Processo nº 5211920-12.2022.8.09.0160
ID: 323606344
Tribunal: TJGO
Órgão: 3ª Câmara Cível
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5211920-12.2022.8.09.0160
Data de Disponibilização:
14/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANDREZZA BRITO REZENDE
OAB/DF XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIOTribunal de Justiça do Estado de Goiás Gabinete do Desembargador Gerson Santana Cintra APELAÇÃO CÍVEL Nº 5211920-12.2022.8.09.0160COMARCA DE NOVO GAMA3ª CÂMARA C…
PODER JUDICIÁRIOTribunal de Justiça do Estado de Goiás Gabinete do Desembargador Gerson Santana Cintra APELAÇÃO CÍVEL Nº 5211920-12.2022.8.09.0160COMARCA DE NOVO GAMA3ª CÂMARA CÍVEL (camaracivel3@tjgo.jus.br)APELANTE : JOÃO FABIO PEREIRA NEVESAPELADA : APPLE COMPUTER BRASIL LTDA.RELATOR : Juiz Substituto Em Segundo Grau DIORAN JACOBINA RODRIGUES EMENTA: DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, MORAIS E LUCROS CESSANTES. DEFEITO EM APARELHO ELETRÔNICO E RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS.I. CASO EM EXAME1. Apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos iniciais, ao fundamento de ausência de responsabilidade civil da fornecedora por defeito em aparelho celular durante o período de garantia contratual, devido à constatação pericial de modificações e reparos não autorizados, realizados no dispositivo. A sentença homologou o laudo pericial, condenando o autor ao pagamento das custas e honorários, cuja exigibilidade foi suspensa com base no art. 98, § 3º, do CPC.II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO2. Há duas questões em discussão:(i) saber se é cabível a inversão do ônus da prova nas relações de consumo quando se exija prova negativa; e(ii) saber se a recusa da fornecedora em prestar assistência técnica em razão de reparos não autorizados afasta sua responsabilidade objetiva pelo vício do produto.III. RAZÕES DE DECIDIR3. A inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do CDC, exige a presença da verossimilhança das alegações e da hipossuficiência do consumidor, não sendo automática. Segundo entendimento do STJ, é inviável a exigência de prova de fato negativo.4. Ainda que se admitisse a inversão no caso dos autos, ela não afastaria a força probante do laudo pericial, que concluiu que o defeito decorreu de intervenções técnicas realizadas por terceiros não autorizados, afastando a responsabilidade da fornecedora.5. O vídeo apresentado pelo autor, com declarações de técnico autorizado, não tem força para infirmar as conclusões da perícia judicial.6. O laudo pericial, elaborado por perito nomeado pelo juízo, respeitados o contraditório e a ampla defesa, concluiu pela perda da garantia em virtude de modificações técnicas no aparelho, afastando o nexo causal necessário à responsabilização da fornecedora.7. Não se configura cerceamento de defesa do consumidor, pois não se demonstrou a necessidade de nova perícia nem vícios relevantes na prova técnica já produzida.IV. DISPOSITIVO E TESE8. Recurso conhecido e desprovido.Tese de julgamento:"1. A inversão do ônus da prova nas relações de consumo exige a verossimilhança das alegações e a hipossuficiência do consumidor, não sendo aplicável para exigir prova de fato negativo. 2. A constatação técnica de intervenções não autorizadas no produto afasta a responsabilidade objetiva da fornecedora por vício do bem. 3. A prova técnica regularmente produzida em juízo prevalece sobre alegações genéricas e provas unilaterais." Dispositivos relevantes citados: CDC, arts. 6º, VIII, e 14, § 3º, II; CPC, arts. 85, § 11, e 98, § 3º. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp 2.271.223/SP, Rel. Min. Raul Araújo, 4ª Turma, j. 22.05.2023; TJGO, Apelação Cível 5351234-13.2020.8.09.0137, Rel. Des. Ana Cristina Peternella França, j. 20.11.2023; TJSP, Apelação Cível 1000662-97.2022.8.26.0414, Rel. Des. Gilson Miranda, j. 09.01.2023.
PODER JUDICIÁRIOTribunal de Justiça do Estado de Goiás Gabinete do Desembargador Gerson Santana Cintra APELAÇÃO CÍVEL Nº 5211920-12.2022.8.09.0160 COMARCA DE NOVO GAMA3ª CÂMARA CÍVEL (camaracivel3@tjgo.jus.br)APELANTE : JOÃO FABIO PEREIRA NEVESAPELADA : APPLE COMPUTER BRASIL LTDA.RELATOR : Juiz Substituto Em Segundo Grau DIORAN JACOBINA RODRIGUES VOTO Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. Consoante relatado, cuida-se de apelação cível interposta por JOÃO FABIO PEREIRA NEVES, à movimentação nº 90, contra a sentença proferida pela Juíza de Direito da 1ª Vara Cível, de Família, Sucessões e da Infância e Juventude da comarca de Novo Gama/GO, Dra. Marina Belisário Schettino Abreu, no evento nº 86 dos autos da ação de indenização por danos materiais, morais e lucros cessantes ajuizada em face da APPLE COMPUTER BRASIL LTDA., ora apelada. A controvérsia cinge-se à sentença proferida pela magistrada singular que, homologando o laudo pericial e sua complementação, julgou improcedentes os pedidos iniciais sob o fundamento de que inexistente a responsabilidade civil da fornecedora ré por não estar configurado ato ilícito na conduta de negar a cobertura de reparo do iPhone adquirido pelo consumidor autor, ainda que na vigência do prazo de garantia de fábrica, vez que constatado que o defeito do produto originou-se de reparos não autorizados e modificações no dispositivo. Por conseguinte, condenou o autor ao pagamento das custas e honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, suspendendo a exigibilidade das verbas segundo a previsão do § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil. O inconformismo recursal aviado pelo consumidor visa a reforma integral da sentença atacada, para que seja reconhecida a responsabilidade objetiva da fornecedora apelada por vício do produto adquirido por si e pela falha na prestação de serviço, com sua condenação segundo os requerimentos iniciais, bem como aos ônus sucumbenciais. Pretende-se, ainda, a inversão do ônus da prova, nos termos do inciso VIII do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor, em razão da verossimilhança das alegações e da hipossuficiência técnica do apelante. Subsidiariamente, o recorrente pleiteia a cassação da sentença por cerceamento de defesa, com o retorno dos autos à origem para a realização de nova perícia técnica, por novo perito, a fim de que se examine o vídeo juntado aos autos e as circunstâncias em que o aparelho permaneceu sob custódia da assistência técnica. Em sede de contrarrazões recursais, a apelada brada pela manutenção do julgado combatido, haja vista a constatação de modificação não autorizada no produto, pela qual não pode a fornecedora ser responsabilizada, nos termos das provas constantes no caderno processual. Antes do mais, imprescindível se faz relatar os fatos que antecederam a interposição do recurso em tela. Ressai-se dos autos que o autor/apelante adquiriu junto à iPlace, em 13/03/2020, o aparelho smartphone iPhone 11 Pro Max Space Gray 256GB, modelo MWHJ2BZ/A, da marca Apple, pelo valor de R$ 5.980,00 (cinco mil novecentos e oitenta reais), com garantia válida até 12/03/2021. Segundo a narrativa exordial, poucos dias antes do término da vigência da garantia o aparelho apresentou problemas de funcionalidade ao não ligar ou responder comandos, tendo o consumidor contatado o suporte técnico da fornecedora que o orientou a encaminhar o bem móvel pelos Correios à Apple Care Service Product Service Summary na cidade de São Paulo, para que fosse efetuado o reparo necessário. Contudo, referido serviço foi negado sob o argumento de que o aparelho havia sofrido modificações não autorizadas por terceiros. Pontuou o autor que em 31/03/2021, se dirigiu à Assistência Técnica Autorizada iPlace no Parkshopping em Brasília/DF, abrindo-se a Ordem de Serviço nº 514892, pela qual, o técnico teria constatado não haver sinal de que o iPhone já havia sido aberto, diante da dificuldade em abri-lo, conforme gravação de vídeo realizada pelo consumidor. Oportunidade em que se informou ao consumidor que caso desejasse o reparo do aparelho, o serviço lhe custaria R$ 400,00 (quatrocentos reais). Relatou, demais disso, que a ré foi condenada ao pagamento de multa por prática de infração à lei consumerista em processo administrativo promovido perante o PROCON/DF. Requereu-se, então, inversão do ônus da prova, a gratuidade da justiça e a condenação da ré ao pagamento de indenização a título de reparação por danos morais, no valor correspondente ao custo do iPhone, devidamente corrigido até a data do efetivo pagamento ou a trocar o aparelho defeituoso por um novo similar ou de configurações e modelo superior. Pediu-se, também, a condenação da ré ao pagamento de R$ 69.600,00 (sessenta e nove mil e seiscentos reais), por lucros cessantes, diante do distrato antecipado de dois contratos do autor, ocasionados pela paralisação de sua atividade comercial diante do defeito do celular. E, ainda, a condenação da ré à indenização por dano moral, no valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais), bem como aos ônus sucumbenciais. Anexos à inicial os documentos pessoais do autor, a nota fiscal e ordem de serviço correlatas ao smartphone objeto da lide e o processo administrativo movido junto ao PROCON/DF, no qual, quanto a pretensão autoral, decidiu-se pela incompetência do órgão para dirimir a questão correlata à imputação ou não de responsabilidade da Apple por falha na prestação de seu serviço, vez que necessária perícia para tanto. A ré ofertou contestação no evento nº 16, discorrendo que ao inspecionar o produto, seus técnicos constataram a existência de modificações não autorizadas em dispositivos, efetuadas por terceiros não certificados por si, fato a impossibilitar o reparo sem custo pela exclusão de cobertura já que utilizados componentes não originais, tal como amplamente divulgado no termo de garantia entregue com o aparelho. Defendeu que a restituição da quantia paga pelo aparelho configuraria o enriquecimento indevido do autor e que descabidos os pedidos de lucros cessantes quando não provado o efetivo prejuízo alegado e de danos morais, por não ter sido a ré quem deu causa ao problema apresentado no aparelho celular do autor. Pediu, destarte, a improcedência dos pedidos iniciais, por ausência de nexo de causalidade entre os danos narrados pelo autor e qualquer conduta da ré. Em impugnação à contestação (evento nº 20), o autor afirmou que o aparelho objeto da demanda nunca foi modificado ou aberto em local diverso dos estabelecimentos autorizados, e que além de ter sido privado de um bem necessário objeto de trabalho, sentiu-se afrontado, enganado e abalado com a situação provocada pela recusa da fabricante em reparar o aparelho que deveria ser coberto pela garantia. Intimadas as partes para especificarem as provas que pretendiam produzir, à movimentação nº 25, a ré vindicou o julgamento antecipado da lide, enquanto o autor, no evento nº 26, pleiteou a produção de prova pericial para demonstrar que o iPhone apresentou defeito de fábrica e que somente foi aberto em local autorizado pela ré. Deferida a prova requerida pelo autor, o perito judicial foi nomeado e as partes formularam os quesitos a serem esclarecidos, sendo o laudo pericial juntado no evento nº 71, constando a seguinte conclusão: 6. ConclusãoCom base na análise técnica realizada no smartphone Apple iPhone 11 Pro Max (modelo MWHJ2BZ/A, IMEI 353912107501198 e número de série FK1C13LVN70X), apresentado em sua embalagem original com manuais e etiquetas de rastreabilidade, conclui-se o seguinte:1. Condições Físicas Externas: Condições Físicas Externas: O aparelho demonstra um estado de conservação compatível com o tempo de uso, apresentando boas condições gerais e ausência de sinais de desgaste excessivo, impactos estruturais, uso brusco ou tensionamento mecânico. A estrutura externa, incluindo gabinete e dobradiças, encontra-se intacta, sem marcas visíveis. Observa-se, no entanto, desgaste nos parafusos inferiores próximos ao conector de carga indica abertura prévia do dispositivo.2. Avaliação da Bateria e Carregamento: O teste de carregamento da bateria, realizado com analisador de dados elétricos em uma tomada de 110V, com duração aproximada de duas horas para carga completa, não apresentou anomalias no processo de carregamento em si.3. Inspeção do Display: A inspeção minuciosa do display, utilizando luz ultravioleta para detecção de possíveis microfissuras e danos internos não aparentes à luz natural, não revelou quaisquer pontos de quebra, impacto ou fissura. A superfície do display se mostrou visualmente íntegra, sem evidências de danos físicos causados por choque mecânico. A ausência de danos físicos visíveis, mesmo sob luz ultravioleta, direciona a investigação da não funcionalidade do display para outras causas que não danos mecânicos diretos.4. Análise Interna e das Placas Eletrônicas: A desmontagem completa do aparelho permitiu uma análise criteriosa das placas eletrônicas. A inspeção revelou evidências de intervenção prévia no dispositivo. A identificação de uma região com ausência do revestimento conformal, aplicado pela Apple para proteger as placas de circuito impresso (PCBs) contra danos ambientais e corrosão, juntamente com sinais de reparo e desalinhamento de alguns componentes, confirmam a ocorrência de reparos anteriores. Embora a análise microscópica não tenha detectado sinais severos de oxidação, a remoção do revestimento protetivo e o desalinhamento de componentes são fatores críticos.Conclusão Técnica: A não funcionalidade do display do iPhone 11 Pro Max em questão não se deve a danos físicos diretos na tela, mas sim, muito provavelmente, a uma intervenção anterior nas placas eletrônicas. A ausência do revestimento conformal em uma área específica da placa principal, combinada com os sinais de reparo e desalinhamento de componentes, apontam para uma intervenção prévia que pode ter comprometido o funcionamento do display. Portanto, a causa raiz do problema do display é classificada como de origem eletrônica, resultante de reparos prévios e não de danos mecânicos diretos.(sublinhei) No evento nº 75, o autor impugnou o laudo pericial destacando ter solicitado a perícia para fundamentar sua pretensão, com o fornecimento de provas técnicas a corroborarem suas alegações, no entanto, que haveria inconsistência nas conclusões sobre modificações no aparelho, já que a ausência do revestimento conformal em uma região da placa principal poderia ser originada pelo calor gerado durante o uso normal do dispositivo, especialmente pelo carregamento sem fio, já que não há danos externos no dispositivo a justificarem a afirmada manipulação externa. Prosseguiu asseverando não haver indícios de que o revestimento tenha sido removido manualmente e que o desgaste térmico é uma causa natural plausível para a deterioração observada, por não haver sinais claros de raspagem ou uso de produtos químicos. Ponderou que a análise técnica não identificou sinais de intervenção manual a justificarem a recusa do reparo e que seria legítimo seu direito ao conserto diante da preservação da integridade física do aparelho. Noutro tanto, sustentou que o laudo pericial contradiz a gravação apresentada por si na inicial, na qual o técnico autorizado da Apple em Brasília constatou a inexistência de sinais de violação no aparelho, prova essa que deve ser considerada com a mesma seriedade que a produzida em juízo, aparentemente duvidosa quanto sua precisão e veracidade. À movimentação nº 79, o perito prestou os seguintes esclarecimentos: (…) I. Capacidade Térmica do Revestimento ConformalO revestimento conformal aplicado em placas de circuito impresso (PCBs) tem como função principal proteger os componentes eletrônicos contrafatores ambientais, como umidade e poeira. Este material possui alta resistência térmica, sendo capaz de suportar temperaturas de até 400 °C, conforme indicado pelos fabricantes e literatura técnica.• O calor gerado durante o uso normal do dispositivo, mesmo durante o carregamento sem fio, jamais atinge tais níveis. O processador e a bateria operam em faixas de temperatura muito inferiores, normalmente abaixo de 100 °C.• Qualquer temperatura acima disso causaria danos severos ao aparelho, como a degradação do display e outros componentes sensíveis, o que não foi constatado.II. Contradição entre o Laudo Pericial e a Gravação Documental1. Metodologia de Análise Técnica RigorosaA análise técnica foi conduzida seguindo procedimentos padronizados e com rigor técnico. Todas as observações e conclusões foram baseadas em evidências físicas, devidamente documentadas no laudo pericial.• A gravação apresentada, embora válida como prova documental, não substitui o exame técnico detalhado da placa e dos componentes eletrônicos, que revelaram evidências de reparos não autorizados e modificações no dispositivo.2. Validação da Abertura do AparelhoO laudo pericial reconhece que a abertura do aparelho pode ter sido realizada pela assistência autorizada da Apple. Entretanto, a análise técnica constatou modificações que não condizem com os padrões adotados pela fabricante, o que sugere intervenções.• A gravação citada pelo requerente, onde o técnico nega sinais de violação, não oferece base técnica suficiente para contestar as evidências levantadas durante a perícia..III. Conclusão• Os questionamentos apresentados não se sustentam tecnicamente diante das evidências observadas e da capacidade térmica dos materiais utilizados no dispositivo.• Todos os procedimentos periciais seguiram rigor técnico e imparcialidade, não havendo qualquer fundamento técnico para reanálise do laudo. As conclusões periciais permanecem válidas e embasadas em análise física e documental. Sobre o laudo pericial complementar, as partes foram devidamente intimadas mas não se manifestaram, como certificado no evento nº 84, sendo os autos conclusos para sentença. Impende destacar que o julgado apelado foi embasado na natureza consumerista da relação havida entre as partes, aplicando-se o Código de Defesa do Consumidor. Contudo, em sentido contrário aos interesses autorais, a magistrada condutora do feito julgou improcedentes os pedidos iniciais, apoiando-se na perícia técnica produzida em juízo que averiguou a existência de reparos não autorizados e modificações no dispositivo para afastar a responsabilidade civil objetiva da fornecedora ré, tanto em relação aos prejuízos materiais quanto morais. Nas razões de apelo, extrai-se que o autor/apelante alicerça sua irresignação em suposta falha na aplicação dos princípios protetivos do consumidor quanto a inversão do ônus da prova, alertando que a não aplicação de tal regra de instrução lhe acarretou prejuízo irreparável, por se ver impossibilitado de comprovar cabalmente os fatos alegados na inicial, já que a perícia técnica, por si só, não se revela suficiente para afastar a responsabilidade da apelada pelo defeito ocorrido no período de garantia. Indaga, outrossim, a responsabilidade objetiva do fornecedor pelo vício do produto, independente de comprovação de sua culpa, bastando que o consumidor demonstre o vício. Ressalta também a fragilidade das conclusões do perito frente ao vídeo em que os técnicos autorizados da Apple afirmaram que o celular jamais havia sido aberto anteriormente, deduzindo que a falta de apresentação de provas irrefutáveis pela apelada de que as alterações no iPhone foram realizadas pelo apelante ou por terceiros foi a razão direta do problema. Nesse viés, o recorrente tece considerações sobre o princípio da boa-fé objetiva e os deveres de lealdade e de transparência do fornecedor perante o consumidor, que teve frustrada sua legítima expectativa e confiança de que a empresa garantiria a cobertura do defeito, solucionando-o de modo eficaz e no prazo razoável. Sobreleva, noutro tanto, estar caracterizada a violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa com a homologação do laudo pericial sem serem levadas em consideração as contradições e os elementos que indicariam a ausência de modificações no aparelho, fato que entende que serão provados através de nova perícia feita por outro expert. Pois bem, diante da minuciosa contextualização dos fatos e atos processuais que compõem o caderno processual, tenho que as razões recursais não merecem acolhida, devendo a sentença recorrida ser integralmente mantida, pelo que passo a expor. 1. DA DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA E DA ALEGADA VIOLAÇÃO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA Na espécie, mostra-se inquestionável a natureza jurídica consumerista entre os litigantes, a qual foi reconhecida na sentença objeto do presente inconformismo, todavia, quanto a inversão do ônus da prova prevista no inciso VIII do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor, é cediço que referida inversão não é automática, ocorrendo quando presentes a verossimilhança das alegações e da hipossuficiência do consumidor. Impende destacar que esta é regra de instrução e não de julgamento, oportunizando-se a quem foi imposto o ônus a apresentação de provas. Ademais, mesmo nas demandas envolvendo Direito do Consumidor, não se pode admitir a inversão do ônus da prova na hipótese em que se exija a comprovação de fato negativo, como vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça, in verbis: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO. CDC. INVERSÃO DO ÔNUS PROBATÓRIO. VERIFICAÇÃO DE VEROSSIMILHANÇA. PROVA NEGATIVA. IMPOSSIBILIDADE. CONSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO DESTA CORTE SUPERIOR. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO DESPROVIDO. 1. "A inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, não é automática, dependendo da constatação, pelas instâncias ordinárias, da presença ou não da verossimilhança das alegações e da hipossuficiência do consumidor" (AgInt no AREsp 1.749.651/SP, Relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 19/4/2021, DJe de 21/5/2021). 2. "É firme a orientação deste Tribunal Superior no sentido de que é inviável a exigência de prova de fato negativo" (AgInt no AREsp 1.206.818/SP, Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 24/4/2018, DJe de 2/5/2018). 3. Agravo interno desprovido. (STJ, AgInt no AREsp 2.271.223/SP, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 22/5/2023, DJe de 25/5/2023) Lado outro, mesmo que se entendesse cabível a inversão do ônus da prova, esta não suplantaria a efetiva produção da prova pericial, cujo conteúdo técnico prevalece em face de meras discordâncias e conjecturas. A respeito: Apelação cível. (…) II. Cerceamento de defesa não demonstrado. Desnecessidade de realização de nova prova pericial. O Magistrado não está obrigado a deferir todo e qualquer pedido da parte, incumbindo-lhe, em observância aos princípios de celeridade, economia processual e razoável duração do processo, exercer juízo de valor sobre a necessidade e utilidade da prova. No caso vertente, conclui-se pela desnecessidade de nova prova pericial que em nada contribuiria para o deslinde da causa, sobretudo, porque as partes foram devidamente intimadas da perícia, exercendo o contraditório e ampla defesa, afastando-se, portanto, a tese de cerceamento de defesa. III. Alegação de que a perícia foi inconclusiva. Mera discordância. A mera discordância da parte em relação ao laudo pericial, desacompanhada de provas técnicas robustas, fundadas apenas em alegações genéricas, não são suficientes para afastar o valor probatório do laudo pericial. (…). (TJGO, Apelação Cível 5351234-13.2020.8.09.0137, Rel. Desª. ANA CRISTINA RIBEIRO PETERNELLA FRANÇA, 7ª Câmara Cível, julgado em 20/11/2023, DJe de 20/11/2023) APELAÇÃO CÍVEL. (…) 1. DA ALEGAÇÃO DE NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE NOVA PERÍCIA. AFASTADA. Não há falar em necessidade de realização de nova perícia, tampouco em ocorrência de cerceamento do direito de defesa, pois restou claro no processo que o laudo técnico foi elaborado em consonância com as provas juntadas nos autos, tendo concluído que a parte recorrente é devedora do imposto (ICMS). A mera discordância da parte com a conclusão do laudo pericial não enseja sua nulidade e/ou desconsideração, mormente quando presentes, no referido laudo, todos os requisitos insertos no artigo 473 do Código de Processo Civil. (…). (TJGO, Apelação Cível 5178345-14.2017.8.09.0087, Rel. Des. ITAMAR DE LIMA, 3ª Câmara Cível, julgado em 10/09/2023, DJe de 10/09/2023) Saliente-se que a perícia técnica, requerida pelo próprio apelante, foi cristalina ao concluir que o defeito apresentado no aparelho celular decorreu de intervenções anteriores realizadas por terceiros não autorizados, incompatíveis com os padrões técnicos da fabricante. Essa constatação afasta, por si só, a presunção de veracidade da alegação de vício do produto imputável à fornecedora, de modo que a distribuição do ônus da prova, tal como fixada na origem, não violou qualquer princípio consumerista, sobretudo porque o laudo técnico e laudo complementar foram produzidos com observância do contraditório e da ampla defesa. Além disso, o vídeo apresentado pelo recorrente não possui força probatória suficiente para infirmar as conclusões da perícia oficial, a qual se baseou na análise minuciosa dos componentes internos do aparelho. A prova técnica pericial, conduzida por expert imparcial nomeado pelo juízo, possui maior valor probante. Isso porque, os esclarecimentos do perito se deram de forma objetiva e fundamentada, o que reforça a credibilidade e consistência do laudo. Portanto, não há que se falar em cerceamento de defesa ou afronta aos princípios protetivos do consumidor, mas sim na correta valoração da prova técnica regularmente produzida nos autos, ainda que destoe dos interesses da parte que a requisitou, não se justificando a desconsideração do laudo técnico ou sua substituição por nova perícia. 2. DA AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE CIVIL DA FORNECEDORA COMPROVADA POR PERÍCIA JUDICIAL IMPARCIAL REQUERIDA PELO CONSUMIDOR A responsabilidade civil objetiva do fornecedor, segundo o Código de Defesa do Consumidor, pressupõe a existência de um defeito ou vício que comprometa a funcionalidade do produto, aliado à ausência de culpa do consumidor e à existência de nexo causal entre o defeito e o prejuízo. Como dito alhures, o afastamento da responsabilidade civil da ora apelada pela sentença recorrida se deu com base na conclusão de laudo pericial produzido por profissional técnico nomeado pelo juízo, no sentido de que o defeito que inutilizou o iPhone do autor decorreu de intervenções técnicas anteriores, não autorizadas, as quais, por sua natureza e consequências técnicas (incompatibilidade com o padrão de fábrica e comprometimento funcional do display) retiram a obrigação de cobertura da garantia contratual, nos termos da política de garantia da Apple, amplamente divulgada, e do que estabelece o CDC no artigo 14, § 3º, inciso II, Veja-se: Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.(…) § 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:(…)II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Nesse contexto, havendo demonstração de que o vício do produto originou-se de manipulações por terceiros não autorizados, expressa é a excludente de responsabilidade da fabricante. Confira-se os julgados em casos semelhantes: RESPONSABILIDADE CIVIL. Vício do produto. Aparelho celular. Ocorrência de mau uso do produto e manipulação de componentes internos do aparelho por assistência técnica não autorizada. Hipótese não abrangida pela garantia. Culpa exclusiva do consumidor comprovada. Inteligência dos artigos 12, § 3º, inciso III do CDC e 373, inciso II, do CPC. Recusa legítima. Dano moral não caracterizado. Sentença de improcedência mantida. Recurso não provido. (TJSP, Apelação Cível 1000662-97.2022.8.26.0414, Rel. Des. GILSON MIRANDA, 35ª Câmara de Direito Privado, julgado em 09/01/2023) Bem móvel Telefone celular Ação de reparação de danos materiais e morais Demanda de pessoa natural em face de empresa fabricante Sentença de improcedência Recurso do autor. Manutenção do julgado Cabimento Arguição de vício no produto Inconsistência fática e jurídica Elementos dos autos a evidenciar que o bem apresentava danos físicos em sua estrutura, umidade nos componentes internos, além de uso de bateria diversa e desprovida de certificação Culpa exclusiva do consumidor evidenciada Inteligência do art. 14, §3º, II, do CDC. Apelo do autor desprovido” (TJSP, Apelação Cível 1002548-69.2019.8.26.0404, Rel. Des. Marcos Ramos, 30ª Câmara de Direito Privado, julgado em 30/06/2021) APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS – AQUISIÇÃO DE APARELHO CELULAR – ALEGAÇÃO DE DEFEITO DO PRODUTO – ASSISTÊNCIA TECNICA NÃO AUTORIZADA – PERDA DA GARANTIA - LAUDO TÉCNICO AUTORIZADO QUE COMPROVOU O MAU USO DO APARELHO PELO APELANTE – AUTOR QUE NÃO SE DESINCUMBIU DO SEU ÔNUS PROBANDI NO SENTIDO DE COMPROVAR QUE O DEFEITO DECORREU DO FABRICANTE – INTELIGÊNCIA DO ART. 373, INCISO I, DO NCPC – SENTENÇA MANTIDA - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. POR UNANIMIDADE. (TJSE, Apelação Cível 0003665-04.2018.8.25.0040, Rel. Des. LUIZ ANTÔNIO ARAÚJO MENDONÇA, 2ª Câmara Cível, julgado em 17/12/2019) Desse modo, acertado o julgamento a quo, por não se verificar nos autos, qualquer conduta abusiva, desproporcional ou omissiva por parte da fornecedora apelada a justificar as indenizações pleiteadas pelo consumidor apelante, vez que a negativa de cobertura foi alicerçada em razões técnicas e legítimas, diante da perda da integridade do produto por causa externa. Ao teor do exposto, CONHEÇO e NEGO PROVIMENTO ao presente apelo, para manter a sentença recorrida por esses e seus próprios fundamentos. Tendo em vista o desprovimento do recurso, hei por bem majorar os honorários advocatícios sucumbenciais, de 10% (dez por cento) para 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, com espeque no § 11 do artigo 85 do Código de Processo Civil. É o voto. Documento datado e assinado digitalmente. DIORAN JACOBINA RODRIGUES Juiz Substituto em 2º grauRelator8 ACÓRDÃO VISTOS, relatados e discutidos os presentes autos na Apelação Cível nº 5211920-12.2022.8.09.0160, Comarca de Novo Gama. ACORDAM os integrantes da 3ª Câmara Cível da segunda turma julgadora do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, à unanimidade de votos, em conhecer e desprover o recurso, nos termos do voto do Relator. VOTARAM, além do Relator, os componentes descritos no extrato de ata. Presidiu a sessão o componente descrito no extrato de ata. Presente o(a) ilustre Procurador(a) de Justiça, os descrito no extrato de ata. Documento datado e assinado digitalmente. DIORAN JACOBINA RODRIGUES Juiz Substituto em 2º grauRelator
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