Processo nº 1000103-41.2024.8.13.0024
ID: 337510503
Tribunal: TJMG
Órgão: 2ª Vara de Feitos Tributários do Estado da Comarca de Belo Horizonte
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 1000103-41.2024.8.13.0024
Data de Disponibilização:
29/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
RAFAEL HENRIQUE GONÇALVES SANTOS
OAB/MG XXXXXX
Desbloquear
PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL Nº 1000103-41.2024.8.13.0024/MG
AUTOR
: REDE SANTANA COMBUSTIVEIS 3 M LTDA
ADVOGADO(A)
: RAFAEL HENRIQUE GONÇALVES SANTOS (OAB MG143850)
Local:
Belo Horizonte
Data:
25/07/20…
PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL Nº 1000103-41.2024.8.13.0024/MG
AUTOR
: REDE SANTANA COMBUSTIVEIS 3 M LTDA
ADVOGADO(A)
: RAFAEL HENRIQUE GONÇALVES SANTOS (OAB MG143850)
Local:
Belo Horizonte
Data:
25/07/2025
SENTENÇA
REDE SANTANA COMBUSTÍVEIS 3 M LTDA.,
qualificada na petição inicial, ajuizou a presente
AÇÃO ORDINÁRIA
, em desfavor do
ESTADO DE MINAS GERAIS,
visando o reconhecimento do direito da
Autora em efetuar o pagamento do ICMS/ST tendo por base de cálculo o valor efetivamente cobrado dos consumidores que adquirem os produtos comercializados por aqueles.
Asseverou que no exame do RE nº 593.849, o Egrégio STF entendeu pela inconstitucionalidade da exigência do ICMS, isto com base na pauta fiscal determinada para operações futuras, concretizando os atos referentes a incidência do ICMS/substituição tributária, afirmando, porém, que todo o valor exigido a maior em face do preço efetivamente praticado na operação tributada, deverá ser devolvida ao contribuinte.
Alegou que o Estado, utiliza como base de cálculo do ICMS incidente na revenda de combustíveis o preço médio ponderado publicado pelo CONFAZ, qual fixa em valores muito superiores àqueles efetivamente praticados na cidade e/ou área de influência da empresa, obrigando-a arcar com o recolhimento muito superior de ICMS do que o efetivamente devido, sem jamais proceder a restituição da quantia paga acima da estimativa, na forma ordenada pelo § 7º do art. 150 da Constituição Federal.
Requereu que seja reconhecida “como indevida a incidência de ICMS que teve ou que venha a ter como base de cálculo a diferença entre o fato gerador presumido (preço da pauta – maior) e o fato gerador que efetivamente ocorreu (menor) na saída da mercadoria ao consumidor final (gasolina comum, gasolina aditivada, etanol, óleo diesel e óleo diesel S-10)".
O Estado de Minas Gerais apresentou contestação ao evento 19, suscitando as preliminares de carência da ação e violação ao artigo 166 do CTN. Além disso, levantou a prescrição quinquenal como prejudicial de mérito e por fim, pleiteou que seja julgado improcedente o pedido inicial com a condenação do autor nos ônus da sucumbência.
A Autora apresentou impugnação, evento 25.
Intimados, às partes, para especificarem provas, ambas requerem o julgamento antecipado da lide. Alegações finais no evento 38, por parte da Ré e a Autora restou-se inerte.
É o relatório. DECIDO.
Inicialmente, convêm ressaltar que a documentação anexada comprova que a Autora recolhe o ICMS com base de cálculo por PMPF. Além disso, a apresentação de todas as notas fiscais e demonstrativos de pagamentos somente serão devidos em posterior fase de cumprimento de sentença. Assim, não há que se falar em cerceamento de defesa, haja vista a possibilidade de questionar os valores apresentados naquela fase processual.
Quanto a preliminar de impugnação ao valor da causa, destaco que por se tratar de uma ação de cunho declaratório, o valor da causa serve apenas para meros fiscais.
Sabe-se que o interesse de agir se solidifica na possibilidade de que àquele que recorre ao judiciário obtenha um resultado útil.
Nesse sentido discorre o processualista Cândido Rangel Dinamarco: “Há interesse-necessidade quando, sem o processo e sem o exercício da jurisdição, o sujeito seria incapaz de obter o bem desejado”
1
.
No caso em tela, ainda que não tenha existido prévio requerimento tão pouco denegação no âmbito administrativo, a contestação apresentada pelo Estado réu se manifesta no sentido de discordância com a pretensão da autora, o que evidencia e caracteriza o interesse processual de agir.
Em relação a tese de ilegitimidade ativa, a Primeira Seção do STJ, no julgamento do REsp 903.394/AL, sob a sistemática dos recursos repetitivos, cadastrada como Tema 173, pacificou o entendimento de que a legitimidade para a repetição dos tributos de repasse, como é o caso do ICMS, é do contribuinte de direito, e não do contribuinte de fato, por ser aquele a parte de relação jurídica tributária que assume o ônus econômico do tributo em razão da própria natureza da exação,
in verbis
:
PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. IPI. RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO. DISTRIBUIDORAS DE BEBIDAS. CONTRIBUINTES DE FATO. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. SUJEIÇÃO PASSIVA APENAS DOS FABRICANTES (CONTRIBUINTES DE DIREITO). RELEVÂNCIA DA REPERCUSSÃO ECONÔMICA DO TRIBUTO APENAS PARA FINS DE CONDICIONAMENTO DO EXERCÍCIO DO DIREITO SUBJETIVO DO CONTRIBUINTE DE JURE À RESTITUIÇÃO (ARTIGO 166, DO CTN). LITISPENDÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282 E 356/STF. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. APLICAÇÃO.
1. O "contribuinte de fato" (in casu, distribuidora de bebida) não detém legitimidade ativa ad causam para pleitear a restituição do indébito relativo ao IPI incidente sobre os descontos incondicionais, recolhido pelo "contribuinte de direito" (fabricante de bebida), por não integrar a relação jurídica tributária pertinente.
2. O Código Tributário Nacional, na seção atinente ao pagamento indevido, preceitua que: "Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos: I - cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;
II - erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento;
III - reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.
Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la." 3. Consequentemente, é certo que o recolhimento indevido de tributo implica na obrigação do Fisco de devolução do indébito ao contribuinte detentor do direito subjetivo de exigi-lo.
4. Em se tratando dos denominados "tributos indiretos" (aqueles que comportam, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro), a norma tributária (artigo 166, do CTN) impõe que a restituição do indébito somente se faça ao contribuinte que comprovar haver arcado com o referido encargo ou, caso contrário, que tenha sido autorizado expressamente pelo terceiro a quem o ônus foi transferido.
5. A exegese do referido dispositivo indica que: "...o art. 166, do CTN, embora contido no corpo de um típico veículo introdutório de norma tributária, veicula, nesta parte, norma específica de direito privado, que atribui ao terceiro o direito de retomar do contribuinte tributário, apenas nas hipóteses em que a transferência for autorizada normativamente, as parcelas correspondentes ao tributo indevidamente recolhido: Trata-se de norma privada autônoma, que não se confunde com a norma construída da interpretação literal do art. 166, do CTN. É desnecessária qualquer autorização do contribuinte de fato ao de direito, ou deste àquele. Por sua própria conta, poderá o contribuinte de fato postular o indébito, desde que já recuperado pelo contribuinte de direito junto ao Fisco. No entanto, note-se que o contribuinte de fato não poderá acionar diretamente o Estado, por não ter com este nenhuma relação jurídica. Em suma: o direito subjetivo à repetição do indébito pertence exclusivamente ao denominado contribuinte de direito. Porém, uma vez recuperado o indébito por este junto ao Fisco, pode o contribuinte de fato, com base em norma de direito privado, pleitear junto ao contribuinte tributário a restituição daqueles valores.
A norma veiculada pelo art. 166 não pode ser aplicada de maneira isolada, há de ser confrontada com todas as regras do sistema, sobretudo com as veiculadas pelos arts. 165, 121 e 123, do CTN. Em nenhuma delas está consignado que o terceiro que arque com o encargo financeiro do tributo possa ser contribuinte. Portanto, só o contribuinte tributário tem direito à repetição do indébito.
Ademais, restou consignado alhures que o fundamento último da norma que estabelece o direito à repetição do indébito está na própria Constituição, mormente no primado da estrita legalidade. Com efeito a norma veiculada pelo art. 166 choca-se com a própria Constituição Federal, colidindo frontalmente com o princípio da estrita legalidade, razão pela qual há de ser considerada como regra não recepcionada pela ordem tributária atual. E, mesmo perante a ordem jurídica anterior, era manifestamente incompatível frente ao Sistema Constitucional Tributário então vigente." (Marcelo Fortes de Cerqueira, in "Curso de Especialização em Direito Tributário - Estudos Analíticos em Homenagem a Paulo de Barros Carvalho", Coordenação de Eurico Marcos Diniz de Santi, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2007, págs. 390/393) 6. Deveras, o condicionamento do exercício do direito subjetivo do contribuinte que pagou tributo indevido (contribuinte de direito) à comprovação de que não procedera à repercussão econômica do tributo ou à apresentação de autorização do "contribuinte de fato" (pessoa que sofreu a incidência econômica do tributo), à luz do disposto no artigo 166, do CTN, não possui o condão de transformar sujeito alheio à relação jurídica tributária em parte legítima na ação de restituição de indébito.
7. À luz da própria interpretação histórica do artigo 166, do CTN, dessume-se que somente o contribuinte de direito tem legitimidade para integrar o pólo ativo da ação judicial que objetiva a restituição do "tributo indireto" indevidamente recolhido (Gilberto Ulhôa Canto, "Repetição de Indébito", in Caderno de Pesquisas Tributárias, n° 8, p. 2-5, São Paulo, Resenha Tributária, 1983; e Marcelo Fortes de Cerqueira, in "Curso de Especialização em Direito Tributário - Estudos Analíticos em Homenagem a Paulo de Barros Carvalho", Coordenação de Eurico Marcos Diniz de Santi, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2007, págs. 390/393).
8. É que, na hipótese em que a repercussão econômica decorre da natureza da exação, "o terceiro que suporta com o ônus econômico do tributo não participa da relação jurídica tributária, razão suficiente para que se verifique a impossibilidade desse terceiro vir a integrar a relação consubstanciada na prerrogativa da repetição do indébito, não tendo, portanto, legitimidade processual" (Paulo de Barros Carvalho, in "Direito Tributário - Linguagem e Método", 2ª ed., São Paulo, 2008, Ed. Noeses, pág. 583).
9. In casu, cuida-se de mandado de segurança coletivo impetrado por substituto processual das empresas distribuidoras de bebidas, no qual se pretende o reconhecimento do alegado direito líquido e certo de não se submeterem à cobrança de IPI incidente sobre os descontos incondicionais (artigo 14, da Lei 4.502/65, com a redação dada pela Lei 7.798/89), bem como de compensarem os valores indevidamente recolhidos àquele título.
10. Como cediço, em se tratando de industrialização de produtos, a base de cálculo do IPI é o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria do estabelecimento industrial (artigo 47, II, "a", do CTN), ou, na falta daquele valor, o preço corrente da mercadoria ou sua similar no mercado atacadista da praça do remetente (artigo 47, II, "b", do CTN).
11. A Lei 7.798/89, entretanto, alterou o artigo 14, da Lei 4.502/65, que passou a vigorar com a seguinte redação: "Art. 14. Salvo disposição em contrário, constitui valor tributável: (...) II - quanto aos produtos nacionais, o valor total da operação de que decorrer a saída do estabelecimento industrial ou equiparado a industrial.
§ 1º. O valor da operação compreende o preço do produto, acrescido do valor do frete e das demais despesas acessórias, cobradas ou debitadas pelo contribuinte ao comprador ou destinatário.
§ 2º. Não podem ser deduzidos do valor da operação os descontos, diferenças ou abatimentos, concedidos a qualquer título, ainda que incondicionalmente.
(...)" 12. Malgrado as Turmas de Direito Público venham assentando a incompatibilidade entre o disposto no artigo 14, § 2º, da Lei 4.502/65, e o artigo 47, II, "a", do CTN (indevida ampliação do conceito de valor da operação, base de cálculo do IPI, o que gera o direito à restituição do indébito), o estabelecimento industrial (in casu, o fabricante de bebidas) continua sendo o único sujeito passivo da relação jurídica tributária instaurada com a ocorrência do fato imponível consistente na operação de industrialização de produtos (artigos 46, II, e 51, II, do CTN), sendo certo que a presunção da repercussão econômica do IPI pode ser ilidida por prova em contrário ou, caso constatado o repasse, por autorização expressa do contribuinte de fato (distribuidora de bebidas), à luz do artigo 166, do CTN, o que, todavia, não importa na legitimação processual deste terceiro.
13. Mutatis mutandis, é certo que: "1. Os consumidores de energia elétrica, de serviços de telecomunicação não possuem legitimidade ativa para pleitear a repetição de eventual indébito tributário do ICMS incidente sobre essas operações.
2. A caracterização do chamado contribuinte de fato presta-se unicamente para impor uma condição à repetição de indébito pleiteada pelo contribuinte de direito, que repassa o ônus financeiro do tributo cujo fato gerador tenha realizado (art. 166 do CTN), mas não concede legitimidade ad causam para os consumidores ingressarem em juízo com vistas a discutir determinada relação jurídica da qual não façam parte.
3. Os contribuintes da exação são aqueles que colocam o produto em circulação ou prestam o serviço, concretizando, assim, a hipótese de incidência legalmente prevista.
4. Nos termos da Constituição e da LC 86/97, o consumo não é fato gerador do ICMS.
5. Declarada a ilegitimidade ativa dos consumidores para pleitear a repetição do ICMS." (RMS 24.532/AM, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 26.08.2008, DJe 25.09.2008) 14. Consequentemente, revela-se escorreito o entendimento exarado pelo acórdão regional no sentido de que "as empresas distribuidoras de bebidas, que se apresentam como contribuintes de fato do IPI, não detém legitimidade ativa para postular em juízo o creditamento relativo ao IPI pago pelos fabricantes, haja vista que somente os produtores industriais, como contribuintes de direito do imposto, possuem legitimidade ativa".
15. Recurso especial desprovido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008.
(REsp 903.394/AL, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/03/2010, DJe 26/04/2010)
Logo, a Autora é contribuinte de direito não existindo óbice para pleitear o direito à restituição ou compensação do crédito. Assim, rejeito a preliminar de ilegitimidade ativa.
A ausência de requerimento administrativo prévio quando há previsão legal, não implica em falta de interesse de agir, indistintamente, nas ações tributárias, sobretudo se apresentada defesa resistindo ao pleito, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal
1
.
A presente ação se assente em verificar o direito da Requerente em efetuar o pagamento do ICMS/ST tendo por base de cálculo o valor efetivamente cobrado dos consumidores ou procederem a compensação dos valores de ICMS pagos a maior no regime de substituição tributária progressiva ou "para frente", decorrentes da diferença entre a base de cálculo presumida e a base de cálculo real de venda da mercadoria.
O tributo devido pela Requerente é recolhido antes da ocorrência do fato gerador, utilizando-se uma base de cálculo estimada, conforme preceitua o 7º do art. 150 e 128 da CF/88, in verbis:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
§ 7º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.
Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.
A substituição tributária progressiva caracteriza-se pela alteração na responsabilidade pelo pagamento do tributo, que recai em sujeito que ocupa posição anterior na cadeia de produção e circulação.
Como se sabe, a matéria discutida foi objeto de apreciação pelo STF, que, analisando o RE 593.849/MG, firmou entendimento, em sede de repercussão geral, tema 201, no sentido de que "
é devida a restituição da diferença do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) paga a mais no regime de substituição tributária para frente quando a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida.
".
Transcrevo a emenda acórdão do RE 593.849/MG, datado 31/03/2017, sob a sistemática dos recursos repetitivos:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. DIREITO TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS - ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA OU PARA FRENTE. CLÁUSULA DE RESTITUIÇÃO DO EXCESSO. BASE DE CÁLCULO PRESUMIDA. BASE DE CÁLCULO REAL. RESTITUIÇÃO DA DIFERENÇA. ART. 150, §7º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. REVOGAÇÃO PARCIAL DE PRECEDENTE. ADI 1.851.
1. Fixação de tese jurídica ao Tema 201 da sistemática da repercussão geral: "É devida a restituição da diferença do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS pago a mais no regime de substituição tributária para frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida".
2. A garantia do direito à restituição do excesso não inviabiliza a substituição tributária progressiva, à luz da manutenção das vantagens pragmáticas hauridas do sistema de cobrança de impostos e contribuições.
3. O princípio da praticidade tributária não prepondera na hipótese de violação de direitos e garantias dos contribuintes, notadamente os princípios da igualdade, capacidade contributiva e vedação ao confisco, bem como a arquitetura de neutralidade fiscal do ICMS.
4. O modo de raciocinar "tipificante" na seara tributária não deve ser alheio à narrativa extraída da realidade do processo econômico, de maneira a transformar uma ficção jurídica em uma presunção absoluta.
5. De acordo com o art. 150, §7º, in fine, da Constituição da República, a cláusula de restituição do excesso e respectivo direito à restituição se aplicam a todos os casos em que o fato gerador presumido não se concretize empiricamente da forma como antecipadamente tributado.
6. Altera-se parcialmente o precedente firmado na ADI 1.851, de relatoria do Ministro Ilmar Galvão, de modo que os efeitos jurídicos desse novo entendimento orientam apenas os litígios judiciais futuros e os pendentes submetidos à sistemática da repercussão geral.
7. Declaração incidental de inconstitucionalidade dos artigos 22, §10, da Lei 6.763/1975, e 21 do Decreto 43.080/2002, ambos do Estado de Minas Gerais, e fixação de interpretação conforme à Constituição em relação aos arts. 22, §11, do referido diploma legal, e 22 do decreto indigitado.
8. Recurso extraordinário a que se dá provimento. (RE 593849 / MG, Relator Ministro Edison Fachin, julgamento em 19.10.2016, publicação em 31.03.2017)
O mencionado julgamento, consignou-se que a não restituição do excesso representaria injustiça fiscal inaceitável em um Estado Democrático de Direito, ao passo que a restituição atenderia ao princípio que veda o enriquecimento sem causa, tendo em vista a não ocorrência da materialidade presumida do tributo.
Segundo o Relator, Ministro Edson Fachin:
(…) uma interpretação restritiva do §7º do artigo 150 da Carta Constitucional, para fins de legitimar a não restituição do excesso, representaria injustiça fiscal inaceitável em um Estado Democrático de Direito, fundado em legítimas expectativas emanadas de uma relação de confiança e justeza entre Fisco e Contribuinte. Em suma, a restituição do excesso atende ao princípio que veda o enriquecimento sem causa, tendo em conta a não ocorrência da materialidade presumida do tributo.
Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal, modulou os efeitos do referido precedente, nos termos propostos pelo Relator:
Proponho que o precedente que aqui se elabora, deva orientar todos os litígios judiciais pendentes, por isso submetidos à sistemática da repercussão geral e os casos futuros oriundos de antecipação do pagamento de fato gerador presumido realizada após a fixação do presente entendimento, tendo em conta o necessário realinhamento das Administrações Fazendárias dos Estados-membros e do sistema judicial como um todo. Eu decidi por esta Suprema Corte. Ou seja, para evitar surpresas ou efeitos que não vão ao encontro do maior interesse público, quer da Administração, quer mesmo dos contribuintes, eu estou, portanto, sugerindo isto: que é a dimensão de apanhar os casos que estão submetidos à sistemática da repercussão geral, e, com isso, obviamente, evitamos qualquer abertura de porta para eventuais ações rescisórias ou para pretensões que não tenham sido judicializadas, isto está fora da nossa decisão.
Assim, nos estritos moldes do que restou decidido pela Suprema Corte, considerando a modulação dos efeitos, a possibilidade de restituição do tributo pago a maior se dará apenas nos processos que já haviam sido ajuizados, e nas operações futuras, assim, consideradas aquelas ocorridas a partir da fixação da tese, ou seja, o julgamento do RE 593.849 ocorreu em 19/10/2016, somente a partir desta data seria possível a aplicação do precedente.
No caso em tela, cumpre estabelecer, ainda, se a adequação da legislação mineira, com a publicação da Lei Estadual 6.763/75, atende aos direitos do contribuinte, declarados por meio do supracitado entendimento vinculante do STF.
Isto porque, o Estado de Minas Gerais, a fim de dar efetividade ao direito à compensação ou restituição em casos como o dos autos, estabeleceu pressupostos regulamentados pelo Decreto 43.8080/2002 - RICMS, dentre eles, a comprovação de que não realizou o repasse do valor do imposto pleiteado da mercadoria, ou, no caso de tê-lo feito, estar expressamente autorizado a recebê-lo por quem o suportou.
Percebe-se então que o contribuinte deverá demonstrar o cumprimento do disposto no art. 166 do CTN. Contudo, o STJ já afastou tal exigência quando o recolhimento do ICMS for efetuado na sistemática da substituição tributária. Confira-se recente decisão do e.TJMG a este respeito:
EMENTA: REMESSA NECESSÁRIA - APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO TRIBUTÁRIO - ICMS - SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA - FATO GERADOR INFERIOR AO PRESUMIDO - ART. 166 DO CTN - INAPLICÁVEL - DECRETO Nº. 47.547/2018 - ARTS. 31-C E 31-D, §4º - EXTRAPOLAÇÃO DO PODER REGULAMENTAR - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO PREJUDICADO.
- O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 593.849/MG, submetido ao rito da repercussão geral, fixou a tese de que "é devida a restituição da diferença do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS pago a mais no regime de substituição tributária para frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida".
- O art. 166 do CTN é inaplicável na hipótese de ICMS, por substituição tributária, consoante jurisprudência consolidada no col. STJ.
- O art. 31-D, §4º, do anexo V do RICMS/MG contraria a sistemática da Lei 6.763/1975 e o entendimento sumulado do Superior Tribunal de Justiça (súmula nº. 461), no sentido de que "o contribuinte pode optar por receber, por meio de precatório ou por compensação, o indébito tributário certificado por sentença declaratória".
- Considerando que o contribuinte do ICMS-ST recolhido em substituição tributária progressiva tem direito subjetivo à restituição dos valores recolhidos à maior, em virtude de o fato gerador ocorrido ser inferior ao presumido na antecipação, nos termos do posicionamento do col. STF; e, considerando, ainda, que o Decreto nº 47.547/2018 extrapolou o Poder Regulamentar ao criar requisitos para a repetição do indébito, não previstos na Lei 6.763/1975 e tampouco no art. 150, §7º, da CF/88, deve ser confirmada a sentença que declarou o direito dos autores à compensação/restituição das diferenças pretéritas nos fatos geradores inferiores aos presumidos na substituição tributária progressiva, entre 19/10/2016 e 05/12/2018, observada a vedação da reformatio in pejus contra a Fazenda Pública.
Esclareço que é desnecessária a comprovação de que o montante referente ao pagamento do tributo não teria sido repassado no preço do produto suportado pelo denominado contribuinte de fato, ou mesmo que estaria a parte autora autorizada a buscar a repetição do tributo, por quem teria efetivamente suportado a tributação. Explico.
Somente é passível o repasse do encargo financeiro do ICMS/ST sobre o efetivo valor da operação. É impossível, em termos fáticos ou jurídicos, o repasse da parcela excedente do imposto, que decorre justamente da diferença entre a base de cálculo presumida e o valor de venda da mercadoria, pelo simples fato de que se trata de operação econômica inexistente. Em outras palavras, o montante que excede o tributo relativo ao valor real da operação faz parte da margem de lucro do substituído, não se podendo cogitar de que nessa margem estaria o repasse referente ao ICMS/ST pelo valor presumido da operação.
Inclusive, o STJ firmou a seguinte tese no julgamento do recurso representativo do Tema 1.191, colocando fim à discussão:
Na sistemática da substituição tributária para frente, em que o contribuinte substituído revende a mercadoria por preço menor do que a base de cálculo presumida para o recolhimento do tributo, é inaplicável a condição prevista no art. 166 do CTN.
Não bastasse, a legislação mineira cria outra condicionante, qual seja, aquela posta pelo § 4º, do artigo 31-D, segundo a qual o valor apurado nos casos em que autorizada a restituição tributária, deverá ocorrer por meio do abatimento do imposto devido pelo próprio contribuinte a título de substituição tributária, observadas as condições estabelecidas nesta subseção.
Todavia, a mencionada compensação fica inviabilizada naqueles casos em que, tal qual normalmente ocorre nos postos de combustíveis, inexiste recolhimento do ICMS fora do regime de substituição tributária para frente. Em outras palavras, se a forma de restituição for restrita à compensação resta, nestes casos, inviabilizada a pretensão de restituição quando o contribuinte não suporta a incidência de ICMS passível de autorizar o abatimento referido pela legislação estadual.
Nesse sentido o egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais manifestou-se:
TRIBUTÁRIO. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. ICMS. REGIME DE SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. INTERESSE DE AGIR E LEGITIMIDADE ATIVA CONFIGURADOS. DIFERENÇA ENTRE A BASE DE CÁLCULO PRESUMIDA E A BASE DE CÁLCULO REAL. DIREITO À RESTITUIÇÃO. ART. 150, §7º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MATÉRIA DECIDIDA EM SEDE DE REPERCUSSÃO GERAL. RE 593.849/MG. EFEITO VINCULANTE. ART. 927, III, DO CPC. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. LIMITAÇÃO TEMPORAL DA OBRIGAÇÃO DE RESTITUIR. IMPERTINÊNCIA. SENTENÇA REFORMADA. (...) - Sob a ótica da Suprema Corte, em sede de repercussão geral, "é devida a restituição da diferença do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS pago a mais no regime de substituição tributária para frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida". (RE 593.849 RG).- Não se admite que o Estado-membro, ao legislar sobre a tese fixada pelo STF condicione e restrinja a restituição prevista no julgamento da repercussão geral, sendo certo que ao credor das diferenças de ICMS é dado optar pela repetição na forma de restituição, não podendo ser obrigado a aceitar a compensação de créditos nem a via do pedido administrativo. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.21.066767-1/001, Relator(a): Des.(a) Alberto Vilas Boas , 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 15/06/2021, publicação da súmula em 16/06/2021).
Forço concluir, dessa forma, que as condicionantes impostas ao contribuinte para a restituição/compensação do ICMS pago a maior, por força da substituição tributária para frente, sobretudo no tocante ao lançamento de créditos fiscais e à comprovação da ausência do repasse do ônus financeiro na venda da mercadoria, implicariam obstar, na pratica, a recuperação do imposto pago a maior.
Portanto, o advento da legislação estadual não pode, nestes casos, ditar nem o sujeito autorizado a pleitear a recuperação do crédito tributário, "como" deverá ser buscada a recuperação deste crédito ou, tampouco, a delimitação temporal acerca da recuperação da diferença do ICMS/ST.
Do contrário, remanesceria esvaziada a própria decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal que, em consonância com a capacidade contributiva efetivamente realizada pela operação econômica levada a efeito, autoriza a recuperação do tributo, na substituição tributária para frente, também quando a operação apresente base de cálculo inferior àquela presumida.
Lado outro, observa-se que, o Estado de Minas Gerais editou novo decreto em 2019, alterando o RICMS – Decreto 47621/2019, passando a admitir a restituição dos créditos de ICMS quando a base de cálculo presumida for superior ao fato gerador, contudo determinou que o crédito "será restituído por meio do abatimento do imposto devido pelo próprio contribuinte a titulo de substituição tributária", impondo ao contribuinte que o faça por meio de compensação.
Assim, nas hipóteses em que a compensação é expressamente requerida pela parte autora em sua petição inicial, como no caso dos autos, é impositivo que se imponha a limitação temporal, tendo como termo
a quo,
a data de 19/10/2016, e como termo final, a data de publicação do Decreto 47.621/2019 para que seja adotado o procedimento administrativo previsto para lançamento dos créditos pela própria parte.
Contudo, nas hipóteses em que a parte autora opta por outra forma de restituição, como é o caso dos autos, não é possível a limitação temporal, sob pena de se impor ao contribuinte a restituição da forma que não requereu.
Vale ressaltar que algumas sociedades empresárias, em razão de seu ramo de atuação, como é o caso do comércio varejista de combustível, não possuem débitos de ICMS a serem compensados.
Portanto, a compensação na forma prevista no Decreto afigura-se inviável, porquanto daria ensejo a crédito que nunca poderia ser usado. Nesse cenário, a imposição da opção da compensação, com a limitação temporal da restituição, implicaria descumprimento do RE 593.849/MG.
Logo, não há que se falar em aplicação do procedimento previsto no art. 10 da LC 87/96, bem como daquele previsto na legislação estadual para compensação na escrita fiscal, caso o Autor opte por outra forma de restituição.
Desta forma, reconheço a restituição dos valores relativos à diferença entre o valor de ICMS pago a maior em substituição tributária "para frente" se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida, observada a prescrição quinquenal.
Ressalto também que os entes federativos restituem seus débitos por meio de RPV, precatórios ou compensação (art. 100 da CF), logo, indefiro a restituição imediata.
Em razão de tratar de verba de natureza tributária, deverão incidir juros de mora a partir do trânsito em julgado da decisão, na forma do art. 167, parágrafo único, do CTN e Súmula nº 188 do STJ; e correção monetária, pelo IPCA, desde cada recolhimento indevido, de acordo com a Súmula nº 162 do STJ, até o trânsito a data de 08/12/2021. A partir de 09/12/2021 deverá incidir a SELIC, que inclui os juros de mora e a correção monetária, nos termos do art. 3º da EC 113/2021.
Por todo o exposto
, julgo procedente o pedido inicial para reconhecer o direito
da Autora de
proceder a compensação mensal, em função dos valores pagos a maior quando o preço de venda dos combustíveis forem inferiores a base de cálculo.
Condeno, ainda, o réu ao pagamento dos honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) do valor do proveito econômico obtido,
na hipótese de não superar 200 (duzentos) salários-mínimos; suplantando esse valor, incidirá, em acréscimo, o percentual de 8% (oito por cento) sobre os valores que ficarem acima de 200 (duzentos) salários-mínimos e até 2.000 (dois mil) salários-mínimos; suplantando esse montante, fixo o percentual de 5% (cinco por cento), em acréscimo aos patamares anteriores, sobre os valores que ficarem acima de 2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000 (vinte mil) salários-mínimos, nos termos do art. 85, § 3º, I, II, III e § 5º, do CPC.
O réu, vencido na demanda, é entidade isenta do pagamento de custas – art. 10, I, Lei 14939/2003-, mas deve reembolsar a autora o que ela porventura tenha pago a esse título – art. 12, § 3º da mesma Lei.
Sentença sujeita ao reexame necessário.
Publique-se, Registre-se, Intimem-se, Cumpra-se.
Belo Horizonte, data da assinatura eletrônica.
1
DINAMARCO. C. R. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2001, v. 1, p. 303 e 305
1
STF - ARE 1076706/PE, publicada em 27/09/2017.
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear