Processo nº 5300125-81.2025.8.09.0137
ID: 327017252
Tribunal: TJGO
Órgão: Rio Verde - 2º Juizado Especial Cível e Criminal
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 5300125-81.2025.8.09.0137
Data de Disponibilização:
16/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JASMYNE LINHARES YASSIN
OAB/GO XXXXXX
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Estado de GoiásPoder JudiciárioComarca de Rio Verde2º Juizado Especial Cível e CriminalSENTENÇA Processo nº : 5300125-81.2025.8.09.0137 Classe processual : PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO…
Estado de GoiásPoder JudiciárioComarca de Rio Verde2º Juizado Especial Cível e CriminalSENTENÇA Processo nº : 5300125-81.2025.8.09.0137 Classe processual : PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Processo de Conhecimento -> Procedimento de Conhecimento -> Procedimento do Juizado Especial Cível Requerente : Guilherme Americo Goncalves Requerida : Latam Airlines Group S/a Cuidam os autos em epígrafe de “Ação de Indenização por Danos Materiais e Morais” ajuizada por GUILHERME AMERICO GONÇALVES, em desfavor de LATAM AIRLINES GROUP S/A, partes devidamente qualificadas (ev. 01).Em consonância com o que se extrai do disposto nos artigos 2º e 38 da Lei n.º 9.099/95, que disciplina a dinâmica processual dos Juizados Especiais, a sentença fica dispensada da presença do relatório circunstanciado, em razão dos princípios basilares da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade. Em que pese tal faculdade, tenho por proveitosa breve explanação acerca das questões de fato e de direito a serem sopesadas nesta etapa do itinerário procedimental.De conformidade com a narrativa contida na peça de ingresso, bem ainda segundo os documentos que a acompanham, o promovente alegou em síntese, que adquiriu da ré bilhetes aéreos para viagem internacional com saída de Guarulhos/SP no dia 27/10/24, às 10h35, com destino a Miami/FL, com chegada na mesma data às 17h55 (localizador YTKRHZ) e retorno no dia 05/09/24, com saída de Miami/FL às 20h20 e chegada em Guarulhos/SP em 06/09/24, às 5h40, tendo essa contratação englobado, ainda, o serviço “Latam flex”, que lhe conferia a possibilidade de cancelamento ou alteração da viagem sem custo, tendo a soma dos bilhetes aéreos (R$ 2.298,82) mais taxa de embarque (R$ 423,53) e serviço Latam Flex (R$ 398,46) totalizado a quantia de R$ 3.120,81.Prosseguiu aduzindo que para viabilizar a viagem internacional, adquiriu, também junto a ré, bilhetes aéreos com saída de Rio Verde/GO no dia em 26/08/24 às 12h, com destino à Guarulhos/SP, e retorno em 06/09/24, com saída de Guarulhos/SP às 8h45 e chegada nesta Comarca às 11h10 (localizador KIGTQC), tendo essa contratação o custo final de R$ 591,31, já somada a taxa de embarque.Continuou aduzindo que após o acidente aéreo ocorrido em 09/08/2024, envolvendo aeronave operada pela Voepass, parceira comercial da requerida Latam, foi amplamente divulgado, em 21/08/2024, por meio da imprensa e das mídias sociais, que a referida companhia suspenderia suas operações em nove cidades, incluindo esta Comarca, com início previsto para 26/08/2024. Diante dessa informação, confirmou junto a ré o cancelamento do voo contratado para referida data, porém, apesar da rescisão unilateral do contrato, a requerida não foi realizou o reembolso integral dos valores pagos, tendo-lhe restituído apenas a quantia de R$ 52,00.Em seguida, alegou que em face do cancelamento do voo que o levaria até Guarulhos/SP (KIGTQC), entrou em contato com a ré e solicitou o cancelamento do voo subsequente (Guarulhos/SP à Miami/FL - YTKRHZ), porém, mesmo tendo contratado o serviço flex da ré, que lhe conferia a possibilidade de reembolso integral do valor pago, não teve qualquer quantia restituída a esse título, tendo a ré, ainda, negado a contratação desse serviço apesar das provas apresentadas administrativamente. A par desses fatos e ao argumento de que houve falha nos serviços comercializados pela requerida, bem como invocando a aplicação das normas do CDC, requereu, em seus pedidos, a condenação da ré ao pagamento de danos materiais no valor da contratação internacional cancelada (R$ 3.120,81), além de danos morais (R$ 10.000,00). Postulou, também, pela decretação da inversão do ônus da prova. Juntou documentos (ev. 01).Na decisão do ev. 09 a inicial foi recebida, oportunidade em que foi decretada a inversão do ônus da prova e determinada a citação e intimação da promovida com a designação do ato conciliatório.Percorrido o itinerário procedimental, devidamente citada para fins desse processo, a promovida apresentou contestação (ev. 18), aduzindo, em preliminar, a sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da presente ação, ao argumento de que o voo contratado pelo autor, que foi cancelado (Rio Verde/Guarulhos), estava programado para ser operado por outra companhia aérea, de forma compartilhada (Passaredo – VoePass). Após, ainda em preliminar, impugnou a aplicação do juízo 100% digital. No mérito, defendeu a inocorrência de ato ilícito ratificando que a contratação estava programada para ser operada em voos de outra empresa aérea (Voepass) e aduziu que a autora não cumpriu com o ônus da prova conforme disposto no art. 373, I do CPC, qual seja de demonstrar os requisitos ensejadores da responsabilidade civil (conduta, dano e nexo causal). Em seguida, defendeu a impossibilidade de reembolso ao argumento de que, em atenção ao princípio da pacta sunt servanda, devem ser seguidas as regras tarifárias da contratação, qual seja, “Economy Light”, que foram anuídas de forma livre pelo autor, e que não permite o reembolso de nenhum valor em caso de cancelamento. Após, aduziu que a contratação do seguro adquirido não se confunde com a tarifa do bilhete adquirido, e concluiu que é perfeitamente aceitável que a aquisição de bilhete aéreo em uma tarifa promocional possua regras mais restritivas sobre o seu cancelamento. Na sequência, sustentou a ausência de danos morais, sob o fundamento de que inexistentem os requisitos do art. 251-A do CBA, e defendeu, também, a impossibilidade de sua condenação ao pagamento dos danos materiais pretendidos pelo autor. Ao final, aduziu a impossibilidade de decretação da inversão do ônus da prova e requereu a improcedência, in totum, dos pedidos da inicial.Realizada audiência de conciliação (ev. 20) sem acordo.Sobreveio aos autos impugnação à contestação, oportunidade em que o autor refutou os argumentos da defesa apresentada e ratificou os fatos, fundamentos e pedidos da inicial.Ausente outras intercorrência, vieram-me os autos conclusos.DECIDO.DAS PRELIMINARESDe início, no que diz respeito a preliminar de ilegitimidade passiva aduzida pela requerida, adianto que aludida prefacial não merece prosperar. E isso porque, dos documentos acostados aos autos, observo que a empresa demandada atuou, no caso narrado, por meio da oferta e venda compartilhada de voos (codeshare), que consiste no acordo empresarial entre companhias aéreas para ampliar a comercialização de voos, sendo certo que os serviços adquiridos pelo promovente foram comercializados por todas as empresas envolvidas na contratação (Latam e Voepass).Assim, tenho que, no caso em tela, uma vez que a requerida compõe a cadeia fornecedora relacionada ao contrato de viagem adquirido pelo promovente, em verdadeiro “contrato em rede”, ela é legitimada para figurar no polo passivo da ação, e responde, solidariamente, pelos danos aventados pelo promovente, consoante as normas do Código de Defesa do Consumidor, que prevê que todos os que, de alguma forma, participam da cadeia econômica de produção, circulação e distribuição dos produtos ou de prestação de serviços, sendo a escolha contra quem demandar (se contra um ou se contra todos), do consumidor.A responsabilidade solidária da promovida exsurge, do parágrafo único, do art. 7º, do Código de Defesa do Consumidor, verbis: "tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo”. E ainda, do disposto no art. 34, do Diploma Consumerista, que reza que: "o fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos".Logo, no caso posto a julgamento, consigo que não há como a promovida Latam se escusar da responsabilidade por eventuais transtornos derivados dos serviços oferecidos ao consumidor.Sobre o tema, colaciono os seguintes julgados: APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. TRANSPORTE AÉREO. HORAS DE ATRASO EM VOO. RELAÇÃO DE CONSUMO. CODESHARE. SOLIDARIEDADE. MÁ PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO RAZOÁVEL E PROPORCIONAL. SENTENÇA MANTIDA. I. As companhias aéreas que utilizam o compartilhamento de voo na modalidade codeshare para ampliar seus serviços, mediante voos operados por companhias diversas, em acordo de cooperação, figuram-se no conceito de fornecedores, conforme dispõe o artigo 3º, do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que integrantes da cadeia de consumo. II. As intercorrências relatadas no sentido de atraso em razão de manutenção da aeronave, estão incluídas no risco do exercício da atividade das rés, pois, ao vender a passagem, avocou a obrigação de transportar a tempo e modo os autores ao destino.III ? O defeito na prestação dos serviços das rés, que ultrapassou o limite razoável, gerando aos autores sentimento de frustração, constrangimento e irritação, os quais superam o mero aborrecimento cotidiano, configurando verdadeiro dano moral. IV ? Na fixação de indenização por danos morais, deve ser mantido valor arbitrado de R$ 6.000,00, porquanto razoável e proporcional.APELAÇÕES CÍVEIS CONHECIDAS E DESPROVIDAS. (TJ-GO - Apelação Cível: 57515297820228090051 GOIÂNIA, Relator: Des(a). BRENO CAIADO, 11ª Câmara Cível, Data de Publicação: (S/R) DJ)TRANSPORTE AÉREO NACIONAL. Indenização por danos morais. Aplicação do CDC. Ilegitimidade passiva. Afastada. O compartilhamento de transporte aéreo entre empresas (sistema "codeshare") resulta na responsabilidade solidária de ambas perante o consumidor. Cancelamento do voo contratado. Alegação de problemas operacionais com a aeronave, que impediram o cumprimento do contrato. Ausência de comprovação. Fortuito interno. Falha na prestação dos serviços contratados. Oferecimento de voo 24 horas após o inicialmente contratado. Não cabimento. Demandantes que tinham compromissos agendados no local de destino. Realizaram a viagem por meios próprios. Dano moral in re ipsa. Caracterizado. Valor que não comporta redução, em observância aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade. Sentença mantida. RECURSO DESPROVIDO. (TJ-SP - Apelação Cível: 1000288-72.2023.8.26.0438 Penápolis, Relator: Anna Paula Dias da Costa, Data de Julgamento: 29/11/2023, 38ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 30/11/2023)Apelação Cível. Ação de reparação por danos materiais e morais. Empresa intermediária na compra de passagens aéreas e hospedagem. Ilegitimidade passiva não caracterizada. I. Não procede a alegada ilegitimidade da 1ª requerida/apelada para figurar no polo passivo da presente ação, porquanto, como cediço, todos aqueles que participarem da cadeia de consumo responderão de forma objetiva e solidária perante o consumidor (parágrafo único do artigo 7º combinado com o caput do artigo 14, ambos do Código de Defesa do Consumidor) e, in casu, a recorrente (site Expedia) intermediou a contratação de passagem aérea e hospedagem. II. Empresa integrante da cadeia de consumo. Responsabilidade Objetiva. Se a 1ª ré/recorrente faz a intermediação dos serviços de venda de passagens, deve prezar pela idoneidade dos estabelecimentos com os quais trabalha, sob pena de ser responsabilizada pelos prejuízos causados, pois os fornecedores de serviços respondem solidariamente, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços. (...) (TJGO, Apelação (CPC) 5284264-41.2017.8.09.0006, Rel. CARLOS ALBERTO FRANÇA, 2ª Câmara Cível, julgado em 16/07/2018, DJe de 16/07/2018). Destarte, reconheço a legitimidade da promovida Latam para figurar no polo passivo da presente ação, pelo que rejeito a preliminar arguida.Com relação a oposição da ré quanto ao juízo 100% digital, tenho que referida preliminar se afigura prejudicada, pois, além de nenhuma das partes ter requerido a produção de prova oral a ser realizada em juízo, presencialmente, o feito comporta julgamento antecipado, nos termos do art. 355 do CPC, não havendo necessidade de produção de outras provas além das já constantes nos autos, estando a matéria de fato e de direito devidamente comprovada. Soma-se a isso o fato de que não há registro de nenhum prejuízo às partes por ter o feito tramitado na forma do juízo 100% digital. DO MÉRITOProsseguindo, observo que no contexto dos autos não há vícios ou nulidades processuais a serem declaradas, nem outras preliminares ou prejudiciais ao mérito a serem dirimidas incidentalmente. Desta feita, tendo em conta que a matéria em análise prescinde da produção de prova oral, na forma do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, passo incontinente, à apreciação meritória da lide em apreço.Ainda em letras de início, consigo que é patente que a relação jurídica existente entre as partes é de cunho consumerista, de sorte que a matéria delineada nos autos deve ser apreciada à luz das disposições da Lei n.º 8.078/90. Isto porque, na relação que ora se discute, se fazem presentes os três requisitos hábeis a ensejar o enquadramento da demanda na seara consumerista: a) o contrato de compra e venda de passagem aérea noticiado nos autos está implícito na própria natureza do fornecimento de serviços, resultado da produção do mercado de consumo; b) o autor, enquanto adquirente do indigitado serviço/produto, é, a toda evidência, consumidor, por ser destinatário final dele, na forma do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor; c) a requerida é pessoa jurídica que desenvolve atividade profissional de comercialização de voos, direta e indiretamente, ajustando-se, pois, à noção de fornecedor stricto sensu, contemplada no art. 3º do mesmo diploma legal.Registro, ainda, que a responsabilidade civil do transportador aéreo e de seus intermediários, na forma do que preconiza o art. 14 da Lei n.º 8.078/90, é de ordem objetiva, cabendo a eles o dever jurídico de reparar eventuais danos, sejam eles de natureza material, seja de natureza extrapatrimonial, que o consumidor sofra em virtude de uma má prestação do serviço oferecido, responsabilidade esta que somente é afastada diante da comprovação da incidência de alguma causa excludente da responsabilidade civil objetiva, notadamente: do caso fortuito, da força maior ou da culpa exclusiva do consumidor.Não obstante, apesar de o caso ser a típica relação de consumo, na qual é possível aplicar a inversão do ônus da prova, nos termos do artigo 6º, inciso VIII da Lei Consumerista, o Magistrado deve observar, também, as regras de distribuição do ônus da prova, conforme o artigo 373 e incisos do Código de Processo Civil, de forma que incumbe ao autor (art. 373, I do CPC) produzir a prova quanto aos fatos constitutivos do seu direito e ao réu (art. 373, II do CPC) produzir a prova quanto aos fatos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito do autor.Em tempo, saliento que embora todo o transporte aéreo nacional seja regido pelo Código Brasileiro da Aeronáutica, sob o prisma da Lei nº. 7.565/86, o microssistema do Código Protetivo de Consumo, por ser norma posterior, se sobrepõe, àquele, naquilo que disciplinar de forma diferente.Neste sentido, bem explicita Sérgio Cavalieri Filho, in Programa de Responsabilidade Civil, São Paulo: Malheiros, 2005, fls. 349/350: Não vale argumentar que o Código do Consumidor, por ser lei geral posterior, não derrogou o Código Brasileiro de Aeronáutica, de natureza especial e anterior – lex posterior generalis non derrogat priori speciali – porque essa regra, além de não ser absoluta, não tem aplicação no caso em exame. E assim é porque o Código do Consumidor, em observância a preceito constitucional (Constituição Federal art.5°, XXXII), veio para implantar uma Política Nacional de Relações de Consumo, vale dizer, estabeleceu uma ordem jurídica uniforme e geral destinada a tutelar os interesses patrimoniais e morais de todos os consumidores, bem como o respeito à sua dignidade, saúde e segurança (Código de Defesa do Consumidor, art. 4°). Ao assim fazer, disciplinou não só aquilo que ainda não estava disciplinado como, ainda, alterou a disciplina que já existia em leis especiais, vale dizer concentrou em um único diploma a disciplina legal de todas as relações contratuais e extracontratuais do mercado de consumo brasileiro… Em conclusão: é impertinente a regra lex posterior generalis non derrogat priori speciali, porque, tratando-se de relações de consumo, o Código do Consumidor é a lei própria, específica e exclusiva. Feitos esses esclarecimentos, passo a análise da questão de fundo.Antes, contudo, de adentrar no mérito, reputo necessário delimitar o objeto do presente julgamento. Isso porque, embora a parte autora tenha mencionado duas contratações realizadas com a ré — referentes aos localizadores KIGTQC (voo doméstico) e YTKRHZ (voo internacional) — e tenha alegado não ter obtido a devida restituição dos valores pagos em razão dos respectivos cancelamentos, verifico que não houve pedido expresso de reparação por danos materiais ou morais relacionados ao bilhete vinculado ao localizador KIGTQC (voo doméstico – Rio Verde/GO à Guarulhos/SP).Acrescento, ainda, que segundo narrativa da inicial, o cancelamento do primeiro voo (KIGTQC) teria ocorrido por culpa exclusiva da ré, em razão da suspensão das operações na cidade de origem, isto é, nesta Comarca. Já o segundo voo (YTKRHZ) teria sido cancelado por iniciativa do autor, diante da inviabilidade da viagem internacional decorrente do primeiro cancelamento, destacando que tal contratação foi acompanhada da adesão ao seguro "serviço Latam flex", o qual garantiria reembolso integral em caso de desistência.Assim, à luz do princípio da congruência (art. 492 do CPC), e a fim de evitar julgamento extra ou ultra petita, ressalto que a contratação vinculada ao localizador KIGTQC — ainda que mencionada na narrativa fática — não será objeto de análise neste feito, restringindo-se a apreciação judicial aos pedidos expressamente formulados na petição inicial, qual seja: à pretensão indenizatória (por danos materiais e morais) decorrentes da ausência de restituição integral dos valores pagos pela segunda contratação, identificada pelo localizador YTKRHZ – voo internacional de ida e volta de Guarulhos/SP à Miami/FL.Pois bem. Cinge-se a controvérsia em análise em verificar se o autor faz jus à restituição integral dos valores pagos pela contratação do voo internacional (localizador YTKRHZ) cancelado por sua iniciativa, especialmente em razão da contratação do serviço adicional “Latam flex”, oferecido pela ré, o qual asseguraria o reembolso integral em créditos, conforme as condições contratuais e, em caso em caso positivo, se esses fatos ensejaram ao autor danos de natureza extrapatrimonial.Desde já, adianto que os pedidos da inicial merecem acolhimento em parte. Explico:Do conjunto probatório acostado aos autos, em especial pela documentação trazida na exordial e, também, dos fatos e fundamentos aduzidos na defesa apresentada no ev. 18, verifico que restou incontroverso que:(i) o autor adquiriu passagens aérea de ida e volta com a tarifa promocional “Economy Light” (localizador YTKRHZ) para viagem internacional (Guarulhos/SP – Miami/FL) e que nesta mesma contratação houve a adesão onerosa (pelo autor) ao serviço LATAM Flex, ao preço de R$ 398,46, serviço esse que, conforme informações do sítio eletrônico da requerida (https://www.latamairlines.com/br/pt/experiencia/servicos/latam-flex), prevê, de forma clara, o seguinte: " Na LATAM Airlines, você tem a possibilidade de adquirir um produto que oferece a opção de reembolso da sua passagem para que não perca seu dinheiro. Ao devolver sua passagem, você recebe um reembolso em créditos para uma nova viagem ou para adquirir produtos adicionais no LATAM.com. Para utilizar o LATAM Flex, é necessário ter uma conta criada no LATAM.com." (ii) o voo doméstico que levaria o autor desta Comarca até Guarulhos/SP (contratação avulsa KIGTQC) foi cancelado por culpa exclusiva da ré, circunstância que inviabilizou a continuidade da viagem internacional objeto do localizador YTKRHZ e motivou o pedido de cancelamento desta última. No entanto, apesar de o autor ter contratado o serviço “Latam Flex”, que lhe garantia o reembolso integral em créditos em caso de desistência, não obteve nenhuma restituição por parte da ré, fato este confessado na defesa apresentada (ev. 18), sob o argumento de que deveriam ser observadas as regras tarifárias da contratação da tarifa “Economy Light” – a qual não prevê qualquer reembolso em caso de desistência voluntária –, e que a contratação do serviço adicional não se confunde com a tarifa do bilhete adquirido (ev. 18, arq. 01, págs. 09/10). Dito isso, verifico que é imperioso repisar que, conforme já exposto na introdução da presente fundamentação, as relações de consumo são regidas pelo Código de Defesa do Consumidor, diploma legal que visa restabelecer o equilíbrio entre as partes, reconhecendo a vulnerabilidade do consumidor frente ao fornecedor de produtos e serviços. Nesse cenário, é incontroverso que o autor adquiriu onerosamente o serviço "LATAM Flex”, ao preço de R$ 398,46.Importa registrar, também, que o serviço "Latam Flex" não se confunde com um seguro de viagem genérico, tampouco pode ser desconsiderado em virtude da modalidade de tarifa adquirida. Trata-se, ao revés, de um serviço adicional e autônomo, adquirido de forma onerosa pelo consumidor justamente com o propósito de conferir flexibilidade e garantir o reembolso em situações de desistência, mitigando os riscos inerentes às tarifas promocionais mais restritivas. O pagamento efetuado por tal serviço ("Latam Flex") demonstra, portanto, a legítima expectativa do autor em assegurar a restituição de valores, caso não pudesse prosseguir com a viagem, como de fato ocorreu.As regras expressas desse serviço, apresentadas pela própria requerida, são inequívocas ao garantir a "opção de reembolso da sua passagem para que não perca seu dinheiro", com recebimento do valor em créditos no LATAM.com.É crucial destacar, nesse ponto, o princípio da vinculação da oferta, esculpido no artigo 30 do CDC, que estabelece que toda informação ou publicidade suficientemente precisa obriga o fornecedor e integra o contrato celebrado. “Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.” No presente caso, é cediço que a oferta clara e expressa do "Latam Flex", que prometia o reembolso integral da passagem em caso de desistência mediante pagamento adicional, criou uma legítima expectativa no consumidor e vinculou a requerida ao seu cumprimento, independentemente de outras condições tarifárias ou de cancelamentos de contratações pretéritas.Dessa forma, tenho que, tendo a Latam Airlines ofertado e vendido um serviço específico que assegura o reembolso integral em caso de desistência, não há como ela se eximir dessa responsabilidade sob o argumento de que a tarifa da passagem contratada, "Economy Light", era promocional. Essa conduta configura uma prática abusiva, pois a ré comercializou um benefício adicional ao consumidor e, após a contratação, recusou-se a cumpri-la, esvaziando o propósito e finalidade do serviço "Latam Flex".Outrossim, a alegação de que a tarifa é promocional não anula o contrato específico do "LATAM Flex", pois, repito, o consumidor pagou um valor adicional justamente para ter essa garantia de flexibilidade e reembolso. Permitir tal recusa seria o mesmo que autorizar o enriquecimento ilícito da requerida e frustrar a legítima expectativa do consumidor. Adicionalmente, a recusa da requerida em cumprir as condições do serviço "Latam Flex", após a sua clara oferta e a contraprestação paga pelo consumidor, não apenas configura prática abusiva, mas também vulnera o princípio da boa-fé objetiva, insculpido no art. 422 do CC e basilar para as relações de consumo. A lealdade contratual exige que as partes ajam com probidade e cooperação, o que não se verifica na postura da requerida ao tentar desvincular-se de uma obrigação expressamente assumida e remunerada.Inegável, portanto, que a recusa ao reembolso integral do contrato objeto do localizador YTKRHZ, diante da contratação e pagamento pelo serviço "Latam Flex", configura falha na prestação dos serviços comercializados, devendo a ré responder nos termos do art. 14 do CDC c/c art. 186 do CC. Art. 14 do CDC: "O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos."Art. 186 do CC: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito." Outrossim, uma vez comprovada a contratação do serviço adicional "Latam Flex", tenho que deve a LATAM Airlines reter apenas o valor correspondente a esse serviço (R$ 398,46) e reembolsar o autor no valor integral da passagem internacional (R$ 2.298,82), acrescido da taxa de embarque (R$ 423,53), totalizando a quantia de R$ 2.722,35, conforme as condições do próprio serviço, ou seja, em créditos para utilização no LATAM.com. Ressalto, por oportuno, que embora a restituição se dê na forma de créditos, e não em pecúnia, esta modalidade foi a expressamente pactuada e aceita pelo consumidor ao aderir ao “Latam Flex”, o que valida a forma do reembolso, mas não a recusa de sua efetivação.Por fim, com relação ao pleito de reparação por danos morais, ressalto que, para a sua configuração devem estar preenchidos os três pressupostos de responsabilidade civil em geral, quais sejam: a ação, o dano e o nexo de causalidade entre eles, de forma que apenas nessa hipótese, surge a obrigação de indenizar.Destaco, também que “nem todo atentado a direitos de personalidade em geral é apto a gerar dano de cunho moral” (BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. São Paulo: Saraiva, 4ª ed., 2015 p. 60), pois os danos podem se esgotar nos aspectos físicos ou materiais de uma determinada situação. E que dissabores, desconfortos e frustrações de expectativa fazem parte da vida moderna, em sociedades cada vez mais complexas e multifacetadas, com renovadas ansiedades e desejos, e por isso não se pode aceitar que qualquer estímulo que afete negativamente a vida ordinária configure dano moral.Neste contexto, para configurar o dever de indenizar deve-se identificar, no caso concreto, uma verdadeira agressão ou atentado à dignidade da pessoa humana, capaz de ensejar sofrimentos e humilhações intensos, descompondo o equilíbrio psicológico do indivíduo por um período desarrazoado. Em outras palavras, o mero descumprimento contratual não configura, necessariamente, dano moral, pois incapaz de agredir diretamente a dignidade humana, até porque é consabido que o inadimplemento contratual se resolve, em regra, pela obrigação de indenizar os danos patrimoniais decorrentes, e, excepcionalmente, pela compensação por danos morais cujo reconhecimento implica mais do que dissabor típico de negócio frustrado.Outrossim, tendo em vista que, no caso em liça não restou comprovado que em razão do descumprimento da ré quanto a restituição objeto da contratação desistida com garantia de reembolso (localizador YTKRHZ), o autor teve ofendido os seus direitos da personalidade ou sofrimento intenso a ensejar a indenização pleiteada (não bastando para tanto mera alegação genérica nesse sentido), não vejo possibilidade de acolhimento do pleito extrapatrimonial, pois esses fatos não são suficientes para ensejar a procedência do pleito de indenização extrapatrimonial, mormente considerando que a inversão do ônus probandi não tem o condão de lhe desobrigá-lo de produzir o mínimo de prova para a prevalência do direito invocado. Acrescento, ainda, que os aborrecimentos burocráticos descritos na inicial (encaminhamento de e-mails à ré na tentativa de solução amigável) e a necessidade de ajuizamento da ação judicial, por si só, não são suficientes para o reconhecimento de indenização por dano moral, caso contrário todas as demandas que ingressam em juízo seriam acompanhadas de pedido de indenização moral, posto que sempre se originam em pretensões resistidas. Assim, uma vez que não restou comprovado nos autos nenhuma ofensa a direito da personalidade ou sofrimento intenso a ensejar a indenização pleiteada, e sopesando que a situação em comento não configura hipótese de dano in re ipsa, tenho que indevida a indenização extrapatrimonial pretendida, seja na sua modalidade pura (dano moral), seja na sua modalidade derivada (desvio produtivo do consumidor).É o que basta.DISPOSITIVOANTE O EXPOSTO, com base no art. 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos da inicial para CONDENAR a requerida a restituir, ao autor, a importância de R$ 2.722,35 (dois mil setecentos e vinte e dois reais e trinta e cinco centavos) correspondente ao produto da soma do valor do bilhete (R$ 2.298,82) e taxa de embarque (R$ 423,53), relativa a contratação desistida (localizador YTKRHZ), com a retenção apenas da quantia decorrente da contratação do serviço "Latam Flex" (R$ 398,46), conforme previsão contratual. O numerário a ser restituído deverá ser corrigido monetariamente pelo IPCA, desde o desembolso (Súmula 43 do STJ), e acrescido de juros de mora à taxa legal de 1% (um por cento) ao mês, na sua forma simples, a contar da data da citação (art. 405 do CC) e na forma do disposto no art. 406 e parágrafos, CC.Transitada em julgado esta sentença, e requerido o cumprimento de sentença (art. 52, IV da Lei 9.099/95), desde já, fica INTIMADA a parte vencida acerca do prazo de 15 (quinze) dias úteis para cumprimento, sob pena da incidência da multa de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, bem como de submeter-se aos atos executórios a serem requeridos pelo credor. Advirto que não haverá nova intimação para início da fase executiva, cabendo ao devedor efetuar o pagamento diretamente ao credor ou mediante depósito judicial – Enunciados 38 e 106 do FONAJ.Sem custas e honorários advocatícios nesta fase, a teor dos arts. 54 e 55 da Lei n.º 9.099/95.Implementado o trânsito em julgado sem que as partes manifestem, no prazo de 10 (dez) dias subsequentes, arquivem-se os autos com as devidas baixas.Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se.Rio Verde-GO, data da assinatura digital. Ana Paula TanoJuíza de Direito 03
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