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Processo nº 1001033-23.2019.8.11.0046

ID: 262247982

Tribunal: TJMT Órgão: Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1001033-23.2019.8.11.0046

Data de Disponibilização: 29/04/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

HENRIQUE DUARTE PRATA

Decisão

Advogados:

GEIZE ARANHA DE MEDEIROS

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA GABINETE - DESA. HELENA MARIA BEZERRA RAMOS Centro Político Administrativo - Rua C, S/N - CEP 78049-926 - Cuiabá-MT - (65) 3617-3000 - E-mai… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA GABINETE - DESA. HELENA MARIA BEZERRA RAMOS Centro Político Administrativo - Rua C, S/N - CEP 78049-926 - Cuiabá-MT - (65) 3617-3000 - E-mail: gab.helenaramos@tjmt.jus.br APELAÇÃO CÍVEL (198) 1001033-23.2019.8.11.0046 APELANTE: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO APELADO: HENRIQUE DUARTE PRATA DECISÃO MONOCRÁTICA Vistos, etc. Trata-se de recurso de apelação cível, interposto pelo Ministério Público Estadual, contra a sentença, proferida nos autos da Ação Civil Pública Ambiental de origem, ajuizada contra Henrique Duarte Prata, que julgou procedente, em parte, o pedido inicial, para condenar o réu à obrigação de reflorestamento da área degradada, bem como ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, além de determinar que “eventual impossibilidade no cumprimento de obrigação de fazer restaurativa pode converter-se em perdas e danos a ser avaliada em fase executiva após escoado o prazo, e, se for o caso, revertido ao Fundo respectivo ou na execução de Projeto Aprovado pelo Plano de Execução Civil Ambiental”. O recorrente argumenta, em síntese, que a sentença não contemplou integralmente a responsabilização pelo dano ambiental, limitando-se a impor a indenização material apenas de forma alternativa, de sorte que requer a reforma da decisão, para que seja o apelado condenado ao pagamento da indenização pelos danos materiais, independentemente da obrigação de recuperar a área degradada. O apelado, em contrarrazões, suscita a intempestividade recursal e a ocorrência da preclusão lógica, consumativa e pro judicato, e, no mérito, pugna pelo não provimento do recurso (Id. 264245841). A Procuradoria-Geral de Justiça opina pela rejeição das preliminares e, no mérito, pelo provimento do apelo (Id. 280089367). É o relatório. Decido. Como visto, o Ministério Público Estadual insurge-se contra a sentença, proferida nos autos da Ação Civil Pública Ambiental de origem, ajuizada contra Henrique Duarte Prata, que julgou procedente, em parte, o pedido inicial, para condenar o réu à obrigação de reflorestamento da área degradada, bem como ao pagamento de indenização por danos morais coletivos. De início, cumpre apreciar as preliminares arguidas pelo apelado Henrique Duarte Prata, que sustentam a inadmissibilidade da apelação do Ministério Público Estadual por intempestividade, preclusão lógica, preclusão consumativa e preclusão pro judicato. Com relação à intempestividade recursal, consoante os expedientes do Processo Judicial da Primeira Instância, o Ministério Público registrou ciência da sentença em 03/06/2024, iniciando-se a contagem do prazo em 04/06/2024. À luz do artigo 180 do Código de Processo Civil, combinado com o artigo 219 do mesmo diploma legal, assiste ao Ministério Público o benefício do prazo em dobro para recorrer, computado em dias úteis. Assim, a interposição do recurso em 02/07/2024 revelou-se tempestiva. Não há, também, que se falar em preclusão lógica. O apelado defende que, “o recurso de apelação não pode mais ser interposto pelo Apelante uma vez que desde a sentença proferida em 14/02/2024 e após inúmeros atos processuais, deixou de praticar o ato que agora faz uso, sendo incompatível a realização deste ato – recurso de apelação pela aceitação tácita das decisões exaradas nos autos, principalmente da sentença a qual recorre”. Não obstante, o Ministério Público interpôs embargos de declaração para suprir omissão da sentença no tocante ao pedido de indenização por danos materiais irreversíveis, de modo que atuou dentro dos limites da boa-fé processual. A oposição de embargos, por sua natureza integrativa, não implica aceitação tácita do julgado e tampouco configura renúncia ao direito de apelar, de modo que, interpostos os embargos de declaração e a apelação dentro do prazo legal, impertinente os argumentos de ocorrência de preclusão lógica, de sorte que se rejeita, pois, a arguição. Igualmente não subsiste a alegação de preclusão consumativa. O apelado argumenta que, “uma vez que o Apelante peticionou nos autos sem fazer uso do recurso de Apelação, essa manifestação impossibilita o ajuizamento do presente recurso, esgotando assim a via eleita pela preclusão consumativa, conforme entendimento majoritário dos nossos tribunais assentados em vasta jurisprudência neste sentido”. Nesse ponto, também, a atuação processual do Ministério Público – consistente exclusivamente na interposição de embargos de declaração – não consome o direito de recorrer mediante apelação. Embargos e apelação destinam-se a combater vícios e omissões distintas e, portanto, não se sobrepõem nem exaurem o direito recursal ordinário. Afastada, portanto, essa preliminar. Por fim, não houve a chamada preclusão pro judicato. Diz o apelado que, “todos os atos processuais já foram regularmente praticados nestes autos, da sentença proferida em 14/02/2024, não houve a interposição de recurso, apenas os embargos de declaração, e a discussão que se busca por meio deste recurso já fora devidamente enfrentado por Vossa Excelência, o que impede que estes mesmos atos sejam revistos de forma indiscriminada e desarrazoada, garantindo assim a segurança jurídica que deve ser assegurada às partes, como imperativo a tutela da boa-fé processual”. Embora a sentença tenha analisado parte dos pedidos, deixou de se manifestar sobre a indenização por danos materiais irreversíveis, configurando omissão relevante. A rejeição dos embargos de declaração não supre tal vício, tornando legítima a apelação, a impor a necessidade de julgamento integral da lide, conforme o princípio da inafastabilidade da jurisdição. Logo, afasto todas as preliminares aventadas. No mérito, a controvérsia recursal cinge-se à definição das consequências jurídicas do dano ambiental constatado nos autos, notadamente no que diz respeito à necessidade de reparação pecuniária cumulativa à recuperação in natura da área degradada. O artigo 225, §3º, da Constituição Federal estabelece que as condutas lesivas ao meio ambiente sujeitam os infratores a sanções penais, administrativas e civis, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. Referida disposição constitucional consagra o princípio da responsabilidade objetiva na seara ambiental, fundado na teoria do risco integral, de modo que a obrigação de reparar o meio ambiente subsiste independentemente de culpa do agente e não exclui a aplicação de outras sanções. No mesmo sentido, a Súmula 629 do Superior Tribunal de Justiça dispõe que, “quanto ao dano ambiental, é admitida a condenação do réu à obrigação de fazer ou à de não fazer cumulada com a de indenização”. Dessa forma, a recuperação da área degradada não exime o infrator da obrigação de reparar os danos ambientais materiais pecuniariamente, pois a degradação afeta o meio ambiente como um bem de uso comum e exige medidas que garantam não apenas sua recomposição física, mas também a compensação pelos prejuízos ecológicos e econômicos causados. E, no presente caso, é incontroversa a destruição de 16,1800 hectares de vegetação nativa, mediante uso de fogo, sem autorização da autoridade ambiental competente, fato robustamente demonstrado nos autos por meio dos relatórios técnicos, autos de infração e termos de embargo. Assim, impõe-se a reforma da sentença para determinar a condenação imediata do réu ao pagamento da indenização pecuniária pelos danos ambientais materiais, independentemente da execução da obrigação de recuperação ambiental. Nesse sentido: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA – REJEIÇÃO – DESMATAMENTO DE FLORESTA NATIVA OBJETO DE ESPECIAL PRESERVAÇÃO (AMAZÔNIA LEGAL) – DANO AMBIENTAL – CARACTERIZAÇÃO – INSURGÊNCIA QUANTO À FALTA DE DELIMITAÇÃO DA ÁREA DO DANO AMBIENTAL – ÁREA DEVIDAMENTE INDICADA POR COORDENADAS GEOGRÁFICAS NO AUTO DE INFRAÇÃO – RELATÓRIO DE FISCALIZAÇÃO POR EQUIPE DE AGENTES DO IBAMA IN LOCO – ENTREGA DE NOTIFICAÇÃO – NÃO APRESENTAÇÃO DA DOCUMENTAÇÃO REQUERIDA POR AGENTES DO IBAMA – DANO AMBIENTAL CONSTATADO POR IMAGENS DE SATÉLITE E PELA EQUIPE DE FISCALIZAÇÃO – AUTO DE INFRAÇÃO/MULTA E TERMO DE EMBARGO/INTERDIÇÃO – EMISSÃO POR SERVIDOR DO ÓRGÃO AMBIENTAL – PRESUNÇÃO DE VERACIDADE – INEXISTÊNCIA DE ELEMENTOS CAPAZES DE DESCONSTITUIÇÃO DO AUTO – INSURGÊNCIA MINISTERIAL QUANTO À FALTA DE CONDENAÇÃO NO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO PELOS DANOS MATERIAIS – POSSIBILIDADE – JURISPRUDÊNCIA DO STJ – CUMULAÇÃO ENTRE AS OBRIGAÇÕES DE RECOMPOR/RESTAURAR/RECUPERAR AS ÁREAS AFETADAS POR DANOS AMBIENTAIS E A OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR EM PECÚNIA – INDENIZAÇÃO EM VALOR FIXO, POR HECTARE, CUJA RECUPERAÇÃO AO STATUS QUO ANTE SEJA IMPOSSÍVEL – APURAÇÃO EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA – NÃO CONFIGURAÇÃO DE BIS IN IDEM – NEXO CAUSAL EVIDENCIADO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – INTELIGÊNCIA DO ART. 225, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA – RECURSO DA EMPRESA DESPROVIDO E RECURSO MINISTERIAL PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Na ação em que se busca a recomposição da área degradada, a obrigação é inerente ao proprietário ou possuidor, independentemente de terem sido os causadores do dano, haja vista que a obrigação de reparação do dano ambiental acompanha o bem (propter rem). 2. O Auto de Infração e o Termo de Embargo são atos administrativos que gozam de presunção de veracidade e legitimidade, cabendo ao particular o ônus de demonstrar a inocorrência da infração ambiental neles descritas e assim, se o demandado não apresentou documentação alguma que justificasse o desmatamento (LAU, autorização para desmatamento, etc.), subsistem indene de contestação os documentos emitidos pelos agentes ambientais do IBAMA. 3. Consoante a jurisprudência do STJ, a responsabilidade civil pelo dano ambiental, é de natureza objetiva, solidária e ilimitada, sendo regida pelos princípios poluidor-pagador, da reparação in integrum, da prioridade da reparação in natura e do favor debilis, este último a legitimar uma série de técnicas de facilitação do acesso à justiça, entre as quais se inclui a inversão do ônus da prova em favor da vítima ambiental. 4. Se comprovado o nexo causal entre o ato ilícito praticado pelo Apelante (desmatamento de floresta nativa objeto de especial preservação) e o dano ambiental em questão, surge, objetivamente, o dever de promover a recuperação da área afetada e de indenizar eventuais danos remanescentes, em caso de impossibilidade de recuperação. 5. “É pacífico nesta Corte Superior o entendimento segundo o qual é possível a cumulação entre as obrigações de recompor/restaurar/recuperar as áreas afetadas por danos ambientais e a obrigação de indenizar em pecúnia”. (STJ - AgInt no REsp: 1548960/SC). (TJMT – Apelação Cível nº 0000223-28.2009.8.11.0107, relatora Desembargadora Helena Maria Bezerra Ramos, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 17/12/2018, Publicado no DJE 07/02/2019). Contudo, o montante da indenização deve observar, o quanto possível, a efetiva extensão do dano, nos termos do art. 944 do Código Civil, a justificar a realização de liquidação de sentença para apuração precisa dos prejuízos. A propósito: DIREITO PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. APELAÇÃO CÍVEL. REVELIA. PRESENÇA DE ADVOGADO EM AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO SEM PROCURAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. DESMATAMENTO SEM AUTORIZAÇÃO AMBIENTAL. QUANTIFICAÇÃO DE DANO MATERIAL AMBIENTAL EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. SENTENÇA MANTIDA. I. Caso em exame 1. Apelação cível interposta em ação civil pública ambiental, visando à reforma de sentença que determinou a apuração do valor de indenização por danos materiais ambientais em fase de liquidação de sentença. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em saber: (i) se a ausência de procuração pelo advogado que acompanhou o réu em audiência de conciliação configura nulidade processual; (ii) se é possível determinar desde logo o valor da indenização por dano material ambiental ou se este deve ser apurado em liquidação de sentença. III. Razões de decidir 3. A ausência de procuração pelo advogado que acompanhou o réu em audiência de conciliação não configura nulidade, conforme entendimento jurisprudencial consolidado. O comparecimento desacompanhado de advogado não impede a realização do ato processual nem a celebração de acordo. 4. Divergência entre os dados apresentados na inicial, com base em Relatório Técnico elaborado pelo Ministério Público em cooperação com o INPE, e o Auto de Infração emitido pela autoridade ambiental. Incerteza sobre a extensão exata do dano material ambiental. O dano material ambiental deve ser apurado em liquidação de sentença, considerando o princípio da reparação integral e a necessidade de critérios técnicos para sua quantificação. IV. Dispositivo e tese Apelação conhecida e desprovida. Tese de julgamento: "1. A ausência de procuração pelo advogado que acompanha o réu em audiência de conciliação não gera nulidade processual. 2. O valor da indenização por dano material ambiental deve ser apurado em liquidação de sentença, observando a extensão do dano e os critérios técnicos aplicáveis." Jurisprudência relevante citada: TJ-SP, AC 1014142-28.2019.8.26.0001, Rel. Carlos Nunes, j. 29.09.2020; TJ-MG, AC 5000540-49.2020.8.13.0090, Rel. Maria Inês Souza, j. 04.04.2023; TJMT, AC 1003414-62.2022.8.11.0025, Rel. Rodrigo Roberto Curvo, j. 13.11.2024; TJMT, AC 1001709-29.2022.8.11.0025, Rel. Maria Aparecida Ferreira Fago, J. 19/03/2024. (TJMT – Apelação Cível nº 1000600-59.2023.8.11.0052, relatora Desembargadora Vandymara Galvão Ramos Paiva Zanolo, Terceira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 18/12/2024, Publicado no DJE 21/12/2024). Forte nessas razões, DOU PROVIMENTO ao recurso de apelação do Ministério Público, para condenar o réu ao pagamento de indenização pecuniária pelos danos ambientais materiais, cujo valor deverá ser apurado em liquidação de sentença, sem prejuízo da obrigação de recuperar a área degradada. Com o trânsito em julgado, devolva-se o feito à instância de origem, com as cautelas de costume. Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se. Cuiabá, data da assinatura digital. Desa. Helena Maria Bezerra Ramos Relatora

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Processo nº 1001033-87.2023.8.11.0044

ID: 278801551

Tribunal: TJMT Órgão: 1ª VARA DE PARANATINGA Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO Nº Processo: 1001033-87.2023.8.11.0044

Data de Disponibilização: 26/05/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

CLAUDIO ANTONIO TAMIOZZO JARBAS TAMIOZZO

Sentença

Advogados:

RODRIGO PINHEDO HERNANDES

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JOÃO GABRIEL SILVA TIRAPELLE

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 1ª VARA DE PARANATINGA SENTENÇA Processo: 1001033-87.2023.8.11.0044. REPRESENTANTE: POLÍCIA JUDICIÁRIA CIVIL DO ESTADO DE MATO GROSSO AUTOR(A): MINISTÉRIO PÚBLI… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 1ª VARA DE PARANATINGA SENTENÇA Processo: 1001033-87.2023.8.11.0044. REPRESENTANTE: POLÍCIA JUDICIÁRIA CIVIL DO ESTADO DE MATO GROSSO AUTOR(A): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO REU: CLAUDIO ANTONIO TAMIOZZO, JARBAS TAMIOZZO Vistos. Trata-se de ação penal movida pelo Ministério Público Estadual em desfavor de CLAUDIO ANTÔNIO TAMIOZZO, como incurso nas sanções do artigo 147-B do Código Penal (Fato 1) e JARBAS TAMIOZZO como incurso nas sanções do artigo 213 do Código Penal (Fato 2). A denúncia narra, em síntese, o seguinte: “FATO 1 – VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA CONTRA A MULHER (Art. 147-B do Código Penal): Entre 19 de outubro e 25 de novembro de 2022, em horários diversos, na residência particular localizada na rua Emanoel Pinheiro, nº 378, Centro, nesta cidade e Comarca de Paranatinga/MT, o denunciado CLAUDIO ANTONIO TAMIOZZO, com consciência e vontade e com intenção de degradar, controlar suas ações, comportamentos e decisões, prevalecendo-se das relações domésticas e íntimas de afeto, causou dano emocional a vítima Juscielma Cunha da Conceição, sua ex-convivente, com prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação, o que fez mediante ameaças, consistente em dizer para a vítima, após a separação do casal, que ela e a filha teriam que deixar a residência da família, caso contrário a matará, assim como o fará caso ela "chame a polícia", e ridicularização e humilhação consistente em chamá-la de "cachorra, vagabunda", "que irá tirá-la da residência igual cachorro". O crime ocorreu contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, por envolver violência doméstica e familiar, prevalecendo-se o denunciado da relação íntima de afeto, uma vez que conviveram maritalmente por aproximadamente 07 (sete) anos. FATO 2 – ESTUPRO (Art. 213 do Código Penal): No dia 20 de novembro de 2022, por volta das 20h00min, na residência particular localizada na rua Emanoel Pinheiro, nº 378, Centro, nesta cidade e Comarca de Paranatinga/MT, o denunciado JARBAS TAMIOZZO, com consciência e vontade e com o inequívoco intuito de satisfazer sua lascívia, constrangeu a vítima Juscielma Cunha da Conceição, mediante violência, consistente em emprego de força física, a com ele praticar ato libidinoso diverso da conjunção carnal, a saber, dar-lhe um beijo na boca e passar as mãos em seus seios. O Denunciado foi até a residência da vítima e após essa ter negado o seu pedido de beijo, ele a agarrou e forçou o beijo na boca, passando, ainda, as mãos em seus seios.” A denúncia foi recebida em 7/6/2023 (Id. 120048947). Em seguida, os réus foram citados pessoalmente e, por meio de advogado, apresentaram resposta à acusação (Id. 126769193 e 126907497). A decisão de saneamento do feito designou audiência de instrução e julgamento (Id. 175802929). Durante a instrução criminal foram ouvidas a vítima Juscielma Cunha da Conceição e as testemunhas Maria Helena Tamiozzo e Jardel Tamiozzo. Após, os réus foram interrogados (Id. 194074280). Após a instrução, o Ministério Público apresentou alegações finais orais pugnando pela absolvição de Claudio Antônio Tamiozzo e desclassificação do crime de estupro para importunação sexual com relação ao réu Jarbas Tamiozzo (Id. 194074280). A defesa, por sua vez, apresentou memoriais escritos, pugnando pela absolvição de Claudio Antônio Tamiozzo por ausência de provas (Id. 194511957). Com relação ao acusado Jarbas Tamiozzo, também pugnou pela sua absolvição por ausência de provas. Subsidiariamente, pugnou pela desclassificação para o crime de importunação sexual (Id. 194511944) É o relato. Fundamento e decido. 1) DO MÉRITO: Trata-se de ação penal em que se busca a condenação do acusado Claudio Antônio Tamiozzo nas penas do artigo 147-B do Código Penal e do acusado Jarbas Tamiozzo nas sanções do artigo 213 do Código Penal. 1.1) Do crime de violência psicológica contra a mulher (Art. 147-B, CP) – Fato 01: A denúncia relata que o acusado Cláudio Antônio Tamiozzo, após separação da vítima Juscielma Cunha da Conceição, teria se prevalecido das relações domésticas e íntimas de afeto, para causar dano emocional vítima, o que teria feito mediante ameaças, ridicularizando e humilhando. Contudo, a materialidade e autoria não retaram demonstradas nos autos. Isso porque, ao ser ouvida em juízo, a vítima relatou que houve um caso de briga física com o acusado Cláudio, quando eram casados, mas não relatou qualquer episódio de ameaça ou humilhação que teria sofrido. Ora, para que o juiz declare a existência da responsabilidade criminal e imponha sanção penal a uma determinada pessoa, restringindo a sua liberdade, é necessário que adquira a certeza de que foi cometido um ilícito penal e que seja ela a autora, ou seja, deve convencer-se de que são verdadeiros os fatos narrados na peça acusatória. O ônus da prova é o encargo que tem a parte de demonstrar no processo a ocorrência de um fato que alegou em seu interesse, sendo que, no processo penal de um Estado Democrático de Direito que se propõe a respeitar a dignidade da pessoa humana, cabe ao acusador o ônus de evidenciar a existência do fato e da respectiva autoria. De fato, a Constituição Federal estatuiu - como consequência direta do princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV) - o denominado princípio da presunção de inocência, segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (art. 5º, LVII). Tal regra também restou reforçada com a adesão do Brasil à Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), conforme Decreto nº 678, de 6.11.92. Esta Convenção dispõe, em seu art. 8º, 2, que “toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”. Por óbvio, não pode o juiz condenar uma pessoa, restringindo a sua liberdade, sem a presença de prova objetiva e robusta a respeito da autoria e da materialidade do crime. A mera suspeita, que é uma opinião vaga, uma inferência que abre caminho à dúvida, não se presta para tanto. Condenar com base em provas tão frágeis como a dos autos, é o mesmo que ressuscitar o odioso e absurdo princípio da presunção de culpa, adotado em regimes ditatoriais de triste memória, onde não se respeitam a dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (CF, art. 1º, III). No caso analisado nestes autos, a conclusão a que se chega é a de que não existem provas suficientes para embasar um decreto condenatório, razão pela qual dever-se-á absolver o acusado, em homenagem aos já citados princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo 1.2) Do crime de estupro (Art. 213 do Código Penal): No que refere ao crime de estupro, supostamente praticado pelo réu Jarbas Tamiozzo, entendo que é o caso de desclassificação para o crime de importunação sexual. Ouvida em juízo, a vítima Juscielma Cunha da Conceição, relatou que foi assediada por Jarbas, que entrou em sua casa e tentou agarrá-la por trás do sofá e pegou em seus seios. De início, vale destacar que o crime de estupro resta configurado quando o agente constrange a vítima, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. No caso dos autos, conforme alertado pela representante do Minsitério Público, a elementar de violência ou grave ameaça não restou descrita na denúncia, nem foi relatada pela vítima. Conforme narrado por esta, o réu entrou em sua casa e ofendeu sua dignidade sexual ao agarrá-la e tocar em seus seios. Ou seja, não há narrativa de nenhum ato de violência ou grave ameaça, mas tão somente a prática de ato libidinoso voltado a satisfazer a lascívia do réu, o que impõe a desclassificação para o crime tipificado no art. 215-A do Código Penal. Importante salientar que neste tipo de delito, a palavra da vítima possui fundamental importância para o deslinde da atividade criminosa, tendo em vista que muitas dessas ações acontecem sem testemunhas. Destarte, o relato da vítima em juízo é consistente e coincide com depoimento prestado perante a autoridade policial, o que dá mais credibilidade a sua palavra. Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), consoante teor de julgado abaixo transcrito: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ART. 217-A DO CÓDIGO PENAL. RECONHECIMENTO DA CONSUMAÇÃO DO DELITO. IMPOSSIBILIDADE DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA IMPORTUNAÇÃO SEXUAL OU CONTRAVENÇÃO PENAL. FIXAÇÃO DA PENA. CONTINUIDADE DELITIVA. AGRAVO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME. Agravo em recurso especial interposto pelo réu contra decisão do Tribunal de Justiça do Paraná que negou seguimento ao recurso especial, inadmitindo-o quanto à tese de desclassificação do crime de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP) para o de importunação sexual (art. 215-A do CP) e rejeitando as demais alegações. O réu busca: a) absolvição por falta de provas; b) desclassificação para importunação sexual ou contravenção penal de perturbação da tranquilidade; c) revisão da pena-base e aplicação da fração mínima de aumento por crime continuado. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO. Há três questões em discussão: (i) determinar se é possível desclassificar o crime de estupro de vulnerável para importunação sexual ou contravenção penal de perturbação da tranquilidade; (ii) analisar a suficiência das provas para a condenação do réu; (iii) revisar a exasperação da pena-base e o aumento pela continuidade delitiva. III. RAZÕES DE DECIDIR A jurisprudência do STJ firmou entendimento de que a prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, presente o dolo específico de satisfazer à lascívia, configura o crime de estupro de vulnerável, não sendo cabível a desclassificação para importunação sexual ou contravenção penal, independentemente da superficialidade ou ligeireza da conduta (Tema Repetitivo 1121). Nos delitos sexuais, a palavra da vítima possui especial relevância, especialmente quando corroborada por outros elementos de prova, como constatado pelas instâncias ordinárias. A pretensão de absolvição por insuficiência de provas demanda reexame do conjunto fático-probatório, o que é vedado em sede de recurso especial, conforme a Súmula 7 do STJ. A fixação da pena-base acima do mínimo legal foi devidamente fundamentada, com base nas consequências gravíssimas do crime sobre a vítima, que relatou impactos psicológicos severos e persistentes, justificando a exasperação conforme o art. 59 do Código Penal. A aplicação da fração de 2/3 para o aumento pela continuidade delitiva segue a orientação do STJ, considerando o longo período de abuso e a frequência das condutas. A instância de origem observou a repetição dos atos de abuso ao menos três vezes por semana, dos 8 aos 11 anos da vítima, corroborando a aplicação da fração máxima de majoração pela continuidade delitiva. IV. DISPOSITIVO E TESE Agravo em recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido. (REsp n. 2.015.838/PR, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 11/2/2025, DJEN de 17/2/2025.) Dessa forma, as provas dos autos demonstram a ocorrência do delito tipificado no artigo 215-A do CP (importunação sexual), não existindo quaisquer causas excludentes da ilicitude ou culpabilidade. 2) DISPOSITIVO: Diante do exposto, julgo PROCEDENTE EM PARTE a pretensão punitiva estatal, para ABSOLVER CLAUDIO ANTONIO TAMIOZZO do crime tipificado no art. 147-B do Código Penal e CONDENAR JARBAS TAMIOZZO como incurso nas penas do artigo 215-A do Código Penal. 3) DA DOSIMETRIA DA PENA: Em atenção ao princípio da individualização da pena, e estando demonstrada a materialidade e autoria dos delitos, resta fazer a DOSIMETRIA DA PENA (CP, art. 68 e CF, art. 5°, XLVI): Cumpre salientar que, nessa fase da sentença, não se pode olvidar que nossa lei penal adotou o critério trifásico de Nelson Hungria (CP, art. 68), em que na primeira etapa da fixação da reprimenda analisam-se as circunstâncias judiciais contidas no art. 59 do CP, encontrando-se a pena-base; em seguida consideram-se as circunstâncias legais genéricas (CP, art. 61, 65 e 66), ou seja, as atenuantes e agravantes; por último, aplicam-se as causas de diminuição e de aumento de pena, chegando-se à sanção definitiva. Analisadas as diretrizes do art. 59 do Código Penal, passo a fazer as seguintes considerações: a) Culpabilidade: culpabilidade é o grau de censura ou reprovabilidade da ação ou omissão do réu. No caso concreto, considero normal à espécie; b) Antecedentes: não existem informações sobre condenação criminal com trânsito em julgado e os processos ou inquéritos em curso não podem ser usados para agravar a pena-base, nos termos da Súmula 444 do STJ; c) Conduta Social: não existem, nos autos, considerações desabonadoras quanto a esta circunstância judicial; d) Personalidade: sem elementos para atestar a personalidade do condenado; e) Motivos: o motivo do crime se revela reprovável, uma vez que o acusado passou a perseguir a vítima em razão do término do relacionamento; f) Circunstâncias: circunstâncias do crime são todos os elementos do fato delitivo, acessórios ou acidentais, que não integram a estrutura do tipo penal. In casu, as circunstâncias se verificam como normais ao tipo penal; g) Consequências: as consequências do crime são o mal causado pela sua prática, que transcendem ao resultado típico esperado para o caso, além da consequência já implícita ao tipo penal violado. No caso em exame, o mal ocasionado não transcende o resultado esperado do tipo; h) comportamento da vítima: no caso em epígrafe, em nada contribuiu para prática criminosa Assim, à vista dessas circunstâncias analisadas individualmente, fixo a pena-base em 1 (um) ano de reclusão. Na segunda fase, não existem circunstâncias agravantes ou atenuantes. Da mesma forma, não se encontram presentes causas de aumento e diminuição. Assim fixo a pena definitiva em 1 (UM) ANO DE RECLUSÃO. Fixo o regime inicial ABERTO, considerando o teor do artigo 33, §2º, alínea “c”, do Código Penal. Conforme art. 44, §2º, do Código Penal, entendo que a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito é suficiente para a reprovação e prevenção do crime, bem como lhe é socialmente recomendável. Substituo, então, a pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direito, a saber, prestação de serviços à comunidade que será definida pelo juízo da execução penal. Apesar da existência de pedido inicial formulado para fixação do valor mínimo de reparação dos danos causados pela infração penal, conforme previsto no art. 387, inciso IV do Código de Processo Penal, deixo de fixá-lo, diante da inexistência de elementos probatórios que permitam a sua mensuração, ainda que em caráter mínimo. Condeno o réu Jarbas Tamiozzo ao pagamento das custas processuais (art. 804 do CPP). Após o trânsito em julgado, cumpram-se as seguintes determinações: 1. Oficie-se ao Instituto Nacional e Estadual de Identificação; 2. Comunique-se a condenação à Justiça Eleitoral para fins de suspensão dos direitos políticos do réu (art. 15, inc. III da CF); 3. Expeça-se e remeta-se carta de guia de execução para o cumprimento da pena que lhe foi imposta, juntamente com cópia da presente sentença, à Vara de Execuções competente; 4. Proceda-se a destruição de eventual objeto do crime; 5. Comunique-se à vítima sobre esta sentença (artigo 201, §2º, do CPP). Cumpridas as determinações e demais formalidades legais, arquivem-se os autos. Publique-se. Registre-se. Intime(m)-se o Ministério Público e a defesa técnica. Paranatinga/MT, data registrada no sistema. Raíza Vitória de Castro Rego Bastos Gonzaga Juíza de Direto

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Processo nº 1001033-84.2025.8.11.0087

ID: 261014488

Tribunal: TJMT Órgão: VARA ÚNICA DE GUARANTÃ DO NORTE Classe: AçãO CIVIL PúBLICA CíVEL Nº Processo: 1001033-84.2025.8.11.0087

Data de Disponibilização: 28/04/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

MARCIO MARTINS DE OLIVEIRA

Decisão

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ÚNICA DE GUARANTÃ DO NORTE DECISÃO Processo: 1001033-84.2025.8.11.0087. AUTOR(A): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO REQUERIDO: MARCIO MARTINS DE … ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ÚNICA DE GUARANTÃ DO NORTE DECISÃO Processo: 1001033-84.2025.8.11.0087. AUTOR(A): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO REQUERIDO: MARCIO MARTINS DE OLIVEIRA Vistos. Trata-se de ação civil pública proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO em face MARCIO MARTINS DE OLIVEIRA, objetivando fazer cessar/impedir a degradação da área objeto dos autos, até que se conceda as necessárias licenças ambientais, bem como visando a reparação do dano ambiental. Em síntese, assevera que o, até o dia 21/04/2024, no Sitio Esmeralda – Garimpo Marcio, no assentamento Nova Esperança, em Novo Mundo/MT, mais precisamente em local delimitado pelas coordenadas geográficas 10º03’08,59” S/55º11’04,43” W’, MARCIO MARTINS DE OLIVEIRA explorou recurso mineral sem autorização legal ou licença ambiental da autoridade competente. Além disto, nas mesmas circunstâncias, impediu a regeneração natural de floresta, ao desenvolver atividade de garimpo de ouro, sem autorização do órgão competente. Afirma que, segundo o apurado, a equipe da SEMA realizou fiscalização ambiental, parte da continuidade da Operação Amazônia, em que fora relatado degradação ambiental causada por garimpo ilegal na propriedade localizada em Novo Mundo/MT. Na ocasião da fiscalização o requerido fora autuado pelo órgão ambiental por realizar atividade de extração mineral, sem a devida autorização ambiental expedida pelo órgão competente, causando danos ao meio ambiente, de modo que o órgão elaborou Auto de Inspeção nº 1607001824; formalizou o Auto de Infração nº. 1607001924, de 04/06/2024, pela atividade lavra garimpeira contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes; formalizou o Termo de Apreensão nº. 1269000824, de 21/05/2024, pela atividade de lavra garimpeira contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes, apreendendo 01 (uma) Escavadeira Hidráulica (PC) e 01 (um) Motor Estacionário de propriedade de MARCIO MARTINS DE OLIVEIRA, sendo Prefeitura Municipal de Peixoto de Azevedo o fiel depositário. Segundo o Ministério Público, foi proposta a entabulação termo de ajustamento de conduta, porém, a parte não demonstrou interesse em autocomposição. Assim, requer, liminarmente: A) Seja imposta a obrigação de fazer ao requerido consistente na apresentação à SEMA/MT, no prazo de 90 (noventa) dias contados da intimação da decisão, de Plano de Recuperação de Área Degradada – PRAD, que atenda às diretrizes indicadas pelo órgão, com posterior execução do plano, observadas as adequações e determinações eventualmente indicadas. O projeto, registre se, deverá ser executado no prazo de 30 (trinta) dias contados de sua aprovação, e observará o lapso temporal indicado pela SEMA/MT; A.1) A cominação de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para o caso de abstenção das requeridas em apresentarem e/ou implementarem o referido projeto, conforme consta do art. 11 da Lei n. 7.347/1985, a ser recolhida em favor do Fundo Municipal do Meio Ambiente de Peixoto de Azevedo/MT ou para financiamento de projetos ambientais, inclusive relacionados à fiscalização ambiental, a serem indicados pelo Ministério Público. B) Seja decretado o embargo judicial da área degradada e imposta a obrigação não fazer (abstenção de praticar atividades lesivas ao meio ambiente - tutela inibitória), com ordem para que o requerido: B.1) Suspenda todas as atividades de exploração garimpeira que estejam sendo realizadas sem autorização ou licença expedida pelo órgão ambiental ou em desacordo com suas normas regulamentares, no prazo razoável de 90 (noventa) dias, sob pena de multa diária de R$ 20.000,00 (vinte mil reais); B.2) Providencie naquele mesmo prazo a retirada de todos os equipamentos e objetos da área, sob pena de multa diária de R$ 20.000,00 (vinte mil reais); C) A penhora de 01 (uma) Escavadeira Hidráulica (PC) e 01 (um) Motor Estacionário, nos limites dos valores dos danos, a título de reparação ao dano ambiental; C.1) Além disto, buscando evitar a depreciação do bem pela má conservação e falta de uso, requer-se a constituição do Município de Novo Mundo, por seu Prefeito, como fiel depositário, até a efetiva alienação; D) Seja oficiado o Banco Central com a ordem de suspensão da participação das requeridas em linha de financiamentos em estabelecimentos oficiais de crédito, bem como em incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo poder público; e) Seja oficiado o Instituto do Meio Ambiente em Guarantã do Norte/MT para que tome conhecimento dos termos desta decisão, e realize a fiscalização da determinação de embargo judicial da área. No mérito, requereu o julgamento procedente da demanda, ratificando os efeitos da tutela antecipada. Juntou documentos. É o relatório. Decido. Verifica-se que estão preenchidos os requisitos do artigo 319 do Código de Processo Civil, assim como foi observada a determinação posta no artigo 320 do mesmo diploma legal. Desta forma, não sendo o caso de aplicação do disposto no artigo 330 do Código de Processo Civil, com fundamento no disposto no artigo 334 do mesmo codex, RECEBO a petição inicial. Cuidando-se de pedido de tutela provisória de urgência, necessário o preenchimento dos requisitos exigidos pelo art. 300 do Código de Processo Civil, quais sejam a existência de elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, vejamos: Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. A tutela de urgência prevista no art. 300 do CPC autoriza o deferimento de antecipação do verdadeiro pedido de mérito, antes mesmo de perfeita a necessária cognição, porém, as provas hão de vir nos autos estreme de dúvida, a passar ao julgador, prontamente, convicção da probabilidade da pretensão, não sendo, pois, uma liberalidade, ao contrário, é uma exceção que exige rígida demonstração da ocorrência dos requisitos legais para sua concessão. No mesmo sentido a lição de Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira: A probabilidade do direito a ser provisoriamente satisfeito/realizado ou acautelado é a plausibilidade de existência desse mesmo direito. O bem conhecido fumus boni iuris. O magistrado precisa avaliar se há ‘elementos que evidenciem’ a probabilidade de ter acontecido o que foi narrado e quais as chances de êxito do demandante. (Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira, Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedentes, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela, 10º ed., Salvador, Jus Podivm, 2015, p. 595). Na hipótese dos autos, através do exposto na inicial e da documentação a ela acostada, em juízo provisório, e nos estritos limites da cognição sumária permitida a esta fase processual, entendo que restaram configurados os pressupostos autorizativos de parte da medida excepcional. Isso porque, tocante à probabilidade do direito, considerando que Auto de Inspeção nº 1607001824, o Auto de Infração nº. 1607001924, de 04/06/2024, e o Termo de Apreensão nº. 1269000824 (ID 189387488), gozam de presunção de legitimidade, uma vez que lavrados por agentes públicos, verifica-se que há respaldo jurídico e fático para a concessão de parte dos pedidos provisórios requestados pelo Ministério Público. Com efeito, a equipe de fiscalização realizou visita in loco, constatando a existência infração administrativa, indicada no art. 66 do Decreto Federal 6.514/2008, por fazer funcionar, sem licença, garimpo de minério. Assim sendo, há robustas comprovações do dano causado ao meio ambiente, da conduta do requerido e do nexo de causalidade, que, pela aplicação da teoria de responsabilidade objetiva, resulta em fortes indícios de que o requerido deverá responder pela recomposição do meio ambiente. Nesse passo, considerando que os danos são de expressiva monta, é pertinente a adoção de medida destinada à garantia da utilidade do processo, mormente pela necessidade de recomposição do meio ambiente. Exatamente pela referida extensão do dano, vejo como configurado o risco ao resultado útil do processo, porquanto, caso nada seja feito neste momento, pode ser que ao deslinde do procedimento o requerido não tenha patrimônio suficiente para arcar com as providências eventualmente apuradas para o retorno da área degradada ao status quo ante. Contudo, ainda que haja fortes indícios de que o requerido tenha promovido atividade poluidora, as medidas destinadas à assegurar o resultado útil do processo devem guardar estrita proporcionalidade. Por isso, para a garantia da satisfação dos danos, reputo como adequada ao caso concreto a penhora do maquinário: “01 (uma) Escavadeira Hidráulica (PC) e 01 (um) Motor Estacionário, nos limites dos valores dos danos, a título de reparação ao dano ambiental”. Outrossim, quanto aos pedidos de abstenção de exploração garimpeira sem autorização ou licença expedida pelo órgão ambiental ou em desacordo com suas normas regulamentares, há tanto probabilidade do direito quanto o perigo da demora. Isso porque, neste tocante, como ressaltado, a probabilidade do direito invocada demonstra-se presente, uma vez que, através dos autos de infração lavrados pelo órgão ambiental, que gozam de presunção de veracidade pela atuação de agentes públicos, delimitam com precisão a exploração garimpeira sem autorização ou licença, demonstrando o dano ambiental. Acerca da referida presunção, transcrevo a seguinte ementa, a corroborar a fundamentação: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – OBRIGAÇÃO DE FAZER E NÃO FAZER – DESMATE ILEGAL EM FLORESTA NATIVA DO BIOMA AMAZÔNICO – PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE - CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA PARA FAZER CESSAR O DESMATAMENTO – POSSIBILIDADE - AUTO DE INFRAÇÃO – IBAMA – PRESUNÇÃO DE VERACIDADE – RECURSO DESPROVIDO. 1 - Não há que se falar em reforma da decisão liminar que, visando evitar o prolongamento do dano ambiental e dar início à recuperação da área degradada, impõe, de imediato, obrigações ao poluidor, perante o órgão ambiental. 2 - O auto de infração goza de presunção de veracidade, prevalecendo até prova robusta produzida em contrário. (N.U 1003729-10.2018.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, GILBERTO LOPES BUSSIKI, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 18/12/2019, Publicado no DJE 22/01/2020) O perigo de dano, por sua vez, decorre da necessidade de célere reparação do passivo ambiental, que não deve aguardar até o desfecho desta demanda para que seja concretizada. Por entender oportuno, trago à colação: AGRAVO DE INSTRUMENTO — AÇÃO CIVIL PÚBLICA — DESMATAMENTO DE FLORESTA NATIVA — AUTORIZAÇÃO DO ÓRGÃO AMBIENTAL — AUSÊNCIA — AUTUAÇÃO — RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA — DEVER DE REPARAR O DANO — APRESENTAÇÃO DE PROJETO DE RECUPERAÇÃO DE ÁREADE GRADADA (PRAD) — OBRIGATORIEDADE -AVERBAÇÃO DA DEMANDA NA MATRÍCULA DO IMÓVEL — APLICÁVEL. O perigo na demora da prestação jurisdicional milita a favor do meio ambiente, a possibilitar o deferimento da tutela de urgência, com o objetivo de obrigar o particular a se abster de desmatar e protocolar, no órgão ambiental competente, o Projeto de Recuperação de Área Degradada – PRAD, sob pena de multa diária, em atenção ao que estabelece o artigo 225 da Constituição da Republica Federativa do Brasil. A averbação da demanda na matrícula do imóvel, aplicável, na hipótese, “serve para tornar completa e adequada a informação sobre a real situação do empreendimento, o que se coaduna com a finalidade do sistema registral e com os direitos do consumidor”. Recurso provido, em parte. (TJ-MT - AI: 10007792820188110000 MT, Relator: MARCIO APARECIDO GUEDES, Data de Julgamento: 06/09/2019, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 20/09/2019) Logo, presentes os requisitos legais, DEFIRO PARCIALMENTE a tutela de urgência para determinar a penhora 01 (uma) Escavadeira Hidráulica (PC) e 01 (um) Motor Estacionário, nos limites dos valores dos danos, a título de reparação ao dano ambiental, visando assegurar o pagamento de eventual futura indenização pelos danos ambientais objeto dos autos e determino ao requerido as seguintes medidas: a) a apresentação à SEMA/MT, no prazo de 90 (noventa) dias contados da intimação da decisão, de Plano de Recuperação de Área Degradada – PRAD, que atenda às diretrizes indicadas pelo órgão, com posterior execução do plano, observadas as adequações e determinações eventualmente indicadas. O projeto deverá ser executado no prazo de 30 (trinta) dias contados de sua aprovação, e observará o lapso temporal indicado pela SEMA/MT, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais); b) a abstenção de praticar atividades lesivas ao meio ambiente, com suspensão de todas as atividades de exploração garimpeira que estejam sendo realizadas sem autorização ou licença expedida pelo órgão ambiental ou em desacordo com suas normas regulamentares, no prazo de 90 (noventa) dias, sob pena de multa diária de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). No mesmo prazo, deve providenciar a retirada de todos os equipamentos e objetos da área, sob pena de multa diária de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). LAVRE-SE o termo de penhora e INTIME-SE o requerido para o cumprimento das determinações liminares, bem como para, no prazo de 15 (quinze) dias, entregar os bens penhorados no Pátio da Secretaria Municipal de Obras (localizado na MT 419, na saída da zona urbana em direção ao Bairro Cotrel), ficando o Município de Guarantã do Norte, por seu Prefeito, como fiel depositário, até a eventual futura alienação. OFICIE-SE a Secretaria Municipal de Obras para receber os penhorados e, caso escoado o referido prazo sem o recebimento, deve informar a este juízo. No mais, indefiro os demais pedidos provisórios, nos termos da fundamentação esposada, sendo desnecessário o embargo judicial da área degradada, eis que já embargada pelo órgão ambiental (Termo de Embargo nº 1607001924). Deixo de oficiar o Banco Central para promover a suspensão da participação do requerido em linha de financiamentos em estabelecimentos oficiais de crédito, bem como em incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo poder público, pois ausente qualquer comprovação de que o requerido tenha participação em linha de financiamentos. DETERMINO a inversão do ônus da prova (Súmula 618 do STJ). Nos termos do art. 334 do CPC, DETERMINO à Secretaria o agendamento de audiência de mediação ou conciliação, conforme o caso, junto ao CEJUSC, que será realizada mediante videoconferência. CITE-SE a parte requerida para comparecimento. Fiquem as partes cientes de que o comparecimento é obrigatório (pessoalmente ou por representante com procuração específica, com outorga de poderes para negociar e transigir). As partes devem estar acompanhadas de seus advogados (art. 334, § 9º, CPC). Caso a parte ré faça uso da previsão do § 5º do art. 334 do CPC, o termo inicial do prazo para a contestação será a data do protocolo da manifestação do seu desinteresse na audiência de conciliação, ficando desde já determinado o cancelamento da solenidade. Caso infrutífera a conciliação ou verificada a ausência de qualquer parte, o prazo para a parte requerida contestar a ação terá início na data da audiência (art. 335, I, CPC). Decorrido o prazo para contestar o pedido, e no intento de facilitar a adoção das providências preliminares (art. 347 do CPC), INTIME-SE a parte autora para que, no prazo de 15 (quinze) dias, apresente manifestação, a teor do art. 348 e seguintes do CPC, nos seguintes termos: (a) Havendo revelia, informe se quer produzir outras provas ou se deseja o julgamento antecipado; (b) Havendo contestação, deverá se manifestar em réplica, inclusive com contrariedade e apresentação de provas relacionadas a eventuais questões incidentais; (c) Em sendo apresentada reconvenção com a contestação ou no seu prazo, deverá apresentar resposta à reconvenção. Após, INTIMEM-SE as partes para que, no prazo comum de 15 (quinze) dias, especifiquem as provas que pretendem produzir, justificando, objetiva e fundamentadamente, a sua relevância. Deixo consignado, desde já, que o rol de testemunha deverá ser apresentado juntamente com a manifestação das partes, caso pretendam pela designação de audiência de instrução e julgamento. CUMPRA-SE, expedindo o necessário. Guarantã do Norte/MT, data registrada no sistema. ÀS PROVIDÊNCIAS. GUILHERME CARLOS KOTOVICZ Juiz de Direito

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Processo nº 1001034-15.2025.8.11.0008

ID: 306711117

Tribunal: TJMT Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1001034-15.2025.8.11.0008

Data de Disponibilização: 25/06/2025

Polo Ativo:

ADILZA VITORINA DA SILVA

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

FELIPE LUIZ ALENCAR VILAROUCA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1001034-15.2025.8.11.0008 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral] Relator: Des(a). LUI… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1001034-15.2025.8.11.0008 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral] Relator: Des(a). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Turma Julgadora: [DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [ADILZA VITORINA DA SILVA - CPF: 892.007.481-04 (APELANTE), FELIPE LUIZ ALENCAR VILAROUCA - CPF: 040.152.831-63 (ADVOGADO), BANCO DAYCOVAL S/A - CNPJ: 62.232.889/0001-90 (APELADO), DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA - CPF: 568.962.041-68 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE CONTRATO FINANCEIRO. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. IRREGULARIDADE NA REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. INDÍCIOS DE LITIGÂNCIA PREDATÓRIA. EXIGÊNCIA DE PROCURAÇÃO ESPECÍFICA E INDIVIDUALIZADA. PODER GERAL DE CAUTELA. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Recurso de apelação interposto por ADILZA VITORINA DA SILVA contra sentença que extinguiu o processo sem resolução do mérito, sob o fundamento de irregularidade na representação processual, nos autos de ação declaratória de inexistência de contrato financeiro cumulada com pedido de pagamento de indébito e indenização por danos morais movida em desfavor do BANCO DAYCOVAL S/A. O magistrado de primeiro grau determinou emenda à inicial para apresentação de procuração específica e individualizada, medida não atendida pela parte autora. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em verificar se a sentença que indeferiu a petição inicial ante o não atendimento de determinação judicial para apresentação de procuração específica e individualizada, diante de indícios de litigância predatória, merece reforma, considerando os princípios da primazia do julgamento de mérito e da regularidade da representação processual. III. Razões de decidir 3. A exigência de procuração específica e individualizada fundamentou-se na identificação de indícios significativos de litigância predatória, caracterizada pela apresentação de procuração idêntica à utilizada em outros processos, sem qualquer menção específica ou individualização que a vincule inequivocamente à presente demanda. 4. O patrono subscritor figura como representante em mais de trezentas ações judiciais, majoritariamente voltadas contra instituições financeiras, configurando proliferação de demandas praticamente idênticas com características de massificação, padronização e fragmentação, enquadrando-se nos indicativos de litigância abusiva elencados no Anexo A da Recomendação CNJ n. 159/2024. 5. A medida judicial encontra respaldo no poder geral de cautela previsto no art. 139, III, do CPC, que confere ao magistrado o poder-dever de prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça, sendo legitimada como medida preventiva conforme o Anexo B da Recomendação CNJ n. 159/2024 e o Tema Repetitivo nº 1198 do STJ. 6. A primazia do julgamento de mérito não pode ser invocada para legitimar condutas contrárias à boa-fé processual ou para validar ações caracterizadas por indícios de litigância predatória, sob pena de comprometimento da própria finalidade do processo como instrumento de realização da justiça. 7. A inércia da parte autora em atender à determinação judicial de emenda à inicial impediu o exame do mérito, não por rigorismo formal, mas por fundada preocupação com a garantia de regularidade da representação e prevenção da litigância abusiva. IV. Dispositivo e tese 8. Recurso de apelação desprovido. Tese de julgamento: "Diante de indícios de litigância predatória, caracterizada pela massificação de demandas com características padronizadas e uso de procurações genéricas, é legítima a exigência judicial de procuração específica e individualizada como medida preventiva fundada no poder geral de cautela, não configurando rigorismo formal incompatível com o princípio da primazia do julgamento de mérito." Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 139, III, 320, 321, parágrafo único, e 485, IV; CC, art. 654; Recomendação CNJ n. 159/2024, arts. 1º, Anexos A e B. Jurisprudência relevante citada: STJ, Tema Repetitivo nº 1198; TJMT, AC 1001900-28.2024.8.11.0050, Rel. Des. Sebastião de Arruda Almeida, 5ª Câmara de Direito Privado, j. 09/04/2025. R E L A T Ó R I O EXMO. DES. LUIZ OCTÁVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de apelação apresentado por ADILZA VITORINA DA SILVA contra sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara da Comarca de Barra do Bugres/MT, nos autos ação declaratória de inexistência de contrato financeiro c/c pagamento de indébito e indenização por danos morais movida em desfavor de BANCO DAYCOVAL S/A, que extinguiu o processo sem resolução do mérito, sob o fundamento de irregularidade na representação processual. Alega a recorrente que ajuizou a ação em face da instituição bancária ora apelada, visando declarar a inexistência de contrato supostamente firmado, o qual resultou em descontos mensais em seu benefício previdenciário, sem sua anuência. Requereu, ademais, a devolução em dobro dos valores descontados indevidamente e a condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos morais. Narra que a após despacho do juízo singular determinando a regularização da representação processual, a parte autora protocolou, conforme ID 191106293, nova procuração assinada a próprio punho pela demandante. Não obstante o cumprimento da determinação, a sentença de primeiro grau extinguiu o processo sem resolução de mérito, alegando que o documento apresentado seria inválido para fins de comprovação da capacidade postulatória. A Apelante sustenta que: “A procuração juntada no ID 191106293 outorga de poderes ao patrono, não precisando conter informações de contra quem a possível demanda será ajuizada, devendo conter obrigatoriamente, assinatura do outorgante, indicação do lugar, qualificação do outorgante e do outorgado, data e objetivo dos poderes conferidos.” Acrescenta ainda que o instrumento de mandato preenchia os requisitos exigidos no artigo 654 do Código Civil, sendo, portanto, plenamente válido. Invoca a aplicação dos §§ 1º e 2º do referido artigo, afirmando que todos os elementos legais estavam presentes no documento apresentado, não havendo fundamento jurídico que justificasse o indeferimento da peça e a extinção da demanda. Por fim, requer que seja reformada a sentença, com o reconhecimento da validade da representação processual e o consequente prosseguimento regular do feito, com a análise do mérito da demanda originalmente proposta. Isenção do preparo, id. 290592859. Sem contrarrazões. É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMO. DES. LUIZ OCTÁVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Egrégia Câmara: Conforme o explicitado, cuida-se de recurso de apelação apresentado por ADILZA VITORINA DA SILVA contra sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara da Comarca de Barra do Bugres/MT, nos autos ação declaratória de inexistência de contrato financeiro c/c pagamento de indébito e indenização por danos morais movida em desfavor de BANCO DAYCOVAL S/A, que extinguiu o processo sem resolução do mérito, sob o fundamento de irregularidade na representação processual. O recurso merece ser conhecido, pois presentes os pressupostos de admissibilidade. A controvérsia central do presente recurso consiste em verificar se a r. sentença proferida pelo Juízo de primeiro grau, que indeferiu a petição inicial ante o não atendimento de determinação judicial para apresentação de procuração específica e individualizada, merece reforma. O Código de Processo Civil estabelece explicitamente em seus artigos 320 e 321 que a petição inicial deve ser instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação e que, caso não preencha os requisitos legais ou apresente defeitos, o juiz determinará que o autor a emende ou complete em prazo fixado, sob pena de indeferimento. No caso em análise, o magistrado de primeiro grau, com o devido zelo e resguardo do interesse da própria jurisdicionada, determinou emenda à petição inicial para que fosse apresentada procuração específica e individualizada. Tal exigência não foi atendida a contento, ensejando o indeferimento da petição inicial e a extinção do processo sem resolução do mérito, com fulcro no artigo 485, IV, do CPC. É importante destacar que a decisão do magistrado não se baseou meramente no aspecto formal da ausência de uma procuração nos moldes tradicionais. O que se verificou foi a existência de indícios significativos de litigância predatória por parte do patrono subscritor da inicial. Consoante se depreende dos elementos constantes dos autos, verifica-se que a procuração acostada ao feito revela-se idêntica àquela anteriormente apresentada nos autos do processo de nº 1001033-30.2025.8.11.0008, inexistindo qualquer menção específica ou individualização que a vincule, de modo inequívoco, à presente demanda. Tal constatação, por si só, já suscita relevante questionamento quanto à regularidade formal da representação processual. Outrossim, ao proceder-se à consulta nos registros do sistema do Processo Judicial Eletrônico (PJe), constatou-se que o causídico subscritor da exordial figura como patrono em mais de trezentas ações judiciais, a maioria das quais voltadas exclusivamente contra instituições financeiras. Esse dado, não despido de significado, impõe a este Juízo um olhar mais acurado e criterioso acerca da higidez, da boa-fé processual e do eventual caráter predatório do ajuizamento reiterado de demandas com semelhante objeto e estrutura. Essa proliferação de demandas praticamente idênticas, com características de massificação, padronização e fragmentação, encontra-se precisamente enquadrada nos indicativos de litigância abusiva elencados no Anexo A da Recomendação n. 159 de 23 de outubro de 2024 do Conselho Nacional de Justiça. A referida recomendação define a litigância abusiva como "o desvio ou manifesto excesso dos limites impostos pela finalidade social, jurídica, política e/ou econômica do direito de acesso ao Poder Judiciário, inclusive no polo passivo, comprometendo a capacidade de prestação jurisdicional e o acesso à Justiça" (art. 1º). Dentre as condutas processuais potencialmente abusivas listadas no Anexo A da Recomendação, identifico claramente nos autos as seguintes: Distribuição de ações judiciais semelhantes, com petições iniciais que apresentam informações genéricas e causas de pedir idênticas, frequentemente diferenciadas apenas pelos dados pessoais das partes envolvidas, sem a devida particularização dos fatos do caso concreto (item 7); Concentração de grande volume de demandas sob o patrocínio de poucos(as) profissionais, cuja sede de atuação, por vezes, não coincide com a da comarca ou da subseção em que ajuizadas, ou com o domicílio de qualquer das partes (item 13). Tais circunstâncias justificam plenamente o exercício do poder geral de cautela pelo magistrado, conforme previsto no art. 139, III, do CPC, que lhe confere o poder-dever de "prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias". A exigência de procuração pública encontra-se legitimada como medida preventiva diante dos indícios de litigância abusiva. O Anexo B da Recomendação CNJ n. 159/2024 prevê expressamente entre as medidas judiciais a serem adotadas diante de casos concretos de litigância abusiva: Notificação para apresentação de documentos originais, regularmente assinados ou para renovação de documentos indispensáveis à propositura da ação, sempre que houver dúvida fundada sobre a autenticidade, validade ou contemporaneidade daqueles apresentados no processo (item 9). Ademais, no julgamento do Tema Repetitivo nº 1198, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu expressamente a "possibilidade de o juiz, vislumbrando a ocorrência de litigância predatória, exigir que a parte autora emende a petição inicial com apresentação de documentos capazes de lastrear minimamente as pretensões deduzidas em juízo, como procuração atualizada, declaração de pobreza e de residência, cópias do contrato e dos extratos bancários.". De igual modo, em recente decisão desta colenda Quinta Câmara de Direito Privado, por unanimidade, aplicou o mesmo entendimento: “DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. INDÍCIOS DE LITIGÂNCIA PREDATÓRIA. OFÍCIO DA CORREGEDORIA PARA ADOÇÃO DE PROVIDÊNCIAS CABÍVEIS PELOS JULGADORES. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso Em Exame Recurso de Apelação cível interposto contra sentença que indeferiu a petição inicial da ação revisional de contrato bancário, ante ausência de procuração pública, considerando os indícios de litigância predatória pelos patronos da parte autora. II. Questão Em Discussão Há duas questões em discussão: (i) avaliar a necessidade de procuração pública ante os indícios de litigância predatória e o impacto no prosseguimento da demanda; (ii) analisar os efeitos do ofício da Corregedoria de Justiça que autorizou os julgadores a adotarem providências cabíveis para reconhecer a legitimidade da ação proposta. III. Razões De Decidir 1. A Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, após monitoramento das demandas ajuizadas pelos patronos, detectou indícios de uso predatório do sistema judicial, especialmente pelo grande volume de processos distribuídos, com argumentos e fatos genéricos. 2. Diante dessa constatação, a Corregedoria encaminhou ofício autorizando os julgadores a adotarem, no âmbito de suas competências, providências para reconhecer a legitimidade da ação proposta. 3. A sentença recorrida indeferiu a petição inicial, após oportunizar aos patronos a apresentação de procuração pública, em consonância com o ofício da Corregedoria, verificando indícios de litigância predatória pelos advogados subscritores da inicial. 4. Restou demonstrado nos autos o elevado número de demandas patrocinadas pelos advogados, com argumentos genéricos, reforçando os indícios de atuação inadequada. 5. O indeferimento da petição inicial ante a não apresentação da procuração pública se justifica como medida de prevenção ao uso abusivo do Poder Judiciário e à garantia da segurança jurídica. IV. Dispositivo e Tese Recurso desprovido. Tese de julgamento: Considerando indícios de litigância predatória, o indeferimento da petição inicial ante a não juntada de procuração pública encontra respaldo no poder geral de cautela do juízo, visando prevenir o uso abusivo do sistema judicial e garantir a segurança jurídica. (...).” (TJMT, 1001900-28.2024.8.11.0050, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 09/04/2025, Publicado no DJE 14/04/2025 - destaquei). Na referida decisão, consignou-se com precisão que "O poder geral de cautela conferido ao julgador encontra respaldo no artigo 139, III, do Código de Processo Civil, que autoriza o juiz a prevenir ou reprimir atos contrários à dignidade da justiça, sendo que o indeferimento da inicial com a consequente extinção do feito, está expressamente previsto nos artigos 321, parágrafo único, e 485, IV, do Código de Ritos, como meio de reprimir as condutas tidas como inadequadas". Por fim, embora o sistema processual civil brasileiro seja orientado pelo princípio da primazia da resolução de mérito, tal diretriz encontra limites na necessidade de observância da regularidade formal do processo e na coibição de práticas abusivas. A primazia do mérito não pode ser invocada para legitimar condutas contrárias à boa-fé processual ou para validar ações caracterizadas por indícios de litigância predatória, sob pena de comprometimento da própria finalidade do processo como instrumento de realização da justiça. No caso em análise, a inércia da parte autora em atender à determinação judicial de emenda à inicial, providenciando procuração específica e individualizada, impediu o próprio exame do mérito, não por rigorismo formal, mas por fundada preocupação com a garantia de regularidade da representação e com a prevenção da litigância abusiva. O argumento da recorrente de que a procuração atenderia aos requisitos do art. 654 do Código Civil não se sustenta, pois a exigência do magistrado de primeiro grau não se limitou aos requisitos formais básicos da procuração, mas à necessidade de uma individualização específica do mandato para cada ação proposta, como forma de coibir a litigância predatória. Portanto, a sentença encontra amparo nos autos e na legislação processual civil, não havendo falar em violação ao princípio da primazia do julgamento de mérito, visto que o mérito não pôde ser apreciado justamente em razão da inércia do requerente em atender a determinação de emenda à inicial. Por derradeiro, diante da manutenção do decisum e das circunstâncias que permeiam a presente demanda, reputo imprescindível a remessa de cópia integral dos autos à elevada instância do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de Mato Grosso (OAB/MT), para que tome ciência dos fatos aqui delineados e adote, se assim entender, as medidas que julgar cabíveis no exercício de sua competência disciplinar. Outrossim, determine-se o envio de cópia integral destes autos ao Ministério Público, nos moldes do disposto no artigo 40 do Código de Processo Penal, notadamente ante indícios de eventual captação indevida de clientela, de sorte a permitir a apuração aprofundada e a elucidação das condutas aqui ventiladas, no âmbito de sua atribuição constitucional. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação, mantendo inalterada a sentença recorrida. Determino a remessa de cópia integral dos autos ao Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/MT, para ciência e eventuais providências no âmbito de sua competência, bem como ao Ministério Público, nos termos do art. 40 do Código de Processo Penal, em razão de indícios de possível captação indevida de clientela. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 17/06/2025

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Processo nº 1001034-15.2025.8.11.0008

ID: 306711124

Tribunal: TJMT Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1001034-15.2025.8.11.0008

Data de Disponibilização: 25/06/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

BANCO DAYCOVAL S/A

Acórdão

Advogados:

DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1001034-15.2025.8.11.0008 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral] Relator: Des(a). LUI… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1001034-15.2025.8.11.0008 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral] Relator: Des(a). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Turma Julgadora: [DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [ADILZA VITORINA DA SILVA - CPF: 892.007.481-04 (APELANTE), FELIPE LUIZ ALENCAR VILAROUCA - CPF: 040.152.831-63 (ADVOGADO), BANCO DAYCOVAL S/A - CNPJ: 62.232.889/0001-90 (APELADO), DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA - CPF: 568.962.041-68 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE CONTRATO FINANCEIRO. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. IRREGULARIDADE NA REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. INDÍCIOS DE LITIGÂNCIA PREDATÓRIA. EXIGÊNCIA DE PROCURAÇÃO ESPECÍFICA E INDIVIDUALIZADA. PODER GERAL DE CAUTELA. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Recurso de apelação interposto por ADILZA VITORINA DA SILVA contra sentença que extinguiu o processo sem resolução do mérito, sob o fundamento de irregularidade na representação processual, nos autos de ação declaratória de inexistência de contrato financeiro cumulada com pedido de pagamento de indébito e indenização por danos morais movida em desfavor do BANCO DAYCOVAL S/A. O magistrado de primeiro grau determinou emenda à inicial para apresentação de procuração específica e individualizada, medida não atendida pela parte autora. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em verificar se a sentença que indeferiu a petição inicial ante o não atendimento de determinação judicial para apresentação de procuração específica e individualizada, diante de indícios de litigância predatória, merece reforma, considerando os princípios da primazia do julgamento de mérito e da regularidade da representação processual. III. Razões de decidir 3. A exigência de procuração específica e individualizada fundamentou-se na identificação de indícios significativos de litigância predatória, caracterizada pela apresentação de procuração idêntica à utilizada em outros processos, sem qualquer menção específica ou individualização que a vincule inequivocamente à presente demanda. 4. O patrono subscritor figura como representante em mais de trezentas ações judiciais, majoritariamente voltadas contra instituições financeiras, configurando proliferação de demandas praticamente idênticas com características de massificação, padronização e fragmentação, enquadrando-se nos indicativos de litigância abusiva elencados no Anexo A da Recomendação CNJ n. 159/2024. 5. A medida judicial encontra respaldo no poder geral de cautela previsto no art. 139, III, do CPC, que confere ao magistrado o poder-dever de prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça, sendo legitimada como medida preventiva conforme o Anexo B da Recomendação CNJ n. 159/2024 e o Tema Repetitivo nº 1198 do STJ. 6. A primazia do julgamento de mérito não pode ser invocada para legitimar condutas contrárias à boa-fé processual ou para validar ações caracterizadas por indícios de litigância predatória, sob pena de comprometimento da própria finalidade do processo como instrumento de realização da justiça. 7. A inércia da parte autora em atender à determinação judicial de emenda à inicial impediu o exame do mérito, não por rigorismo formal, mas por fundada preocupação com a garantia de regularidade da representação e prevenção da litigância abusiva. IV. Dispositivo e tese 8. Recurso de apelação desprovido. Tese de julgamento: "Diante de indícios de litigância predatória, caracterizada pela massificação de demandas com características padronizadas e uso de procurações genéricas, é legítima a exigência judicial de procuração específica e individualizada como medida preventiva fundada no poder geral de cautela, não configurando rigorismo formal incompatível com o princípio da primazia do julgamento de mérito." Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 139, III, 320, 321, parágrafo único, e 485, IV; CC, art. 654; Recomendação CNJ n. 159/2024, arts. 1º, Anexos A e B. Jurisprudência relevante citada: STJ, Tema Repetitivo nº 1198; TJMT, AC 1001900-28.2024.8.11.0050, Rel. Des. Sebastião de Arruda Almeida, 5ª Câmara de Direito Privado, j. 09/04/2025. R E L A T Ó R I O EXMO. DES. LUIZ OCTÁVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de apelação apresentado por ADILZA VITORINA DA SILVA contra sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara da Comarca de Barra do Bugres/MT, nos autos ação declaratória de inexistência de contrato financeiro c/c pagamento de indébito e indenização por danos morais movida em desfavor de BANCO DAYCOVAL S/A, que extinguiu o processo sem resolução do mérito, sob o fundamento de irregularidade na representação processual. Alega a recorrente que ajuizou a ação em face da instituição bancária ora apelada, visando declarar a inexistência de contrato supostamente firmado, o qual resultou em descontos mensais em seu benefício previdenciário, sem sua anuência. Requereu, ademais, a devolução em dobro dos valores descontados indevidamente e a condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos morais. Narra que a após despacho do juízo singular determinando a regularização da representação processual, a parte autora protocolou, conforme ID 191106293, nova procuração assinada a próprio punho pela demandante. Não obstante o cumprimento da determinação, a sentença de primeiro grau extinguiu o processo sem resolução de mérito, alegando que o documento apresentado seria inválido para fins de comprovação da capacidade postulatória. A Apelante sustenta que: “A procuração juntada no ID 191106293 outorga de poderes ao patrono, não precisando conter informações de contra quem a possível demanda será ajuizada, devendo conter obrigatoriamente, assinatura do outorgante, indicação do lugar, qualificação do outorgante e do outorgado, data e objetivo dos poderes conferidos.” Acrescenta ainda que o instrumento de mandato preenchia os requisitos exigidos no artigo 654 do Código Civil, sendo, portanto, plenamente válido. Invoca a aplicação dos §§ 1º e 2º do referido artigo, afirmando que todos os elementos legais estavam presentes no documento apresentado, não havendo fundamento jurídico que justificasse o indeferimento da peça e a extinção da demanda. Por fim, requer que seja reformada a sentença, com o reconhecimento da validade da representação processual e o consequente prosseguimento regular do feito, com a análise do mérito da demanda originalmente proposta. Isenção do preparo, id. 290592859. Sem contrarrazões. É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMO. DES. LUIZ OCTÁVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Egrégia Câmara: Conforme o explicitado, cuida-se de recurso de apelação apresentado por ADILZA VITORINA DA SILVA contra sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara da Comarca de Barra do Bugres/MT, nos autos ação declaratória de inexistência de contrato financeiro c/c pagamento de indébito e indenização por danos morais movida em desfavor de BANCO DAYCOVAL S/A, que extinguiu o processo sem resolução do mérito, sob o fundamento de irregularidade na representação processual. O recurso merece ser conhecido, pois presentes os pressupostos de admissibilidade. A controvérsia central do presente recurso consiste em verificar se a r. sentença proferida pelo Juízo de primeiro grau, que indeferiu a petição inicial ante o não atendimento de determinação judicial para apresentação de procuração específica e individualizada, merece reforma. O Código de Processo Civil estabelece explicitamente em seus artigos 320 e 321 que a petição inicial deve ser instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação e que, caso não preencha os requisitos legais ou apresente defeitos, o juiz determinará que o autor a emende ou complete em prazo fixado, sob pena de indeferimento. No caso em análise, o magistrado de primeiro grau, com o devido zelo e resguardo do interesse da própria jurisdicionada, determinou emenda à petição inicial para que fosse apresentada procuração específica e individualizada. Tal exigência não foi atendida a contento, ensejando o indeferimento da petição inicial e a extinção do processo sem resolução do mérito, com fulcro no artigo 485, IV, do CPC. É importante destacar que a decisão do magistrado não se baseou meramente no aspecto formal da ausência de uma procuração nos moldes tradicionais. O que se verificou foi a existência de indícios significativos de litigância predatória por parte do patrono subscritor da inicial. Consoante se depreende dos elementos constantes dos autos, verifica-se que a procuração acostada ao feito revela-se idêntica àquela anteriormente apresentada nos autos do processo de nº 1001033-30.2025.8.11.0008, inexistindo qualquer menção específica ou individualização que a vincule, de modo inequívoco, à presente demanda. Tal constatação, por si só, já suscita relevante questionamento quanto à regularidade formal da representação processual. Outrossim, ao proceder-se à consulta nos registros do sistema do Processo Judicial Eletrônico (PJe), constatou-se que o causídico subscritor da exordial figura como patrono em mais de trezentas ações judiciais, a maioria das quais voltadas exclusivamente contra instituições financeiras. Esse dado, não despido de significado, impõe a este Juízo um olhar mais acurado e criterioso acerca da higidez, da boa-fé processual e do eventual caráter predatório do ajuizamento reiterado de demandas com semelhante objeto e estrutura. Essa proliferação de demandas praticamente idênticas, com características de massificação, padronização e fragmentação, encontra-se precisamente enquadrada nos indicativos de litigância abusiva elencados no Anexo A da Recomendação n. 159 de 23 de outubro de 2024 do Conselho Nacional de Justiça. A referida recomendação define a litigância abusiva como "o desvio ou manifesto excesso dos limites impostos pela finalidade social, jurídica, política e/ou econômica do direito de acesso ao Poder Judiciário, inclusive no polo passivo, comprometendo a capacidade de prestação jurisdicional e o acesso à Justiça" (art. 1º). Dentre as condutas processuais potencialmente abusivas listadas no Anexo A da Recomendação, identifico claramente nos autos as seguintes: Distribuição de ações judiciais semelhantes, com petições iniciais que apresentam informações genéricas e causas de pedir idênticas, frequentemente diferenciadas apenas pelos dados pessoais das partes envolvidas, sem a devida particularização dos fatos do caso concreto (item 7); Concentração de grande volume de demandas sob o patrocínio de poucos(as) profissionais, cuja sede de atuação, por vezes, não coincide com a da comarca ou da subseção em que ajuizadas, ou com o domicílio de qualquer das partes (item 13). Tais circunstâncias justificam plenamente o exercício do poder geral de cautela pelo magistrado, conforme previsto no art. 139, III, do CPC, que lhe confere o poder-dever de "prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias". A exigência de procuração pública encontra-se legitimada como medida preventiva diante dos indícios de litigância abusiva. O Anexo B da Recomendação CNJ n. 159/2024 prevê expressamente entre as medidas judiciais a serem adotadas diante de casos concretos de litigância abusiva: Notificação para apresentação de documentos originais, regularmente assinados ou para renovação de documentos indispensáveis à propositura da ação, sempre que houver dúvida fundada sobre a autenticidade, validade ou contemporaneidade daqueles apresentados no processo (item 9). Ademais, no julgamento do Tema Repetitivo nº 1198, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu expressamente a "possibilidade de o juiz, vislumbrando a ocorrência de litigância predatória, exigir que a parte autora emende a petição inicial com apresentação de documentos capazes de lastrear minimamente as pretensões deduzidas em juízo, como procuração atualizada, declaração de pobreza e de residência, cópias do contrato e dos extratos bancários.". De igual modo, em recente decisão desta colenda Quinta Câmara de Direito Privado, por unanimidade, aplicou o mesmo entendimento: “DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. INDÍCIOS DE LITIGÂNCIA PREDATÓRIA. OFÍCIO DA CORREGEDORIA PARA ADOÇÃO DE PROVIDÊNCIAS CABÍVEIS PELOS JULGADORES. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso Em Exame Recurso de Apelação cível interposto contra sentença que indeferiu a petição inicial da ação revisional de contrato bancário, ante ausência de procuração pública, considerando os indícios de litigância predatória pelos patronos da parte autora. II. Questão Em Discussão Há duas questões em discussão: (i) avaliar a necessidade de procuração pública ante os indícios de litigância predatória e o impacto no prosseguimento da demanda; (ii) analisar os efeitos do ofício da Corregedoria de Justiça que autorizou os julgadores a adotarem providências cabíveis para reconhecer a legitimidade da ação proposta. III. Razões De Decidir 1. A Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, após monitoramento das demandas ajuizadas pelos patronos, detectou indícios de uso predatório do sistema judicial, especialmente pelo grande volume de processos distribuídos, com argumentos e fatos genéricos. 2. Diante dessa constatação, a Corregedoria encaminhou ofício autorizando os julgadores a adotarem, no âmbito de suas competências, providências para reconhecer a legitimidade da ação proposta. 3. A sentença recorrida indeferiu a petição inicial, após oportunizar aos patronos a apresentação de procuração pública, em consonância com o ofício da Corregedoria, verificando indícios de litigância predatória pelos advogados subscritores da inicial. 4. Restou demonstrado nos autos o elevado número de demandas patrocinadas pelos advogados, com argumentos genéricos, reforçando os indícios de atuação inadequada. 5. O indeferimento da petição inicial ante a não apresentação da procuração pública se justifica como medida de prevenção ao uso abusivo do Poder Judiciário e à garantia da segurança jurídica. IV. Dispositivo e Tese Recurso desprovido. Tese de julgamento: Considerando indícios de litigância predatória, o indeferimento da petição inicial ante a não juntada de procuração pública encontra respaldo no poder geral de cautela do juízo, visando prevenir o uso abusivo do sistema judicial e garantir a segurança jurídica. (...).” (TJMT, 1001900-28.2024.8.11.0050, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 09/04/2025, Publicado no DJE 14/04/2025 - destaquei). Na referida decisão, consignou-se com precisão que "O poder geral de cautela conferido ao julgador encontra respaldo no artigo 139, III, do Código de Processo Civil, que autoriza o juiz a prevenir ou reprimir atos contrários à dignidade da justiça, sendo que o indeferimento da inicial com a consequente extinção do feito, está expressamente previsto nos artigos 321, parágrafo único, e 485, IV, do Código de Ritos, como meio de reprimir as condutas tidas como inadequadas". Por fim, embora o sistema processual civil brasileiro seja orientado pelo princípio da primazia da resolução de mérito, tal diretriz encontra limites na necessidade de observância da regularidade formal do processo e na coibição de práticas abusivas. A primazia do mérito não pode ser invocada para legitimar condutas contrárias à boa-fé processual ou para validar ações caracterizadas por indícios de litigância predatória, sob pena de comprometimento da própria finalidade do processo como instrumento de realização da justiça. No caso em análise, a inércia da parte autora em atender à determinação judicial de emenda à inicial, providenciando procuração específica e individualizada, impediu o próprio exame do mérito, não por rigorismo formal, mas por fundada preocupação com a garantia de regularidade da representação e com a prevenção da litigância abusiva. O argumento da recorrente de que a procuração atenderia aos requisitos do art. 654 do Código Civil não se sustenta, pois a exigência do magistrado de primeiro grau não se limitou aos requisitos formais básicos da procuração, mas à necessidade de uma individualização específica do mandato para cada ação proposta, como forma de coibir a litigância predatória. Portanto, a sentença encontra amparo nos autos e na legislação processual civil, não havendo falar em violação ao princípio da primazia do julgamento de mérito, visto que o mérito não pôde ser apreciado justamente em razão da inércia do requerente em atender a determinação de emenda à inicial. Por derradeiro, diante da manutenção do decisum e das circunstâncias que permeiam a presente demanda, reputo imprescindível a remessa de cópia integral dos autos à elevada instância do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de Mato Grosso (OAB/MT), para que tome ciência dos fatos aqui delineados e adote, se assim entender, as medidas que julgar cabíveis no exercício de sua competência disciplinar. Outrossim, determine-se o envio de cópia integral destes autos ao Ministério Público, nos moldes do disposto no artigo 40 do Código de Processo Penal, notadamente ante indícios de eventual captação indevida de clientela, de sorte a permitir a apuração aprofundada e a elucidação das condutas aqui ventiladas, no âmbito de sua atribuição constitucional. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação, mantendo inalterada a sentença recorrida. Determino a remessa de cópia integral dos autos ao Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/MT, para ciência e eventuais providências no âmbito de sua competência, bem como ao Ministério Público, nos termos do art. 40 do Código de Processo Penal, em razão de indícios de possível captação indevida de clientela. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 17/06/2025

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Brf S.A. e outros x Brf S.A. e outros

ID: 299775469

Tribunal: TJMT Órgão: Quarta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1004800-41.2022.8.11.0086

Data de Disponibilização: 16/06/2025

Polo Ativo:

BRF S.A. KELIANE DA COSTA CARVALHO

Polo Passivo:

BRF S.A. KELIANE DA COSTA CARVALHO

Acórdão

Advogados:

RUBENS AMARAL BERGAMINI

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VICTOR SINICIATO KATAYAMA

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MARCELO KASSAWARA

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PEDRO BARROS FREITAS DE OLIVEIRA

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1004800-41.2022.8.11.0086 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Tratamento médico-ho… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1004800-41.2022.8.11.0086 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Tratamento médico-hospitalar] Relator: Des(a). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO Turma Julgadora: [DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, DES(A). ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, DES(A). SERLY MARCONDES ALVES] Parte(s): [KELIANE DA COSTA CARVALHO - CPF: 708.452.041-49 (APELANTE), PEDRO BARROS FREITAS DE OLIVEIRA - CPF: 384.312.348-90 (ADVOGADO), VICTOR SINICIATO KATAYAMA - CPF: 368.966.558-28 (ADVOGADO), BRF S.A. - CNPJ: 01.838.723/0001-27 (APELADO), MARCELO KASSAWARA - CPF: 093.938.888-09 (ADVOGADO), RUBENS AMARAL BERGAMINI - CPF: 302.112.188-80 (ADVOGADO), KELIANE DA COSTA CARVALHO - CPF: 708.452.041-49 (APELADO), VICTOR SINICIATO KATAYAMA - CPF: 368.966.558-28 (ADVOGADO), PEDRO BARROS FREITAS DE OLIVEIRA - CPF: 384.312.348-90 (ADVOGADO), BRF S.A. - CNPJ: 01.838.723/0001-27 (APELANTE), MARCELO KASSAWARA - CPF: 093.938.888-09 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: NAO PROVIDO, UNANIME E M E N T A DIREITO CIVIL E DIREITO À SAÚDE. APELAÇÕES. PLANO DE SAÚDE NA MODALIDADE DE AUTOGESTÃO. MAMOPLASTIA REDUTORA PARA CORREÇÃO DE HIPERTROFIA MAMÁRIA. PROCEDIMENTO DE CARÁTER CORRETIVO E FUNCIONAL. ROL DA ANS COMO REFERÊNCIA BÁSICA. COBERTURA OBRIGATÓRIA. DANOS MORAIS AFASTADOS. RECURSO DA AUTORA NÃO PROVIDO E RECURSO DA RÉ PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME Apelações interpostas em Ação de Obrigação de Fazer cumulada com Pedido de Tutela Provisória de Urgência e Indenização por Danos Morais, julgada procedente para condenar a ré BRF S.A. a fornecer cirurgia de mamoplastia redutora prescrita por profissional médico da autora, bem como ao pagamento de R$ 5.000,00 a título de danos morais. A autora apelou requerendo a majoração da indenização moral. A ré apelou, alegando a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor por ser entidade de autogestão em saúde, ausência dos requisitos legais para cobertura do procedimento fora do rol da ANS e inexistência de danos morais indenizáveis. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (i) definir se é obrigatória a cobertura, por plano de autogestão, de cirurgia de mamoplastia redutora prescrita para fins terapêuticos, mesmo fora do rol da ANS; (ii) verificar se há direito à indenização por danos morais decorrente da recusa de cobertura. III. RAZÕES DE DECIDIR As normas do Código de Defesa do Consumidor não se aplicam aos contratos administrados por entidades de autogestão, conforme a Súmula 608 do STJ. A Lei nº 14.454/2022 alterou a Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/1998) para estabelecer que o rol da ANS constitui apenas referência básica, sendo obrigatória a cobertura de procedimentos não listados, desde que tenham eficácia comprovada por evidências científicas ou recomendação de órgãos técnicos reconhecidos. A mamoplastia redutora prescrita à autora tem comprovação científica quanto à eficácia terapêutica e é autorizada pelo SUS, sendo considerada reparadora e não meramente estética, conforme documentos médicos juntados aos autos e nota técnica favorável do NATJUS. O Superior Tribunal de Justiça já consolidou o entendimento de que, embora o rol da ANS seja taxativo em regra, admite-se sua flexibilização diante da indicação médica, desde que atendidos critérios técnicos. A recusa da ré, fundamentada em interpretação razoável da legislação e da jurisprudência anterior, não configura abalo moral indenizável, por não se tratar de conduta ilícita nem de violação a direitos de personalidade, inexistindo prova de sofrimento psíquico ou emocional extraordinário. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso da autora não provido. Recurso da ré parcialmente provido para afastar o dano moral. Tese de julgamento: Entidade de autogestão em saúde não se submete às normas do Código de Defesa do Consumidor, conforme Súmula 608 do STJ. A cirurgia de mamoplastia redutora, quando prescrita com finalidade terapêutica e com comprovação de eficácia científica, deve ser coberta pelo plano de saúde, ainda que não esteja no rol da ANS. A recusa justificada de cobertura contratual baseada em interpretação jurídica razoável não configura dano moral indenizável. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, V e X; Lei nº 9.656/1998, art. 10, § 12 e § 13; Lei nº 14.454/2022; Código Civil, arts. 421 e 422. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no REsp 1923495/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 14.03.2022; STJ, AgInt no REsp 1943968/SP, Rel. Min. Humberto Martins, j. 04.09.2023; STJ, Súmula 608; TJ-MT, Apelação Cível 1001033-10.2023.8.11.0005, Rel. Des. Guiomar Teodoro Borges, j. 19.06.2024. R E L A T Ó R I O Apelações em Ação de Obrigação de Fazer c/c Pedido de Tutela Provisória de Urgência e de Indenização por Danos Morais julgada procedente para condenar a requerida na obrigação de fazer consistente no fornecimento de cirurgia para correção e diminuição do tamanho das mamas da Autora, conforme prescrito pelo cirurgião em id. 95036996, pág. 3, bem como ao pagamento de R$ 5.000,00 de danos morais e ao pagamento das custas e honorários de 10% do proveito econômico. A apelante/autora se insurge do quantum indenizatório fixado. Aduz que a quantia fixada na sentença é insuficiente para alcançar a dupla finalidade da indenização por danos morais — tanto a compensatória quanto a pedagógica Pugna pela majoração dessa verba. A apelante/ré BRF S.A alega preliminarmente, a ausência de relação de consumo, sustentando que se trata de plano de saúde na modalidade de autogestão, e portanto, não se aplicam as normas do Código de Defesa do Consumidor. Aponta a inexistência dos requisitos legais estabelecidos pela Lei nº 14.454/2022, que alterou a Lei nº 9.656/1998, exigindo, para cobertura de procedimentos fora do rol da ANS: (i) comprovação de eficácia baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou (ii) recomendação por órgão de avaliação de tecnologias em saúde com renome internacional ou pela Conitec. Aduz que a autora limitou-se a apresentar prescrição médica sem a devida comprovação técnica ou científica exigida por lei. Argumenta que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), no Parecer Técnico nº 19/2019, manifestou-se contrariamente à cobertura obrigatória para o tipo de procedimento pleiteado, que não se enquadra entre os casos autorizados, como câncer de mama, risco genético ou lesões traumáticas mutilantes. Ressalta, ainda, que o NATJUS (Núcleo de Apoio Técnico do Judiciário) e a Nota Técnica 4694 também desaconselharam o procedimento, negando sua natureza emergencial ou imprescindível à saúde. Sustenta também que a imposição judicial da cobertura compromete o equilíbrio econômico-financeiro da assistência prestada de forma coletiva aos beneficiários do plano de saúde, especialmente considerando que se trata de plano de autogestão, sem fins lucrativos, direcionado a funcionários, ex-funcionários e seus dependentes. Destaca que decisões judiciais determinando o custeio de tratamentos sem respaldo técnico-científico resultam em oneração indevida da coletividade. Pontua que sua conduta seguiu os parâmetros legais e contratuais vigentes, agindo com boa-fé objetiva e sem praticar qualquer ato ilícito. Defende que não há nos autos prova de sofrimento psíquico ou emocional que caracterize dano moral indenizável, sendo o valor arbitrado de R$ 5.000,00 excessivo, caso mantida a condenação. Ao final, pede que seja dado provimento ao recurso, com a consequente extinção do processo sem resolução de mérito, ou, alternativamente, a improcedência dos pedidos ou a nulidade da sentença, além da atribuição integral dos ônus sucumbenciais à parte autora. Caso mantida qualquer condenação, requer redução do valor dos danos morais para R$ 2.000,00, por considerar o montante originalmente fixado desproporcional. Contrarrazões da autora no Id. 288953383 e da ré no Id. 288953384. É o relatório. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho Relator V O T O R E L A T O R Apelações em Ação de Obrigação de Fazer c/c Pedido de Tutela Provisória de Urgência e de Indenização por Danos Morais julgada procedente para condenar a requerida na obrigação de fazer consistente no fornecimento de cirurgia para correção e diminuição do tamanho das mamas da Autora, conforme prescrito pelo cirurgião em id. 95036996, pág. 3, bem como ao pagamento de R$ 5.000,00 de danos morais e ao pagamento das custas e honorários de 10% do proveito econômico. Inicialmente, deve-se reconhecer a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao caso em análise, nos termos da Súmula 608 do STJ. A apelante, BRF S.A, é uma entidade de autogestão em saúde, constituída sob a forma de sociedade civil sem fins lucrativos, destinada exclusivamente aos funcionários da BRF S.A e seus dependentes. Essa característica atrai a incidência da Súmula 608 do STJ, que dispõe: "Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão". Assim, a relação jurídica estabelecida entre as partes deve ser analisada à luz das normas do Código Civil e da Lei dos Planos de Saúde (Lei n° 9.656/98), sem a incidência das normas protetivas do CDC. Quanto ao mérito, a autora com 43 anos de idade (nascida em 29-01-1982) é beneficiária do plano de saúde da ré desde 24-01-2017. Ajuizou a Ação sob a alegação de que tem “TRANSTORNO DO DISCO CERVICAL COM RADICULOPATIA – CID M50.1, SÍNDROME DO MANGUITO PORTADOR – CID M75.1, SINOVITES e TENOSSINOVITES – CID.M65” em decorrência de gigantomastia bilateral. Diante disso, foi-lhe prescrito o procedimento cirúrgico para redução da mama para amenizar os impactos provocados na coluna, porém negada pela ré sob a justificativa de que não consta do Rol da ANS. Os experts que a acompanham destacaram a importância de intervenção cirúrgica do ponto de vista ortopédico (Id. 288951935). O STJ, no julgamento dos EREsp 1886929/SP e EREsp 1889704/SP, de relatoria do ministro Luís Felipe Salomão, decidiu que as operadoras de plano de saúde não estão obrigadas a financiar terapias não incluídas nos procedimentos da ANS, em razão da necessidade de preservar o equilíbrio atuarial e financeiro. Contudo acrescentou que essa orientação deve ser afastada em circunstâncias excepcionais, quando não houver substituto terapêutico ou quando esgotados os procedimentos do rol taxativo, desde que observados alguns requisitos. À despeito disso, em 21-09-2022 foi sancionada a Lei 14.454/2022,que altera a Lei nº 9.656/1998, que trata dos planos privados de assistência à saúde. Segundo a nova legislação, a relação de Procedimentos e Eventos em Saúde será apenas a “referência básica” para a cobertura dos planos de saúde e as operadoras estão obrigadas a custear os tratamentos ou procedimentos que não estejam previstos, desde que cumpram algumas condições. Confira-se: “Art. 1º Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à saúde, sem prejuízo do cumprimento da legislação específica que rege a sua atividade e, simultaneamente, das disposições da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), adotando-se, para fins de aplicação das normas aqui estabelecidas, as seguintes definições: (...) § 12. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, atualizado pela ANS a cada nova incorporação, constitui a referência básica para os planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 e para os contratos adaptados a esta Lei e fixa as diretrizes de atenção à saúde. § 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que: I - exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou II - existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.” Como visto, o guia da Agência Reguladora passa a ter definitivamente natureza meramente exemplificativa. E apesar da irretroatividade da lei, vale ressaltar que este entendimento já era adotado por esta Câmara, de modo que a legislação apenas o consolidou. Quanto ao tratamento pleiteado, a mamoplastia redutora para hipertrofia mamária tem comprovação científica e é autorizada pelo SUS sob o Nº 0410010073, inclusive tem Nota Técnica n. 311650 do Natjus elaborada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo favorável à realização do procedimento em caso semelhante. E o STJ já firmou o posicionamento de que “o plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de tratamento utilizado para a cura de cada uma delas” (AgRg no Ag 1350717/PA, DJe de 31/03/2011). Sobre a matéria: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PLANO DE SAÚDE. REALIZAÇÃO DE CIRURGIA. MAMOPLASTIA REDUTORA. MELHORA FUNCIONAL. NATUREZA ESTÉTICA. AUSÊNCIA. NEGATIVA DE COBERTURA. ANS. ROL EXEMPLIFICATIVO. INJUSTA RECUSA. DANOS MORAIS. COMPROVAÇÃO. REJULGAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS NºS 5 E 7/STJ. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. O rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) tem caráter meramente exemplificativo, sendo abusiva a negativa da cobertura, pelo plano de saúde, do tratamento considerado apropriado para resguardar a saúde e a vida do paciente. 3. Na hipótese, acolher a tese pleiteada pela agravante, no sentido de que não tem obrigação de custear o tratamento médico indicado, exigiria exceder os fundamentos do acórdão impugnado e adentrar no exame das provas e na relação contratual estabelecida, procedimentos vedados em recurso especial, a teor das Súmulas nºs 5 e 7/STJ. 4. Em regra, a recusa indevida pela operadora de plano de saúde de cobertura médico-assistencial gera dano moral, porquanto agrava o sofrimento psíquico do usuário, já combalido pelas condições precárias de saúde, não constituindo, portanto, mero dissabor, ínsito às hipóteses correntes de inadimplemento contratual. 5. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no REsp: 1923495 SP 2021/0051251-3, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 14/03/2022, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/03/2022) Por conseguinte, é dever da ré propiciar os procedimentos recomendados pelo médico. Quanto aos danos morais, a negativa indevida, por si só, não gera esse direito, e não se verifica, nesta demanda, os requisitos autorizadores, tendo em vista que não foi demonstrada violação à imagem, à intimidade ou à honra do autor (art. 5º, V e X, da CF/88). Nesse sentido: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. CIRURGIA PARA REDUÇÃO DE MAMAS. AUSÊNCIA DE PREVISÃO NO ROL DA ANS. RECUSA DE COBERTURA. DÚVIDA RAZOÁVEL NA INTERPRETAÇÃO DO CONTRATO. DANO MORAL . NÃO OCORRÊNCIA. 1. No caso, a recusa de cobertura do procedimento de redução de mamas, prescrito pelo médico, estava amparada em dúvida jurídica razoável sobre a interpretação do contrato (ausência de previsão no Rol da ANS), o que afasta a ocorrência de dano moral, na linha da jurisprudência desta Corte Superior. 2 . Alterar a conclusão adotada pela Corte de origem, para se concluir que a recusa de cobertura foi capaz de colocar em risco a integridade física e psíquica da agravante, demandaria reexame de provas, providência inviável no âmbito desta Corte Superior, em razão do óbice da Súmula n. 7/STJ.Agravo interno improvido. (STJ - AgInt no REsp: 1943968 SP 2021/0177355-0, Relator.: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 04/09/2023, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/09/2023) Desta Câmara: APELAÇÕES CÍVEIS – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – NEGATIVA DE COBERTURA PARA PROCEDIMENTO DE CIRURGIA DE MAMOPLASTIA REDUTORA – AUSÊNCIA DE PREVISÃO DE COBERTURA – ABUSIVIDADE – COBERTURA DEVIDA – DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL – DANO MORAL NÃO CONFIGURADO – SENTENÇA MANTIDA – RECURSOS DESPROVIDOS. Não é permitido ao plano de saúde se negar a cobrir as despesas com o tratamento de mamoplastia de natureza reparatória, mesmo que pautado em cláusula contratual, porquanto está se afigura abusiva. Os relatórios médicos atestam que não se trata de cirurgia eletiva para correção de estética e sim de cirurgia de caráter fundamental de natureza reparadora. A recusa de cobertura por parte da operadora do plano de saúde, por se tratar de divergência na interpretação de cláusula contratual, configura apenas o descumprimento contratual e, como tal, não enseja a reparação civil, porquanto se trata apenas de mero aborrecimento . (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 10010331020238110005, Relator.: GUIOMAR TEODORO BORGES, Data de Julgamento: 19/06/2024, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 22/06/2024) Por conseguinte, a autora não faz jus a essa reparação. Pelo exposto, nego provimento ao recurso da autora e dou parcial provimento ao da ré BRF S.A. ao Recurso para excluir a indenização por danos morais. Data da sessão: Cuiabá-MT, 11/06/2025

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Brf S.A. e outros x Brf S.A. e outros

ID: 299775470

Tribunal: TJMT Órgão: Quarta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1004800-41.2022.8.11.0086

Data de Disponibilização: 16/06/2025

Polo Ativo:

BRF S.A. KELIANE DA COSTA CARVALHO

Polo Passivo:

BRF S.A. KELIANE DA COSTA CARVALHO

Acórdão

Advogados:

RUBENS AMARAL BERGAMINI

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VICTOR SINICIATO KATAYAMA

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MARCELO KASSAWARA

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PEDRO BARROS FREITAS DE OLIVEIRA

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1004800-41.2022.8.11.0086 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Tratamento médico-ho… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1004800-41.2022.8.11.0086 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Tratamento médico-hospitalar] Relator: Des(a). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO Turma Julgadora: [DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, DES(A). ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, DES(A). SERLY MARCONDES ALVES] Parte(s): [KELIANE DA COSTA CARVALHO - CPF: 708.452.041-49 (APELANTE), PEDRO BARROS FREITAS DE OLIVEIRA - CPF: 384.312.348-90 (ADVOGADO), VICTOR SINICIATO KATAYAMA - CPF: 368.966.558-28 (ADVOGADO), BRF S.A. - CNPJ: 01.838.723/0001-27 (APELADO), MARCELO KASSAWARA - CPF: 093.938.888-09 (ADVOGADO), RUBENS AMARAL BERGAMINI - CPF: 302.112.188-80 (ADVOGADO), KELIANE DA COSTA CARVALHO - CPF: 708.452.041-49 (APELADO), VICTOR SINICIATO KATAYAMA - CPF: 368.966.558-28 (ADVOGADO), PEDRO BARROS FREITAS DE OLIVEIRA - CPF: 384.312.348-90 (ADVOGADO), BRF S.A. - CNPJ: 01.838.723/0001-27 (APELANTE), MARCELO KASSAWARA - CPF: 093.938.888-09 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: NAO PROVIDO, UNANIME E M E N T A DIREITO CIVIL E DIREITO À SAÚDE. APELAÇÕES. PLANO DE SAÚDE NA MODALIDADE DE AUTOGESTÃO. MAMOPLASTIA REDUTORA PARA CORREÇÃO DE HIPERTROFIA MAMÁRIA. PROCEDIMENTO DE CARÁTER CORRETIVO E FUNCIONAL. ROL DA ANS COMO REFERÊNCIA BÁSICA. COBERTURA OBRIGATÓRIA. DANOS MORAIS AFASTADOS. RECURSO DA AUTORA NÃO PROVIDO E RECURSO DA RÉ PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME Apelações interpostas em Ação de Obrigação de Fazer cumulada com Pedido de Tutela Provisória de Urgência e Indenização por Danos Morais, julgada procedente para condenar a ré BRF S.A. a fornecer cirurgia de mamoplastia redutora prescrita por profissional médico da autora, bem como ao pagamento de R$ 5.000,00 a título de danos morais. A autora apelou requerendo a majoração da indenização moral. A ré apelou, alegando a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor por ser entidade de autogestão em saúde, ausência dos requisitos legais para cobertura do procedimento fora do rol da ANS e inexistência de danos morais indenizáveis. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (i) definir se é obrigatória a cobertura, por plano de autogestão, de cirurgia de mamoplastia redutora prescrita para fins terapêuticos, mesmo fora do rol da ANS; (ii) verificar se há direito à indenização por danos morais decorrente da recusa de cobertura. III. RAZÕES DE DECIDIR As normas do Código de Defesa do Consumidor não se aplicam aos contratos administrados por entidades de autogestão, conforme a Súmula 608 do STJ. A Lei nº 14.454/2022 alterou a Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/1998) para estabelecer que o rol da ANS constitui apenas referência básica, sendo obrigatória a cobertura de procedimentos não listados, desde que tenham eficácia comprovada por evidências científicas ou recomendação de órgãos técnicos reconhecidos. A mamoplastia redutora prescrita à autora tem comprovação científica quanto à eficácia terapêutica e é autorizada pelo SUS, sendo considerada reparadora e não meramente estética, conforme documentos médicos juntados aos autos e nota técnica favorável do NATJUS. O Superior Tribunal de Justiça já consolidou o entendimento de que, embora o rol da ANS seja taxativo em regra, admite-se sua flexibilização diante da indicação médica, desde que atendidos critérios técnicos. A recusa da ré, fundamentada em interpretação razoável da legislação e da jurisprudência anterior, não configura abalo moral indenizável, por não se tratar de conduta ilícita nem de violação a direitos de personalidade, inexistindo prova de sofrimento psíquico ou emocional extraordinário. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso da autora não provido. Recurso da ré parcialmente provido para afastar o dano moral. Tese de julgamento: Entidade de autogestão em saúde não se submete às normas do Código de Defesa do Consumidor, conforme Súmula 608 do STJ. A cirurgia de mamoplastia redutora, quando prescrita com finalidade terapêutica e com comprovação de eficácia científica, deve ser coberta pelo plano de saúde, ainda que não esteja no rol da ANS. A recusa justificada de cobertura contratual baseada em interpretação jurídica razoável não configura dano moral indenizável. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, V e X; Lei nº 9.656/1998, art. 10, § 12 e § 13; Lei nº 14.454/2022; Código Civil, arts. 421 e 422. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no REsp 1923495/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 14.03.2022; STJ, AgInt no REsp 1943968/SP, Rel. Min. Humberto Martins, j. 04.09.2023; STJ, Súmula 608; TJ-MT, Apelação Cível 1001033-10.2023.8.11.0005, Rel. Des. Guiomar Teodoro Borges, j. 19.06.2024. R E L A T Ó R I O Apelações em Ação de Obrigação de Fazer c/c Pedido de Tutela Provisória de Urgência e de Indenização por Danos Morais julgada procedente para condenar a requerida na obrigação de fazer consistente no fornecimento de cirurgia para correção e diminuição do tamanho das mamas da Autora, conforme prescrito pelo cirurgião em id. 95036996, pág. 3, bem como ao pagamento de R$ 5.000,00 de danos morais e ao pagamento das custas e honorários de 10% do proveito econômico. A apelante/autora se insurge do quantum indenizatório fixado. Aduz que a quantia fixada na sentença é insuficiente para alcançar a dupla finalidade da indenização por danos morais — tanto a compensatória quanto a pedagógica Pugna pela majoração dessa verba. A apelante/ré BRF S.A alega preliminarmente, a ausência de relação de consumo, sustentando que se trata de plano de saúde na modalidade de autogestão, e portanto, não se aplicam as normas do Código de Defesa do Consumidor. Aponta a inexistência dos requisitos legais estabelecidos pela Lei nº 14.454/2022, que alterou a Lei nº 9.656/1998, exigindo, para cobertura de procedimentos fora do rol da ANS: (i) comprovação de eficácia baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou (ii) recomendação por órgão de avaliação de tecnologias em saúde com renome internacional ou pela Conitec. Aduz que a autora limitou-se a apresentar prescrição médica sem a devida comprovação técnica ou científica exigida por lei. Argumenta que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), no Parecer Técnico nº 19/2019, manifestou-se contrariamente à cobertura obrigatória para o tipo de procedimento pleiteado, que não se enquadra entre os casos autorizados, como câncer de mama, risco genético ou lesões traumáticas mutilantes. Ressalta, ainda, que o NATJUS (Núcleo de Apoio Técnico do Judiciário) e a Nota Técnica 4694 também desaconselharam o procedimento, negando sua natureza emergencial ou imprescindível à saúde. Sustenta também que a imposição judicial da cobertura compromete o equilíbrio econômico-financeiro da assistência prestada de forma coletiva aos beneficiários do plano de saúde, especialmente considerando que se trata de plano de autogestão, sem fins lucrativos, direcionado a funcionários, ex-funcionários e seus dependentes. Destaca que decisões judiciais determinando o custeio de tratamentos sem respaldo técnico-científico resultam em oneração indevida da coletividade. Pontua que sua conduta seguiu os parâmetros legais e contratuais vigentes, agindo com boa-fé objetiva e sem praticar qualquer ato ilícito. Defende que não há nos autos prova de sofrimento psíquico ou emocional que caracterize dano moral indenizável, sendo o valor arbitrado de R$ 5.000,00 excessivo, caso mantida a condenação. Ao final, pede que seja dado provimento ao recurso, com a consequente extinção do processo sem resolução de mérito, ou, alternativamente, a improcedência dos pedidos ou a nulidade da sentença, além da atribuição integral dos ônus sucumbenciais à parte autora. Caso mantida qualquer condenação, requer redução do valor dos danos morais para R$ 2.000,00, por considerar o montante originalmente fixado desproporcional. Contrarrazões da autora no Id. 288953383 e da ré no Id. 288953384. É o relatório. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho Relator V O T O R E L A T O R Apelações em Ação de Obrigação de Fazer c/c Pedido de Tutela Provisória de Urgência e de Indenização por Danos Morais julgada procedente para condenar a requerida na obrigação de fazer consistente no fornecimento de cirurgia para correção e diminuição do tamanho das mamas da Autora, conforme prescrito pelo cirurgião em id. 95036996, pág. 3, bem como ao pagamento de R$ 5.000,00 de danos morais e ao pagamento das custas e honorários de 10% do proveito econômico. Inicialmente, deve-se reconhecer a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao caso em análise, nos termos da Súmula 608 do STJ. A apelante, BRF S.A, é uma entidade de autogestão em saúde, constituída sob a forma de sociedade civil sem fins lucrativos, destinada exclusivamente aos funcionários da BRF S.A e seus dependentes. Essa característica atrai a incidência da Súmula 608 do STJ, que dispõe: "Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão". Assim, a relação jurídica estabelecida entre as partes deve ser analisada à luz das normas do Código Civil e da Lei dos Planos de Saúde (Lei n° 9.656/98), sem a incidência das normas protetivas do CDC. Quanto ao mérito, a autora com 43 anos de idade (nascida em 29-01-1982) é beneficiária do plano de saúde da ré desde 24-01-2017. Ajuizou a Ação sob a alegação de que tem “TRANSTORNO DO DISCO CERVICAL COM RADICULOPATIA – CID M50.1, SÍNDROME DO MANGUITO PORTADOR – CID M75.1, SINOVITES e TENOSSINOVITES – CID.M65” em decorrência de gigantomastia bilateral. Diante disso, foi-lhe prescrito o procedimento cirúrgico para redução da mama para amenizar os impactos provocados na coluna, porém negada pela ré sob a justificativa de que não consta do Rol da ANS. Os experts que a acompanham destacaram a importância de intervenção cirúrgica do ponto de vista ortopédico (Id. 288951935). O STJ, no julgamento dos EREsp 1886929/SP e EREsp 1889704/SP, de relatoria do ministro Luís Felipe Salomão, decidiu que as operadoras de plano de saúde não estão obrigadas a financiar terapias não incluídas nos procedimentos da ANS, em razão da necessidade de preservar o equilíbrio atuarial e financeiro. Contudo acrescentou que essa orientação deve ser afastada em circunstâncias excepcionais, quando não houver substituto terapêutico ou quando esgotados os procedimentos do rol taxativo, desde que observados alguns requisitos. À despeito disso, em 21-09-2022 foi sancionada a Lei 14.454/2022,que altera a Lei nº 9.656/1998, que trata dos planos privados de assistência à saúde. Segundo a nova legislação, a relação de Procedimentos e Eventos em Saúde será apenas a “referência básica” para a cobertura dos planos de saúde e as operadoras estão obrigadas a custear os tratamentos ou procedimentos que não estejam previstos, desde que cumpram algumas condições. Confira-se: “Art. 1º Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à saúde, sem prejuízo do cumprimento da legislação específica que rege a sua atividade e, simultaneamente, das disposições da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), adotando-se, para fins de aplicação das normas aqui estabelecidas, as seguintes definições: (...) § 12. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, atualizado pela ANS a cada nova incorporação, constitui a referência básica para os planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 e para os contratos adaptados a esta Lei e fixa as diretrizes de atenção à saúde. § 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que: I - exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou II - existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.” Como visto, o guia da Agência Reguladora passa a ter definitivamente natureza meramente exemplificativa. E apesar da irretroatividade da lei, vale ressaltar que este entendimento já era adotado por esta Câmara, de modo que a legislação apenas o consolidou. Quanto ao tratamento pleiteado, a mamoplastia redutora para hipertrofia mamária tem comprovação científica e é autorizada pelo SUS sob o Nº 0410010073, inclusive tem Nota Técnica n. 311650 do Natjus elaborada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo favorável à realização do procedimento em caso semelhante. E o STJ já firmou o posicionamento de que “o plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de tratamento utilizado para a cura de cada uma delas” (AgRg no Ag 1350717/PA, DJe de 31/03/2011). Sobre a matéria: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PLANO DE SAÚDE. REALIZAÇÃO DE CIRURGIA. MAMOPLASTIA REDUTORA. MELHORA FUNCIONAL. NATUREZA ESTÉTICA. AUSÊNCIA. NEGATIVA DE COBERTURA. ANS. ROL EXEMPLIFICATIVO. INJUSTA RECUSA. DANOS MORAIS. COMPROVAÇÃO. REJULGAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS NºS 5 E 7/STJ. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. O rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) tem caráter meramente exemplificativo, sendo abusiva a negativa da cobertura, pelo plano de saúde, do tratamento considerado apropriado para resguardar a saúde e a vida do paciente. 3. Na hipótese, acolher a tese pleiteada pela agravante, no sentido de que não tem obrigação de custear o tratamento médico indicado, exigiria exceder os fundamentos do acórdão impugnado e adentrar no exame das provas e na relação contratual estabelecida, procedimentos vedados em recurso especial, a teor das Súmulas nºs 5 e 7/STJ. 4. Em regra, a recusa indevida pela operadora de plano de saúde de cobertura médico-assistencial gera dano moral, porquanto agrava o sofrimento psíquico do usuário, já combalido pelas condições precárias de saúde, não constituindo, portanto, mero dissabor, ínsito às hipóteses correntes de inadimplemento contratual. 5. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no REsp: 1923495 SP 2021/0051251-3, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 14/03/2022, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/03/2022) Por conseguinte, é dever da ré propiciar os procedimentos recomendados pelo médico. Quanto aos danos morais, a negativa indevida, por si só, não gera esse direito, e não se verifica, nesta demanda, os requisitos autorizadores, tendo em vista que não foi demonstrada violação à imagem, à intimidade ou à honra do autor (art. 5º, V e X, da CF/88). Nesse sentido: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. CIRURGIA PARA REDUÇÃO DE MAMAS. AUSÊNCIA DE PREVISÃO NO ROL DA ANS. RECUSA DE COBERTURA. DÚVIDA RAZOÁVEL NA INTERPRETAÇÃO DO CONTRATO. DANO MORAL . NÃO OCORRÊNCIA. 1. No caso, a recusa de cobertura do procedimento de redução de mamas, prescrito pelo médico, estava amparada em dúvida jurídica razoável sobre a interpretação do contrato (ausência de previsão no Rol da ANS), o que afasta a ocorrência de dano moral, na linha da jurisprudência desta Corte Superior. 2 . Alterar a conclusão adotada pela Corte de origem, para se concluir que a recusa de cobertura foi capaz de colocar em risco a integridade física e psíquica da agravante, demandaria reexame de provas, providência inviável no âmbito desta Corte Superior, em razão do óbice da Súmula n. 7/STJ.Agravo interno improvido. (STJ - AgInt no REsp: 1943968 SP 2021/0177355-0, Relator.: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 04/09/2023, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/09/2023) Desta Câmara: APELAÇÕES CÍVEIS – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – NEGATIVA DE COBERTURA PARA PROCEDIMENTO DE CIRURGIA DE MAMOPLASTIA REDUTORA – AUSÊNCIA DE PREVISÃO DE COBERTURA – ABUSIVIDADE – COBERTURA DEVIDA – DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL – DANO MORAL NÃO CONFIGURADO – SENTENÇA MANTIDA – RECURSOS DESPROVIDOS. Não é permitido ao plano de saúde se negar a cobrir as despesas com o tratamento de mamoplastia de natureza reparatória, mesmo que pautado em cláusula contratual, porquanto está se afigura abusiva. Os relatórios médicos atestam que não se trata de cirurgia eletiva para correção de estética e sim de cirurgia de caráter fundamental de natureza reparadora. A recusa de cobertura por parte da operadora do plano de saúde, por se tratar de divergência na interpretação de cláusula contratual, configura apenas o descumprimento contratual e, como tal, não enseja a reparação civil, porquanto se trata apenas de mero aborrecimento . (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 10010331020238110005, Relator.: GUIOMAR TEODORO BORGES, Data de Julgamento: 19/06/2024, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 22/06/2024) Por conseguinte, a autora não faz jus a essa reparação. Pelo exposto, nego provimento ao recurso da autora e dou parcial provimento ao da ré BRF S.A. ao Recurso para excluir a indenização por danos morais. Data da sessão: Cuiabá-MT, 11/06/2025

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Processo nº 1001033-30.2025.8.11.0008

ID: 310336586

Tribunal: TJMT Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1001033-30.2025.8.11.0008

Data de Disponibilização: 30/06/2025

Polo Ativo:

ADILZA VITORINA DA SILVA

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

FELIPE LUIZ ALENCAR VILAROUCA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1001033-30.2025.8.11.0008 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Desconto em folha de pagamento, Contratos Bancár… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1001033-30.2025.8.11.0008 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Desconto em folha de pagamento, Contratos Bancários, Indenização por Dano Moral, Indenização por Dano Material] Relator: Des(a). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Turma Julgadora: [DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [ADILZA VITORINA DA SILVA - CPF: 892.007.481-04 (APELANTE), FELIPE LUIZ ALENCAR VILAROUCA - CPF: 040.152.831-63 (ADVOGADO), BANCO BMG SA - CNPJ: 61.186.680/0001-74 (APELADO), ANTONIO DE MORAES DOURADO NETO - CPF: 038.499.054-11 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE CONTRATO FINANCEIRO. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. IRREGULARIDADE NA REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. INDÍCIOS DE LITIGÂNCIA PREDATÓRIA. EXIGÊNCIA DE PROCURAÇÃO ESPECÍFICA E INDIVIDUALIZADA. PODER GERAL DE CAUTELA. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Recurso de apelação interposto por ADILZA VITORINA DA SILVA contra sentença que extinguiu o processo sem resolução do mérito, sob o fundamento de irregularidade na representação processual, nos autos de ação declaratória de inexistência de contrato financeiro cumulada com pedido de pagamento de indébito e indenização por danos morais movida em desfavor do BANCO DAYCOVAL S/A. O magistrado de primeiro grau determinou emenda à inicial para apresentação de procuração específica e individualizada, medida não atendida pela parte autora. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em verificar se a sentença que indeferiu a petição inicial ante o não atendimento de determinação judicial para apresentação de procuração específica e individualizada, diante de indícios de litigância predatória, merece reforma, considerando os princípios da primazia do julgamento de mérito e da regularidade da representação processual. III. Razões de decidir 3. A exigência de procuração específica e individualizada fundamentou-se na identificação de indícios significativos de litigância predatória, caracterizada pela apresentação de procuração idêntica à utilizada em outros processos, sem qualquer menção específica ou individualização que a vincule inequivocamente à presente demanda. 4. O patrono subscritor figura como representante em mais de trezentas ações judiciais, majoritariamente voltadas contra instituições financeiras, configurando proliferação de demandas praticamente idênticas com características de massificação, padronização e fragmentação, enquadrando-se nos indicativos de litigância abusiva elencados no Anexo A da Recomendação CNJ n. 159/2024. 5. A medida judicial encontra respaldo no poder geral de cautela previsto no art. 139, III, do CPC, que confere ao magistrado o poder-dever de prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça, sendo legitimada como medida preventiva conforme o Anexo B da Recomendação CNJ n. 159/2024 e o Tema Repetitivo nº 1198 do STJ. 6. A primazia do julgamento de mérito não pode ser invocada para legitimar condutas contrárias à boa-fé processual ou para validar ações caracterizadas por indícios de litigância predatória, sob pena de comprometimento da própria finalidade do processo como instrumento de realização da justiça. 7. A inércia da parte autora em atender à determinação judicial de emenda à inicial impediu o exame do mérito, não por rigorismo formal, mas por fundada preocupação com a garantia de regularidade da representação e prevenção da litigância abusiva. IV. Dispositivo e tese 8. Recurso de apelação desprovido. Tese de julgamento: "Diante de indícios de litigância predatória, caracterizada pela massificação de demandas com características padronizadas e uso de procurações genéricas, é legítima a exigência judicial de procuração específica e individualizada como medida preventiva fundada no poder geral de cautela, não configurando rigorismo formal incompatível com o princípio da primazia do julgamento de mérito." Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 139, III, 320, 321, parágrafo único, e 485, IV; CC, art. 654; Recomendação CNJ n. 159/2024, arts. 1º, Anexos A e B. Jurisprudência relevante citada: STJ, Tema Repetitivo nº 1198; TJMT, AC 1001900-28.2024.8.11.0050, Rel. Des. Sebastião de Arruda Almeida, 5ª Câmara de Direito Privado, j. 09/04/2025. R E L A T Ó R I O EXMO. DES. LUIZ OCTÁVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de apelação apresentado por ADILZA VITORINA DA SILVA contra sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara da Comarca de Barra do Bugres/MT, nos autos ação declaratória de inexistência de contrato financeiro c/c pagamento de indébito e indenização por danos morais movida em desfavor de BANCO DAYCOVAL S/A, que extinguiu o processo sem resolução do mérito, sob o fundamento de irregularidade na representação processual. Alega a recorrente que ajuizou a ação em face da instituição bancária ora apelada, visando declarar a inexistência de contrato supostamente firmado, o qual resultou em descontos mensais em seu benefício previdenciário, sem sua anuência. Requereu, ademais, a devolução em dobro dos valores descontados indevidamente e a condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos morais. Narra que a após despacho do juízo singular determinando a regularização da representação processual, a parte autora protocolou, conforme ID 290101888, nova procuração assinada a próprio punho pela demandante. Não obstante o cumprimento da determinação, a sentença de primeiro grau extinguiu o processo sem resolução de mérito, alegando que o documento apresentado seria inválido para fins de comprovação da capacidade postulatória. A Apelante sustenta que: “A procuração juntada no ID 191106304 em cumprimento ao despacho proferido pelo douto Juízo outorga de poderes ao patrono, não precisando conter informações de contra quem a possível demanda será ajuizada, devendo conter obrigatoriamente, assinatura do outorgante, indicação do lugar, qualificação do outorgante e do outorgado, data e objetivo dos poderes conferidos.” Acrescenta ainda que o instrumento de mandato preenchia os requisitos exigidos no artigo 654 do Código Civil, sendo, portanto, plenamente válido. Invoca a aplicação dos §§ 1º e 2º do referido artigo, afirmando que todos os elementos legais estavam presentes no documento apresentado, não havendo fundamento jurídico que justificasse o indeferimento da peça e a extinção da demanda. Por fim, requer que seja reformada a sentença, com o reconhecimento da validade da representação processual e o consequente prosseguimento regular do feito, com a análise do mérito da demanda originalmente proposta. Isenção do preparo, id. 291531395. Sem contrarrazões. É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMO. DES. LUIZ OCTÁVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Egrégia Câmara: Conforme o explicitado, cuida-se de recurso de apelação apresentado por ADILZA VITORINA DA SILVA contra sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara da Comarca de Barra do Bugres/MT, nos autos ação declaratória de inexistência de contrato financeiro c/c pagamento de indébito e indenização por danos morais movida em desfavor de BANCO DAYCOVAL S/A, que extinguiu o processo sem resolução do mérito, sob o fundamento de irregularidade na representação processual. O recurso merece ser conhecido, pois presentes os pressupostos de admissibilidade. A controvérsia central do presente recurso consiste em verificar se a r. sentença proferida pelo Juízo de primeiro grau, que indeferiu a petição inicial ante o não atendimento de determinação judicial para apresentação de procuração específica e individualizada, merece reforma. O Código de Processo Civil estabelece explicitamente em seus artigos 320 e 321 que a petição inicial deve ser instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação e que, caso não preencha os requisitos legais ou apresente defeitos, o juiz determinará que o autor a emende ou complete em prazo fixado, sob pena de indeferimento. No caso em análise, o magistrado de primeiro grau, com o devido zelo e resguardo do interesse da própria jurisdicionada, determinou emenda à petição inicial para que fosse apresentada procuração específica e individualizada. Tal exigência não foi atendida a contento, ensejando o indeferimento da petição inicial e a extinção do processo sem resolução do mérito, com fulcro no artigo 485, IV, do CPC. É importante destacar que a decisão do magistrado não se baseou meramente no aspecto formal da ausência de uma procuração nos moldes tradicionais. O que se verificou foi a existência de indícios significativos de litigância predatória por parte do patrono subscritor da inicial. Consoante se depreende dos elementos constantes dos autos, verifica-se que a procuração acostada ao feito revela-se idêntica àquela anteriormente apresentada nos autos do processo de nº 1001034-15.2025.8.11.0008, inexistindo qualquer menção específica ou individualização que a vincule, de modo inequívoco, à presente demanda. Tal constatação, por si só, já suscita relevante questionamento quanto à regularidade formal da representação processual. Outrossim, ao proceder-se à consulta nos registros do sistema do Processo Judicial Eletrônico (PJe), constatou-se que o causídico subscritor da exordial figura como patrono em mais de trezentas ações judiciais, a maioria das quais voltadas exclusivamente contra instituições financeiras. Esse dado, não despido de significado, impõe a este Juízo um olhar mais acurado e criterioso acerca da higidez, da boa-fé processual e do eventual caráter predatório do ajuizamento reiterado de demandas com semelhante objeto e estrutura. Essa proliferação de demandas praticamente idênticas, com características de massificação, padronização e fragmentação, encontra-se precisamente enquadrada nos indicativos de litigância abusiva elencados no Anexo A da Recomendação n. 159 de 23 de outubro de 2024 do Conselho Nacional de Justiça. A referida recomendação define a litigância abusiva como "o desvio ou manifesto excesso dos limites impostos pela finalidade social, jurídica, política e/ou econômica do direito de acesso ao Poder Judiciário, inclusive no polo passivo, comprometendo a capacidade de prestação jurisdicional e o acesso à Justiça" (art. 1º). Dentre as condutas processuais potencialmente abusivas listadas no Anexo A da Recomendação, identifico claramente nos autos as seguintes: Distribuição de ações judiciais semelhantes, com petições iniciais que apresentam informações genéricas e causas de pedir idênticas, frequentemente diferenciadas apenas pelos dados pessoais das partes envolvidas, sem a devida particularização dos fatos do caso concreto (item 7); Concentração de grande volume de demandas sob o patrocínio de poucos(as) profissionais, cuja sede de atuação, por vezes, não coincide com a da comarca ou da subseção em que ajuizadas, ou com o domicílio de qualquer das partes (item 13). Tais circunstâncias justificam plenamente o exercício do poder geral de cautela pelo magistrado, conforme previsto no art. 139, III, do CPC, que lhe confere o poder-dever de "prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias". A exigência de procuração pública encontra-se legitimada como medida preventiva diante dos indícios de litigância abusiva. O Anexo B da Recomendação CNJ n. 159/2024 prevê expressamente entre as medidas judiciais a serem adotadas diante de casos concretos de litigância abusiva: Notificação para apresentação de documentos originais, regularmente assinados ou para renovação de documentos indispensáveis à propositura da ação, sempre que houver dúvida fundada sobre a autenticidade, validade ou contemporaneidade daqueles apresentados no processo (item 9). Ademais, no julgamento do Tema Repetitivo nº 1198, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu expressamente a "possibilidade de o juiz, vislumbrando a ocorrência de litigância predatória, exigir que a parte autora emende a petição inicial com apresentação de documentos capazes de lastrear minimamente as pretensões deduzidas em juízo, como procuração atualizada, declaração de pobreza e de residência, cópias do contrato e dos extratos bancários.". De igual modo, em recente decisão desta colenda Quinta Câmara de Direito Privado, por unanimidade, aplicou o mesmo entendimento: “DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. INDÍCIOS DE LITIGÂNCIA PREDATÓRIA. OFÍCIO DA CORREGEDORIA PARA ADOÇÃO DE PROVIDÊNCIAS CABÍVEIS PELOS JULGADORES. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso Em Exame Recurso de Apelação cível interposto contra sentença que indeferiu a petição inicial da ação revisional de contrato bancário, ante ausência de procuração pública, considerando os indícios de litigância predatória pelos patronos da parte autora. II. Questão Em Discussão Há duas questões em discussão: (i) avaliar a necessidade de procuração pública ante os indícios de litigância predatória e o impacto no prosseguimento da demanda; (ii) analisar os efeitos do ofício da Corregedoria de Justiça que autorizou os julgadores a adotarem providências cabíveis para reconhecer a legitimidade da ação proposta. III. Razões De Decidir 1. A Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, após monitoramento das demandas ajuizadas pelos patronos, detectou indícios de uso predatório do sistema judicial, especialmente pelo grande volume de processos distribuídos, com argumentos e fatos genéricos. 2. Diante dessa constatação, a Corregedoria encaminhou ofício autorizando os julgadores a adotarem, no âmbito de suas competências, providências para reconhecer a legitimidade da ação proposta. 3. A sentença recorrida indeferiu a petição inicial, após oportunizar aos patronos a apresentação de procuração pública, em consonância com o ofício da Corregedoria, verificando indícios de litigância predatória pelos advogados subscritores da inicial. 4. Restou demonstrado nos autos o elevado número de demandas patrocinadas pelos advogados, com argumentos genéricos, reforçando os indícios de atuação inadequada. 5. O indeferimento da petição inicial ante a não apresentação da procuração pública se justifica como medida de prevenção ao uso abusivo do Poder Judiciário e à garantia da segurança jurídica. IV. Dispositivo e Tese Recurso desprovido. Tese de julgamento: Considerando indícios de litigância predatória, o indeferimento da petição inicial ante a não juntada de procuração pública encontra respaldo no poder geral de cautela do juízo, visando prevenir o uso abusivo do sistema judicial e garantir a segurança jurídica. (...).” (TJMT, 1001900-28.2024.8.11.0050, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 09/04/2025, Publicado no DJE 14/04/2025 - destaquei). Na referida decisão, consignou-se com precisão que "O poder geral de cautela conferido ao julgador encontra respaldo no artigo 139, III, do Código de Processo Civil, que autoriza o juiz a prevenir ou reprimir atos contrários à dignidade da justiça, sendo que o indeferimento da inicial com a consequente extinção do feito, está expressamente previsto nos artigos 321, parágrafo único, e 485, IV, do Código de Ritos, como meio de reprimir as condutas tidas como inadequadas". Por fim, embora o sistema processual civil brasileiro seja orientado pelo princípio da primazia da resolução de mérito, tal diretriz encontra limites na necessidade de observância da regularidade formal do processo e na coibição de práticas abusivas. A primazia do mérito não pode ser invocada para legitimar condutas contrárias à boa-fé processual ou para validar ações caracterizadas por indícios de litigância predatória, sob pena de comprometimento da própria finalidade do processo como instrumento de realização da justiça. No caso em análise, a inércia da parte autora em atender à determinação judicial de emenda à inicial, providenciando procuração específica e individualizada, impediu o próprio exame do mérito, não por rigorismo formal, mas por fundada preocupação com a garantia de regularidade da representação e com a prevenção da litigância abusiva. O argumento da recorrente de que a procuração atenderia aos requisitos do art. 654 do Código Civil não se sustenta, pois a exigência do magistrado de primeiro grau não se limitou aos requisitos formais básicos da procuração, mas à necessidade de uma individualização específica do mandato para cada ação proposta, como forma de coibir a litigância predatória. Portanto, a sentença encontra amparo nos autos e na legislação processual civil, não havendo falar em violação ao princípio da primazia do julgamento de mérito, visto que o mérito não pôde ser apreciado justamente em razão da inércia do requerente em atender a determinação de emenda à inicial. Por derradeiro, diante da manutenção do decisum e das circunstâncias que permeiam a presente demanda, reputo imprescindível a remessa de cópia integral dos autos à elevada instância do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de Mato Grosso (OAB/MT), para que tome ciência dos fatos aqui delineados e adote, se assim entender, as medidas que julgar cabíveis no exercício de sua competência disciplinar. Outrossim, determine-se o envio de cópia integral destes autos ao Ministério Público, nos moldes do disposto no artigo 40 do Código de Processo Penal, notadamente ante indícios de eventual captação indevida de clientela, de sorte a permitir a apuração aprofundada e a elucidação das condutas aqui ventiladas, no âmbito de sua atribuição constitucional. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação, mantendo inalterada a sentença recorrida. Determino a remessa de cópia integral dos autos ao Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/MT, para ciência e eventuais providências no âmbito de sua competência, bem como ao Ministério Público, nos termos do art. 40 do Código de Processo Penal, em razão de indícios de possível captação indevida de clientela. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 24/06/2025

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Processo nº 1001033-30.2025.8.11.0008

ID: 310336593

Tribunal: TJMT Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1001033-30.2025.8.11.0008

Data de Disponibilização: 30/06/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

BANCO BMG SA

Acórdão

Advogados:

ANTONIO DE MORAES DOURADO NETO

OAB/PE XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1001033-30.2025.8.11.0008 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Desconto em folha de pagamento, Contratos Bancár… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1001033-30.2025.8.11.0008 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Desconto em folha de pagamento, Contratos Bancários, Indenização por Dano Moral, Indenização por Dano Material] Relator: Des(a). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Turma Julgadora: [DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [ADILZA VITORINA DA SILVA - CPF: 892.007.481-04 (APELANTE), FELIPE LUIZ ALENCAR VILAROUCA - CPF: 040.152.831-63 (ADVOGADO), BANCO BMG SA - CNPJ: 61.186.680/0001-74 (APELADO), ANTONIO DE MORAES DOURADO NETO - CPF: 038.499.054-11 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE CONTRATO FINANCEIRO. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. IRREGULARIDADE NA REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. INDÍCIOS DE LITIGÂNCIA PREDATÓRIA. EXIGÊNCIA DE PROCURAÇÃO ESPECÍFICA E INDIVIDUALIZADA. PODER GERAL DE CAUTELA. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Recurso de apelação interposto por ADILZA VITORINA DA SILVA contra sentença que extinguiu o processo sem resolução do mérito, sob o fundamento de irregularidade na representação processual, nos autos de ação declaratória de inexistência de contrato financeiro cumulada com pedido de pagamento de indébito e indenização por danos morais movida em desfavor do BANCO DAYCOVAL S/A. O magistrado de primeiro grau determinou emenda à inicial para apresentação de procuração específica e individualizada, medida não atendida pela parte autora. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em verificar se a sentença que indeferiu a petição inicial ante o não atendimento de determinação judicial para apresentação de procuração específica e individualizada, diante de indícios de litigância predatória, merece reforma, considerando os princípios da primazia do julgamento de mérito e da regularidade da representação processual. III. Razões de decidir 3. A exigência de procuração específica e individualizada fundamentou-se na identificação de indícios significativos de litigância predatória, caracterizada pela apresentação de procuração idêntica à utilizada em outros processos, sem qualquer menção específica ou individualização que a vincule inequivocamente à presente demanda. 4. O patrono subscritor figura como representante em mais de trezentas ações judiciais, majoritariamente voltadas contra instituições financeiras, configurando proliferação de demandas praticamente idênticas com características de massificação, padronização e fragmentação, enquadrando-se nos indicativos de litigância abusiva elencados no Anexo A da Recomendação CNJ n. 159/2024. 5. A medida judicial encontra respaldo no poder geral de cautela previsto no art. 139, III, do CPC, que confere ao magistrado o poder-dever de prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça, sendo legitimada como medida preventiva conforme o Anexo B da Recomendação CNJ n. 159/2024 e o Tema Repetitivo nº 1198 do STJ. 6. A primazia do julgamento de mérito não pode ser invocada para legitimar condutas contrárias à boa-fé processual ou para validar ações caracterizadas por indícios de litigância predatória, sob pena de comprometimento da própria finalidade do processo como instrumento de realização da justiça. 7. A inércia da parte autora em atender à determinação judicial de emenda à inicial impediu o exame do mérito, não por rigorismo formal, mas por fundada preocupação com a garantia de regularidade da representação e prevenção da litigância abusiva. IV. Dispositivo e tese 8. Recurso de apelação desprovido. Tese de julgamento: "Diante de indícios de litigância predatória, caracterizada pela massificação de demandas com características padronizadas e uso de procurações genéricas, é legítima a exigência judicial de procuração específica e individualizada como medida preventiva fundada no poder geral de cautela, não configurando rigorismo formal incompatível com o princípio da primazia do julgamento de mérito." Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 139, III, 320, 321, parágrafo único, e 485, IV; CC, art. 654; Recomendação CNJ n. 159/2024, arts. 1º, Anexos A e B. Jurisprudência relevante citada: STJ, Tema Repetitivo nº 1198; TJMT, AC 1001900-28.2024.8.11.0050, Rel. Des. Sebastião de Arruda Almeida, 5ª Câmara de Direito Privado, j. 09/04/2025. R E L A T Ó R I O EXMO. DES. LUIZ OCTÁVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de apelação apresentado por ADILZA VITORINA DA SILVA contra sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara da Comarca de Barra do Bugres/MT, nos autos ação declaratória de inexistência de contrato financeiro c/c pagamento de indébito e indenização por danos morais movida em desfavor de BANCO DAYCOVAL S/A, que extinguiu o processo sem resolução do mérito, sob o fundamento de irregularidade na representação processual. Alega a recorrente que ajuizou a ação em face da instituição bancária ora apelada, visando declarar a inexistência de contrato supostamente firmado, o qual resultou em descontos mensais em seu benefício previdenciário, sem sua anuência. Requereu, ademais, a devolução em dobro dos valores descontados indevidamente e a condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos morais. Narra que a após despacho do juízo singular determinando a regularização da representação processual, a parte autora protocolou, conforme ID 290101888, nova procuração assinada a próprio punho pela demandante. Não obstante o cumprimento da determinação, a sentença de primeiro grau extinguiu o processo sem resolução de mérito, alegando que o documento apresentado seria inválido para fins de comprovação da capacidade postulatória. A Apelante sustenta que: “A procuração juntada no ID 191106304 em cumprimento ao despacho proferido pelo douto Juízo outorga de poderes ao patrono, não precisando conter informações de contra quem a possível demanda será ajuizada, devendo conter obrigatoriamente, assinatura do outorgante, indicação do lugar, qualificação do outorgante e do outorgado, data e objetivo dos poderes conferidos.” Acrescenta ainda que o instrumento de mandato preenchia os requisitos exigidos no artigo 654 do Código Civil, sendo, portanto, plenamente válido. Invoca a aplicação dos §§ 1º e 2º do referido artigo, afirmando que todos os elementos legais estavam presentes no documento apresentado, não havendo fundamento jurídico que justificasse o indeferimento da peça e a extinção da demanda. Por fim, requer que seja reformada a sentença, com o reconhecimento da validade da representação processual e o consequente prosseguimento regular do feito, com a análise do mérito da demanda originalmente proposta. Isenção do preparo, id. 291531395. Sem contrarrazões. É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMO. DES. LUIZ OCTÁVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Egrégia Câmara: Conforme o explicitado, cuida-se de recurso de apelação apresentado por ADILZA VITORINA DA SILVA contra sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara da Comarca de Barra do Bugres/MT, nos autos ação declaratória de inexistência de contrato financeiro c/c pagamento de indébito e indenização por danos morais movida em desfavor de BANCO DAYCOVAL S/A, que extinguiu o processo sem resolução do mérito, sob o fundamento de irregularidade na representação processual. O recurso merece ser conhecido, pois presentes os pressupostos de admissibilidade. A controvérsia central do presente recurso consiste em verificar se a r. sentença proferida pelo Juízo de primeiro grau, que indeferiu a petição inicial ante o não atendimento de determinação judicial para apresentação de procuração específica e individualizada, merece reforma. O Código de Processo Civil estabelece explicitamente em seus artigos 320 e 321 que a petição inicial deve ser instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação e que, caso não preencha os requisitos legais ou apresente defeitos, o juiz determinará que o autor a emende ou complete em prazo fixado, sob pena de indeferimento. No caso em análise, o magistrado de primeiro grau, com o devido zelo e resguardo do interesse da própria jurisdicionada, determinou emenda à petição inicial para que fosse apresentada procuração específica e individualizada. Tal exigência não foi atendida a contento, ensejando o indeferimento da petição inicial e a extinção do processo sem resolução do mérito, com fulcro no artigo 485, IV, do CPC. É importante destacar que a decisão do magistrado não se baseou meramente no aspecto formal da ausência de uma procuração nos moldes tradicionais. O que se verificou foi a existência de indícios significativos de litigância predatória por parte do patrono subscritor da inicial. Consoante se depreende dos elementos constantes dos autos, verifica-se que a procuração acostada ao feito revela-se idêntica àquela anteriormente apresentada nos autos do processo de nº 1001034-15.2025.8.11.0008, inexistindo qualquer menção específica ou individualização que a vincule, de modo inequívoco, à presente demanda. Tal constatação, por si só, já suscita relevante questionamento quanto à regularidade formal da representação processual. Outrossim, ao proceder-se à consulta nos registros do sistema do Processo Judicial Eletrônico (PJe), constatou-se que o causídico subscritor da exordial figura como patrono em mais de trezentas ações judiciais, a maioria das quais voltadas exclusivamente contra instituições financeiras. Esse dado, não despido de significado, impõe a este Juízo um olhar mais acurado e criterioso acerca da higidez, da boa-fé processual e do eventual caráter predatório do ajuizamento reiterado de demandas com semelhante objeto e estrutura. Essa proliferação de demandas praticamente idênticas, com características de massificação, padronização e fragmentação, encontra-se precisamente enquadrada nos indicativos de litigância abusiva elencados no Anexo A da Recomendação n. 159 de 23 de outubro de 2024 do Conselho Nacional de Justiça. A referida recomendação define a litigância abusiva como "o desvio ou manifesto excesso dos limites impostos pela finalidade social, jurídica, política e/ou econômica do direito de acesso ao Poder Judiciário, inclusive no polo passivo, comprometendo a capacidade de prestação jurisdicional e o acesso à Justiça" (art. 1º). Dentre as condutas processuais potencialmente abusivas listadas no Anexo A da Recomendação, identifico claramente nos autos as seguintes: Distribuição de ações judiciais semelhantes, com petições iniciais que apresentam informações genéricas e causas de pedir idênticas, frequentemente diferenciadas apenas pelos dados pessoais das partes envolvidas, sem a devida particularização dos fatos do caso concreto (item 7); Concentração de grande volume de demandas sob o patrocínio de poucos(as) profissionais, cuja sede de atuação, por vezes, não coincide com a da comarca ou da subseção em que ajuizadas, ou com o domicílio de qualquer das partes (item 13). Tais circunstâncias justificam plenamente o exercício do poder geral de cautela pelo magistrado, conforme previsto no art. 139, III, do CPC, que lhe confere o poder-dever de "prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias". A exigência de procuração pública encontra-se legitimada como medida preventiva diante dos indícios de litigância abusiva. O Anexo B da Recomendação CNJ n. 159/2024 prevê expressamente entre as medidas judiciais a serem adotadas diante de casos concretos de litigância abusiva: Notificação para apresentação de documentos originais, regularmente assinados ou para renovação de documentos indispensáveis à propositura da ação, sempre que houver dúvida fundada sobre a autenticidade, validade ou contemporaneidade daqueles apresentados no processo (item 9). Ademais, no julgamento do Tema Repetitivo nº 1198, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu expressamente a "possibilidade de o juiz, vislumbrando a ocorrência de litigância predatória, exigir que a parte autora emende a petição inicial com apresentação de documentos capazes de lastrear minimamente as pretensões deduzidas em juízo, como procuração atualizada, declaração de pobreza e de residência, cópias do contrato e dos extratos bancários.". De igual modo, em recente decisão desta colenda Quinta Câmara de Direito Privado, por unanimidade, aplicou o mesmo entendimento: “DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. INDÍCIOS DE LITIGÂNCIA PREDATÓRIA. OFÍCIO DA CORREGEDORIA PARA ADOÇÃO DE PROVIDÊNCIAS CABÍVEIS PELOS JULGADORES. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso Em Exame Recurso de Apelação cível interposto contra sentença que indeferiu a petição inicial da ação revisional de contrato bancário, ante ausência de procuração pública, considerando os indícios de litigância predatória pelos patronos da parte autora. II. Questão Em Discussão Há duas questões em discussão: (i) avaliar a necessidade de procuração pública ante os indícios de litigância predatória e o impacto no prosseguimento da demanda; (ii) analisar os efeitos do ofício da Corregedoria de Justiça que autorizou os julgadores a adotarem providências cabíveis para reconhecer a legitimidade da ação proposta. III. Razões De Decidir 1. A Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, após monitoramento das demandas ajuizadas pelos patronos, detectou indícios de uso predatório do sistema judicial, especialmente pelo grande volume de processos distribuídos, com argumentos e fatos genéricos. 2. Diante dessa constatação, a Corregedoria encaminhou ofício autorizando os julgadores a adotarem, no âmbito de suas competências, providências para reconhecer a legitimidade da ação proposta. 3. A sentença recorrida indeferiu a petição inicial, após oportunizar aos patronos a apresentação de procuração pública, em consonância com o ofício da Corregedoria, verificando indícios de litigância predatória pelos advogados subscritores da inicial. 4. Restou demonstrado nos autos o elevado número de demandas patrocinadas pelos advogados, com argumentos genéricos, reforçando os indícios de atuação inadequada. 5. O indeferimento da petição inicial ante a não apresentação da procuração pública se justifica como medida de prevenção ao uso abusivo do Poder Judiciário e à garantia da segurança jurídica. IV. Dispositivo e Tese Recurso desprovido. Tese de julgamento: Considerando indícios de litigância predatória, o indeferimento da petição inicial ante a não juntada de procuração pública encontra respaldo no poder geral de cautela do juízo, visando prevenir o uso abusivo do sistema judicial e garantir a segurança jurídica. (...).” (TJMT, 1001900-28.2024.8.11.0050, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 09/04/2025, Publicado no DJE 14/04/2025 - destaquei). Na referida decisão, consignou-se com precisão que "O poder geral de cautela conferido ao julgador encontra respaldo no artigo 139, III, do Código de Processo Civil, que autoriza o juiz a prevenir ou reprimir atos contrários à dignidade da justiça, sendo que o indeferimento da inicial com a consequente extinção do feito, está expressamente previsto nos artigos 321, parágrafo único, e 485, IV, do Código de Ritos, como meio de reprimir as condutas tidas como inadequadas". Por fim, embora o sistema processual civil brasileiro seja orientado pelo princípio da primazia da resolução de mérito, tal diretriz encontra limites na necessidade de observância da regularidade formal do processo e na coibição de práticas abusivas. A primazia do mérito não pode ser invocada para legitimar condutas contrárias à boa-fé processual ou para validar ações caracterizadas por indícios de litigância predatória, sob pena de comprometimento da própria finalidade do processo como instrumento de realização da justiça. No caso em análise, a inércia da parte autora em atender à determinação judicial de emenda à inicial, providenciando procuração específica e individualizada, impediu o próprio exame do mérito, não por rigorismo formal, mas por fundada preocupação com a garantia de regularidade da representação e com a prevenção da litigância abusiva. O argumento da recorrente de que a procuração atenderia aos requisitos do art. 654 do Código Civil não se sustenta, pois a exigência do magistrado de primeiro grau não se limitou aos requisitos formais básicos da procuração, mas à necessidade de uma individualização específica do mandato para cada ação proposta, como forma de coibir a litigância predatória. Portanto, a sentença encontra amparo nos autos e na legislação processual civil, não havendo falar em violação ao princípio da primazia do julgamento de mérito, visto que o mérito não pôde ser apreciado justamente em razão da inércia do requerente em atender a determinação de emenda à inicial. Por derradeiro, diante da manutenção do decisum e das circunstâncias que permeiam a presente demanda, reputo imprescindível a remessa de cópia integral dos autos à elevada instância do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de Mato Grosso (OAB/MT), para que tome ciência dos fatos aqui delineados e adote, se assim entender, as medidas que julgar cabíveis no exercício de sua competência disciplinar. Outrossim, determine-se o envio de cópia integral destes autos ao Ministério Público, nos moldes do disposto no artigo 40 do Código de Processo Penal, notadamente ante indícios de eventual captação indevida de clientela, de sorte a permitir a apuração aprofundada e a elucidação das condutas aqui ventiladas, no âmbito de sua atribuição constitucional. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação, mantendo inalterada a sentença recorrida. Determino a remessa de cópia integral dos autos ao Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/MT, para ciência e eventuais providências no âmbito de sua competência, bem como ao Ministério Público, nos termos do art. 40 do Código de Processo Penal, em razão de indícios de possível captação indevida de clientela. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 24/06/2025

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Processo nº 1001033-54.2025.8.11.0000

ID: 277554002

Tribunal: TJMT Órgão: Primeira Câmara de Direito Privado Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº Processo: 1001033-54.2025.8.11.0000

Data de Disponibilização: 23/05/2025

Polo Ativo:

BANCO DO BRASIL SA

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

SERVIO TULIO DE BARCELOS

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JOSE ARNALDO JANSSEN NOGUEIRA

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1001033-54.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Efeito Suspensivo / Impugnação / Embarg… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1001033-54.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Efeito Suspensivo / Impugnação / Embargos à Execução] Relator: Des(a). MARCIO APARECIDO GUEDES Turma Julgadora: [DES(A). MARCIO APARECIDO GUEDES, DES(A). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, DES(A). SEBASTIAO BARBOSA FARIAS] Parte(s): [JOSE ARNALDO JANSSEN NOGUEIRA - CPF: 497.764.281-34 (ADVOGADO), BANCO DO BRASIL SA - CNPJ: 00.000.000/0001-91 (AGRAVANTE), PEDRO DANILO CORAL - CPF: 081.849.049-75 (AGRAVADO), SERVIO TULIO DE BARCELOS - CPF: 317.745.046-34 (ADVOGADO), ROGERIO AUGUSTO DA SILVA - CPF: 840.112.119-15 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). Não encontrado, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO. E M E N T A Ementa: Agravo de instrumento. Tutela provisória de urgência. Crédito rural. Alongamento de dívida. Requisitos do manual de crédito rural. Súmula 298 do STJ. Comprovação da dificuldade de comercialização e frustração de safra. Prorrogação até o final da demanda. Possibilidade. Ausência de ilegalidade flagrante ou desproporcionalidade manifesta na multa diária. Recurso desprovido. I. Caso em exame 1. Agravo de Instrumento interposto contra decisão que deferiu parcialmente pedido de tutela provisória para prorrogação de débito rural e suspensão de inscrição do nome do autor nos cadastros de inadimplência, sob pena de multa diária. II. Questão em discussão 2. A controvérsia reside na análise do preenchimento dos requisitos para a prorrogação da dívida rural e a legalidade da decisão que, em sede de tutela de urgência, determinou o alongamento do débito e impediu a negativação do nome do devedor. III. Razões de decidir 3. O alongamento de dívida originada de crédito rural não é faculdade da instituição financeira, mas direito do devedor, nos termos da lei (Súmula 298 do STJ). 4. O deferimento da tutela antecipada baseou-se na aparente comprovação da dificuldade de comercialização e frustração de safras, conforme laudos técnicos juntados aos autos, atendendo aos requisitos do Manual de Crédito Rural. 5. A decisão agravada está alinhada com o entendimento do STJ, que determina a suspensão da execução enquanto se discute o direito ao alongamento da dívida. 6. As alegações do Banco sobre a inaplicabilidade das normas do Manual de Crédito Rural e a natureza facultativa da prorrogação demandam análise mais aprofundada, inadequada em sede de agravo de instrumento. 7. A multa diária fixada possui caráter coercitivo e não se vislumbra ilegalidade flagrante ou desproporcionalidade que justifique sua revogação imediata. IV. Dispositivo e tese 8. Recurso desprovido. Tese de julgamento: "O alongamento de dívida originada de crédito rural é direito do devedor, condicionado à comprovação dos requisitos estabelecidos no Manual de Crédito Rural. Comprovada a dificuldade de comercialização e frustração de safras, a prorrogação do débito em sede de tutela de urgência é medida adequada, não se verificando ilegalidade flagrante na multa diária fixada para assegurar o cumprimento da decisão." _________ Dispositivos relevantes citados: CPC, art. 300; Lei nº 9.138/1995; Manual de Crédito Rural; Súmula nº 298/STJ. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no REsp 1684927/MG, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 4ª Turma, j. 21.08.2018; TJ-MG, AC 00142695120148130443, Rel. Des. Marcelo Pereira da Silva, 11ª Câm. Cív., j. 08.11.2023. R E L A T Ó R I O Cuida-se de recurso de Agravo de Instrumento interposto pelo BANCO DO BRASIL S.A. contra sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Água Boa, que nos autos da ação de “Tutela Provisória de Urgência de natureza Cautelar em caráter Antecedente” (Proc. n. 1002285-63.2024.8.11.0021), ajuizada contra o Banco/agravante por PEDRO DANILO CORAL, deferiu parcialmente o pedido de tutela antecipada, “determinando-se a prorrogação do débito rural (...), até o final da demanda, ficando o requerido impossibilitado de inserir o nome do autor nos cadastros de inadimplência, sob pena de multa diária no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), limitada a 30 (trinta) dias” (Id. 263280774). O Banco/agravante, em suas razões recursais, sustenta que a decisão combatida, padece de vícios insanáveis, uma vez que não se encontram presentes os requisitos legais para a concessão da tutela antecipada, quais sejam: a verossimilhança da alegação, o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação e a prova inequívoca. Frisa que prorrogação do débito rural não se aplica ao caso concreto, pois os contratos não fazem parte do Manual de Crédito Rural (MCR). Explica que “o Agravado não preenche dois dos requisitos necessários, quais sejam: a necessidade de que as operações tenham sido contratadas entre 01/01/2012 e 31/12/2016, por produtores rurais e cooperativas de produção; bem como que a renegociação necessita ser formalizada até 29/12/2017” (Id. 263280770 - Pág. 5). Aduz que o Manual de Crédito Rural (MCR) estabelece que, para a prorrogação da dívida, o mutuário deve comprovar a sua incapacidade de pagamento, que pode ser decorrer de fatores como: dificuldade de comercialização da produção, falhas nas safras causadas por condições climáticas adversas ou outros eventos que prejudiquem a atividade agrícola; logo, o simples pedido de prorrogação não é suficiente. O mutuário precisa apresentar provas concretas de que sofreu prejuízos financeiros e que, por esse motivo, não tem condições de honrar seus compromissos. Além disso, deve apresentar um plano de pagamento demonstrando como pretende quitar a dívida, o que não restou demonstrado nos autos. Expõe que a Lei nº 13.606/2018, em seu artigo 36, autoriza, mas não obriga, a renegociação de dívidas rurais contratadas até 31 de dezembro de 2016. Essa renegociação é facultativa e está condicionada ao cumprimento de requisitos específicos, como a comprovação de prejuízos decorrentes de eventos como secas ou estiagens com decretação de situação de emergência ou estado de calamidade pública, com reconhecimento pelo Ministério da Integração Nacional. Narra que a prorrogação das dívidas rurais, prevista na Resolução CMN 4.591/2017, não depende de recursos públicos. Ela é financiada por recursos privados, como os depósitos à vista captados pelos bancos. Essa característica facultativa da prorrogação demonstra que as instituições financeiras não são obrigadas a concedê-la, pois não há qualquer compensação do Estado por eventuais prejuízos. Se o Conselho Monetário Nacional quisesse obrigar os bancos a concederem essa prorrogação, teria estabelecido uma exigência específica nesse sentido, como já fez em outras normas. Salienta que “admitir a prorrogação compulsória das operações de crédito, nos termos da Resolução CMN nº 4.591/2017, sem a observância dos limites estabelecidos nas normas de exigibilidade, importa violação ao direito de propriedade das instituições financeiras, pois, na hipótese em exame, não há recursos do Tesouro Nacional a subsidiar a medida” (Id. 263280770 - Pág. 11). Enfatiza que a “multa foi fixada com o objetivo único de compelir o banco/agravante a cumprir a determinação judicial, isto é, promover o alongamento dos débitos, incluindo contratos que não cumprem os requisitos específicos para renegociação. Ou seja, esse Juízo utilizou a multa nos exatos moldes previstos no art. 536, § 1º, do CPC, com o intuito de obrigar o agravante a agir em conformidade com aquela decisão, ainda que contrária à legislação aplicável ao tema” (Id. 263280770 - Pág. 13). Ao final, pugna pelo provimento do recurso, para que seja cassada ou reformada a r. decisão; e, de imediato, a concessão do efeito suspensivo. O pedido de efeito suspensivo foi indeferido (Id. 263777252). O Agravado apresentou contrarrazões (Id. 265122256), pugnando pelo não provimento do Agravo de Instrumento, mantendo-se a decisão recorrida. É o relatório. Cuiabá, data registrada no sistema. MARCIO APARECIDO GUEDES RELATOR V O T O R E L A T O R O mérito do recurso envolve análise acerca do preenchimento dos requisitos imprescindíveis à suspensão da exigibilidade da dívida oriunda de crédito rural, com a consequente abstenção da negativação do nome do devedor/agravado até o julgamento da demanda originária. Ao analisar a tutela de urgência pleiteada pelo autor/agravado, o MM. Juiz deferiu o pedido sob os seguintes fundamentos: “[...]Além dos requisitos apontados pelo CPC, a matéria em questão, de pretensão de alongamento de dívida oriunda de crédito rural, exige requisitos próprios, conforme estabelecidos no Manual de Crédito Rural nº 695, de 07 de julho de 2021 em seu item 4, Seção reembolso: “4 - Fica a instituição financeira autorizada a prorrogar a dívida, aos mesmos encargos financeiros pactuados no instrumento de crédito, desde que o mutuário comprove a dificuldade temporária para reembolso do crédito em razão de uma ou mais entre as situações abaixo, e que a instituição financeira ateste a necessidade de prorrogação e demonstre a capacidade de pagamento do mutuário: (Res CMN 4.883 art 1º; Res CMN 4.905art 1º) a) dificuldade de comercialização dos produtos; (Res CMN 4.883 art 1º) ; b) frustração de safras, por fatores adversos; (Res CMN 4.883 art 1º) ; c) eventuais ocorrências prejudiciais ao desenvolvimento das explorações. (Res CMN 4.883 art 1º)” Assim, para que possa pleitear o alongamento da dívida, deverá o interessado demonstrar a ocorrência de pelo menos uma das seguintes situações: a) dificuldade de comercialização dos produtos; b) frustração de safras, por fatores adversos; c) eventuais ocorrências prejudiciais ao desenvolvimento das explorações. No caso dos autos, evidencia-se a comprovação da dificuldade de comercialização dos produtos, frustração de safras, bem como, eventuais ocorrências prejudiciais ao desenvolvimento das explorações. De fato, conforme se observa no Laudo Técnico emitido assinado pelo Engenheiro Agrônomo Eduardo Judicial – CAJU Paulo Ricardo Padilha Gonçalves - CREA: PR-116233/D (id. 160282800) o requerente sofreu queda brusca em sua receita obtida, concluindo que “É impreterível mencionar que, o valor de retorno da safra, foi utilizado para pagamento do arrendamento da área de 1.500 hectares. Ademais, recursos também foram destinados ao pagamento de uma parte da CPR. Neste aspecto, a tabela acima tem como finalidade credenciar a realidade dos produtores de forma legítima, para o pagamento do contrato que está em aberto. Portanto, de acordo com os cálculos e a análise técnica, foi possível mensurar a prospecção dos clientes, sob a qual podemos inferir uma capacidade de pagamento com margem de carência de aproximadamente 2 (dois) anos e com o prazo de pagamento para até 25 (vinte e cinco) anos. Em suma, a previsão é que os benefícios proporcionados pela prorrogação sejam significativamente positivos, tornando possível que os produtores da FAMÍLIA CORAL, possam honrar os seus compromissos financeiros, sem repercutir negativamente em seu próprio sustento.” Não obstante, consta do Laudo de Perda emitido assinado pelo Engenheiro Agrônomo Eduardo Judicial – CAJU Paulo Ricardo Padilha Gonçalves - CREA: PR116233/D (id. 160282802) que o requerente sofreu brusca queda pungente de sua produção, conforme é possível ver nas imagens, sendo concluindo que “enfrentou condições desfavoráveis em virtude da alta dos insumos agrícolas e da queda no preço da saca da cultura de soja. Ademais, a manifestação da seca culminou em perdas produtivas preponderantes nas lavouras de soja. Nesse viés, esses infortúnios se tornaram preponderantes para gerar um desequilíbrio financeiro aos produtores rurais, levando ao decréscimo das margens rentáveis na atividade, configurando impedimento na quitação de seus débitos”. Conforme constatado no referido laudo, para a agricultura caracteriza-se por alta influência de fatores climáticos, como temperatura, chuva, umidade do solo, ar, ventos e radiação solar, de tal modo que, a variabilidade ambiental configura-se como o principal determinante de risco no exercício da atividade. Na safra 2023/2024 a escassez de chuvas resultou em comprometimento considerável do processo fotossintético da planta, fenômeno deletério direto, devido à desidratação do citoplasma celular, e indireto, por meio do fechamento dos estômatos. Consequentemente, a ausência de disponibilidade hídrica no solo acarretou a impossibilidade de um completo desenvolvimento das fases de germinação emergência e floração-enchimento de grãos. Portanto, por certo que se pode entender como frustrada a safra, bem como, comprovada a dificuldade de comercialização dos produtos, preenchendo, assim, o requisito exigido pelo Manual de Crédito Rural referente à comprovação de frustração da safra e comercialização de produtos, o que traz repercussões na sua capacidade financeira para quitar o débito. Em que pese a comprovação de parte dos requisitos exigidos, o Manual de Crédito Rural, de forma explícita, condiciona, ainda, o alongamento da dívida à que a instituição financeira ateste a necessidade de prorrogação, como também a capacidade de pagamento do mutuário, contudo, sobressai dos documentos anexados aos autos que a parte autora efetuou pedido formal de prorrogação do débito rural por vários meios, porém, não obteve resposta da instituição financeira (id. 16028286, 160282807, 160282808, 160282809, 160282810 e 160282811). Ademais, a Súmula n. 298 do Superior Tribunal de Justiça é categórica ao dispor que "o alongamento de dívida originada de crédito rural não constitui faculdade da instituição financeira, mas, direito do devedor, nos termos da lei". Além disso, os documentos constantes dos autos, como já dito, demonstram, por ora, a presença dos requisitos legais e fáticos estabelecidos pela Lei n. 9.138/95, e evidencia a escassez de chuvas na região, aliado à crise no setor produtivo, a prejudicar o desenvolvimento das suas atividades rurais e comercialização dos seus produtos. Por conseguinte, possível constatar-se, em juízo de cognição sumária, que o adimplemento das prestações da operação em litígio tornou-se bastante onerosa para o requerente. Nesta primeira análise perfunctória do feito, depreende-se a probabilidade de o autor fazer jus à prorrogação da dívida rural contraída, conforme assegurado pela lei e regulamentação pertinente. Por sua vez, é inequívoco o perigo de dano grave, de difícil ou impossível reparação, ou o risco ao resultado útil do processo, advindos da demora na outorga de tutela jurisdicional, haja vista os notórios prejuízos que a negativação da dívida poderá causar ao demandante, a exemplo do impedimento de obtenção de crédito no mercado para desenvolvimento regular da atividade rural. Ante o exposto, DEFIRO PARCIALMENTE o pedido de tutela antecipada, determinando-se a prorrogação do débito rural pelo requerente, até o final da demanda, ficando o requerido impossibilitado de inserir o nome do autor nos cadastros de inadimplência, sob pena de multa diária no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), limitada a 30 (trinta) dias”. No caso, ao menos à primeira vista, o raciocínio decisório é isento de crítica imediata, inclusive porque está alinhado com o posicionamento da Corte Superior, de que “o alongamento de dívida originada de crédito rural não constitui faculdade da instituição financeira, mas, direito do devedor, nos termos da lei” (STJ, Súmula nº 298), o direito subjetivo só nasce com o preenchimento de uma série de requisitos, entre os quais se insere a formulação de prévio requerimento administrativo formal à instituição financeira, acompanhado de prova de preenchimento de todos os requisitos previstos em legislação e resoluções editadas pelo Banco Central do Brasil. Na decisão agravada, o MM. Juiz a quo fundamentou o deferimento parcial da tutela antecipada na aparente comprovação, por meio de laudos técnicos anexados aos autos originários, da dificuldade de comercialização dos produtos e da frustração de safras vivenciadas pelo Agravado, em decorrência de fatores climáticos adversos e da alta dos insumos agrícolas, o que teria impactado significativamente sua capacidade financeira. Ademais, o magistrado de primeiro grau ressaltou que, apesar de o Agravado ter efetuado pedidos formais de prorrogação do débito, não obteve resposta da instituição financeira, o que, em uma análise perfunctória, poderia configurar óbice indevido ao exercício do direito de alongamento da dívida. Consoante norma regulamentar, o alongamento da dívida deve ser requerido administrativamente até quinze dias antes do vencimento do título, sendo este requisito obrigatório para sua concessão. A propósito: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - EMBARGOS À EXECUÇÃO - CERCEAMENTO DE DEFESA - INOCORRÊNCIA - CÉDULA DE CRÉDITO RURAL - ALONGAMENTO DA DÍVIDA - REQUISITOS PREENCHIDOS. Descabida a alegação de cerceamento de defesa quando a prova não realizada mostra-se desnecessária ou inútil para o desate da lide. "O alongamento de dívida originada de crédito rural não constitui faculdade da instituição financeira, mas, direito do devedor nos termos da lei" (Súmula 298, STJ). Verificando-se que o requerimento administrativo de alongamento do débito foi formulado após o vencimento da dívida, sendo, portanto, tempestivo, vez que foi realizado antes da data limite definida pela Resolução CMN nº 3.999/2011, vigente à época, e que estão satisfeitos os requisitos legais, já que ao pedido administrativo foi anexado laudo técnico favorável à prorrogação, ante a dificuldade financeira, deve ser reconhecido o direito do devedor ao alongamento da dívida. (TJ-MG - AC: 00142695120148130443, Relator: Des.(a) Marcelo Pereira da Silva, Data de Julgamento: 08/11/2023, 11ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 08/11/2023) No caso em apreço, ao que parece, os requerimentos foram realizados antes do vencimento da dívida, conforme documentos afixados no Id. 168712918 nos autos de origem. Embora o Agravante suscite a inaplicabilidade das normas do Manual de Crédito Rural aos contratos em questão e a ausência de comprovação dos requisitos específicos para a prorrogação, tais alegações demandam uma análise mais aprofundada do conjunto probatório e das particularidades contratuais, o que não se mostra adequado em sede de Agravo de Instrumento, cuja cognição é limitada. Nesse sentido, a orientação do Superior Tribunal de Justiça, conforme citado na própria decisão agravada, é de que “a pendência da apreciação, pelo Judiciário, de pedido de alongamento de dívida rural, determina a suspensão da execução, cuja extinção só será determinada após o trânsito em julgado da sentença que determina a prorrogação do empréstimo." (AgInt no REsp 1684927/MG, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 21/08/2018, DJe 20/09/2018). Embora o caso em tela não se trate de execução, o princípio que norteia a decisão do STJ reforça a necessidade de cautela na exigibilidade do débito enquanto se discute o direito ao alongamento. A manutenção da decisão que impede a negativação do nome do Agravado e determina a prorrogação do débito até o final da demanda se mostra, neste momento, a medida mais prudente, a fim de evitar prejuízos potencialmente irreparáveis ao exercício da atividade rural, que possui peculiaridades e está sujeita a fatores externos imprevisíveis. As alegações do Agravante acerca da natureza facultativa da prorrogação e da ausência de obrigatoriedade imposta pela Lei nº 13.606/2018 e pela Resolução CMN 4.591/2017 demandam um exame meritório mais detido, considerando a interpretação sistemática da legislação e da jurisprudência sobre o tema do crédito rural. Quanto à multa diária fixada, entendo que, neste momento processual, não se vislumbra ilegalidade flagrante ou desproporcionalidade manifesta que justifique sua imediata revogação. A multa possui caráter coercitivo e visa assegurar o cumprimento da decisão judicial, sendo passível de revisão em momento oportuno, caso se mostre excessiva ou ineficaz. Diante do exposto, e considerando a necessidade de aguardar a instrução probatória e o contraditório para uma análise mais completa da controvérsia, não se verifica, por ora, a probabilidade de provimento do recurso capaz de justificar a reforma da decisão agravada. Ante o exposto, em consonância com os fundamentos acima delineados, nego provimento ao Agravo de Instrumento interposto pelo BANCO DO BRASIL S.A., mantendo incólume a r. decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Água Boa. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 20/05/2025

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