consta que o paciente era etilista, sendo que, na ultrassonografia realizada em 09/07/2018, constatou-se esteatose hepática grau II; i) não restou caracterizado o erro médico por parte da equipe de saúde vinculada ao Município de Fortaleza e, consequentemente, não restou comprovado o nexo de causalidade entre o dano e a conduta dos agentes públicos municipais; j) impugna o valor excessivo do dano moral pretendido; l) considerando que o recurso de apelação se dirige a dois entes públicos diversos, é imprescindível a individualização das condutas imputadas, de modo a aferir o grau de culpa, uma vez que o Município de Fortaleza não pode ser responsabilizado por eventual omissão de agente público vinculado ao Estado do Ceará. Ao final, postula pelo desprovimento da apelação e, subsidiariamente, em caso de provimento do recurso de apelação, requer o arbitramento da indenização por danos morais com razoabilidade e proporcionalidade. Não se discute que o médico ou o hospital não tenham a obrigatoriedade de obter o resultado pretendido, embora detenham a obrigação de empregar todos os meios necessários e disponíveis para alcançar um desfecho, favorável ou não, tendo em vista o emprego desses meios. Nessa perspectiva, busca-se apoio nos guias médicos oficiais de orientação voltada ao tratamento da leptospirose, mormente do Estado do Ceará e do Ministério da Saúde. Consoante o Boletim Epidemiológico - Vigilância da Leptospirose nº 01/ 22/02/2024, elaborado pelo Estado do Ceará (in Boletim Epidemiológico - Vigilância da Leptospirose nº 01/ 22/02/2024. Disponível em
A leptospirose é uma doença infecciosa febril de início abrupto, cujo espectro clínico pode variar desde um processo inaparente até formas graves. O agente etiológico é uma bactéria (espiroqueta) do gênero Leptospira, existindo uma variedade de espécies patogênicas, sendo a mais importante a espécie Leptospira interrogans. […] 2 TRANSMISSÃO E MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A doença é caracterizada por um amplo espectro clínico, podendo ser assintomática ou apresentar um quadro febril leve, até manifestações fulminantes. As apresentações clínicas da leptospirose são divididas em duas fases: fase precoce (leptospirêmica) e fase tardia (imune). Fase Precoce - Caracteriza-se pela instalação abrupta de febre, comumente acompanhada de cefaleia, mialgia, anorexia, náuseas e vômitos, e pode não ser diferenciada de outras causas de doenças febris agudas. Fase Tardia - Inicia-se após a primeira semana da doença, mas podem aparecer antes em pacientes com apresentações fulminantes. A manifestação clássica da leptospirose grave é a síndrome de Weil, caracterizada pela tríade de icterícia, insuficiência renal e hemorragia, mais comumente pulmonar. 3 DEFINIÇÃO DE CASO. 3.1 Caso Suspeito Indivíduo com febre, cefaleia e mialgia, que apresente, pelo menos, um dos critérios a seguir: Critério 1 Presença de antecedentes epidemiológicos sugestivos nos 30 dias anteriores à data de início dos sintomas, como: • Exposição a enchentes, alagamentos, lama ou coleções hídricas; • Exposição a fossas, esgoto, lixo e entulho; • Atividades que envolvam risco ocupacional, como coleta de lixo e de material para reciclagem, limpeza de córregos, trabalho em água ou esgoto, manejo de animais e agricultura em áreas alagadas; • Vínculo epidemiológico com um caso confirmado por critério laboratorial; • Residência ou local de trabalho em área de risco para leptospirose. [grifei] Critério 2 Presença de, pelo menos, um dos seguintes sinais ou sintomas: • Icterícia; • Aumento de bilirrubinas; • Sufusão conjuntival; • Fenômeno hemorrágico; • Sinais de insuficiência renal aguda (IRA). [...] 8 TRATAMENTO A antibioticoterapia está indicada em qualquer período da doença, mas sua eficácia costuma ser maior na primeira semana do início dos sintomas. Os medicamentos doxiciclina (comprimido), amoxicilina (comprimido e solução oral), ceftriaxona e cefotaxima (pó para solução injetável) são disponibilizados gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) (Quadro 1). [grifei] Mencionam-se também as orientações do Guia de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, volume 3, 6ª edição, ano de 2024: (in Guia de Vigilância em Saúde. 6ª edição revisada. 3º volume. Disponível em
[...] TRATAMENTO A antibioticoterapia deve ser iniciada no momento da suspeita, não necessitando aguardar confirmação laboratorial. ASSISTÊNCIA MÉDICA AO PACIENTE Durante anamnese, o médico poderá perguntar ao paciente se houve exposição de riscos para leptospirose, como exposição a água de enchentes, esgoto, entre outros. Deve ocorrer hospitalização imediata dos casos graves, visando evitar complicações e diminuir a letalidade. Nos casos leves, o atendimento é ambulatorial. […] ANTIBIOTICOTERAPIA A antibioticoterapia está indicada em qualquer período da doença, mas sua eficácia costuma ser maior na primeira semana do início dos sintomas (Quadro 1) (Brasil, 2014). Os medicamentos doxiciclina (comprimido), amoxicilina (comprimido e solução oral), ceftriaxona e cefotaxima (pó para solução injetável) são disponibilizados gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A doxiciclina pertence ao Componente Estratégico, e os demais medicamentos são disponibilizados por meio do Componente Básico da Assistência Farmacêutica, conforme consta na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais: Rename 2022 (Brasil, 2022). As medidas terapêuticas de suporte devem ser iniciadas precocemente com o objetivo de evitar complicações, principalmente as renais, e óbito. [grifei] Feita essa exposição, passa-se à análise dos argumentos dos litigantes em conjunto com o acervo probatório. No tocante ao argumento de que a parte autora teria, na Audiência (ID 15590705-15590706), anuído ao relatório médico apresentado pelo Dr. MARCO AURÉLIO PINHEIRO DO NASCIMENTO, Coordenador médico da UPA Jangurussu (ID 56729005 - fls. 28-31 do feito na origem, neste recurso no ID 15590530 - fls. 28-31), não fragiliza sua pretensão aos danos morais, dado que o documento só relata a sequência dos atendimentos que foram prestados ao seu esposo, ratificando os dados expostos na documentação médica anexada. No que lhe concerne, a apelante alega que não fora considerado adequadamente o fato de que, apesar das múltiplas consultas e exames, o diagnóstico correto e o tratamento adequado foram negligenciados nas diversas unidades de saúde em que seu esposa foi atendido, entre os dias 05/07 a 09/07 do ano de 2018, enquanto o Estado do Ceará argui que a parte demandante não se desincumbiu do seu ônus processual de provar o alegado, no caso, o arguido erro médico. Esses dois posicionamentos merecem ser analisados em conjunto, porquanto, a apelante aponta como erro médico a não administração de antibiótico no tempo adequado - no início dos atendimentos a que foi submetido o paciente, fato que sobressai, à farta, da própria documentação médica que embasa o processo. Nesse contexto, resta definir se a falta de administração de antibióticos, seria a terapêutica inicial e correta a ser adotada, o que, por conseguinte, poderia indicar erro médico decorrente da adoção de conduta medicamentosa diversa. Como sobressai dos registros médicos adunados desde o primeiro atendimento, têm-se a informação de que o paciente foi alvo de mordedura de rato, notícia que deveria, de per se, despertar a atenção médica para investigação e aplicação dos meios terapêuticos previstos para essa hipótese de ocorrência. Os sintomas de febre, comumente acompanhados de cefaleia, mialgia, icterícia; aumento de bilirrubinas e sinais de insuficiência renal aguda, podem ser indicativos da leptospirose, como apontam as orientações oficiais constantes do Guia de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde e do Boletim Epidemiológico do Estado do Ceará - Vigilância da Leptospirose, o que demandaria serviço médico voltado à devida averiguação. Como visto, a terapêutica, assinaladas nesses documentos oficiais, indicam que a antibioticoterapia é indicada em qualquer período da doença, sendo mais eficaz na primeira semana do início dos sintomas, cabendo ao médico fazer as indagações do protocolo (no caso, o relato do paciente já supriu a informação). Do caso em exame, destacam-se das anotações do prontuário da UPA Jangurussu, a ciência dos profissionais de saúde de que o Sr. Antônio Ferreira Lima fora vítima de mordedura de rato, desde sua admissão em 05/07/2018, conforme registro médico inicial da Dra. HAYLA OLIVEIRA TARDIN ROZEIRA - CRM 10390 (ID 15590517 - fls. 01 e ID 15590530 - fls. 02): Pct. relata que foi mordido por um rato há 5 dias e não procurou atendimento médico. No curso do internamento na UPA Jangurussu, vários profissionais de saúde prescreveram medicamentos, dieta e hidratação/eletrólitos, administradas no interregno de 09/07/2018 a 10/07/2018, e, somente, em 10/07/2018, foi prescrito o antibiótico Ampicilina + Sulbactam 2g + 1g (ID 15590530 - fls. 15-16); e na véspera da morte do paciente foi iniciada: ATB (Ceftriaxona) pensando em cobrir infecção por leptospira. Como se observa, a "antibioticoterapia deve ser iniciada no momento da suspeita, não necessitando aguardar confirmação laboratorial.' e as 'medidas terapêuticas de suporte devem ser iniciadas precocemente com o objetivo de evitar complicações, principalmente as renais, e óbito.' (Guia de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde), também a 'antibioticoterapia está indicada em qualquer período da doença, mas sua eficácia costuma ser maior na primeira semana do início dos sintomas" (Boletim Epidemiológico - Vigilância da Leptospirose). Na situação dos autos, o paciente se encontrava na primeira semana do início dos sintomas, na denominada fase precoce, quando foi atendido no dia 05/07/2018, uma vez que a mordedura de rato ocorrera em 1º/07/2018. Nessa circunstância, o que se extrai do acervo documental é que a administração da antibioticoterapia, prognosticada para aplicação na fase inicial da contaminação, veio a ter início apenas em 10/07/2018, na segunda semana após a mordedura, na fase tardia da moléstia (de acordo com o Boletim Epidemiológico - Vigilância da Leptospirose e com o Guia de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde). Nessa fase, quando já instalada a gravidade no quadro de saúde do paciente, foi prescrita a administração do antibiótico Ampicilina + Sulbactam 2g + 1g (ID 15590530 - fls. 15-16), No que diz respeito ao apontado pelo Município que, segundo relato médico, o paciente confirmou melhora com a medicação realizada na unidade, naturalmente porque os medicamentos atenuassem alguns dos sintomas; todavia, os fármacos, até ali administrados, não se destinaram à causa da moléstia. Tanto que, no decurso dos dias, os efeitos da doença não foram debelados. O ente municipal ressaltou, ainda, que no relatório de evolução do paciente também consta que o paciente era etilista, e que na ultrassonografia, realizada em 09/07/2018, constatou-se esteatose hepática grau II, no entanto, embora essas condições pudessem fragilizá-lo, não foram a "causa mortis", conforme Certidão de Óbito, acidose refratária, insuficiência renal crônica, choque séptico e Leptospirose, sendo evidente que a Leptospirose determinou as demais (ID 15590514). Diante dessas considerações, e do vasto acervo documental produzido nas unidades de saúde por onde passou o sr. Antônio Ferreira Lima, era evidente, pelos exames realizados, o agravamento do seu quadro clínico, indicando a presença e desenvolvimento acelerado de quadro infeccioso, simultâneo aos sintomas, mormente, cefaleia, febre vespertina, colúria (diurese escura) e mialgia; posto que, característicos de leptospirose, deveriam ter sido associados com a mordedura de rato, uma vez que a "antibioticoterapia deve ser iniciada no momento da suspeita, não necessitando aguardar confirmação laboratorial." (Guia de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde). Mesmo sem prova pericial, no caso em exame, sua falta não se mostra impeditiva para, a partir das claras orientações, provenientes das autoridades de saúde do Estado do Ceará e do Ministério da Saúde, identificar que não foi administrado, no tempo adequado, na fase precoce da doença, o prognóstico básico de antibioticoterapia, apto a combater a infecção, conforme consta no Guia de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde e no Boletim Epidemiológico - Vigilância da Leptospirose, ambos de fácil acesso a qualquer leigo, quanto mais para os profissionais de saúde. Nessa altura, é imperioso ressaltar que as pessoas jurídicas de direito público e de direito privado prestadoras de serviços públicos respondem objetivamente pelos danos que causarem a outrem. É a chamada teoria do risco administrativo, porquanto pressupõe-se que a atuação do poder público envolve um risco de dano, que lhe é ínsito, veja-se: CF/88 - Art. 37. […] § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. O dispositivo em comento define a chamada responsabilidade civil objetiva do ente público por danos que seus agentes causarem a terceiros, sendo suficiente para o reconhecimento do dever de indenizar a ocorrência de um dano, a conduta do agente público (lícita ou ilícita) e nexo de causalidade, não havendo necessidade de apreciação do dolo ou culpa. Na situação em exame, embora não se possa precisar que o evento morte poderia ser evitado, também não se pode afirmar que a administração da terapêutica medicamentosa apropriada, segundo os boletins oficiais referenciados, não lhe teria salvo a vida, em vista da suspeita de contágio por leptospirose decorrente da mordedura de rato, fato que conduziu o sr. Antônio Ferreria Lima à busca insistente, nas unidades de saúde pública, por intervenção médica. Como dito anteriormente, em que pese o médico ou o hospital não detenham a obrigatoriedade de obter o resultado pretendido, têm, contudo, a obrigação de empregar todos os meios necessários e disponíveis para alcançar um desfecho, favorável ou não, tendo em vista o emprego desses meios, o que não se verificou no caso. Nessa conjuntura, é manifesta a falta da administração da terapêutica medicamentosa inicial e correta a ser empregada, indicando a ocorrência do erro médico em vista da adoção de conduta medicamentosa que desconsiderou prognóstico básico previsto para a moléstia que acometeu o paciente. Pelo exposto, temos que a situação configura a responsabilidade civil objetiva do Município de Fortaleza e do Estado do Ceará, comprovada, no caso, pela conduta dos seus agentes públicos, consubstanciada na inobservância das recomendações oficiais para o tratamento básico da doença, do dano morte e do nexo de causalidade, prestação tardia da terapêutica medicamentosa prevista para a moléstia, nas unidades de saúde que assistiram o paciente, que culminou no evento morte. No caso, resta bem delineado o nexo causal entre a conduta dos agentes estatais e o dano sofrido pela autora, a morte do seu esposo. Realmente, aos apelados cabiam demonstrarem, à luz do art. 373, inciso II, do CPC, a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da parte autora. Art. 373. O ônus da prova incumbe: (...) II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autos. Contudo, o Estado do Ceará e o Município de Fortaleza não lograram demonstrar a adequação dos atendimentos prestados ao paciente, em suas unidades, ônus que lhes cabia para desconstituir as alegações da parte autora, uma vez que detêm o conhecimento técnico, especialmente, aqueles reconhecidamente básicos, ainda mais quando são divulgados protocolos a serem adotados, pelas autoridades de saúde, dada a recorrência e a prevista celeridade do agravamento da moléstia. Ademais, a situação de per se exigia uma atenção médica despertada para investigação e aplicação dos meios terapêuticos previstos para essa hipótese de ocorrência. Vejamos a jurisprudência em casos análogos: RESPONSABILIDADE CIVIL - Ação de indenização sob alegação de mau atendimento médico-hospitalar - Ausência de diagnóstico, suspeita de leptospirose não suficientemente investigada - Piora do quadro de saúde que levou à internação e morte - Falha no atendimento médico demonstrada - Nexo causal entre a morte do paciente e a conduta médico-hospitalar - Omissão que gera responsabilidade civil do ente privado e do público. INDENIZAÇÕES - Dano moral in re ipsa - Arbitramento de indenização de dano moral: R$ 150 mil para cada autora - Valor que melhor atende princípios de moderação e de proporcionalidade - Danos materiais - Despesas de velório comprovadas. PENSÃO VITALÍCIA - Viúva - Cabimento - Fixação em 2/3 de um salário mínimo - Renda mensal de dois salários mínimos não comprovada - Filha maior na época do óbito, sem direito à pensão - Sentença de improcedência reformada - Recurso de apelação provido, em parte. (TJ-SP - Apelação Cível: 1001826-37 .2016.8.26.0405 Osasco, Relator.: James Siano, Data de Julgamento: 23/02/2024, 12ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 23/02/2024). [grifei] APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. MUNICÍPIO DE ITAOCARA. ERRO DE MÉDICO. PACIENTE COM LEPTOSPIROSE QUE NÃO FOI DIAGNOSTICADO A TEMPO. POR ISSO NÃO RECEBEU TRATAMENTO ADEQUADO, O QUE RESULTOU EM SUA MORTE. RECURSO DA PARTE RÉ OBJETIVANDO A REDUÇÃO DA VERBA INDENIZATÓRIA. DANO MORAL IN RE IPSA. QUANTUM ARBITRADO CORRETAMENTE EM R$ 150.000,00 PARA A MÃE DA VÍTIMA E R$ 50.000,00 PARA A IRMÃ. VALORES QUE OBSERVAM OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE, BEM COMO AS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 343 DESTA CORTE DE JUSTIÇA. SENTENÇA QUE NÃO MERECE REFORMA. RECURSO. DESPROVIDO . (TJ-RJ - APL: 00017286920188190025 202200157576, Relator.: Des(a). ALEXANDRE EDUARDO SCISINIO, Data de Julgamento: 24/08/2022, VIGÉSIMA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 26/08/2022). [grifei] INDENIZAÇÃO DANOS MATERIAIS E MORAIS PACIENTE COM FORTES DORES NO CORPO, VÔMITO E DIARRÉIA EXAME REALIZADO SOMENTE CINCO DIAS APÓS TER PROCURADO O HOSPITAL, CONSTATANDO QUADRO DE LEPTOSPIROSE, LEVANDO O PACIENTE A ÓBITO CONJUNTO PROBATÓRIO QUE APONTA A EXISTÊNCIA DE ERRO MÉDICO. DEMORA NO DIAGNÓSTICO QUE ACABOU AGRAVANDO O SEU QUADRO CLÍNICO TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. AÇÃO IMPROCEDENTE SENTENÇA REFORMADA RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ-SP - APL: 00293650720078260309 SP 0029365-07.2007.8 .26.0309, Relator.: Erickson Gavazza Marques, Data de Julgamento: 01/04/2015, 5ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 06/04/2015). [grifei] RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. Óbito decorrente de leptospirose não diagnosticada. Paciente que foi examinado por infectologista e outros vários médicos. Tratamento ministrado apenas para o sintoma de cefaleia até a internação em UTI. Hospital que não foi capaz de realizar diagnóstico de doença de baixa complexidade durante todo o período de tratamento (32 dias). Ocorrência de culpa. Constatação da leptospirose que se deu após o óbito. O simples fato de atestarem a morte por meningoencefalite evidencia o erro. Danos materiais e morais verificados. Sentença reformada. Recurso pro- vido (Apelação Cível 4014271-32.2013.8.26.0602; Relatora: Mary Grün; Órgão Julgador: 7a Câmara de Direito Privado; Foro de Sorocaba - 4a Vara Cível; Data do Julgamento: 10/03/2017). [grifei] APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ERRO MÉDICO. Alegação de falha no atendimento prestado pelo hospital que resultou em morte. Laudo Oficial que concluiu que o paciente morreu de leptospirose que não foi diagnosticada ou tratada no Hospital Geral de Guaianazes. Manutenção do quantum fixado a título de danos morais. Sentença que comporta pequeno reparo para aplicação do enunciado da Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça em relação ao marco inicial dos juros moratórios a partir do evento danoso. Recurso do Estado de São Paulo não provido, provido em parte o recurso do autor (Apelação Cível 1021761-65.2017.8.26. 0005; Relator: Camargo Pereira; Órgão Julgador: 3a Câmara de Direito Público; Foro Central - 2a VFP; Data do Julgamento: 15/06/2023). [grifei] Dessa maneira, impõe-se a reforma da sentença, por entender que o dano moral suportado pela parte recorrente deve ser reparado em face da dor e sofrimento advindo da morte do seu esposo, em fatigante busca por intervenção médica adequada, percalços sofridos em decorrência da negligência e imperícia dos entes estatais. Passando à definição do quantum indenizatório, deve-se ponderar que o valor da indenização deve atender ao princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, considerando-se as circunstâncias fáticas que envolveram os autos, não se devendo olvidar o caráter pedagógico-punitivo da condenação, o qual tem o escopo de coibir semelhantes condutas que redundem em resultados letais. Portanto, ficam arbitrados em R$ 100.000,00 (cem mil reais), a ser dividido entre os apelados de forma equitativa, com vista a ressarcir a apelante pelo intenso sofrimento suportado, ambos os valores acrescidos de correção monetária pelo IPCA-E a partir do arbitramento (Súmula 362 do STJ) e juros moratórios aplicáveis à caderneta de poupança desde o evento danoso (Súmula 54 do STJ), conforme parâmetros fixados pelo STJ no REsp 1.495.146/MG. Em razão da sucumbência, ficam os demandados condenados ao pagamento de honorários advocatícios no montante de 10% sobre o valor da condenação, a ser rateado igualmente entre ambos, nos termos do art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC. Ante o exposto, com as devidas vênias à eminente Relatora, voto no sentido de conhecer e dar provimento à Apelação, reformando-se a sentença para julgar procedente o pedido autoral. É o voto. Des.ª TEREZE NEUMANN DUARTE CHAVES Designada para lavrar o Acórdão
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