Processo nº 5136408-25.2025.8.09.0093
ID: 282908275
Tribunal: TJGO
Órgão: 3ª Câmara Criminal
Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL
Nº Processo: 5136408-25.2025.8.09.0093
Data de Disponibilização:
29/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
FREDERICO APARECIDO BATISTA
OAB/MG XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás
Gabinete do Desembargador Donizete Martins de Oliveira
3ª Câmara Crim…
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás
Gabinete do Desembargador Donizete Martins de Oliveira
3ª Câmara Criminal
HABEAS CORPUS Nº 5136408-25.2025.8.09.0093
3ª CÂMARA CRIMINAL
COMARCA : JATAÍ
IMPETRANTE : FREDERICO APARECIDO BATISTA
PACIENTE : MURILO SOUSA CARVALHO
RELATOR : Des. DONIZETE MARTINS DE OLIVEIRA
RELATÓRIO E VOTO
FREDERICO APARECIDO BATISTA, advogado regularmente inscrito na OAB/MG sob o n. 211.066, impetrou HABEAS CORPUS, com pedido de liminar, em favor do paciente MURILO SOUSA CARVALHO, já qualificado nos autos em epígrafe, ao argumento de que o paciente está sofrendo constrangimento ilegal.
Narra o impetrante que o paciente foi condenado pela prática do crime previsto no art. 157, § 2º-A, inciso I, na forma do art. 71, ambos do Código Penal, tendo sido aplicada, inicialmente, pena de 23 anos, 8 meses e 13 dias de reclusão. Em grau de apelação, a pena foi reduzida para 11 anos, 5 meses e 15 dias. Foi interposto recurso especial e, sendo inadmitido, Agravo em Recurso Especial ao STJ, este que também restou infrutífero por não ter passado pela análise de admissibilidade.
Alega o impetrante que a condenação decorreu de flagrante ilegalidade, notadamente pela: Investigação e prisão ilegal conduzida pela Guarda Municipal, em desacordo com o artigo 144 da Constituição Federal; Reconhecimento fotográfico irregular, realizado em desrespeito ao artigo 226 do Código de Processo Penal - CPP; Fragilidade probatória, com base em elementos insuficientes para sustentar a condenação; Erro na dosimetria da pena, com a valoração indevida de vetores (culpabilidade, conduta social e consequências do delito) na primeira fase da fixação da pena.
Por fim, pretende a concessão do writ, em liminar e no mérito, para determinar a nulidade da condenação, com fundamento na ilicitude das provas. Subsidiariamente, requer a revisão da pena, com o afastamento de vetores indevidamente valorados.
A inicial encontra-se instruída com documentação (mov. 01).
Sobreveio decisão monocrática (mov. 05) de não conhecimento da ordem, sob o fundamento de que a matéria invocada na impetração – inclusive já analisada no âmbito recursal ordinário – encontra óbice no trânsito em julgado da condenação, sendo a via adequada para eventual reexame dos elementos probatórios e revisão da dosimetria a ação de revisão criminal, nos termos do art. 621 do Código de Processo Penal.
Irresignada, a defesa interpôs Agravo Regimental (mov. 08), reiterando a tese de que o writ é cabível, em razão da existência de nulidades processuais evidentes e da manifesta ilegalidade das provas utilizadas para sustentar a condenação. Alega, ainda, que a decisão agravada teria desconsiderado a relevância das teses apresentadas, e que, mesmo com o trânsito em julgado, seria possível o reconhecimento da ilegalidade de ofício.
Sobreveio o julgamento do Agravo Regimental (mov. 19), no qual se consignou, em síntese, que não subsistem motivos aptos à reforma da decisão monocrática anteriormente proferida, tendo em vista que: inexiste flagrante ilegalidade a autorizar a atuação da via do habeas corpus; as teses deduzidas foram apreciadas em apelação criminal, com trânsito em julgado; e a impetração revela-se substitutiva de revisão criminal, não podendo ser utilizada como nova tentativa de reexame de mérito já apreciado por esta 3ª Câmara Criminal. Por conseguinte, foi conhecido o Agravo Regimental e negado-lhe provimento, mantendo-se a decisão que não conheceu da ordem, nos termos dos seus próprios e jurídicos fundamentos.
Após o julgamento do Agravo Regimental, que resultou na manutenção da decisão monocrática de não conhecimento da ordem por inadequação da via eleita, a defesa impetrou novo Habeas Corpus junto ao Superior Tribunal de Justiça, distribuído sob o nº 994128/GO (2025/0119704-8), apontando como autoridade coatora este Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás.
Naquela impetração, a defesa reiterou os fundamentos da inicial, notadamente a alegação de nulidade das provas obtidas por investigação da Guarda Municipal, irregularidade no reconhecimento fotográfico, fragilidade probatória e indevida valoração de vetoriais negativas na dosimetria da pena.
Em decisão (mov. 24) proferida em 07/04/2025, o eminente Ministro Ribeiro Dantas, Relator, deixou de conhecer da impetração por entender que se tratava de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, consoante orientação jurisprudencial consolidada no âmbito do STJ e do STF. Todavia, ao analisar o teor da decisão proferida nos autos deste mandamus originário, concluiu que o Tribunal de origem não apreciou de forma concreta e fundamentada a existência ou não de flagrante ilegalidade, limitando-se a invocar a inadequação da via eleita.
Assim, concedeu a ordem de ofício, para anular a decisão de não conhecimento proferida nos autos do Habeas Corpus nº 5136408-25.2025.8.09.0093, determinando o retorno dos autos ao Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, a fim de que “deve analisar, de forma fundamentada, a ocorrência ou não da flagrante ilegalidade apontada na sentença, com relação à dosimetria.”
O pleito liminar foi indeferido na mov. 26.
As informações foram prestadas na mov. 29.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer lançado na mov. 31, da lavra da Dra. Susy Aurea Carvalho Pinheiro, manifesta-se pelo conhecimento da impetração e denegação da ordem.
É o relatório. Passo ao voto.
Consoante relatado, cuida-se de Habeas Corpus impetrado em favor de MURILO SOUSA CARVALHO, no qual o impetrante alega a existência de flagrante constrangimento ilegal, decorrente de: a) prisão ilegal efetuada por Guardas Municipais; b) reconhecimento fotográfico em desacordo com o art. 226 do CPP; c) insuficiência probatória para a condenação; e d) erro manifesto na dosimetria da pena.
Inicialmente, registro novamente que este habeas corpus não merece conhecimento, conforme já decidido monocraticamente (mov. 05).
Com efeito, constato que a ordem não comporta conhecimento, porquanto a impetração visa, em verdade, desconstituir título condenatório já transitado em julgado, cujo exame somente é possível pela via própria da revisão criminal, e não por meio de habeas corpus, conforme pacificado entendimento da jurisprudência pátria:
“HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. EXECUÇÃO DE PENA EM REGIME ABERTO. DESCUMPRIMENTO DE CONDIÇÕES IMPOSTAS. REGRESSÃO CAUTELAR DE REGIME PRISIONAL. OITIVA PRÉVIA DO APENADO OU INSTAURAÇÃO (PRÉVIA) DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR (PAD). PRESCINDIBILIDADE. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. NÃO CONHECIMENTO DO WRIT.
1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer.
2. (...)
5. Inexistência de ilegalidade, a justificar a concessão da ordem de ofício.
6. Habeas corpus não conhecido.”
(STJ. HC n. 533.286/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 5/12/2019, DJe de 17/12/2019.) (grifo nosso)
No caso, as teses deduzidas pelo impetrante já foram objeto de análise em sede de apelação criminal por esta 3ª Câmara Criminal (Apelação nº 5489615-65.2022.8.09.0093, de relatoria da Desembargadora Camila Nina Erbetta Nascimento), tendo sido reconhecida, inclusive, a necessidade de correção parcial da dosimetria da pena. Após esgotadas as instâncias ordinárias, houve o trânsito em julgado da condenação, sem êxito na admissibilidade dos recursos interpostos perante o Superior Tribunal de Justiça, o que obsta a rediscussão da matéria nesta via mandamental.
Assim, não conheço do presente habeas corpus, por inadequação da via eleita.
Entretanto, em atenção à determinação emanada do Superior Tribunal de Justiça, constante do Habeas Corpus nº nº 994128/GO (2025/0119704-8), de relatoria do Ministro Ribeiro Dantas, procedo à análise fundamentada, de ofício, dos fundamentos apresentados pelo impetrante, com o propósito específico de verificar a existência, ou não, de flagrante ilegalidade apta a justificar, excepcionalmente, a concessão da ordem, ainda que ausentes os pressupostos formais para seu conhecimento ordinário.
1) Da alegada ilegalidade da prisão efetuada por Guardas Municipais:
O impetrante sustenta, como primeiro fundamento do habeas corpus, a ocorrência de flagrante ilegalidade na prisão do paciente, por ter sido efetuada por agentes da Guarda Civil Municipal de Jataí, os quais, a seu ver, teriam extrapolado os limites constitucionais de sua atuação ao desempenharem função tipicamente investigativa e ostensiva, privativa das polícias civil e militar (art. 144 da Constituição Federal).
A tese, todavia, não encontra amparo jurídico, tampouco respaldo na moldura fática dos autos.
Conforme se extrai dos documentos juntados na presente impetração, os agentes da Guarda Civil Municipal realizavam patrulhamento ostensivo, quando receberam informações de terceiros a respeito da ocorrência de roubos em postos de combustíveis na cidade e das características dos supostos autores. Durante as rondas ordinárias, depararam-se com indivíduo que se encaixava nas descrições recebidas, que, ao perceber a aproximação da viatura, desobedeceu à ordem de parada e empreendeu fuga, sendo posteriormente contido.
A abordagem, portanto, não decorreu de atuação investigativa autônoma, mas de fundada suspeita emergente no curso do patrulhamento de rotina, em típica situação de flagrante delito impróprio.
Ademais, a alegação de que os guardas civis atuaram como “investigadores” não se sustenta, pois não houve qualquer diligência prévia com objetivo investigativo formal, tampouco medidas invasivas ilegítimas. A atuação se deu em momento imediatamente posterior à prática do delito, com base em elementos empíricos disponíveis, e em conformidade com o artigo 301 do Código de Processo Penal, que autoriza qualquer do povo, e com maior razão os agentes públicos de segurança, a realizar a prisão em flagrante:
“Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.”
Em reforço, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF 995, reconheceu que as Guardas Municipais integram o Sistema de Segurança Pública, previsto no art. 144 da Constituição Federal, possuindo legitimidade para atuar em colaboração com os demais órgãos de segurança pública, inclusive na proteção da ordem pública e na preservação da incolumidade das pessoas e do patrimônio.
Logo, não há que se falar em usurpação de funções investigativas ou ostensivas privativas das polícias militar ou civil, tampouco em ilicitude na prisão do paciente.
A atuação dos agentes da Guarda Municipal de Jataí, no caso concreto, enquadra-se perfeitamente dentro dos limites constitucionais e legais da sua competência, sendo lícita e legítima a prisão em flagrante por eles realizada, não havendo, portanto, qualquer vício que comprometa a higidez da persecução penal instaurada.
Nesse sentido:
“DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. ATUAÇÃO DE GUARDAS MUNICIPAIS. PERIGO DE DANO EVIDENCIADO. ABORDAGEM PESSOAL. PRISÃO EM FLAGRANTE. LEGALIDADE. ADPF 995/DF. RECONHECIMENTO DAS GUARDAS MUNICIPAIS COMO ÓRGÃO DE SEGURANÇA PÚBLICA. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA SUPREMA CORTE. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 995/DF, deu interpretação conforme à Constituição aos arts. 4º da Lei n. 13.022/2014 e 9º da Lei n. 13.675/2018 e declarou inconstitucionais “todas as interpretações judiciais que excluam as guardas municipais, devidamente criadas e instituídas, como integrantes do sistema de segurança pública”. 2. Guardas municipais podem e devem efetuar prisões em flagrante. 3. Agravo interno conhecido e não provido.” (STF, ARE 1503367 AgR, Relator(a): FLÁVIO DINO, Primeira Turma, julgado em 12-03-2025, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 14-03-2025 PUBLIC 17-03-2025) (grifo nosso)
2) Do reconhecimento fotográfico em desacordo com o art. 226 do CPP:
Quanto à alegada irregularidade no reconhecimento fotográfico, cumpre esclarecer que, ainda que se possa apontar eventual inobservância às formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal, especialmente no que se refere à ausência de apresentação simultânea de pessoas com características semelhantes à do reconhecido, tal vício não acarreta, por si só, a nulidade do ato ou da persecução penal, mormente quando não demonstrado efetivo prejuízo à defesa, nos termos do princípio do pas de nullité sans grief, consagrado no art. 563 do CPP.
No caso em apreço, observa-se que o reconhecimento fotográfico não constituiu o único elemento de convicção utilizado para sustentar a condenação, estando esta amparada, também, em outros meios de prova autônomos e harmônicos, tais como depoimentos firmes e coerentes das vítimas e testemunhas, bem como imagens captadas por câmeras de segurança, que corroboram a autoria delitiva imputada ao paciente.
Ademais, o Superior Tribunal de Justiça já assentou entendimento no sentido de que, ausente demonstração de que o reconhecimento fotográfico tenha sido o único fundamento da condenação, e havendo prova independente apta a sustentar o édito condenatório, não se reconhece qualquer nulidade. Nesse sentido:
“AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CRIME DE ROUBO MAJORADO. PROVA DE AUTORIA. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO. NULIDADE. AUTORIA CORROBORADA POR OUTRAS PROVAS COLHIDAS EM JUÍZO. RECONHECIMENTO DA VÍTIMA E PROVA TESTEMUNHAL. DOSIMETRIA DA PENA. MATÉRIA NÃO EXAMINADA NA CORTE DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Como é de conhecimento, a Sexta Turma desta Corte Superior, no julgamento do HC 598.886 (Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, DJe de 18/12/2020, propôs nova interpretação do art. 226 do CPP, estabelecendo que: "O reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa". Tal entendimento foi acolhido pela Quinta Turma desta Corte, no julgamento do Habeas Corpus n. 652.284/SC, de minha relatoria, em sessão de julgamento realizada no dia 27/4/2021.
2. Na hipótese dos autos, a autoria delitiva referente ao crime de roubo não teve como único elemento de prova o reconhecimento fotográfico feito pela vítima, o qual foi ratificado em juízo, com riqueza de detalhes, mas, também, o depoimento testemunhal, o que gera distinguishing com relação ao precedente supramencionado.
3. Eventual desconstituição das conclusões das instâncias antecedentes a respeito da autoria delitiva depende de reexame de fatos e provas, providência inviável na estreita via do habeas corpus.
4. Quanto à dosimetria da pena, a Corte de origem não examinou a questão, o que impede este Superior Tribunal de Justiça de julgar o tema, sob pena de indevida supressão de instância. Precedentes.
5. Agravo regimental a que se nega provimento.”
(STJ, AgRg no HC n. 717.803/RJ, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 9/8/2022, DJe de 16/8/2022.)
Assim, não há flagrante ilegalidade nesta questão.
3) Da insuficiência probatória:
No tocante à alegada fragilidade probatória, constata-se dos autos que há conjunto robusto de provas capazes de sustentar o decreto condenatório do paciente, destacando-se depoimentos judiciais consistentes das vítimas, testemunhas, reconhecimento fotográfico e elementos objetivos obtidos por imagens.
Ademais, em sede de habeas corpus não cabe o revolvimento aprofundado da prova para valorar aspectos subjetivos ou minorar a credibilidade das provas já examinadas exaustivamente em primeiro e segundo graus de jurisdição.
Deste modo, não há ilegalidade manifesta que justifique a absolvição nesta via estreita.
4) Da alegada ilegalidade na dosimetria da pena.
Quanto à dosimetria da pena, constato que este Tribunal também já analisou detidamente, afastando as negativações sob fundamentos genéricos ou inidôneos. In verbis:
“Examinando o processo dosimétrico da pena, verifica-se que, embora reconhecida a prática de três crimes de roubo contra vítimas diferentes, mas utilizado o mesmo modus operandi, o juiz singular analisou somente uma vez as circunstâncias judiciais, o que é correto, considerando desfavoráveis os antecedentes criminais, a conduta social, personalidade, motivos, consequências e circunstâncias do crime, no seguinte teor:
‘Considerando a culpabilidade, tenho que o réu é imputável, tinha conhecimento da ilicitude do ato (agindo com dolo), e era-lhe exigível, no momento, conduta diversa da que praticou; considerando os antecedentes, verifico que são péssimos, sendo inclusive reincidente (evento 200, autos nº 5644103-46.2020.8.09.0093); considerando a conduta social, tenho-a como anormal, uma vez que, de acordo com a análise da folha de antecedentes criminais do acusado, ele possui o estilo de vida dedicado ao cometimento de crimes, causando, portanto, desassossego à sociedade (evento 200); considerando a personalidade do agente, verifico que há forte propensão ao crime, sobretudo pelos seus registros criminais; considerando os motivos, estes se revelam vis, visto que o réu agiu movido pela ambição do ganho fácil, sem a contrapartida do esforço lícito; considerando as circunstâncias, entendo que estas são desfavoráveis ao réu, já que agiu durante o período noturno, bem como pelo modus operandi, qual seja, abordagem rápida e a fuga em uma motocicleta em seguida; considerando as consequências do crime, tenho-as como relevantes, pois acarretou principalmente à vítima Kelen de Jesus Soares imenso abalo psicológico decorrente do fato criminoso; considerando o comportamento da vítima, tenho que essa em nada contribuiu para o evento.’
A meu sentir, apesar da discricionariedade conferida ao julgador, a personalidade, os motivos e as circunstâncias do crime não foram concretamente fundamentadas ou estão motivadas em elementares do tipo penal violado, motivo pelo qual devem ser consideradas neutras, remanescendo como negativas somente a conduta social, os antecedentes criminais e as consequências do crime.
A propósito, consta da Certidão de Antecedentes Criminais de Murilo: 1) 0134422-39, CP 121, § 2º, Data do Fato: 15/04/2016, Data da distribuição: 15/04/2016; 2) 0276808-92, CP Art. 121 § 2 IV, Data do Fato: 19/03/2016, Data da distribuição: 03/08/2016; 3) 5296776-20, TCO tráfico, Data da distribuição: 11/11/2016; 4) 5000449-89, TCO tráfico, Data da distribuição: 02/01/2019; 5) 5644103-46, Art. 33, CAPUT, Lei 11343/06, Data do Fato: 15/12/2020, Sentença: Julgamento -> Com Resolução do Mérito -> Provimento em Parte – 27/01/2022, Trânsito Julgado: 18/02/2022.
Agora, o impetrante questiona os fundamentos relacionados às circunstâncias judiciais: “culpabilidade”, “conduta social” e “consequências do crime”.
No que tange à “culpabilidade”, cumpre esclarecer que tal vetor não foi negativado pelo juízo sentenciante. A leitura atenta da sentença demonstra que houve apenas a transcrição do conceito analítico de crime, descrevendo-se a imputabilidade, o dolo e a exigibilidade de conduta diversa, sem que se extraia qualquer juízo de reprovabilidade acima do inerente à própria prática delitiva. Assim, não há qualquer reparo a ser feito.
Quanto às “consequências do crime”, verifica-se que o juízo a quo motivou a sua valoração negativa com base em dados específicos dos autos, notadamente o abalo psicológico relevante sofrido por uma das vítimas, Kelen de Jesus Soares, o que se mostra apto a justificar a exasperação com base em dado concreto e extrínseco ao tipo penal. Nesse ponto, não há qualquer flagrante ilegalidade ou nulidade a ser reconhecida de ofício.
Por outro lado, contudo, assiste razão ao impetrante quanto à valoração negativa da “conduta social” do paciente. Consta da sentença que tal vetor foi desabonado com base em registros criminais anteriores — inclusive os mesmos utilizados para caracterizar os antecedentes. Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema Repetitivo n. 1077, firmou entendimento vinculante no sentido de que:
“Condenações criminais transitadas em julgado, não consideradas para caracterizar a reincidência, somente podem ser valoradas, na primeira fase da dosimetria, a título de antecedentes criminais, não se admitindo sua utilização para desabonar a personalidade ou a conduta social do agente.” (STJ, REsp n. 1.794.854/DF, relatora Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em 23/6/2021, DJe de 1/7/2021.)
Assim, considerando que os “antecedentes” criminais já foram valorados negativamente, impõe-se o reconhecimento de erro parcial flagrante na dosimetria, por fundamentação inidônea e bis in idem, quanto à valoração da “conduta social”.
De ofício, portanto, retifico a pena-base, anteriormente fixada por este Tribunal em 05 (cinco) anos e 06 (seis) meses de reclusão, para o patamar de 05 (cinco) anos de reclusão, observando-se que, em grau recursal, esta Câmara já havia estabelecido o critério de majoração de 06 (seis) meses por cada circunstância judicial negativa. Remanescendo agora apenas 02 (dois) vetores negativos (“antecedentes” e “consequências do crime”), procede-se à exasperação de 06 (seis) meses por cada um, totalizando 01 (um) ano de acréscimo à pena mínima legal.
Na segunda fase, ausentes circunstâncias agravantes e atenuantes, mantém-se a pena em 05 (cinco) anos de reclusão.
Na terceira fase, incide causa de aumento do art. 157, § 2º-A, I, do CP (arma de fogo), sendo aplicada a fração de 2/3. Assim, a pena passa a ser de 08 (oito) anos e 04 (quatro) meses de reclusão.
Prosseguindo, reconhecida a continuidade delitiva (art. 71, CP), e já fixada anteriormente a fração de 1/4 (um quarto), tem-se a pena definitiva retificada de 10 (dez) anos e 05 (cinco) meses de reclusão, em regime inicial fechado.
Conclusão:
Ante o exposto, desacolhendo o parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, NÃO CONHEÇO do presente habeas corpus, por inadequação da via eleita, nos termos da fundamentação acima.
Todavia, em atenção à determinação do Superior Tribunal de Justiça, exarada no Habeas Corpus nº 994128/GO (2025/0119704-8), EXAMINO DE OFÍCIO a existência de eventual flagrante ilegalidade e a RECONHEÇO apenas e parcialmente na dosimetria da pena, no ponto em que se valorou negativamente a “conduta social” do paciente com base em seu histórico criminal, já valoradas em sede de antecedentes, em violação ao entendimento firmado no Tema Repetitivo n. 1077 do STJ, procedendo, assim, ao redimensionamento da pena.
Comunique-se ao juízo da execução penal para as anotações e providências cabíveis, expedindo-se, para tanto, a guia de execução penal retificadora, nos termos da Resolução n. 113/2010, com redação alterada pela Resolução n. 237/2016.
É como voto.
Goiânia, datado e assinado digitalmente.
DONIZETE MARTINS DE OLIVEIRA
Desembargador Relator
EMENTA
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. WRIT NÃO CONHECIDO. DETERMINAÇÃO DO STJ PARA ANÁLISE DE OFÍCIO. FLAGRANTE ILEGALIDADE NA DOSIMETRIA. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA DE OFÍCIO.
I – CASO EM EXAME 1. Habeas corpus impetrado em favor de condenado por roubo majorado, com trânsito em julgado, no qual se pleiteia a anulação da condenação, absolvição ou, subsidiariamente, a revisão da dosimetria da pena, sob alegação de: (i) prisão ilegal por guardas municipais; (ii) nulidade do reconhecimento fotográfico; (iii) insuficiência de provas; e (iv) ilegalidade na negativação das circunstâncias judiciais “culpabilidade”, “conduta social” e “consequências do crime”.
II – QUESTÕES EM DISCUSSÃO 2. As teses deduzidas envolvem: (i) suposta extrapolação das atribuições constitucionais das guardas civis municipais; (ii) inobservância do art. 226 do CPP; (iii) absolvição por fragilidade do conjunto probatório; e (iv) ilegalidade na negativação das circunstâncias judiciais “culpabilidade”, “conduta social” e “consequências do crime”.
III – RAZÕES DE DECIDIR 3. A ordem não comporta conhecimento, por se tratar de habeas corpus substitutivo de revisão criminal, o que se mostra inviável após o trânsito em julgado da condenação. Aplicação da jurisprudência consolidada do STF e STJ. 4. Contudo, por força de determinação expressa do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do HC n. 994128/GO (2025/0119704-8), procedeu-se à análise, de ofício, da existência de eventual flagrante ilegalidade. 5. A prisão efetuada por guardas municipais, em contexto de patrulhamento preventivo e fundada suspeita, revela-se legítima e compatível com o art. 301 do CPP, sobretudo após o julgamento da ADPF 995 pelo STF, que reconheceu tais corporações como integrantes do Sistema de Segurança Pública (CF/88, art. 144). 6. A eventual inobservância das formalidades do art. 226 do CPP, no reconhecimento fotográfico, não enseja nulidade quando não demonstrado prejuízo e quando existirem outros elementos de prova autônomos e harmônicos que sustentem a autoria. Aplicação do princípio do pas de nullité sans grief (CPP, art. 563). 7. Não se vislumbra insuficiência probatória, sendo incabível o revolvimento do acervo fático-probatório em sede de habeas corpus, sobretudo após duplo juízo condenatório em instâncias ordinárias. 8. No tocante à dosimetria, o impetrante impugna a valoração negativa dos vetores: “culpabilidade”, “conduta social” e “consequências do crime”. Quanto à “culpabilidade”, não houve efetiva negativação, mas apenas menção ao conceito analítico do crime, sem juízo de censura superior à normal. Quanto às “consequências do crime”, o abalo psicológico expressivo causado à vítima foi adequadamente valorado como dado concreto e externo ao tipo penal. Contudo, quanto à conduta social, assiste razão ao impetrante, pois tal vetor foi desabonado com base no histórico criminal do paciente, e já valorado como maus “antecedentes”, vedado pelo Tema Repetitivo 1077/STJ.
IV – DISPOSITIVO E TESE 9. Habeas corpus não conhecido. Ordem parcialmente concedida de ofício, exclusivamente para corrigir a dosimetria da pena, fixando nova reprimenda proporcional e conforme os parâmetros anteriormente adotados pelo colegiado. Teses firmadas: “1. A prisão realizada por guardas civis municipais em situação de flagrante delito impróprio é legal, sendo legítima sua atuação em colaboração com os demais órgãos de segurança pública, conforme decisão proferida na ADPF 995. 2. O reconhecimento fotográfico realizado com inobservância parcial do art. 226 do CPP não acarreta nulidade quando amparado por outras provas robustas e independentes. 3. Ausente flagrante ilegalidade na valoração das consequências do crime e na culpabilidade. 4. É ilegal a valoração negativa da conduta social com base no histórico criminal e em condenações já computadas como antecedentes (Tema 1077/STJ), devendo ser retificada a pena-base. 5. Havendo erro flagrante na dosimetria da pena, impõe-se sua correção de ofício, mesmo em habeas corpus não conhecido formalmente, conforme determinação do STJ in casu (HC 994128/GO).”
Dispositivos legais citados: CF/88, art. 144; CPP, arts. 226, 301, 563; CP, arts. 59, 157, § 2º-A, I, e 71. Jurisprudência aplicada: STF, ARE 1503367 AgR; STF, ADPF 995; STJ, AgRg no HC 717.803/RJ; STJ, Tema Repetitivo 1077; STJ, HC 994128/GO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, por sua Terceira Câmara Criminal, nos termos da Ata de Julgamento.
Presidiu a Sessão de Julgamento a Desembargador Donizete Martins de Oliveira.
Presente, o Procurador de Justiça, nos termos da Ata de Julgamento.
Goiânia, datado e assinado digitalmente.
DONIZETE MARTINS DE OLIVEIRA
Desembargador Relator
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. WRIT NÃO CONHECIDO. DETERMINAÇÃO DO STJ PARA ANÁLISE DE OFÍCIO. FLAGRANTE ILEGALIDADE NA DOSIMETRIA. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA DE OFÍCIO.
I – CASO EM EXAME 1. Habeas corpus impetrado em favor de condenado por roubo majorado, com trânsito em julgado, no qual se pleiteia a anulação da condenação, absolvição ou, subsidiariamente, a revisão da dosimetria da pena, sob alegação de: (i) prisão ilegal por guardas municipais; (ii) nulidade do reconhecimento fotográfico; (iii) insuficiência de provas; e (iv) ilegalidade na negativação das circunstâncias judiciais “culpabilidade”, “conduta social” e “consequências do crime”.
II – QUESTÕES EM DISCUSSÃO 2. As teses deduzidas envolvem: (i) suposta extrapolação das atribuições constitucionais das guardas civis municipais; (ii) inobservância do art. 226 do CPP; (iii) absolvição por fragilidade do conjunto probatório; e (iv) ilegalidade na negativação das circunstâncias judiciais “culpabilidade”, “conduta social” e “consequências do crime”.
III – RAZÕES DE DECIDIR 3. A ordem não comporta conhecimento, por se tratar de habeas corpus substitutivo de revisão criminal, o que se mostra inviável após o trânsito em julgado da condenação. Aplicação da jurisprudência consolidada do STF e STJ. 4. Contudo, por força de determinação expressa do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do HC n. 994128/GO (2025/0119704-8), procedeu-se à análise, de ofício, da existência de eventual flagrante ilegalidade. 5. A prisão efetuada por guardas municipais, em contexto de patrulhamento preventivo e fundada suspeita, revela-se legítima e compatível com o art. 301 do CPP, sobretudo após o julgamento da ADPF 995 pelo STF, que reconheceu tais corporações como integrantes do Sistema de Segurança Pública (CF/88, art. 144). 6. A eventual inobservância das formalidades do art. 226 do CPP, no reconhecimento fotográfico, não enseja nulidade quando não demonstrado prejuízo e quando existirem outros elementos de prova autônomos e harmônicos que sustentem a autoria. Aplicação do princípio do pas de nullité sans grief (CPP, art. 563). 7. Não se vislumbra insuficiência probatória, sendo incabível o revolvimento do acervo fático-probatório em sede de habeas corpus, sobretudo após duplo juízo condenatório em instâncias ordinárias. 8. No tocante à dosimetria, o impetrante impugna a valoração negativa dos vetores: “culpabilidade”, “conduta social” e “consequências do crime”. Quanto à “culpabilidade”, não houve efetiva negativação, mas apenas menção ao conceito analítico do crime, sem juízo de censura superior à normal. Quanto às “consequências do crime”, o abalo psicológico expressivo causado à vítima foi adequadamente valorado como dado concreto e externo ao tipo penal. Contudo, quanto à conduta social, assiste razão ao impetrante, pois tal vetor foi desabonado com base no histórico criminal do paciente, e já valorado como maus “antecedentes”, vedado pelo Tema Repetitivo 1077/STJ.
IV – DISPOSITIVO E TESE 9. Habeas corpus não conhecido. Ordem parcialmente concedida de ofício, exclusivamente para corrigir a dosimetria da pena, fixando nova reprimenda proporcional e conforme os parâmetros anteriormente adotados pelo colegiado. Teses firmadas: “1. A prisão realizada por guardas civis municipais em situação de flagrante delito impróprio é legal, sendo legítima sua atuação em colaboração com os demais órgãos de segurança pública, conforme decisão proferida na ADPF 995. 2. O reconhecimento fotográfico realizado com inobservância parcial do art. 226 do CPP não acarreta nulidade quando amparado por outras provas robustas e independentes. 3. Ausente flagrante ilegalidade na valoração das consequências do crime e na culpabilidade. 4. É ilegal a valoração negativa da conduta social com base no histórico criminal e em condenações já computadas como antecedentes (Tema 1077/STJ), devendo ser retificada a pena-base. 5. Havendo erro flagrante na dosimetria da pena, impõe-se sua correção de ofício, mesmo em habeas corpus não conhecido formalmente, conforme determinação do STJ in casu (HC 994128/GO).”
Dispositivos legais citados: CF/88, art. 144; CPP, arts. 226, 301, 563; CP, arts. 59, 157, § 2º-A, I, e 71. Jurisprudência aplicada: STF, ARE 1503367 AgR; STF, ADPF 995; STJ, AgRg no HC 717.803/RJ; STJ, Tema Repetitivo 1077; STJ, HC 994128/GO.
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