Processo nº 5004329-02.2022.8.13.0344
ID: 308083525
Tribunal: TJMG
Órgão: 2ª Vara Cível da Comarca de Iturama
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5004329-02.2022.8.13.0344
Data de Disponibilização:
26/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
EWERTON RICARDO BERALDO
OAB/MG XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Iturama / 2ª Vara Cível da Comarca de Iturama Praça Prefeito Antônio F. Barbosa, 1277, Fórum Paulo Emílio Fontoura,…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Iturama / 2ª Vara Cível da Comarca de Iturama Praça Prefeito Antônio F. Barbosa, 1277, Fórum Paulo Emílio Fontoura, Centro, Iturama - MG - CEP: 38280-000 PROCESSO Nº: 5004329-02.2022.8.13.0344 CLASSE: [CÍVEL] PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) ASSUNTO: [Benefício Assistencial (Art. 203,V CF/88)] AUTOR: M. D. S. B. CPF: ***.***.***-** RÉU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL CPF: 29.979.036/0001-40 SENTENÇA I – Relatório: , representado por sua genitora Fabiana dos Santos, qualificada nos autos, ajuizou “ação previdenciária de concessão de benefício assistencial ao portador de deficiência - BPC/LOAS” em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, igualmente qualificado, alegando que vive de forma precária e sem possuir capacidade laborativa; está incapacitado para a vida diária independente e como não possui nenhum recurso financeiro, torna-se dependente da ajuda de outras pessoas para sua sobrevivência; que requereu o benefício previdenciário pela via administrativa, sendo concedido/indeferido sumáriamente. Com a inicial vieram a procuração e documentos. Em despacho de id 9615015307, foi deferido o benefício da gratuidade da justiça, bem como determinada intimação do INSS para juntar aos autos, quesitos específicos do benefício assistencial LOAS. Ao id. 9622910530, a Autarquia ré informou os quesitos. Decisão de id. 9625167872, determinando a realização do Estudo/Relatório Social. Realizada Estudo Social em id 9728679211. As partes foram intimadas para manifestarem-se em face do laudo. O autor manifestou-se ao id. 9778438673, requerendo a homologação do laudo. Em contrapartida, o INSS juntou aos autos contestação e, em seu bojo, manifestou-se em face do laudo, id. 9779140000. Impugnação à contestação em id 9811061561. O Ministério Público manifestou-se aos autos, requerendo intimação do autor sobre eventual competência do Juizado Especial da Fazenda Pública, id. 9874249467. A parte autora, em id 9886502700, informou que o último requerimento administrativo foi em 04/09/2014, portanto, em caso de procedência, o valor será superior a 60 (sessenta) salários- mínimos. Requerimento do Ministério Público para realização de perícia médica, id. 10147080116. Decisão nomeando perito médico id. 10149777673. Apresentação de quesitos pela Autarquia ré id.10213119857. Laudo pericial anexado aos autos ao id. 10249678349. Manifestação da Autarquia ré em face do laudo pericial, argumentando que, a conclusão do laudo é de que o autor não possui deficiência, ou seja, não compre com um dos requisitos ensejadores do benefício pleiteado, id. 10258757803. O autor manifestou-se ao id. 10264959972, aduzindo que tanto o laudo médico quanto o assistencial comprovaram as condições especiais para percebimento do benefício pleiteado. Em manifestação de id 10324074952, o Ministério Público apresentou seu parecer, opinando pela procedência da presente ação. Vieram-me os autos conclusos para sentença. É o relatório. Decido. II - FUNDAMENTAÇÃO Busca a parte autora a concessão do benefício de prestação continuada da assistência social, ao fundamento de que preenche os requisitos da deficiência e também vulnerabilidade social, pois não recebe nenhum benefício, vivendo de ajuda de alguns familiares e terceiros. O Sistema de Assistência Social, estruturado pela Constituição Federal, com regulamentação infraconstitucional pela Lei n. 8.742/93, prevê que a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição para a previdência social. O art. 203, §5º da CF/88 prevê a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, segundo dispuser a lei. Já a lei 8.742/93, dispõe que: Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. § 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo autor, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. § 2º Para efeito de concessão deste benefício, considera-se: I - pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas; II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. § 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. Há, como se nota, a necessidade do preenchimento de dois requisitos cumulativos, quais sejam: a qualidade de idoso ou a deficiência e a renda per capita inferior a ¼ do salário-mínimo. Com relação à deficiência, com a edição da Lei 12.470/2011, que alterou a lei 8.742/93, que foi minimamente alterada pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/15), passou-se a considerar pessoa com deficiência aquela que tem impedimento a longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Considera-se impedimento de longo prazo aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 anos. Note-se que tanto o deficiente físico quanto o mental podem receber o benefício assistencial, desde o nascimento. Nesse norte, incapacidade para a vida independente, não é só aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento. Neste sentido, foi editada a Súmula 80 do TNU, que dispõe: “Nos pedidos de benefício de prestação continuada (LOAS), tendo em vista o advento da Lei 12.470/11, para adequada valoração dos fatores ambientais, sociais, econômicos e pessoais que impactam na participação da pessoa com deficiência na sociedade, é necessária a realização de avaliação social por assistente social ou outras providências aptas a revelar a efetiva condição vivida no meio social pelo autor”. Dessa forma, a súmula priorizou o laudo elaborado por assistente social para comprovação do impacto da deficiência na vida plena do autor ao benefício. Em relação à deficiência do autor, a perícia médica realizada em id 10249678349, relatou o seguinte: “1) a) Queira o Dr. Perito informar se a causa de suposta incapacidade do(a)autor(a) consiste em doença, especificando-a? R: Sim, o periciado é portador de Epilepsia (CID G40) e Retardo mental não especificado com comprometimento mínimo do comportamento (CID F710) b) A lesão ou doença reduziu a capacidade do(a) autor(a) na sua atividade habitual, considerando-se a sua escolaridade e grau de experiência profissional anterior? R: Sim c) Está o(a) autor(a) incapacitado(a) para o trabalho? Em caso afirmativo, essa incapacidade é parcial ou total, temporária ou permanente? R: Não d) Quando teve início a incapacidade para o trabalho? R: Não se aplica e) Há possibilidade de reabilitação profissional para a mesma função ou outra qualquer? R: Não se aplica f) Existe lesão que impede o(a) autor(a) de exercer algum trabalho, qualquer que seja? R: sim g) em o(a) autor(a) condições de ser reinserido no mercado de trabalho? Competindo em igualdade de condições? Por quê? R: Sim, mas não conseguirá competir em questão de igualdade pois possui uma maior dificuldade de aprendizado e maior dificuldade em concentrar-se em suas funções. h) Há incapacidade para o trabalho e vida independente (alimentação, locomoção, higiene, etc, por si mesmo)? R: Não Em sua conclusão, o perito constatou: O jovem apesar de portador de uma doença crônica, não se encontra incapaz de realizar as funções esperadas para uma criança de sua idade, logo, ele possui somente um transtorno limitante que na maioria das vezes poderá ser contornado com ajuda de familiares, amigos e profissionais especializados.” Quanto ao critério deficiência, verifica-se preenchido tal requisito. No presente caso, o laudo médico (ID 10249678349) confirma que o autor é portador de epilepsia (CID G40) e retardo mental (CID F71.0), e embora tenha sido considerado capaz de realizar algumas atividades com auxílio, ficou demonstrado que há limitações relevantes de natureza intelectual e comportamental, afetando sua capacidade de aprendizado, concentração e adaptação social, conforme expressamente mencionado pelo perito: “(...) não conseguirá competir em questão de igualdade pois possui maior dificuldade de aprendizado e maior dificuldade em concentrar-se em suas funções.” Ainda no tocante à condição de pessoa com deficiência, o laudo pericial é claro ao afirmar que a lesão ou doença do autor reduziu sua capacidade para a atividade habitual, levando-se em conta sua escolaridade e grau de experiência anterior. Tal constatação revela que, embora não se trate de incapacidade absoluta, há impedimento de longo prazo que, em interação com barreiras sociais e econômicas, compromete sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, nos termos do §2º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. A limitação atestada pelo perito demonstra prejuízo concreto à funcionalidade e à autonomia do autor, o que justifica o enquadramento legal como pessoa com deficiência para fins de concessão do benefício assistencial. Nesse sentido é entendimento dos Tribunais Superiores: PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. LOAS. ESQUIZOFRENIA. DEFICIÊNCIA E VULNERABILIDADE SOCIAL. COMPROVAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APELAÇÃO PROVIDA. 1. O benefício de prestação continuada está previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, que garante o pagamento de um salário mínimo à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, nos termos da lei. 2. Cinge-se a controvérsia ao atendimento dos requisitos deficiência e miserabilidade social, necessários à concessão do benefício assistencial. 3. A Lei 8.742/1993, em seu art. 20, § 2º, na redação original dispunha que a pessoa com deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho. 4. No entanto, mencionado dispositivo, em sua redação atual, dada pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), define, de forma mais ampla, pessoa com deficiência como aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. 5. O laudo médico oficial realizado em 03/04/2023 (id. 417249599 - Pág. 50/56) confirmou que a parte autora é portadora de esquizofrenia (CID 10: F 20) com o início dos sintomas em 13/11/2020 ("Autora portadora de esquizofrenia com a doença controlada adequadamente quando em uso de terapia medicamentosa instituída. De acordo com a análise pela Portaria Conjunta MDS/INSS nº 2, de 30 de março de 2015, Anexo IV (Tabela conclusiva de qualificadores) não preenche critérios para acesso ao BPC.). 6. Todavia, em razão na natureza da doença mental apresentada pela parte autora, há que ser considerada como deficiente nos termos da Lei, por cuidar-se de patologia que lhe impõe diversas limitações, obstruindo sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Precedente desta Corte Regional. 7. Destaca-se que não há que se falar em incapacidade laborativa, visto que a espécie do benefício pleiteado não está condicionada a isto, mas à averiguação de impedimento de sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com outras pessoas, conforme artigo supramencionado. 8. A perícia socioeconômica, realizada em 12/09/2023 (id. 417249599 - Pág. 93) atestou que o grupo familiar da parte autora é composto por ela e por três filhos menores e não possui renda. Em relação às condições de moradia, a família vive em uma casa de taipa em zona rural. Extrai-se do laudo que a parte autora necessita da presença constante da presença de outra pessoa para a realização dos atos da vida cotidiana, tendo sido ressaltado que no momento da visita domiciliar, ela estava em surto. Assim, opinou favoravelmente à concessão do benefício. 9. No que toca à renda familiar per capita, o Plenário do STF, ao julgar a ADIN n. 1.232-1/DF, concluiu que embora a lei tenha estabelecido hipótese objetiva de aferição da miserabilidade, o legislador não excluiu outras formas de verificação de tal condição, ainda que a renda familiar per capita ultrapasse ¼ do salário mínimo, devendo o julgador avaliar a vulnerabilidade social de acordo com o caso concreto. 10. Considerando o entendimento jurisprudencial consolidado no sentido de que podem ser utilizados outros elementos probatórios para aferição da capacidade da família de prover suas necessidades básicas e o laudo social favorável, restou comprovada a situação de vulnerabilidade social. 11. O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo e, na sua ausência, a partir da data do ajuizamento da ação, conforme definição a respeito do tema em decisão proferida pelo e. STJ, em sede de recurso representativo da controvérsia (REsp 1369165/SP). 12. Apelação da parte autora provida para, reformando a sentença, conceder o benefício de prestação continuada com termo inicial a contar da data do requerimento administrativo, respeitada a prescrição quinquenal. 13. Honorários advocatícios fixados em 10% do valor da condenação, consideradas as parcelas vencidas até a data da prolação do acórdão (Súmula 111/STJ). 14. Concedida a tutela de urgência, determinando a implantação do benefício assistencial no prazo de 30 (dias), nos termos do art. 497 do CPC. (AC 1007584-72.2024.4.01.9999, JUÍZA FEDERAL LILIAN OLIVEIRA DA COSTA TOURINHO, TRF1 - NONA TURMA, PJe 06/07/2024 PAG.) A perícia médica judicial, em resposta ao quesito específico, reconheceu que, embora o autor possua alguma capacidade funcional, “não conseguirá competir em questão de igualdade” no mercado de trabalho, em razão de suas limitações cognitivas, notadamente a maior dificuldade de aprendizado e de concentração. Essa conclusão revela que os impedimentos de natureza intelectual do autor, embora não o tornem absolutamente incapaz, representam obstáculo significativo à sua participação plena e efetiva na sociedade, conforme previsto no §2º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. A exigência legal para o reconhecimento da deficiência, no âmbito do benefício assistencial, não pressupõe a total impossibilidade de desempenho laboral, mas sim a existência de barreiras que, somadas às limitações do autor, impeçam sua inserção em igualdade de condições com as demais pessoas. Logo, resta caracterizada a condição de pessoa com deficiência para fins de concessão do BPC. Ainda que o laudo pericial tenha concluído que o autor não está totalmente incapaz de desempenhar as funções esperadas para uma pessoa de sua idade, o próprio perito reconheceu expressamente que o menor somente poderá alcançar algum nível de funcionalidade com o auxílio constante de familiares, amigos e profissionais especializados. Tal constatação demonstra que suas limitações de natureza crônica, embora não o tornem absolutamente incapaz, exigem suporte permanente de terceiros para sua inclusão social e educacional, revelando, portanto, um impedimento de longo prazo que o impede de participar plenamente e em igualdade de condições com os demais membros da sociedade. Isso se enquadra perfeitamente no conceito de pessoa com deficiência, bastando a presença de barreiras sociais e funcionais que comprometam sua autonomia e participação cidadã, o que se verifica de forma clara no presente caso. Neste ponto, importante destacar que, embora o perito tenha afirmado que as limitações do autor poderiam ser contornadas com o auxílio de profissionais especializados, tal possibilidade esbarra nas condições reais de vida do autor. O estudo social elaborado nos autos evidencia situação de acentuada vulnerabilidade econômica e social, em que a família sobrevive com renda proveniente exclusivamente de benefícios assistenciais, residindo em imóvel precário e com recursos extremamente limitados. Nesse contexto, é evidente que o autor não dispõe de meios para custear atendimento especializado contínuo, como psicopedagogos, terapeutas ocupacionais ou psicólogos, tampouco há demonstração de que a rede pública local tenha condições de oferecer, de forma efetiva e regular, tais serviços, conclui-se isso pelo fato do autor não ser acompanhado por equipe multidisciplinar, embora tenha documentação médica atestando a necessidade (id. 9566640316). Assim, o prognóstico traçado pelo perito torna-se inviável no mundo fático, sendo inegável que o autor, sem o suporte técnico indicado, permanecerá em condição de exclusão, com comprometimento de sua capacidade de se desenvolver e de participar plenamente da vida em sociedade, em igualdade de condições com as demais crianças de sua idade. Superados os critérios de deficiência, passo à análise da hipossuficiência. O Estudo Social de id 9613906474, realizado pela assistente social judicial, concluiu que: “(…) Do ponto de vista social, levando em consideração que o autor é proveniente de família humilde e sua situação envolve todo um contexto de vulnerabilidades, desencadeado pela doença relatada, ocasionando seu isolamento social e privações quanto a qualidade de vida. Muito embora as necessidades essenciais sejam bem mais abrangentes, consideramos reconhecidas como indispensáveis, a alimentação, moradia, vestuário e saúde, necessidades estas que vem sendo supridas, basicamente, pelo beneficio BPC da genitora e irmão gêmeo. Outrossim, os instrumentais técnicos-operativos-metodológicos (observação, visita domiciliar, entrevista circunstanciada e redação do laudo social) foram empregadas, conforme dispõe os preceitos de autonomia profissional em seu processo de escolha, reguladas pelo código de ética profissional e literatura da área específica.” Portanto, entendo que, seja pela prova pericial ou pelo estudo social, a deficiência da parte autora encontra-se comprovada nos autos. Além do mais, verifico que o laudo social apresenta todas as informações pertinentes ao feito, inclusive respondendo os quesitos apresentados pela requerida. Dessa forma, não há necessidade de esclarecimentos, uma vez que realizado por profissional habilitada, qualificada e de confiança do Juízo, bem como em consonância com as normas técnicas aplicáveis ao caso e sendo o laudo claro, completo e respondendo a todos os quesitos formulados. Em relação ao segundo requisito, nos termos a lei, considera-se família incapacitada de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência, aquela cujo cálculo da renda per capita (que corresponde à soma da renda mensal de todos os seus integrantes, dividida pelo número total de membros que compõem o grupo familiar) seja inferior a ¼ do salário-mínimo. Entretanto, é possível a flexibilização do critério estabelecido pela lei, se restar provado no processo a falta de condição de sustento. O STF confirmou a inconstitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social, por considerar que o requisito da renda per capita inferior a ¼ do salário-mínimo está defasado para a caracterização de miserabilidade (Reclamação 4374 e Res 567985 e 580963, ambos com repercussão geral). O STJ, no mesmo sentido, tem entendido que a comprovação do requisito da renda familiar per capita não superior a ¼ do salário-mínimo não exclui outros fatores que tenham o condão de aferir a condição de miserabilidade da parte autora e de sua família, necessária à concessão do benefício assistencial. O próprio legislador resolveu regular a questão no Estatuto da Pessoa com Deficiência, publicado em 07/07/2015, dispondo que para concessão do benefício, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade. O TNU, por sua vez, assim dispôs na Súmula 79: “Nas ações em que se postula benefício assistencial, é necessária a comprovação das condições socioeconômicas do autor por laudo de assistente social, por auto de constatação lavrado por oficial de justiça ou, sendo inviabilizados os referidos meios, por prova testemunhal”. Com isso, o que se percebe é que o critério da renda per capita de ¼ do salário-mínimo não deve servir como único norte para se definir pela miserabilidade ou não da família, devendo ser agregado à renda familiar outros fatores que concorrem para se aferir a necessidade do benefício. Com base nessas premissas, verifico que, in casu, houve estudo social (id 9613906474) e, analisando-o, ficou demostrada a vulnerabilidade social do autor, o qual não possui meios de prover a sua própria manutenção, nem tê-la provida por sua família de maneira satisfatória, de modo que necessita de um rendimento que proporcione condições de uma melhor qualidade de vida. Ainda que o Estudo Social informe que as necessidades reconhecidas como indispensáveis, ou seja, a alimentação, moradia, vestuário e saúde, do autor vem sendo supridas, basicamente, pelo beneficio BPC da genitora e irmão gêmeo, é preciso se atentar de forma aprofundada ao caso em concreto. Saliento que a aferição da miserabilidade e vulnerabilidade, para fins de concessão do benefício de prestação continuada (BPC), não pode se restringir exclusivamente à verificação de acesso à alimentação, moradia, vestuário e saúde básica. Isso porque as necessidades essenciais do ser humano, sobretudo de pessoas com deficiência, compreendem também o direito à educação inclusiva, ao convívio social, à mobilidade, à comunicação, ao acesso à cultura, ao lazer, à dignidade e à autonomia progressiva. A mera existência de uma habitação precária ou de alimentos básicos não supre os encargos extraordinários exigidos para o cuidado de um menor com deficiência, que requer, muitas vezes, acompanhamento especializado, medicamentos contínuos, apoio pedagógico e supervisão constante. Assim, é necessário adotar uma visão ampliada e humanizada da condição de vulnerabilidade, compatível com os direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal, especialmente a proteção integral à criança e ao adolescente (art. 227, CF) e o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF). In caso, o Estudo Social deixa clara a condição de vulnerabilidade do autor. Consta do referido documento que a genitora do autor vive em companhia apenas dos dois filhos, os quais possuem necessidade especiais, tanto a representante legal quanto o autor não possuem apoio físico, emocional, afetivo e proteção de seus familiares. “21. Recebe satisfatoriamente apoio físico, emocional, afetivo e proteção de seus familiares? R: Não.” Ademais, foi informado que o autor reside com sua mãe e irmão gêmeo; que é portadora de deficiência intelectual (transtornos mentais), inclusive recebe benefício assistencial e faz uso de medicação contínua; que faz acompanhamento pela equipe CAPS - Centro de Atenção Psicossocial de Iturama; o irmão gêmeo também foi diagnosticado com deficiência de natureza intelectual, sendo também beneficiário de benefício assistencial. A situação de vulnerabilidade social do autor restou amplamente demonstrada nos autos, especialmente por meio do relatório social elaborado por profissional do juízo. Consta do referido documento que o autor reside com a mãe e o irmão em imóvel alugado, de construção simples, com piso de cimento queimado, sem forro, apresentando precárias condições de conservação, organização e higiene. O imóvel, embora localizado em área urbana com infraestrutura básica, não oferece o mínimo de conforto ou estrutura adequada para uma criança com deficiência intelectual e epilepsia. Tais condições habitacionais são reflexo direto da insuficiência econômica da família, que sobrevive exclusivamente de dois benefícios assistenciais recebidos pela mãe e pelo irmão do autor. Nesse cenário, torna-se evidente a hipossuficiência do núcleo familiar, o que reforça a necessidade de proteção estatal por meio da concessão do benefício assistencial, como forma de garantir a dignidade e a inclusão do autor. O Relatório social conclui, por fim, que o autor é proveniente de família humilde e sua situação envolve todo um contexto de vulnerabilidade, que é desencadeado pela própria deficiência constada, pois ela desencadeia isolamento social e privações quanto à qualidade de vida. De fato, a própria jurisprudência, como visto acima, admite a análise da hipossuficiência econômica através do meio social, declarações da parte autora e documentos outros: PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LOAS. ART. 203, V, DA CF/88. LEI 8.742/93. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. CRITÉRIO DE MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA. 1. No termos do art. 203, inciso V e da lei nº 8.742/93 é assegurado o benefício de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso, que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, independente de contribuição à seguridade social. 2. Os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada encontram-se elencados no art. 20 da Lei nº 8.742/93, quais sejam: a) ser pessoa com deficiência ou idoso com 65 anos ou mais; b) não receber benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime, e c) ter renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo (requisito para aferição da miserabilidade). 3. Em relação ao critério de miserabilidade, o Plenário do STF, no julgamento dos REs n. 567.985 e n. 580.963 e da Reclamação n. 4.374, entendeu que o parâmetro da renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo não é mais adequado para aferir a situação de miserabilidade do idoso ou do deficiente, razão pela qual declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93. 4. Utiliza-se como parâmetro razoável a renda per capita de ½ (meio) salário mínimo, estabelecida em legislações posteriores à LOAS, como a Lei nº 10.689/2003 (PNAA) e o Decreto n°6.135/2007 referente ao Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal. 5. Considerando o entendimento jurisprudencial atual, a vulnerabilidade social deve ser avaliada de acordo com o caso concreto, segundo fatores que possibilitem constatar a hipossuficiência da parte autora, sendo o critério objetivo legal apenas uma referência. 6. Apelação interposta pelo INSS a que se nega provimento. (AC 1034748-17.2021.4.01.9999, DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS, TRF1 - NONA TURMA, PJe 05/09/2023 PAG.) - Destarte, entendo que o segundo requisito também se encontra presente, eis que aferida nos autos a condição de miserabilidade vivenciada pela família do autor, mormente quando considerados todos os gastos necessários para custeio das despesas básicas de uma criança com deficiência, os cuidados necessários, medicamentos, as condições do ambiente onde vive, ausência de apoio paterno seja financeiro, quanto afetivo. Ainda que a representante legal do autor e seu irmão sejam beneficiários de benefício assistencial, tal fato não retira a condição de miserabilidade e vulnerabilidade do autor. Se apresenta, portanto, a concessão do benefício pleiteado, necessária a lhe proporcionar uma vida digna, conforme garantido constitucionalmente. Comprovados os requisitos necessários à concessão do benefício, o autor tem direito ao benefício de prestação continuada a pessoa com deficiência e, no que se refere ao termo inicial do benefício, deverá ser considerada a data de 04/09/2014. Considerando que o autor se tratava de absolutamente incapaz, no ato do requerimento administrativo, a prescrição quinquenal não se aplica contra ele. Vejamos o entendimento do Egrégio Tribunal Regional Federal da 1ª Região: PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. PENSÃO POR MORTE. FILHO ABSOLUTAMENTE INCAPAZ NO MOMENTO DO ÓBITO. DIB NA DATA DO ÓBITO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. APELAÇÃO DESPROVIDA. SENTENÇA MANTIDA. 1. Trata-se de apelação proposta pelo INSS em face de sentença que julgou procedente o pedido de revisão de pensão por morte, determinando o pagamento dos valores retroativos compreendidos entre a data do óbito da instituidora e a data do requerimento administrativo. Alega o apelante que o art. 74, da Lei 8.213/91 com a redação conferida pela Lei 9.528/97 se aplica inclusive para menores e incapazes. 2. Os documentos colacionados aos autos fazem prova da incapacidade absoluta do autor, que, nascido em 03/12/2009, contava com 8 (oito) anos de idade no momento do óbito da instituidora do benefício (05/01/2018), e com 10 (dez) anos quando realizado o requerimento administrativo (06/12/2019). 3. Considerada a incapacidade absoluta do autor no momento do óbito e o disposto no art. 198, I, do Código Civil ("Também não corre a prescrição: I - contra os incapazes de que trata o art. 3º), impõe-se a manutenção da sentença a quo quanto à DIB, fixada na data do óbito. Precedentes. 4. Correção monetária e juros de mora devem observar o disposto no Manual de Cálculos da Justiça Federal, cujos parâmetros se harmonizam com a orientação que se extrai do julgamento do Tema 905 STJ e Tema 810 STF. 5. Mantidos os honorários sucumbenciais arbitrados pelo juízo a quo, majorando-os em 1% (um por cento), a teor do disposto no art. 85, § 11 do CPC, respeitados os limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º do art. 85 do CPC/2015. 6. Apelação do INSS desprovida.(AC 1004934-67.2020.4.01.3702, DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO OSWALDO SCARPA, TRF1 - NONA TURMA, PJe 31/07/2024 PAG.) Portanto, a data inicial que deve ser considerada é a data de 04/09/2014. III – DISPOSITIVO Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, resolvendo o mérito do processo, nos termos do art. 487, I do CPC, para CONDENAR o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS a pagar, em favor da parte autora , o benefício de prestação continuada a partir de 04/09/2014, observado o valor vigente em cada competência. Condeno o INSS ao pagamento das prestações vencidas, acrescidas de correção monetária e juros de mora. O cálculo das parcelas vencidas deverá ser feito utilizando-se o IPCA-e para correção monetária e juros moratórios pelos índices da caderneta de poupança até novembro de 2021. Em seguida, apurado o montante devido até o referido mês (11/2021), deverá incidir, a partir de dezembro de 2021, tão somente a taxa SELIC, conforme determinação do art. 3º da EC n. 113/2021. Condeno o INSS a pagar honorários advocatícios ao patrono da parte autora no patamar de 10% (dez por cento) do valor das parcelas vencidas do benefício até esta data (Súmula 111 do STJ). Eventuais valores pagos pelo INSS à parte autora no mesmo período, a título do mesmo benefício ou em razão da concessão de benefício inacumulável, deverão ser deduzidos da condenação. Isento a autarquia previdenciária do pagamento de custas, por gozar de isenção legal. Fica dispensada a remessa dos autos à contadoria. Quanto ao reexame necessário, tenho comigo que o CPC de 2015 definiu novos parâmetros de valor, no art. 496, § 3º, para reexame obrigatório das sentenças. No caso concreto, o valor do proveito econômico, ainda que não registrado nesta sentença, é mensurável por cálculos meramente aritméticos, o que caracteriza como líquida a decisão, para efeitos de aferição da necessidade de reexame obrigatório. Embora ainda não tenha sido calculado o valor da condenação, é possível estimar, que o valor do benefício resultante, multiplicado pelo número de meses correspondentes à condenação, resultará em valor manifestamente inferior ao limite legal para o reexame obrigatório. Assim, sendo a condenação do INSS fixada em valor manifestamente inferior a mil salários-mínimos, a sentença não está sujeita ao reexame obrigatório. Solicite-se o pagamento dos honorários periciais no sistema AJG/JF, caso não tena sido feito. Intime-se o INSS, na pessoa de seu procurador federal, do inteiro teor desta sentença. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Iturama, data da assinatura eletrônica. MAYSA SILVEIRA URZEDO Juiz(íza) de Direito 2ª Vara Cível da Comarca de Iturama
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