Izabete Lima Ferreira Oliveira x Banco Bmg S.A
ID: 321308505
Tribunal: TJMG
Órgão: Juizado Especial da Comarca de Porteirinha
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 5002558-66.2024.8.13.0522
Data de Disponibilização:
10/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
PEDRO FILIPE DANTAS PEREIRA
OAB/MG XXXXXX
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CICERO ERNESTO DOS SANTOS JUNIOR
OAB/MG XXXXXX
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RICARDO LOPES GODOY
OAB/MG XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Porteirinha / Juizado Especial da Comarca de Porteirinha Rua Doutor Ailson Mendes Brito Binha, 365, Renascença, Por…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Porteirinha / Juizado Especial da Comarca de Porteirinha Rua Doutor Ailson Mendes Brito Binha, 365, Renascença, Porteirinha - MG - CEP: 39520-000 PROCESSO Nº: 5002558-66.2024.8.13.0522 CLASSE: [CÍVEL] PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) ASSUNTO: [Bancários, Cartão de Crédito] AUTOR: IZABETE LIMA FERREIRA OLIVEIRA CPF: 065.532.346-55 RÉU: BANCO BMG S.A CPF: 61.186.680/0001-74 SENTENÇA RELATÓRIO Ação proposta por Izabete Lima Ferreira Oliveira em face do Banco BMG S.A., tramitando no Juizado Especial Cível, sob o rito da Lei n. 9.099/1995. A autora pleiteia: (i) a declaração de inexistência da relação jurídica decorrente de suposto contrato de cartão de crédito consignado; (ii) a repetição em dobro dos valores descontados de seu benefício previdenciário, no montante de R$ 6.818,76, com fundamento no art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor (CDC); (iii) a reparação por danos morais, fixada em R$ 3.000,00; e (iv) a inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6º, VIII, do CDC. Na petição inicial (ID 10347216386), a autora, pensionista rural de 58 anos, alega que não celebrou contrato com o réu e que os descontos em sua pensão por morte (benefício nº 174.430.891-5), realizados entre fevereiro/2021 e outubro/2024, são indevidos. Sustenta que os descontos, referentes a dois contratos (nº 16566265 e nº 1744308915000), totalizam 45 parcelas, variando entre R$ 44,21 e R$ 70,60, configurando prática abusiva por perpetuar a dívida. Juntou o "Histórico de Empréstimo Consignado" emitido pelo INSS (ID 10347216386) como prova dos descontos. O réu, em contestação (ID 10377538583), suscitou, em preliminares: (i) inépcia da petição inicial, por ausência de prova mínima dos fatos constitutivos; (ii) impugnação à gratuidade de justiça, por falta de comprovação de insuficiência financeira; e (iii) decadência, com base no art. 178, inciso II, do Código Civil, considerando a data de adesão (29 de junho de 2020) como termo inicial. No mérito, negou a inexistência da relação jurídica, apresentando o Termo de Adesão ao Cartão de Crédito Consignado (ID 10377555918), datado de 29 de junho de 2020, com assinatura da autora, e a Cédula de Crédito Bancário (CCB, ID 10377552780), de 22 de dezembro de 2020, validada por selfie, que comprova um saque de R$ 1.096,90, depositado na conta da autora (ID 10377539141). Anexou faturas (IDs 10377546729 e 10377550379) detalhando o saldo devedor e afirmou que os descontos respeitam o limite legal de 5% da margem consignável (RMC). Alegou, ainda, a regularidade do contrato, a ausência de má-fé e a inexistência de danos morais. Na impugnação à contestação (ID 10378738629), a autora reiterou a inexistência da relação jurídica, negando a contratação do cartão e do saque, e alegou, pela primeira vez, lesão (art. 157, CC), sustentando desproporção entre o saque (R$ 1.096,90) e o saldo devedor (R$ 1.229,14), agravada por sua hipossuficiência. Requereu a produção de prova testemunhal e a inversão do ônus da prova. Realizada audiência de instrução e julgamento em 05 de maio de 2025, a autora confirmou sua assinatura no Termo de Adesão (ID 10377555918) e reconheceu a contratação da CCB (ID 10377552780), embora negasse a contratação do cartão. Admitiu ter recebido o saque de R$ 1.096,90, mas sustentou desconhecimento das condições contratuais. As partes, por fim, dispensaram a produção de prova testemunhal. É o relatório. FUNDAMENTAÇÃO 1. Preliminares de Mérito 1.1 Inépcia da Petição Inicial O réu, em sua contestação (ID 10377538583), suscita, em preliminar, a inépcia da petição inicial, requerendo a extinção do processo sem resolução de mérito, nos termos dos arts. 330, § 2º, e 485, I, do Código de Processo Civil (CPC). Alega que a inicial carece de prova mínima dos fatos constitutivos do direito da autora, especificamente quanto aos descontos indevidos, à quitação do contrato e à ausência de tentativa de resolução administrativa. Sustenta, ainda, que a narrativa da autora é desprovida de elementos concretos que justifiquem os pedidos de declaração de inexistência de relação jurídica, repetição de indébito e reparação por danos morais. Rejeito a preliminar, pelos fundamentos que passo a expor. Inicialmente, cumpre esclarecer que o réu incorre em equívoco conceitual ao confundir a inépcia da petição inicial com o indeferimento da inicial por ausência de pressupostos processuais ou condições da ação. A inépcia, prevista no art. 330, § 1º, do CPC, ocorre quando a petição inicial apresenta defeitos formais graves que impedem a compreensão da pretensão ou a continuidade do processo, tais como: ausência de pedido ou causa de pedir, pedidos indeterminados, falta de lógica na narrativa ou incompatibilidade entre pedidos. Por outro lado, o indeferimento da inicial, regulado pelo art. 330, caput, e § 2º, do CPC, está relacionado à ausência de legitimidade, interesse processual ou prova mínima dos fatos constitutivos, questões que não se confundem com a inépcia. No caso dos autos, o réu não aponta defeitos formais na petição inicial que a tornem inepta, mas questiona a robustez probatória e a verossimilhança dos fatos alegados. Tal argumento, embora relevante para o mérito ou para a análise das condições da ação, não caracteriza inépcia. A petição inicial da autora (ID 10347216386) apresenta narrativa clara, com exposição dos fatos (descontos em seu benefício previdenciário sem autorização), causa de pedir (inexistência de relação jurídica) e pedidos definidos (declaração de nulidade, repetição de indébito e danos morais). Assim, a inicial atende aos requisitos do art. 319 do CPC. Ademais, o réu sustenta que a autora não apresentou prova mínima dos descontos indevidos ou da quitação do contrato, o que tornaria a inicial inepta. Contudo, tal argumento carece de fundamento. No âmbito do Direito Processual Civil, a petição inicial não exige prova exauriente dos fatos constitutivos, mas apenas indícios que deem plausibilidade à pretensão, conforme o princípio da persuasão racional. A autora juntou o "Histórico de Empréstimo Consignado" emitido pelo INSS (ID 10347216386), que comprova descontos no benefício nº 174.430.891-5, referentes a dois contratos com o Banco BMG (nº 16566265 e nº 1744308915000), totalizando 45 descontos entre fevereiro/2021 e outubro/2024, com valores entre R$ 44,21 e R$ 70,60. Esse documento é suficiente para embasar a alegação de descontos não autorizados, especialmente considerando a negativa da autora quanto à contratação do cartão consignado. Outrossim, o ônus de provar a regularidade da relação jurídica recai sobre o credor (réu), conforme consolidado na jurisprudência consumerista, dado que o consumidor não pode ser compelido a provar fato negativo Portanto, a ausência de prova exauriente na inicial não configura inépcia, mas sim uma questão a ser dirimida na instrução processual, com a produção de provas pelas partes, especialmente pelo réu, que detém os documentos contratuais. Por sua vez, o réu argumenta que a autora não comprovou tentativas de resolução administrativa, o que tornaria a inicial inepta. Tal alegação é descabida. A ausência de contato prévio com o réu não compromete a validade da petição inicial, especialmente em casos de negativa de relação jurídica, nos quais o consumidor pode buscar diretamente o Judiciário para resguardar seus direitos. Diante do exposto, rejeito a preliminar de inépcia da petição inicial. A inicial atende aos requisitos formais do art. 319 do CPC e do art. 14 da Lei nº 9.099/1995, apresentando narrativa clara, causa de pedir definida e pedidos juridicamente possíveis. O réu confunde inépcia com ausência de prova exauriente, questão que deve ser dirimida no mérito. A juntada do "Histórico de Empréstimo Consignado" (ID 10347216386) confere plausibilidade à pretensão da autora, e o ônus de provar a regularidade da contratação recai sobre o réu, nos termos do art. 6º, VIII, do CDC. A análise da validade do contrato e dos pedidos de repetição de indébito e danos morais será realizada na fase de mérito, garantindo o contraditório e a ampla defesa. 1.2 Impugnação à Gratuidade de Justiça O réu, em sua contestação, suscita, em preliminar, a impugnação à concessão da gratuidade de justiça, alegando que a autora, Izabete Lima Ferreira Oliveira, não comprovou insuficiência financeira, nos termos do art. 98, § 6º, do Código de Processo Civil (CPC). Requereu o indeferimento do benefício e a fixação de prazo para pagamento das custas processuais, sob pena de cancelamento da inicial (art. 290, CPC). Rejeito a preliminar, por fundamento singelo e objetivo. Conforme consta dos autos, a autora não requereu a concessão da gratuidade de justiça na petição inicial (ID 10347216386) e essa não fora deferida. Assim, a impugnação do réu carece de objeto, pois não há benefício de gratuidade a ser contestado. A alegação do réu é, portanto, inócua, não havendo qualquer impacto processual. Dessa forma, rejeito a preliminar de impugnação à gratuidade de justiça, por ausência de pedido de benefício pela autora, passando à análise das demais questões processuais. 2. Prejudicais de Mérito 2.1 Prescrição O réu alegou a ocorrência de prescrição trienal, nos termos do art. 206, § 3º, V, do Código Civil. Contudo, o prazo prescricional incidente à hipótese é o quinquenal previsto no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), cujo termo inicial da contagem é a data em que ocorreu a lesão ou pagamento, ou seja, o último desconto. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que, em se tratando de pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos por falta de contratação de empréstimo com a instituição financeira, o prazo prescricional aplicável é o quinquenal, iniciando-se a contagem a partir do último desconto realizado (contrato de execução continuada – obrigação única). CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRAZO PRESCRICIONAL QUINQUENAL. ART. 27 DO CDC. TERMO INICIAL. ÚLTIMO DESCONTO. SÚMULA Nº 568 DO STJ. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. [...] Consoante o entendimento desta Corte, em se tratando de pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos, por falta de contratação de empréstimo com a instituição financeira, o prazo prescricional é o quinquenal previsto no art. 27 do CDC, cujo termo inicial da contagem é a data em que ocorreu a lesão ou pagamento, ou seja, o último desconto. Incidência da Súmula nº 568 do STJ. [...] Agravo interno não provido. (AgInt no AgInt no AREsp n. 1.844.878/PE, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 13/12/2021, DJe de 15/12/2021). Destacou-se. Considerando que o último desconto ocorreu em outubro de 2024, conforme comprovado no "Histórico de Empréstimo Consignado" emitido pelo INSS (ID 10347216386), e que a ação judicial foi proposta em 18 de novembro de 2024, não há que se falar em consumação do prazo prescricional. 2.2 Decadência O réu suscita, em prejudicial de mérito, a decadência de direito potestativo da autora, Izabete Lima Ferreira Oliveira, com fundamento no art. 178, inciso II, do Código Civil. Argumenta que o prazo decadencial para anulação do contrato por vício de consentimento teria se esgotado, considerando a data de adesão ao cartão de crédito consignado (29 de junho de 2020) como termo inicial. Sustenta que a ação, ajuizada em 18 de novembro de 2024, estaria fulminada pelo decurso do prazo de quatro anos previsto na legislação civil. Rejeito a preliminar de decadência, pelos fundamentos que passo a expor. A autora pleiteia a declaração de inexistência da relação jurídica decorrente de suposta contratação de cartão de crédito consignado com o réu, cumulada com repetição de indébito e reparação por danos morais. Conforme o "Histórico de Empréstimo Consignado" emitido pelo INSS (ID 10347216386), foram realizados descontos em seu benefício previdenciário (nº 174.430.891-5) relativos a dois contratos com o Banco BMG: o primeiro (nº 16566265, reserva de margem consignável - RMC), com 23 descontos entre dezembro/2022 e outubro/2024, variando de R$ 55,00 a R$ 70,60; e o segundo (nº 1744308915000), com 22 descontos entre fevereiro/2021 e novembro/2022, variando de R$ 44,21 a R$ 55,00. A autora nega ter autorizado tais descontos ou celebrado qualquer contrato, sustentando a inexistência do negócio jurídico. O cerne da controvérsia reside na natureza do pedido da autora, que não busca a anulação do contrato por vício de consentimento (como erro, dolo ou coação), mas a declaração de inexistência da relação jurídica por ausência de contratação. Essa distinção é fundamental para afastar a aplicação do prazo decadencial do art. 178, inciso II, do Código Civil, que estabelece o prazo de quatro anos para anulação de negócios jurídicos viciados. Nos casos em que o consumidor alega a inexistência do negócio jurídico, como na presente ação, o prazo aplicável é o prescricional de cinco anos, previsto no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que regula ações fundadas em responsabilidade por defeito na prestação de serviços ou vício de qualidade. A jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) é clara nesse sentido. Em julgamento recente, a 9ª Câmara Cível decidiu: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR - DECADÊNCIA - REJEIÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C CANCELAMENTO DE CONTRATO, REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATAÇÃO - COMPROVAÇÃO - REGULARIDADE. DANOS MORAIS - REQUISITOS AUSENTES - IMPROCEDÊNCIA. Não sendo requerida na inicial a anulação do contrato por suposto erro substancial, mas a declaração de inexistência do negócio jurídico, não se aplica o prazo decadencial previsto no artigo 178, do CC/2002, mas o prazo prescricional estabelecido no artigo 27, do CDC. Comprovado que houve a contratação e a disponibilização dos valores em prol do consumidor, age com acerto o juiz ao julgar improcedente os pedidos de declaração de inexistência do negócio jurídico e de restituição de valores. Ausentes os requisitos ensejadores da responsabilidade civil, deve ser mantida a improcedência do pedido de indenização por danos morais. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.20.067357-2/002, Relator(a): Des.(a) Pedro Bernardes de Oliveira, 9ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 11/03/2025, publicação da súmula em 25/03/2025) (grifo próprio). No mesmo diapasão, o 3º Núcleo de Justiça 4.0 - Cível do TJMG reforçou que o prazo prescricional quinquenal do art. 27 do CDC tem como termo inicial a data do último desconto, e não a data da suposta contratação, quando se trata de declaração de inexistência de débito: EMENTA: DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DIREITO CIVIL. APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRESCRIÇÃO. PRAZO PRESCRICIONAL QUINQUENAL. ART. 27 DO CDC. TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO. DATA DO ÚLTIMO DESCONTO. DECADÊNCIA. ART. 178, INCISO II, DO CÓDIGO CIVIL. NÃO INCIDÊNCIA. CONTRATAÇÃO VÁLIDA NÃO PROVADA. DÍVIDA INEXISTENTE. DEVOLUÇÃO SIMPLES DAS PARCELAS PAGAS, COM COMPENSAÇÃO DOS VALORES CREDITADOS. DANO MORAL. INOCORRÊNCIA. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. 1. Segundo o Superior Tribunal de Justiça, fundando-se o pedido na ausência de contratação de empréstimo com instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo quinquenal previsto no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor. 2. O prazo prescricional para o exercício da referida pretensão flui a partir da data do último desconto no benefício previdenciário. 3. Não se aplica o disposto no art. 178, inciso II, do Código Civil nos casos em que a parte pretende a declaração de inexistência do negócio jurídico, uma vez que tal dispositivo restringe-se às hipóteses em que a parte busca a anulação do contrato. [...] (TJMG - Apelação Cível 1.0000.24.402992-2/001, Relator(a): Des.(a) Fabiana da Cunha Pasqua (JD Convocada), 3º Núcleo de Justiça 4.0 - Cív, julgamento em 25/11/2024, publicação da súmula em 26/11/2024) (grifo próprio). Aplica-se, portanto, o prazo de cinco anos do art. 27 do CDC, com termo inicial na data do último desconto questionado. Nos autos, o último desconto relativo ao contrato nº 16566265 ocorreu em outubro/2024, conforme o histórico do INSS (ID 10347216386). A ação foi ajuizada em 18/11/2024, ou seja, menos de um mês após o último desconto, estando plenamente dentro do prazo. Ressalte-se que, à época do ajuizamento, os descontos ainda estavam em curso, o que reforça a tempestividade da demanda. O réu, ao invocar a data de adesão (29/06/2020) como termo inicial, incorre em equívoco, pois tal critério seria aplicável apenas em hipóteses de anulação por vício de consentimento, o que não é o caso. A autora não alega vício na formação da vontade, mas a ausência completa de manifestação de vontade, negando qualquer contratação. Essa distinção é corroborada pela 17ª Câmara Cível do TJMG, que decidiu: EMENTA: APELAÇÕES CÍVEIS - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO - PRELIMINAR - OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE - REJEIÇÃO - PREJUDICIAIS DE MÉRITO - PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA - AFASTADAS MÉRITO - CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO - CONTRATAÇÃO NÃO COMPROVADA -DESCONTOS INDEVIDOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO - DANOS MORAIS - CONFIGURAÇÃO - PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE - REPETIÇÃO DO INDÉBITO - MANUTENÇÃO - COMPENSAÇÃO - CABIMENTO - SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. Não há que se falar em ofensa ao princípio da dialeticidade se a parte recorrente, em sua peça recursal, impugnou suficientemente os fundamentos da sentença, declinando os motivos do pedido de reexame da decisão. Em se tratando de ação que impugna descontos em benefício previdenciário, o termo inicial do prazo prescricional deve corresponder à data do último desconto questionado. Não há que se falar em decadência, pois a autora pretende a declaração de inexistência do negócio jurídico e não a nulidade do contrato por vício de consentimento, afastando-se a aplicação do prazo previsto no art. 178, inciso II, do Código Civil. [...] (TJMG - Apelação Cível 1.0000.24.199230-4/001, Relator(a): Des.(a) Aparecida Grossi, 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 31/07/2024, publicação da súmula em 01/08/2024) (grifo próprio). Portanto, considerando que a ação foi proposta dentro do prazo de cinco anos, com termo inicial em outubro/2024 (último desconto), não há que se falar em decadência. A pretensão da autora é tempestiva, devendo a controvérsia ser analisada no mérito. Diante dessas considerações, rejeito a prejudicial de decadência suscitada pelo réu, passando à análise do mérito. 3. Mérito Presentes as condições da ação e os pressupostos processuais, não havendo questão de ordem processual pendente, passo à análise do mérito. 3.1 Contextualização Fático-Jurídica Cinge-se a controvérsia em averiguar se a parte requerente contratou, ou não, de forma válida, cartão de crédito consignado, bem como saque mediante a utilização do respectivo cartão junto ao Banco requerido e, se constatada a irregularidade da contratação, se há dever de indenizar (danos materiais e morais). A relação jurídica estabelecida entre as partes se subsume ao conceito de relação de consumo, nos moldes dos arts. 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990). A autora, enquanto beneficiária de um serviço financeiro, enquadra-se como consumidora, ao passo que o réu, instituição financeira que oferece produtos e serviços no mercado de consumo, configura-se como fornecedor. Nesse sentido, aplica-se ao caso o enunciado 297 da súmula do Superior Tribunal de Justiça, que dispôs expressamente: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Assim, não restou dúvida quanto à incidência das normas consumeristas à espécie, especialmente no que tange à responsabilidade do fornecedor por eventuais prejuízos causados ao consumidor. Analisando o cerne da controvérsia, verifica-se que a pretensão autoral recaiu sobre a alegação de um fato do serviço, nos termos do art. 14 do CDC, e não sobre um vício de qualidade ou quantidade, como previsto no art. 18 da mesma lei. O fato do serviço, regulado pelo art. 14 do CDC, configura-se como um defeito grave, apto a causar danos ao patrimônio material ou moral do consumidor, extrapolando a esfera do simples descumprimento contratual. Na espécie, a autora alegou que a contratação, sem sua anuência, resultou em descontos indevidos em seu benefício previdenciário, o que ocasionou prejuízo material (desfalque financeiro) e moral (violação a direitos extrapatrimoniais). Tal situação, portanto, amolda-se à conceituação de fato do serviço, na medida em que o defeito alegado transcendeu o vício contratual, gerando danos indenizáveis ao patrimônio jurídico da autora. Nesse contexto, a lição de Rizzatto Nunes revela-se pertinente: “O defeito é o vício acrescido de um problema extra, alguma coisa extrínseca ao produto ou serviço, que causa um dano maior do que simplesmente o mau funcionamento, o não funcionamento, a quantidade errada, a perda do valor pago (...). O defeito causa, além desse dano do vício, outro ou outros danos ao patrimônio jurídico material ou moral do consumidor” (Curso de Direito do Consumidor, 5ª ed., São Paulo: Saraiva, 2009, págs. 344/345). Ademais, a responsabilidade do réu, enquanto fornecedor, configura-se como objetiva (teoria do risco da atividade ou do empreendimento), nos termos do art. 14 do CDC, sendo dispensável a análise do elemento subjetivo (culpa ou dolo). Para que se configure o dever de indenizar, basta a demonstração da conduta defeituosa (contratação do empréstimo), do dano (descontos indevidos e sofrimento moral) e do nexo causal entre ambos. Além disso, o Código Civil também se mostra aplicável, no que tange à análise da existência e validade do negócio jurídico questionado, especialmente no que diz respeito ao consentimento, elemento essencial à formação do contrato (art. 104 do CC). Por fim, no que concerne ao ônus probatório, entende-se que o caso concreto atrai a inversão ope legis do ônus da prova, tal como prevista no art. 14, § 3º, do CDC. Nos termos do dispositivo, incumbe ao fornecedor – no caso, o réu – demonstrar que o serviço não apresentou defeito ou que houve culpa exclusiva da consumidora ou de terceiro na causação dos danos apontados. Embora a jurisprudência e a doutrina apresentem posições divergentes acerca da necessidade, ou não, da aplicação concomitante do art. 6º, VIII, do CDC (inversão judicial do ônus da prova) com os arts. 12, § 3º, e 14, § 3º (inversão legal), alinha-se à corrente que reconhece a distinção entre ambas as formas de inversão. Nesse sentido, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart esclareceram que “tais normas afirmam expressamente que o consumidor não precisa provar o defeito do produto ou do serviço, incumbindo ao réu o ônus de provar que esses defeitos não existem” (Manual do Processo de Conhecimento, São Paulo: RT, 2006, p. 279). Sendo assim, a inversão legal prevista nos arts. 12 e 14 do CDC independe da demonstração de verossimilhança ou hipossuficiência específica, sendo uma decorrência lógica da própria estrutura da responsabilidade objetiva no âmbito consumerista. No que pese esse entendimento, o Superior Tribunal de Justiça (AgInt nos EDcl no AREsp 1.587.234/RS, 4ª Turma, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. 09/10/2023, DJe 16/10/2023), entende que, mesmo nas hipóteses de inversão do ônus da prova, o consumidor não se encontra totalmente dispensado de trazer indícios dos fatos constitutivos de seu direito. No caso em tela a autora apresentou elementos suficientes para sustentar sua alegação – como os comprovantes dos descontos em seu benefício previdenciário –, cabendo ao réu, portanto, trazer prova em sentido contrário. 3.2 Cartão de Crédito Consignado - Inexistência de Irregularidade e/ou Abusividade (em Abstrato) A autora alega que o contrato de cartão de crédito consignado firmado com o réu, Banco BMG S.A., é abusivo e infringe normas consumeristas e civis, por se tratar de um "contrato sem prazo para finalizar", configurando um "poço sem fim". Antes de analisar os argumentos da autora, é necessário esclarecer o funcionamento do cartão de crédito consignado, para contextualizar a regularidade da contratação e a ausência de abusividade. O cartão de crédito consignado é uma modalidade de crédito caracterizado pela consignação em folha de pagamento. O consumidor tem acesso a um limite de crédito, sendo permitido o saque de até 70% desse limite, com depósito direto em sua conta bancária, como ocorreu no caso dos autos (saque de R$ 1.096,90, ID 10377539141). O saldo devedor decorrente da utilização do cartão (saques ou compras) é informado na fatura do mês subsequente, e o consumidor possui três opções de pagamento: a) Pagamento do mínimo da fatura: Limitado a 5% da renda mensal (margem consignável legal, conhecida como RMC), descontado automaticamente em folha de pagamento. Nesse caso, o valor pago amortiza parte da dívida, e o saldo remanescente é atualizado com encargos (juros e tarifas) para a próxima fatura. b) Pagamento parcial da fatura: O consumidor pode quitar o mínimo (5%) acrescido de um valor adicional, digitando o montante desejado no boleto com código de barras. O saldo devedor restante é projetado para a fatura seguinte, com incidência de encargos sobre o valor não quitado. c) Pagamento integral da fatura: O consumidor pode pagar o valor total da dívida, também via boleto, zerando o saldo devedor para o próximo mês. Nessa hipótese, não há incidência de encargos adicionais, e o limite de crédito é recomposto para nova utilização. Após o desconto mínimo em folha (RMC), o saldo remanescente da fatura é enviado ao consumidor, que deve quitá-lo como em qualquer cartão de crédito convencional. A ausência de pagamento do principal e dos encargos pode prolongar a dívida, mas isso não é exclusivo do cartão consignado, sendo uma característica inerente a qualquer modalidade de crédito rotativo. Contrariamente à alegação da autora, o contrato possui prazo definido, estipulado em até 84 descontos (parcela mínima via RMC), conforme regulamentação aplicável, garantindo a possibilidade de quitação. O cartão consignado é uma modalidade de crédito expressamente regulamentada pelas Leis nº 10.820/2003 e 13.172/2015, bem como por normativas do INSS, como a Instrução Normativa nº 28/2008. Essas normas estabelecem limites claros para a consignação (5% da renda mensal para RMC) e o saque (70% do limite do cartão), protegendo o consumidor contra endividamento excessivo. No caso dos autos, o Termo de Adesão (ID 10377555918) prevê desconto mínimo de R$ 52,25, dentro do limite legal, e o saque de R$ 1.096,90 (ID 10377552780) respeita o percentual de 70% do limite do cartão (R$ 1.463,00, ID 10347216386). A autora alega que o contrato é um "poço sem fim", mas tal afirmação carece de fundamento técnico. A dívida, conforme faturas apresentadas pelo réu (IDs 10377546729 e 10377550379), decorre do uso do crédito (saque de R$ 1.096,90) e da opção pelo pagamento mínimo, com juros de 2,89% ao mês, informados no Termo de Adesão. O aumento do saldo devedor para R$ 1.229,14 em fevereiro/2021 (ID 10377539141) reflete a dinâmica do crédito rotativo, expressamente prevista na Cláusula 3.5 do contrato, que alerta para a incidência de encargos em caso de pagamento parcial, além da incidência de consectários referente ao seguro prestamista contratado. A possibilidade de quitação em até 84 parcelas demonstra que o contrato possui prazo definido, afastando a narrativa de perpetuação indefinida. Além disso, o CDC não proíbe contratos de crédito rotativo, desde que as condições sejam claras e não imponham desvantagem exagerada ao consumidor (art. 51, IV, CDC). O réu apresentou o Termo de Adesão (ID 10377555918), com cláusulas em negrito destacando a natureza do cartão consignado (Cláusula 1.2) e os encargos aplicáveis (Cláusula 3.5). Portanto, não há violação aos arts. 4º, 6º, 39 ou 51 do CDC, pois o contrato respeita os limites legais, possui prazo de quitação e foi formalizado com transparência. Outrossim, a autora destaca o aumento da dívida de R$ 1.096,90 para R$ 1.229,14 em dois meses (ID 10377539141) como prova de abusividade, configurando um "poço sem fim". Tal argumento é insuficiente para caracterizar ilicitude. O crescimento da dívida reflete a aplicação de juros de 2,89% ao mês, informados no contrato e compatíveis com o mercado para cartões consignados, que oferecem taxas inferiores às de cartões convencionais devido à garantia do desconto em folha. A autora não apresentou prova de que os juros de 2,89% excedem a média de mercado. Os descontos (R$ 44,21 a R$ 70,60, ID 10347216386) respeitam o limite de 5% da RMC, e as faturas (IDs 10377546729 e 10377550379) detalham o saldo devedor, permitindo à autora optar pelo pagamento mínimo, parcial ou total. A perpetuação da dívida, se ocorreu, decorre da escolha pelo pagamento mínimo, uma faculdade do consumidor, e não de imposição do réu. A possibilidade de quitação em 84 parcelas reforça a existência de um prazo contratual definido, afastando a tese de "contrato sem fim". Diante do exposto, rejeito os argumentos da autora quanto à irregularidade ou abusividade do contrato de cartão de crédito consignado. A contratação, formalizada por Termo de Adesão (ID 10377555918) e CCB (ID 10377552780), respeita a legislação aplicável (Leis nº 10.820/2003 e 13.172/2015), com limites claros para saque (70%) e desconto (5% RMC). O contrato possui prazo definido (84 parcelas), e as opções de pagamento (mínimo, parcial ou total) foram informadas. 3.3 Do Mérito Propriamente Dito A controvérsia centra-se na existência e validade da relação jurídica entre as partes, na legitimidade dos descontos efetuados no benefício previdenciário da autora. A autora apresentou o "Histórico de Empréstimo Consignado" emitido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) (ID 10347216386), que comprova descontos em seu benefício previdenciário (pensão por morte, nº 174.430.891-5). O documento detalha duas operações com o Banco BMG S.A.: · Contrato nº 16566265 (Reserva de Margem Consignável - RMC): iniciado em 02 de julho de 2020, com limite de cartão de R$ 1.463,00 e valor reservado de R$ 70,60. Foram efetuados 23 descontos, de dezembro/2022 a outubro/2024, variando entre R$ 55,00 e R$ 70,60. · Contrato nº 1744308915000: com o mesmo credor, envolveu 22 descontos, de fevereiro/2021 a novembro/2022, variando entre R$ 44,21 e R$ 55,00. A autora nega ter autorizado esses descontos ou celebrado qualquer contrato, alegando que os valores foram subtraídos indevidamente de sua pensão. A apresentação do histórico do INSS cumpre o ônus inicial da autora de demonstrar a lesão sofrida, ou seja, os descontos em seu benefício. Contudo, em ações declaratórias de inexistência de débito, o ônus de provar a regularidade da relação jurídica recai sobre o credor, pois o consumidor não pode ser compelido a provar fato negativo. Assim, a análise da existência e validade da contratação depende das provas apresentadas pelo réu. O réu, em sua contestação (ID 10377538583), apresentou documentos que buscam comprovar a regularidade da relação jurídica. Ressalto, inicialmente, que a contestação contém um equívoco ao afirmar que a autora alegou ter contratado um empréstimo sem ser informada das condições, quando, na verdade, ela nega qualquer contratação. Esse erro, embora revele o caráter padronizado da peça, não compromete a análise, pois o réu anexou provas robustas, detalhadas a seguir: · Termo de Adesão de cartão de crédito consignado e Autorização de Desconto em Folha (ID 10377555918): datado de 29 de junho de 2020, com código de adesão (ADE) nº 63481780, o documento contém os dados pessoais corretos da autora e estabelece um valor consignado mínimo de R$ 52,25 para pagamento da fatura. A Cláusula 1.2, em negrito, destaca que o produto é um cartão de crédito consignado. A Cláusula 3.4 informa que saques são facultativos, podendo ser formalizados por gravação telefônica, Cédula de Crédito Bancário (CCB), terminais de autoatendimento ou outras formas legais. A Cláusula 3.5 alerta para a cobrança de encargos em caso de pagamento parcial ou utilização do crédito. O Termo de Adesão e o Termo de Consentimento Esclarecido contêm a assinatura da autora, confirmada por ela em audiência, embora negasse a celebração do contrato. A assinatura não foi impugnada, e o réu anexou cópias da identidade da autora, corroborando a autenticidade. · Cédula de Crédito Bancário (CCB, ID 10377552780): datada de 22 de dezembro de 2020, com número de referência 67590985, refere-se a um saque de R$ 1.096,90. A folha 4 do documento vincula expressamente o saque ao cartão consignado (ADE 63481780, de 29/06/2020). A Cláusula 9 estabelece que o seguro prestamista é opcional, contratado voluntariamente, conforme confirmado pela autora em juízo. A CCB não possui assinatura física, pois foi formalizada eletronicamente, validada por uma selfie da autora, reconhecida por ela em audiência. A selfie é acompanhada de documentos pessoais, reforçando a autenticidade. · Comprovante de TED (ID 10377539141): confirma o depósito de R$ 1.096,90 na conta da autora (Bradesco, agência 804, conta 1002121-9) em 22 de dezembro de 2020. O réu anexou imagem do cartão bancário vinculado à conta, comprovando sua titularidade. · Faturas (IDs 10377546729 e 10377550379): detalham o saldo devedor. As provas do réu são consistentes e demonstram a existência da relação jurídica. O Termo de Adesão, assinado pela autora e não impugnado, estabelece a contratação do cartão consignado em 29 de junho de 2020, com cláusulas claras sobre sua natureza e encargos. A CCB, validada por selfie, aliada ao reconhecimento da contratação pela autora (em juízo, durante o depoimento pessoal), comprova o saque de R$ 1.096,90, depositado na conta da autora, conforme TED. A confirmação da assinatura e da segunda contratação pela autora em audiência, aliada à ausência de impugnação específica, reforça a voluntariedade da contratação. A jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) reconhece a validade de contratações eletrônicas nesse contexto: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA C/C INDENIZAÇÃO - EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - NEGATIVA DE CONTRATAÇÃO - CONTRATO ELETRÔNICO - ASSINATURA ELETRÔNICA. 1. A validade do contrato eletrônico pressupõe a comprovação da autenticidade e presencialidade do contratante, a qual se dá com a utilização de procedimentos que asseguram a integridade da informação e identificação do emissor. 2. O fornecimento da data e hora exata, a assinatura eletrônica, o registro do endereço de IP, a geolocalização e a captura de selfie do contratante garantem a validade jurídica do contrato firmado por meio eletrônico. 3. Comprovada a existência e regularidade da contratação não há que se falar em inexistência do débito. 4. Não caracteriza dano moral indenizável a efetivação de descontos em benefício previdenciário, decorrente de empréstimo consignado comprovadamente contratado. Ausência dos requisitos da responsabilidade civil. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.25.028415-5/001, Relator(a): Des.(a) José Américo Martins da Costa, 12ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 03/04/2025, publicação da súmula em 04/04/2025) (grifo próprio). A divergência na numeração dos contratos (ex.: 16566265 no INSS vs. ADE 63481780 no BMG) não compromete sua validade, pois reflete critérios administrativos distintos, conforme precedente do TJMG: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER E PEDIDO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS - CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO - ÔNUS DA PROVA - CREDOR - CONTRATO ASSINADO - AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DA AUTENTICIDADE DA ASSINATURA - NUMERAÇÃO DIVERSA - MESMO CONTRATO NEGÓCIO JURÍDICO VÁLIDO - RECURSO DESPROVIDO. É ônus do credor comprovar a regularidade do negócio jurídico questionado pelo consumidor, porquanto não se pode exigir do devedor a prova de fato negativo de inexistência de contratação. Considerando a apresentação, pelo banco credor, do contrato devidamente assinado pela consumidora, que comprova a adesão ao cartão de crédito consignado, e levando em conta que a assinatura não foi especificamente contestada, deve ser reconhecida a validade do negócio jurídico. A divergência entre as numerações indicadas no "Termo de Adesão - ADE" ao cartão de crédito consignado e na averbação da "Reserva de Margem Consignável" não significa que se tratem de negócios jurídicos diversos, pois decorre de mero critério de gestão administrativa do INSS no registro e identificação de um mesmo contrato. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.25.042974-3/001, Relator(a): Des.(a) Marcelo Pereira da Silva, 11ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 30/04/2025, publicação da súmula em 30/04/2025) (grifo próprio). Os descontos, iniciados em fevereiro/2021 (contrato nº 1744308915000) e dezembro/2022 (contrato nº 16566265), são posteriores à contratação e ao saque, indicando relação causal com a utilização do crédito. As faturas detalham o saldo devedor, e os juros de 2,89% estão em conformidade com o mercado. Verifica-se, outrossim, que as contratações preenchem os requisitos de validade de um negócio jurídico, conforme estampados no art. 104 do Código Civil: i) partes capazes; ii) objeto lícito, possível, determinado ou determinável; iii) forma prescrita ou não defesa em lei; iv) vontade ou consentimento livre. Não há nos autos qualquer elemento que indique a incapacidade da autora. A alegação de semianalfabetíssimo não foi comprovada em juízo (ex.: certidão escolar, testemunhas), não se desincumbindo, assim, de seu ônus probatório (art. 373, I, CPC). O cartão de crédito consignado, com limite de R$ 1.463,00 e saque de R$ 1.096,90, é lícito e regulamentado pelas Leis nº 10.820/2003 e 13.172/2015. A contratação atende às exigências legais, com assinatura no Termo de Adesão e validação eletrônica (selfie) na CCB, conforme Instrução Normativa nº 28/2008 do INSS. A assinatura confirmada (primeira contratação) e a selfie, em conjunto com o reconhecimento da segunda contratação, aliadas ao depósito do saque na conta da autora, demonstram manifestação de vontade livre. A ausência de prova de dolo, coação ou erro substancial (art. 138 e seguintes, CC) reforça a validade do consentimento. O seguro prestamista, questionado pela autora, é opcional (Cláusula 9 da CCB) e foi reconhecido como contratado voluntariamente, ainda que implicitamente, não havendo vício. O pedido de declaração de inexistência da relação jurídica é improcedente. As provas do réu (Termo de Adesão, CCB, TED, faturas) e a confissão da autora em juízo (assinatura e saque) comprovam a contratação. A ausência de impugnação específica à assinatura ou selfie, aliada à vinculação do saque ao cartão (folha 4 da CCB), demonstra a regularidade do negócio jurídico. Acresce-se, ainda, que o reconhecimento do saque pela autora contradiz sua alegação de inexistência de contratação, configurando violação ao princípio da boa-fé objetiva. O princípio do venire contra factum proprium, derivado da boa-fé objetiva (art. 422, CC, e art. 4º, III, CDC), proíbe que uma parte adote comportamento contraditório em relação a seus atos anteriores, quando tal conduta gera expectativa legítima na outra parte ou viola a confiança depositada na relação jurídica. No caso dos autos, a autora incorre em conduta contraditória ao negar a existência do contrato de cartão consignado (Termo de Adesão, ID 10377555918), mas reconhecer a contratação do saque de R$ 1.096,90 (CCB, ID 10377552780). A CCB, na folha 4, faz expressa alusão ao cartão consignado (ADE 63481780, de 29/06/2020), indicando que o saque é uma operação acessória, derivada da contratação inicial. A autora, ao assinar o Termo de Adesão (confirmado em audiência) e validar o saque por selfie (reconhecida em juízo), manifestou consentimento inequívoco para ambas as operações. O depósito do saque em sua conta (ID 10377539141) e a ausência de devolução do valor reforçam sua anuência. Ao pleitear a declaração de inexistência da relação jurídica inicial, a autora busca exercer uma posição jurídica em contradição com seu comportamento anterior, que gerou expectativa legítima no réu de que a contratação era válida. Essa conduta configura venire contra factum proprium, pois a autora, ao utilizar o crédito e aceitar seus benefícios, não pode, posteriormente, negar a relação jurídica que os viabilizou. A conduta contraditória da autora é agravada pela ausência de prova de vício de consentimento (dolo, coação ou erro, arts. 138 e seguintes, CC). A alegação de semianalfabetismo, que poderia indicar vulnerabilidade extrema, não foi comprovada, e a assinatura confirmada no Termo de Adesão demonstra ciência mínima das condições contratuais. A autora, ao reconhecer o saque e utilizá-lo, criou no réu a confiança de que a relação jurídica era válida. Negar a contratação inicial, após se beneficiar do crédito, constitui conduta abusiva, vedada pelo art. 187 do Código Civil, que considera ilícito o exercício de direito que exceda os limites da boa-fé. A vinculação explícita entre o saque e o cartão consignado reforça a unicidade da relação jurídica, tornando insustentável a pretensão de fragmentá-la para declarar a inexistência apenas da contratação inicial. Como decorrência, em razão do reconhecimento da regularidade das contratações, os pedidos de repetição de indébito e de indenização por danos morais devem ser julgados improcedentes, por arrastamento. Por todo o exposto, conclui-se que os contratos apresentados pelo réu (Termo de Adesão e CCB) preenchem os requisitos de validade do art. 104 do Código Civil: capacidade, objeto lícito, forma legal e consentimento livre. A assinatura confirmada, a contratação reconhecida e o depósito do saque na conta da autora demonstram a voluntariedade da contratação. A ausência de prova de semianalfabetismo, a regularidade dos descontos (5% RMC) e a conformidade dos juros (2,89%) afastam a alegação de abusividade. O réu demonstrou que o serviço não apresentou defeito, e os descontos foram legítimos, vinculados a um contrato válido. Assim, não há fundamento para declarar a inexistência da relação jurídica, conceder repetição de indébito ou reparar danos morais. Diante do exposto, julgo improcedentes os pedidos formulados por Izabete Lima Ferreira Oliveira contra o Banco BMG S.A., nos termos do art. 487, I, do CPC. 3.4 Da Lesão (Art. 157, do Código Civil) Na impugnação à contestação (ID 10378738629), a autora alega, pela primeira vez, a ocorrência de lesão, nos termos do art. 157 do Código Civil, como fundamento jurídico para a nulidade do contrato de cartão de crédito consignado firmado com o réu. Sustenta que a contratação seria lesiva devido à desproporção entre o valor do saque (R$ 1.096,90) e o montante da dívida (R$ 1.229,14 em dois meses, conforme ID 10377539141), agravada por sua condição de hipossuficiência, caracterizada por ser pensionista rural, de 58 anos, e supostamente semianalfabeta, o que indicaria inexperiência ou premente necessidade. Rejeito os argumentos da autora, pelos fundamentos que passo a expor. Inicialmente, a alegação de lesão é intempestiva, pois não foi apresentada na petição inicial (ID 10347216386). Nos termos do art. 329 do Código de Processo Civil (CPC), a petição inicial deve conter a causa de pedir e os fundamentos jurídicos que embasam os pedidos, sob pena de preclusão para novas alegações em fases posteriores do processo. A autora, na inicial, limitou-se a sustentar a inexistência da relação jurídica, a ocorrência de danos morais, sem mencionar lesão ou invocar o art. 157 do Código Civil. A introdução dessa tese na impugnação à contestação constitui inovação postulatória, vedada pelo princípio da estabilização da demanda. A intempestividade, por si só, é suficiente para rejeitar a tese de lesão. Contudo, por economia processual e para evitar questionamentos futuros, passo à análise de mérito da alegação. O art. 157 do Código Civil define a lesão como o vício do negócio jurídico que ocorre quando uma parte, sob premente necessidade ou por inexperiência, assume obrigação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta. A configuração da lesão exige a presença simultânea de dois elementos: i) elemento objetivo: Prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta; ii) elemento subjetivo: Premente necessidade ou inexperiência do contratante lesado. A autora alega que a desproporção entre o saque de R$ 1.096,90 (ID 10377552780) e o saldo devedor de R$ 1.229,14 em dois meses (ID 10377539141) configura lesão. Contudo, tal aumento não caracteriza prestação manifestamente desproporcional. O Termo de Adesão (ID 10377555918) e a Cédula de Crédito Bancário (CCB, ID 10377552780) informam juros de 2,89% ao mês, aplicados ao saldo devedor em caso de pagamento mínimo (5% da margem consignável, RMC). O crescimento da dívida (R$ 132,24 em dois meses) reflete a dinâmica do crédito rotativo, expressamente prevista na Cláusula 3.5 do Termo de Adesão, que alerta para encargos em caso de pagamento parcial, além dos encargos referentes ao seguro prestamista, o qual fora, também, contratado pela autora. Esses juros são compatíveis com o mercado para cartões consignados, que oferecem taxas inferiores às de cartões convencionais devido à garantia do desconto em folha. A desproporção, para configurar lesão, deve ser gritante e evidente no momento da contratação, como em casos de valores irrisórios pagos por bens de alto valor. No presente caso, o aumento da dívida decorre da opção da autora pelo pagamento mínimo, uma faculdade contratual, e não de uma prestação intrinsecamente desproporcional. Ademais, o contrato possui prazo definido de até 84 parcelas, conforme regulamentação aplicável, e a autora poderia quitar o saldo integralmente a qualquer momento, zerando os encargos, conforme Cláusula 3.5 do Termo de Adesão. A ausência de prova de desproporção manifesta no momento da contratação, aliada à regularidade dos juros e descontos, afasta o elemento objetivo da lesão. O elemento subjetivo da lesão exige que a parte demonstre premente necessidade (situação de extrema urgência que a leve a aceitar condições desfavoráveis) ou inexperiência (falta de discernimento para compreender o alcance do negócio). A autora não apresentou qualquer prova de que a contratação do cartão consignado ou do saque de R$ 1.096,90 foi motivada por uma situação de urgência ou necessidade extrema, como risco à subsistência ou despesas inadiáveis (ex.: tratamento médico, dívidas vencidas). No que se refere ao segundo elemento subjetivo — a inexperiência —, embora fosse possível concluir pela ausência de conhecimentos técnicos ou habilidades específicas quanto à natureza da transação celebrada pela autora, entendo que tal requisito também não restou configurado, tendo em vista a experiência demonstrada pela autora em contratações de crédito. Tal conclusão decorre do 'Histórico de Empréstimo Consignado' emitido pelo INSS (ID 10347216386), que comprova a celebração de diversos negócios jurídicos análogos ao dos presentes autos com outras instituições financeiras. Concluo, portanto, que a lesão não se configura. O elemento objetivo (desproporção manifesta) está ausente, pois o aumento da dívida (R$ 1.096,90 para R$ 1.229,14) decorre de juros pactuados (2,89% ao mês), compatíveis com o mercado, e da opção da autora pelo pagamento mínimo, dentro do limite legal de 5% da RMC, assim como pela contratação de seguro. O elemento subjetivo (premente necessidade ou inexperiência) também não foi comprovado, pois não há prova de urgência financeira ou de limitação educacional que comprometesse a compreensão do contrato. A assinatura confirmada no Termo de Adesão, a selfie reconhecida na CCB e o reconhecimento do saque em juízo demonstram consentimento livre e informado. Ademais, a boa-fé objetiva, prevista no art. 422 do Código Civil e no art. 4º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, impõe ao consumidor o dever de adotar uma diligência mínima, como a leitura atenta do contrato ou a busca por esclarecimentos, quando necessário. O dirigismo contratual não pode ser deturpado a ponto de legitimar condutas negligentes por parte do consumidor. A tentativa de invocar lesão na impugnação, além de intempestiva, é desprovida de fundamento fático e jurídico. Portanto, rejeito os argumentos da autora quanto à ocorrência de lesão, por serem intempestivos e por não preencherem os requisitos objetivos e subjetivos do art. 157 do Código Civil, mantendo a validade do contrato de cartão de crédito consignado. DISPOSITIVO Ante o exposto, rejeito as questões prévias (preliminares e prejudiciais) suscitadas e JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na inicial. Por consequência, extingo o processo com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Sem custas e sem honorários, nos termos do artigo 55, caput, da Lei n. 9.099/1995. Oportunamente, transitada em julgado e não havendo outros requerimentos, proceda-se à baixa e ao arquivamento. Sentença registrada eletronicamente nesta data. Intimem-se. Porteirinha, data da assinatura eletrônica. RICARDO AUGUSTO DE CASTRO ZINGONI Juiz de Direito Juizado Especial da Comarca de Porteirinha
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