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Natacha Michelly Rondon x Mrv Prime Parque Chronos Incorporacoes Spe Ltda

ID: 324816089

Tribunal: TJMT Órgão: 11ª VARA CÍVEL DE CUIABÁ Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 1001282-13.2024.8.11.0041

Data de Disponibilização: 14/07/2025

Polo Ativo:

NATACHA MICHELLY RONDON

Polo Passivo:

MRV PRIME PARQUE CHRONOS INCORPORACOES SPE LTDA

Sentença

Advogados:

JACQUES ANTUNES SOARES

OAB/RS XXXXXX Desbloquear

STEPHANY QUINTANILHA DA SILVA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 11ª Vara Cível Comarca da Capital GABINETE Autos n. 1001282-13.2024.8.11.0041 Vistos, etc. Trata-se de ação de indenização por danos morais c/c pedido de tutela… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 11ª Vara Cível Comarca da Capital GABINETE Autos n. 1001282-13.2024.8.11.0041 Vistos, etc. Trata-se de ação de indenização por danos morais c/c pedido de tutela de urgência ajuizada por Natacha Michelly Rondon em face de MRV Prime Parque Chronos Incorporações SPE Ltda, todos devidamente qualificados nos autos, por meio da qual busca a autora a condenação da parte requerida ao pagamento de indenização por danos morais, bem como a obrigação de finalizar a montagem dos móveis adquiridos, cuja entrega e instalação teriam ocorrido com atraso e não finalização. A autora alega que, ao adquirir da requerida um imóvel, firmou também, de forma vinculada à mesma empresa, contrato para aquisição e instalação de móveis planejados, no valor total de R$ 22.393,00, pagos de forma antecipada. Afirma que lhe foi prometido o prazo máximo de 60 dias após a medição para entrega e instalação dos móveis, prazo que expiraria em 04.11.2023. Todavia, mesmo após diversas tentativas de solução extrajudicial, os móveis só foram entregues em 22.12.2023, e ainda assim, sem a devida montagem finalizada. Ressalta que, durante esse período, sofreu diversos transtornos, como a impossibilidade de cozinhar e guardar roupas, e, quando da entrega, os móveis foram deixados de forma desorganizada, danificando, inclusive, o teto do imóvel. Alega, ainda, ter sido tratada com descaso por parte da requerida, que demonstrou negligência ao deixar de cumprir com sua obrigação contratual. Menciona que tentou solucionar a situação administrativamente, tendo inclusive aberto protocolos de atendimento, os quais não resultaram em providência eficaz por parte da empresa. A parte autora fundamenta seus pedidos nas normas do Código de Defesa do Consumidor e no Código Civil, especialmente nos dispositivos que tratam da responsabilidade objetiva, do ato ilícito e da reparação dos danos morais. Pleiteia, liminarmente, a concessão de tutela de urgência, inaudita altera pars, para que a parte requerida seja compelida a concluir a montagem dos móveis no prazo máximo de 3 dias, sob pena de multa diária não inferior a R$ 500,00. Requer, também, a concessão do benefício da justiça gratuita, a inversão do ônus da prova, e, ao final, a procedência dos pedidos para confirmação da tutela, com a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00. Atribuiu à causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). A autora instruiu a inicial com documentos id. 138552276 a id. 138553419. Não foi realizada audiência de conciliação, conforme id. 158415484. A requerida apresentou a contestação no id. 160884718 alegando que não há responsabilidade da MRV pelos móveis adquiridos, pois, apesar de a negociação ter ocorrido nas dependências da empresa, a contratação dos móveis foi feita com empresa terceira, com contrato autônomo. Argumenta que os móveis foram devidamente entregues em 22.12.2023, conforme termo de entrega de chaves juntado aos autos, e que a instalação foi finalizada em 24.02.2024. Alega que, ao contrário do alegado pela parte autora, a MRV não atuou com descaso, tendo mantido comunicação contínua e prestado o devido suporte. Pugna pela improcedência da demanda, alegando ausência de responsabilidade subjetiva e objetiva e inexistência de dano moral indenizável. A parte autora apresentou impugnação, conforme documento de id. 161226459. Foram juntadas outras manifestações, como o documento de manifestação da parte autora id. 138691617, bem como manifestação com novos documentos sobre o andamento da montagem ids. 185347276 e 185979345, além da petição de pedido de liminar ou antecipação de tutela id. 144393443. A decisão liminar foi indeferida no id. 138908218. Foram proferidas decisões intermediárias no curso do feito, inclusive decisão de saneamento e organização do processo no id. 184781887. Vieram os autos conclusos. É o relatório. Fundamento. DECIDO. Trata-se de ação de indenização por danos morais c/c pedido de tutela de urgência ajuizada por Natacha Michelly Rondon em face de MRV Prime Parque Chronos Incorporações SPE Ltda, todos devidamente qualificados nos autos, por meio da qual busca a autora a condenação da parte requerida ao pagamento de indenização por danos morais, bem como a obrigação de finalizar a montagem dos móveis adquiridos, cuja entrega e instalação teriam ocorrido com atraso e não finalização. Profiro o julgamento antecipado da lide (artigo 355, I, do Código de Processo Civil), porque a matéria prescinde de outras provas, sendo suficientes para o deslinde da causa as provas documentais contidas nos autos, que permitem a formação do convencimento do juiz, conforme regra do artigo 370, do CPC. Passo, então, a decidir a causa. A controvérsia posta nos autos centra-se na ocorrência de inadimplemento contratual substancial por parte da requerida, em contrato celebrado para fornecimento e instalação de móveis planejados no imóvel adquirido pela autora junto à própria ré, e na pretensão de compensação por danos morais alegadamente suportados em decorrência da conduta reiteradamente omissiva, desrespeitosa e desidiosa da parte demandada. Assim, a questão jurídica central da lide consiste em determinar: i) se o contrato firmado entre as partes foi descumprido de forma injustificada pela requerida; ii) se tal inadimplemento autoriza a responsabilização por danos extrapatrimoniais; iii) e, por fim, se a conduta da requerida caracteriza falha na prestação de serviço a ensejar reparação moral. Pois bem. De início, impõe-se reconhecer, com base no acervo probatório constante nos autos, que a relação jurídica entabulada entre as partes é inequivocamente de consumo, conforme dispõe o artigo 2º, do Código de Defesa do Consumidor, sendo a autora a destinatária final do serviço contratado, e a requerida fornecedora de produtos e serviços no mercado de consumo. No caso, a existência da avença está documentalmente comprovada por meio de contrato de fornecimento de móveis planejados, no valor total de R$ 22.393,00 (vinte e dois mil, trezentos e noventa e três reais), integralmente quitado pela autora, conforme comprovantes de pagamento encartados aos autos e comunicações realizadas com prepostos da ré. Além disso, restou comprovado que o prazo máximo para entrega dos móveis era de 60 (sessenta) dias após a medição, realizada em 04.09.2023, de modo que o limite contratual para entrega seria 04.11.2023. Contudo, os móveis só foram entregues em 22.12.2023, após sucessivas cobranças, reclamações registradas e insistentes tentativas de solução extrajudicial por parte da autora, que inclusive foi tratada com descaso por funcionários da empresa, conforme conversas juntadas aos autos. Mesmo com a entrega dos itens, a montagem permaneceu inacabada por várias semanas, não tendo sido finalizada até a propositura da demanda. A requerida, por sua vez, apresentou contestação meramente formal, por negativa geral, sem impugnar de forma específica os fatos narrados na inicial, tampouco produziu qualquer elemento probatório apto a infirmar a veracidade das alegações da autora. Tal postura, nos termos do artigo 341 do Código de Processo Civil, autoriza a presunção de veracidade dos fatos articulados na exordial. A negativa genérica, por sua natureza, não afasta a validade e a robustez dos documentos apresentados pela autora, revelando-se defesa inócua e incapaz de afastar o direito postulado. Nos termos do art. 373, II, do CPC, competia à requerida o ônus da prova de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da autora, especialmente diante do conjunto documental robusto trazido aos autos, que comprova não apenas o inadimplemento, mas também a conduta reiteradamente omissiva da empresa. Na espécie, restou incontroverso que, mesmo tendo recebido integralmente a quantia contratada, a empresa requerida não entregou os bens no prazo avençado, não finalizou a montagem dos móveis e relegou a consumidora a uma situação de desorganização doméstica, desconforto e prejuízo à sua dignidade, tratando com desatenção reiterada as suas solicitações e comunicações. Com efeito, a omissão no cumprimento integral da contraprestação contratual configura inadimplemento contratual, e, nos termos do artigo 389, caput, do Código Civil, impõe-se a obrigação de reparação integral: “Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros, atualização monetária e honorários de advogado.” Tal conduta, além de configurar inadimplemento contratual absoluto, caracteriza-se como ato ilícito por omissão, nos moldes do artigo 186, do Código Civil: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito..” Do mesmo modo, a omissão da empresa demandada, ao se evadir do cumprimento de suas obrigações contratuais, configura abuso de direito, nos termos do artigo 187 do mesmo diploma legal: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.” O Código de Defesa do Consumidor, além de dispor expressamente sobre a responsabilidade objetiva do fornecedor (art. 14), assegura ao consumidor a inversão do ônus da prova, sempre que se verificar a verossimilhança das alegações ou a hipossuficiência técnica ou informacional do consumidor, conforme art. 6º, VIII, do CDC. Tais pressupostos estão amplamente preenchidos nos autos. A recusa no cumprimento da obrigação e a dissolução empresarial sem devolução dos valores configura enriquecimento sem causa, vedado pelo ordenamento jurídico, nos termos do artigo 884, do Código Civil: “Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.” Comprovado, pois, o inadimplemento substancial da obrigação contratual assumida pela requerida, e demonstrado o pagamento antecipado da integralidade do valor de R$ 22.393,00 (vinte e dois mil, trezentos e noventa e três reais) por parte da autora, sem que houvesse a devida entrega e finalização da montagem dos móveis planejados, revela-se imperativa a responsabilização da demandada e a compensação da parte autora pelos prejuízos experimentados, com incidência dos consectários legais. Vejamos: “RECURSO DE APELAÇÃO – AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C DEVOLUÇÃO DE QUANTIAS PAGAS C/C DANOS MORAIS – COMPRA E VENDA DE MÓVEIS PLANEJADOS – ILEGITIMIDADE PASSIVA DA FABRICANTE – CERCEAMENTO DE DEFESA – NÃO CARACTERIZADO – PRELIMINARES REJEITADAS – MÉRITO – FALTA DE INICIALIZAÇÃO DO PROJETO – PEDIDO DE RESCISÃO CONTRATUAL – CULPA EXCLUSIVA DAS RÉS – VIABILIDADE – MULTA CONTRATUAL – INAPLICABILIDADE – DEVOLUÇÃO INTEGRAL DOS VALORES PAGOS – CABIMENTO – JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA A PARTIR DO DESEMBOLSO – DANOS MORAIS – CONFIGURAÇÃO – QUANTUM INDENIZATÓRIO – REDUÇÃO – INVIABILIDADE – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO NÃO PROVIDO. [...] 16. No que diz respeito aos danos morais, resta incontroverso que o autor pagou integralmente as rés no ato da contratação, todavia, as rés sequer deram início ao projeto, tampouco a restituição do valor adimplido, sendo evidente que tal situação ultrapassa o mero dissabor cotidiano, devendo ser mantida, portanto, a condenação a título de danos morais. [...]” (TJMT, RAC nº 1003656-12.2018.8.11.0041, 4ª Câm. Dir. Priv., Rela. Desa. Serly Marcondes Alves, j. 09.02.2022 – negritei). “DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO INOMINADO. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. AQUISIÇÃO E INSTALAÇÃO DE MÓVEIS PLANEJADOS. ENTREGA PARCIAL E FORA DO PRAZO CONTRATADO. AUSÊNCIA DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. MAJORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO A TÍTULO DE DANOS MATERIAIS. MULTA COMINATÓRIA AFASTADA POR AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. [...] IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: “O fornecedor responde objetivamente pelos danos causados ao consumidor pela falha na prestação do serviço, salvo comprovação de inexistência do defeito ou culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros. O descumprimento do prazo de entrega e a execução parcial de contrato de fornecimento de bens justificam a restituição proporcional dos valores pagos. A reparação por danos morais é cabível quando a falha na prestação do serviço impõe ao consumidor transtornos que ultrapassam o mero inadimplemento contratual. [...]” (TJMT, RI nº 1028785-32.2024.8.11.0001, 1ª Turma Recursal, Rel. Dr. Gonçalo Antunes de Barros Neto, j. 10.02.2025 – negritei). Ressalta-se, ainda, que o dano moral é presumido (in re ipsa), sendo desnecessária a prova do efetivo abalo psicológico, bastando a comprovação da conduta lesiva e de suas repercussões anormais na vida do autor. Assim sendo, no que se refere ao quantum a ser fixado, é de se ressaltar que não existe uma tabela precisa onde há valores pré-fixados para cada tipo de dano moral, mormente pelo fato de este ser imensurável. Nesta ótica, o princípio do livre convencimento confere ao magistrado a prudente prerrogativa de arbitrar o valor que entender justo, sempre de acordo com as peculiaridades do caso concreto, fazendo uma correspondência entre a ofensa e o valor da condenação, observando os princípios que norteiam o dano moral tais como: a posição social do ofendido, a capacidade econômica do causador e a extensão da dor sofrida, sob pena de propiciar o locupletamento ilícito a vítima, ao mesmo tempo o valor deve ser significativo para que não passe despercebido coibindo a conduta negligente do agente. Não é demais ressaltar que o valor indenizatório devido no dano moral tem dupla função: compensatória em relação ao dano sofrido e penalizadora pela conduta negligente do agente causador. Logo, considerando o grau de responsabilidade da requerida frente ao dano causado e o abalo moral sofrido pela autora, este deve ser condenado ao pagamento de R$ 8.000,00 (oito mil reais), a título de dano moral, valor esse que cumprirá a finalidade de inibir mesmo na repetição da falha, considerando-se a sua capacidade econômica, bem como a imediata reparação do erro. Ainda, em relação a ofendida, o valor a ser indenizado deve servir para de alguma forma confortá-la, amenizando os contratempos e aborrecimentos sofridos. Deixo de enfrentar os demais argumentos deduzidos no processo, porque desnecessários para diminuir a autoridade desta sentença, conforme art. 489, §1º, IV do CPC, agindo, este Juízo, em obediência também ao comando Constitucional do art. 5º, LXXVIII. Posto isto, nos termos do art. 487, I, do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE os pedidos formulados na presente ação de obrigação de fazer c/c indenização por danos morais ajuizada por NATACHA MICHELLY RONDON em face de MRV PRIME PARQUE CHRONOS INCORPORAÇÕES SPE LTDA, para: a. Extinguir o feito, sem resolução do mérito, quanto ao pedido de obrigação de fazer, nos termos do art. 485, inciso VI, do Código de Processo Civil, diante da perda superveniente do objeto, tendo em vista que a montagem dos móveis foi finalizada no curso da demanda; b. Condenar a requerida ao pagamento de R$ 8.000,00 (oito mil reais) a título de indenização por danos morais, acrescido de juros e correção monetária pela Taxa Selic até a vigência da Lei n. 14.905/2024, quando então será aplicado o IPCA para correção e Selic para juros, abatido desta o valor do IPCA, ambos a partir da citação e do arbitramento, respectivamente; c. Condenar a requerida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da condenação, nos termos do art. 85, §2º, do Código de Processo Civil. a. quando então será aplicado o IPCA para correção e Selic para juros, abatido desta o valor do IPCA, ambos a partir da citação e do arbitramento, respectivamente; Transitado em julgado, remetam-se os autos imediatamente ao arquivo, mediante as anotações necessárias. P. I. C. Olinda de Quadros Altomare Juíza de Direito

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Robson Weber x Cooperativa De Crédito Poupança E Investimento Vale Do Cerrado - Sicredi Vale Do Cerrado

ID: 294884439

Tribunal: TJMT Órgão: 2ª VARA DE PARANATINGA Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 1001282-04.2024.8.11.0044

Data de Disponibilização: 10/06/2025

Polo Ativo:

ROBSON WEBER

Polo Passivo:

COOPERATIVA DE CRÉDITO POUPANÇA E INVESTIMENTO VALE DO CERRADO - SICREDI VALE DO CERRADO

Sentença

Advogados:

JOAO PEDRO ROCHA ARAUJO

OAB/MS XXXXXX Desbloquear

RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

REGIS SANTIAGO DE CARVALHO

OAB/MS XXXXXX Desbloquear

TAELI GOMES BARBOSA

OAB/MS XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 2ª VARA DE PARANATINGA SENTENÇA Processo: 1001282-04.2024.8.11.0044 AUTOR(A): ROBSON WEBER REU: COOPERATIVA DE CRÉDITO POUPANÇA E INVESTIMENTO VALE DO CERRADO -… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 2ª VARA DE PARANATINGA SENTENÇA Processo: 1001282-04.2024.8.11.0044 AUTOR(A): ROBSON WEBER REU: COOPERATIVA DE CRÉDITO POUPANÇA E INVESTIMENTO VALE DO CERRADO - SICREDI VALE DO CERRADO I - RELATÓRIO Vistos e examinados. ROBSON WEBER ajuizou ação pelo procedimento comum em face da Cooperativa de Crédito, Poupança e Investimento Vale do Cerrado - SICREDI VALE DO CERRADO, ambos devidamente qualificados nos autos. Aduz a parte autora que, na condição de produtor rural, firmou com a parte ré, em 20/04/2022, cédula rural pignoratícia de nº. C20630898-8, no valor de R$3.800.000,00, para ser paga em prestação única em 30/04/2023. Todavia, em razão de dificuldades financeiras decorrentes de intempéries climáticas, queda nos preços dos produtos agrícolas e elevação dos custos de produção não conseguiu adimplir a obrigação devida. Diante desse cenário, buscou a ré para obter alongamento da dívida, no entanto, foi induzido a, erroneamente, aderir a Cédula de Crédito Bancário de nº. C30631690-7, renegociando assim o saldo devedor, no valor de R$4.092.873,38 a ser pago em 5 parcelas anuais. Posteriormente, ao requerer novo alongamento, teve sua solicitação negada, sob a justificativa de que a operação original já havia sido renegociada, sendo-lhe oferecida mais uma renegociação, a qual não é de seu interesse. Ao exposto, requer a garantia do direito de prorrogação da dívida, bem como a revisão das cláusulas contratuais que estejam em desacordo com a legislação protetiva, notadamente quanto aos encargos financeiros, descaracterização da mora, juros remuneratórios e índice de correção monetária. A gratuidade judiciária e a tutela de urgência foram indeferidas (ID. 159074006 e ID. 160946196). Regulamente citada, a parte ré apresentou contestação sob ID. 168804287, na qual suscita, preliminarmente, ausência de interesse, inépcia da inicial por ausência de fundamentação e documentação probatória, bem como, impugnou o valor da do à causa. No mérito, aduz pela impossibilidade de alongamento da dívida e ausência de cláusulas abusivas, motivo pelo requer a improcedência dos pedidos iniciais. Impugnação a contestação apresentada sob o ID. 171600784. Intimadas as partes para que especificassem provas, a parte autora requereu a exibição de documentos por parte da ré e realização de perícia contábil e agronômica (ID. 172749269). Ao passo que a parte ré pugnou pelo julgamento antecipado (ID. 172936366). Posteriormente, a parte ré requereu a dilação do prazo para manifestação (ID. 175254266), enquanto a parte autora requereu a análise do pedido realizado em ID. (ID. 172749269). Vieram conclusos. É o relatório. DECIDO. II – FUNDAMENTAÇÃO II.1 – QUESTÕES PROCESSUAIS a) REQUERIMENTO DE PRAZO A parte ré pugnou pela dilação de prazo em ID. 175254266, para se manifestar sobre o laudo apresentado pela parte autora, bem como para especificação de provas. Todavia, entendo que razão não lhe assiste, pois, devidamente intimada, limitou-se a requerer o julgamento antecipado do feito em ID. 172936366, estando a última petição preclusa de forma consumativa. Assim, indefiro o pedido de dilação de prazo, requerido pela parte ré. b) INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA No que diz respeito a inversão do ônus da prova, tenho que este é um importante instrumento de defesa do consumidor, que visa promover o equilíbrio da relação processual, reduzindo a vulnerabilidade daquele. Todavia, no caso dos autos não lhe assiste o direito à inversão do ônus da prova, uma vez que tal evento é sem utilidade processual para se dizer o direito, uma vez que a prova é documental e está nos autos, bastando seu o confronto com a legislação vigente, para fins de aferição de legalidade – ou não – da forma de agir ou contratar do fornecedor. Assim, indefiro o pedido de inversão do ônus da prova. c) PRODUÇÃO DE PROVAS A parte autora requereu a realização de prova pericial contábil e agronômica, bem como pugnou pela apresentação de documentos de posse da parte ré. Pois bem, entendo que razão não lhe assiste. Vejamos. O magistrado, como destinatário da prova, pode indeferir aquelas que entender inúteis ou meramente protelatórias, nos termos do que autoriza a norma contida no art. 370 do CPC, vejamos: Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito. Parágrafo único. O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias. A prova pretendida pela parte autora, no que diz respeito ao exame contábil do contrato firmado, com a finalidade de comprovar a cobrança de encargos ilegais, dispensa a perícia, uma vez que tal aferição pode ser feita pelo próprio magistrado, bastando a detida análise do contrato firmado pelas partes. Verificando o magistrado que houve a cobrança de encargos ilegais e abusivos, passará, na sentença, ao decote, sendo que os cálculos de eventual saldo serão realizados em outra fase processual, a liquidação de sentença, na qual será necessária a realização da perícia de acordo com os parâmetros fixados na sentença. O parágrafo único do art. 420 do CPC estatui os casos em que o juiz poderá indeferir a perícia, com destaque para o inciso II, vejamos: Art. 420. A prova pericial consiste em exame, vistoria ou avaliação. Parágrafo único. O juiz indeferirá a perícia quando: I - a prova do fato não depender do conhecimento especial de técnico; II - for desnecessária em vista de outras provas produzidas; III - a verificação for impraticável. Além disso, quanto a produção de prova pericial agronômica, com a finalidade de comprovar a queda de sua produtividade e, por consequência, sua real capacidade de pagamento, também não merece prosperar. A prova requerida revela-se impertinente e desnecessária para o deslinde da controvérsia, uma vez que a alegada redução da produtividade ou dificuldades financeiras supervenientes, mesmo que comprovadas, não têm o condão de alterar unilateralmente os termos do contrato firmado entre as partes. A Cédula Rural Pignoratícia constitui título de crédito dotado de força executiva, cuja exigibilidade não se submete à demonstração da viabilidade econômica do devedor no momento do vencimento. Por fim, quanto ao requerimento de exibição dos documentos (todos os contratos que deram origem a operação de crédito e seus extratos e os extratos pormenorizados da conta gráfica), também não merece deferimento. Extrai-se dos autos os documentos necessários a análise do feito, qual seja, os contratos firmados entre as partes e os extratos e fichas gráficas (ID. 168805498 a 168805502), no qual constam todas as informações necessárias para o julgamento da lide. Diante disso, indefiro a produção de referidas provas. d) IMPUGNAÇÃO AO VALOR DADO À CAUSA A parte ré impugna o valor atribuído à causa, sob o argumento de que o montante indicado pela parte Autora – R$ 2.329.403,54 – não guarda correspondência com o conteúdo patrimonial em discussão, tampouco com o efetivo proveito econômico pretendido. Alega que o valor foi quantificado de forma unilateral e exorbitante, em desacordo com os parâmetros legais previstos no artigo 292 do Código de Processo Civil, pleiteando, ao final, a retificação do valor da causa. A impugnação, contudo, não merece acolhida. Com efeito, nos termos do artigo 292, inciso II, do CPC, o valor da causa, nas ações que tenham por objeto a existência, validade, cumprimento, modificação ou extinção de obrigação, deve corresponder ao valor do contrato ou da obrigação. Na hipótese dos autos, trata-se de demanda na qual o autor busca a repactuação (alongamento) de dívida representada por Cédula Rural Pignoratícia, bem como a revisão de algumas cláusulas, cujo valor é justamente aquele apontado na petição inicial. A quantificação do valor da causa, nesse contexto, está vinculada ao montante da obrigação cuja revisão é postulada, razão pela qual o valor atribuído à causa se mostra adequado ao objeto litigioso e proporcional ao proveito econômico pretendido. Ressalte-se, ademais, que a simples alegação de excesso ou desproporção, desacompanhada de elementos concretos que demonstrem o desacerto do valor indicado, não é suficiente para ensejar a alteração de ofício ou por arbitramento judicial, especialmente quando o valor atribuído reflete o conteúdo financeiro da relação jurídica discutida. Assim, afasto a impugnação ao valor da causa, mantendo-o nos termos indicados na petição inicial. II.2 – PRELIMINARES a) AUSÊNCIA DE INTERESSE A parte ré alega, em sede preliminar, a inexistência de interesse de agir por parte da autora, sustentando que os contratos discutidos na demanda (original e renegociado) são válidos, lícitos, firmados por livre manifestação de vontade, sem qualquer vício de consentimento. Argumenta, ainda, que não há nos autos demonstração de irregularidade na conduta da ré, e que a presente ação decorre de mero inconformismo da parte autora com as condições previamente pactuadas e por ela reiteradamente aceitas. Sem razão, contudo. O interesse processual decorre da necessidade e utilidade da prestação jurisdicional em relação à pretensão deduzida, sendo suficiente, para sua configuração, a existência de controvérsia jurídica plausível, ainda que os pedidos venham a ser julgados improcedentes ao final. A alegação de que os contratos são válidos, por si só, não afasta a presença do interesse de agir, tampouco autoriza o indeferimento liminar da petição inicial ou a extinção do processo sem resolução do mérito. Ao contrário, tais argumentos se confundem com o mérito da controvérsia, devendo ser analisados oportunamente, após regular instrução, se necessária, e contraditório pleno. A Autora sustenta, em sua inicial, pretensão de alongamento de dívida fundada em alegada alteração de sua capacidade de pagamento e revisão contratual. Assim, verifica-se que há pretensão resistida e objeto litigioso claramente delimitado, o que autoriza o regular prosseguimento do feito. Dessa forma, rejeito a preliminar de ausência de interesse de agir suscitada pela parte ré. b) INÉPCIA DA INICIAL A parte Ré suscita preliminar de inépcia da petição inicial, alegando que esta não preenche os requisitos legais. Sustenta, em síntese, que não foi juntada prova de pedido anterior e formal de prorrogação da dívida, tampouco demonstração da ocorrência de eventos climáticos (estiagem) ou de incapacidade financeira que justifiquem o pedido de alongamento. Afirma, ainda, que a dívida já teria sido objeto de renegociação por meio de Cédula de Crédito Bancário, o que afastaria a incidência da Lei nº 9.138/1995, tornando inviável a pretensão autoral. A preliminar, entretanto, não merece acolhimento. A inépcia da petição inicial, nos termos do artigo 330, inciso I, do CPC, exige o descumprimento de requisito essencial à formulação da demanda, de modo a impedir a compreensão da causa de pedir ou do pedido, o que não se verifica no presente caso. A petição inicial está devidamente instruída com os documentos essenciais à propositura da ação e apresenta narrativa clara dos fatos, a identificação do bem da vida discutido e os fundamentos jurídicos do pedido, permitindo à parte Ré exercer plenamente o contraditório e a ampla defesa. A alegada ausência de comprovação de pedido anterior de prorrogação ou da ocorrência de estiagem não configura vício formal apto a ensejar a extinção do feito por inépcia, tratando-se, na verdade, de questões de mérito, que serão analisadas no momento oportuno. O mesmo se diga quanto à discussão acerca da validade da renegociação da dívida por meio de Cédula de Crédito Bancário: ainda que a parte Ré entenda que tal operação afasta a incidência de normas relativas ao crédito rural, tal circunstância deverá ser analisada à luz da prova produzida, sem que isso implique, desde logo, em vício formal da petição inicial. Ressalte-se que a jurisprudência consolidada dos tribunais superiores reconhece que a inépcia somente se configura quando a peça inaugural se mostra inequivocamente ininteligível ou desprovida de elementos mínimos de fato e de direito, o que não se aplica ao caso dos autos. Dessa forma, rejeito a preliminar de inépcia da petição inicial. II.3 – DO JULGAMENTO ANTECIPADO Não observo questões processuais pendentes. Foram suscitadas preliminares. Ausentes nulidades reconhecíveis de ofício e dispensada a instrução probatória, passo ao julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 355, inciso I, do CPC. II.4 - MÉRITO Trata-se, em síntese, de ação revisional com garantia do alongamento do débito. Incide no presente caso o regime jurídico previsto no Código Civil (CC), uma vez que o crédito contratado é utilizado para fomentar a atividade rural e não para consumo final, de forma que fica afastada a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Ademais, são fatos incontroversos nos autos a relação entre as partes e a contratação das cédulas de crédito. Desse modo, cinge-se a controvérsia na resolução da questão envolvendo a existência ou não de abusividades nos contratos, o que ensejaria a sua revisão, bem como a possibilidade de alongamento da dívida. Inicialmente, verifica-se que foi firmado entre as partes dois contratos, sendo uma Cédula Rural Pignoratícia de nº. C20630898-8, em 20/04/2022 (ID. 157418175) e Cédula de Crédito Bancário de nº. C30631690-7 (ID. 157418177), em 12/06/2023. Inobstante não conste no documento de ID. 157418177 – Cédula de Crédito Bancário que se trata de renegociação da dívida de ID. 157418175 – Cédula Rural Pignoratícia, extrai-se do documento juntado ao ID. 157418182 que se trata, de fato, da alegada renegociação, uma vez que liquidou a cédula rural pignoratícia (ID. 157418175). Além disso, o banco réu não apresentou manifestação contrária a este fato, motivo pelo qual presume-se a sua veracidade. Todavia, não produz efeito de novação a renegociação de dívida oriunda de cédula rural levada a efeito por meio de emissão de cédula de crédito bancário, se inobservada a legislação aplicável ao título de natureza rural por desvio de finalidade. Explico. É incontroverso o encadeamento da segunda operação com origem em débito rural. Nesse contexto, embora o art. 26 da Lei nº. 10.931/04, permita a emissão de cédula de crédito bancário para representar operação de crédito de qualquer natureza, por evidente que não é possível admiti-la para transformar a natureza da dívida originária, de tal modo a permitir a indecência de encargos diversos daqueles previstos pela legislação aplicável a esta, sob pena de desvio de finalidade do título formado para a renegociação. Noutras palavras, a renegociação da dívida de natureza rural, embora possível por meio da cédula de crédito bancário, deve observar a legislação rural quanto à incidência dos encargos, de tal forma que não se falar em novação, ainda que expressamente pactuada, eis que caracterizado o desvio de finalidade. Logo, resta indubitável que, sobre a operação instrumentalizada pela Cédula de Crédito Bancário de nº C30631690-7, deve incidir os regramentos aplicáveis ao crédito rural. Dessa forma, restando definida a incidência do regramento do crédito rural ao financiamento instrumentalizado por meio da cédula de crédito bancário de nº. C30631690-7, passemos à análise das pretensões formuladas pela parte autora. Do alongamento da dívida. No caso dos autos, o autor ajuizou a presente ação objetivando o alongamento da dívida alegando incapacidade financeira de cumprir com a obrigação, decorrentes de intempéries climáticas, queda nos preços dos produtos agrícolas e elevação dos custos de produção, preenchidos os requisitos legais para obtenção do pleito. O instituto do alongamento de dívida oriunda de operação de crédito rural de custeio e investimento, trata-se de um mecanismo que visa oferecer aos produtores rurais a possibilidade de renegociar seus débitos, garantindo maior prazo para pagamento e, consequentemente, preservando a sustentabilidade de suas atividades. Esse direito, no entanto, não é automático. Ele depende do cumprimento de uma série de requisitos previstos no Manual de Crédito Rural (MCR), documento que regulamenta operações financeiras ligadas ao agronegócio no país. No caso concreto, o autor alega a incapacidade de cumprir com a obrigação decorrente de intempéries climáticas, queda nos preços dos produtos agrícolas e elevação dos custos de produção. Para que o caso fortuito ou força maior relativizem os termos contratados, é necessário o preenchimento de dois elementos que os caracterizem: a) a necessidade e b) a inevitabilidade. Por necessidade, entende-se a aptidão do fato ocorrido impossibilitar o cumprimento da obrigação. Em outras palavras, o acontecimento natural deve ser considerado, no caso concreto, uma barreira instransponível para a execução do dever contraído. O fato deve ser de tal ponto grave que gere a impossibilidade absoluta de cumprimento da prestação. Na hipótese dos autos, a impossibilidade de pagamento noticiada pelo autor teria ocorrido em razão das condições climáticas, queda nos preços dos produtos agrícolas e elevação dos custos de produção. Contudo, para que gere algum impacto na contratação, a força maior não se confunde com a mera dificuldade ou maior onerosidade do que a inicialmente planejada. Ou seja, não basta que o fato tenha tornado mais difícil ou oneroso o cumprimento da obrigação: ele deve ter tornado impossível. Com relação ao segundo requisito da inevitabilidade, exige-se a situação em que o devedor não tenha, no caso concreto, meios para evitar ou impedir as consequências do evento. Tal evento deve ser irresistível, invencível. O fato resistível, que pode ser superado, não constitui evento a autorizar o descumprimento da obrigação. É perfeitamente possível que o fato seja imprevisível, mas suas consequências evitáveis. Se o devedor não toma medidas para evitá-la, tipifica-se o inadimplemento e não a impossibilidade com apoio no caso fortuito ou força maior. Novamente, a despeito das dificuldades implementadas, não há como enquadrar o ocorrido como fato absolutamente inevitável. Em verdade, trata-se de risco inerente a atividade explorada. Além disso, o Manual de Crédito Rural (MCR), codifica as normas aprovadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e aquelas divulgadas pelo Banco Central do Brasil relativas ao crédito rural, às quais devem subordinar-se os beneficiários e as instituições financeiras que operam no Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), sem prejuízo da observância da regulamentação e da legislação aplicáveis[1]. Referido manual dispõe a respeito na necessidade de comprovação da dificuldade alegada, o que, na hipótese dos autos, de fato não ficou cabalmente demonstrada a efetiva dificuldade de comercialização dos produtos, a frustração de safras e/ou outras ocorrências prejudiciais à exploração. Assim, o indeferimento do alongamento da dívida é medida que se impõe. Do pedido revisional. Em relação ao pedido de revisão contratual, importante registrar que na justa medida em que pode vir o Poder Judiciário a excepcionalmente adequar o contrato que se mostre abusivo ou oneroso em excesso, em igual se deve ter em perspectiva que as partes contratantes se determinam sob uma legítima expectativa de cumprimento da obrigação pactuada. Tendo isso em vista, é possível que o magistrado dê justa interpretação às cláusulas, na medida necessária ao restabelecimento ou manutenção do equilíbrio comutativo. Não se afasta a noção, contudo, de que o Poder Judiciário deve se ater à mínima intervenção para o controle da licitude – quanto ao objeto, capacidade ou consentimento das partes, por exemplo – da eventual onerosidade excessiva, com a prioritária preservação da autonomia privada. Ademais disso, destaco a aplicabilidade da Súmula 381 do Superior Tribunal de Justiça: “Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas”. Saliento que a análise do caso concreto se restringirá àqueles pontos que foram expressamente apontados como abusivos na fundamentação da exordial. Não obstante, nos contratos bancários prevalecem as cláusulas contratuais livremente ajustadas entre partes capazes, tendo inteira aplicação a máxima pacta sunt servanda, como é o caso dos autos. Todavia, considerando que quando da renegociação da dívida não foi utilizado os índices atinentes a cédula de crédito rural, passo a análise dos pontos levantados pela parte autora, a fim de adequá-la. a) Cláusula de alongamento da dívida Sustenta o autor que a cláusula contratual que condicionou o alongamento da dívida rural – originalmente pactuada mediante Cédula Rural Pignoratícia nº C20630898-8, com recursos controlados – à emissão de Cédula de Crédito Bancário nº C30631690-7, com recursos livres, é abusiva e ilegal, por impor encargos excessivamente onerosos, descolados da finalidade da política pública de fomento ao crédito rural. Razão lhe assiste. A renegociação de crédito rural com recursos controlados, amparado por normativas do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), do Conselho Monetário Nacional (CMN) e do Manual de Crédito Rural (MCR), está sujeita ao regime jurídico especial de fomento, visando à proteção da atividade agropecuária e à estabilidade da produção nacional. A substituição unilateral e obrigatória por recursos livres – com encargos mais gravosos – esvazia o objetivo da norma de política agrícola, além de contrariar jurisprudência consolidada. De fato, conforme a Súmula 298 do Superior Tribunal de Justiça: “O alongamento de dívida originada de crédito rural não constitui faculdade da instituição financeira, mas, direito do devedor nos termos da lei.” Esse direito, embora condicionado ao preenchimento de requisitos legais, não autoriza o credor a exigir, como condição para o alongamento, a migração da dívida para crédito privado, com encargos significativamente mais onerosos, tais como CDI e juros comerciais, em substituição à correção pelo IGPM e juros subvencionados do contrato original. Tal prática, além de desvirtuar os objetivos do crédito rural, viola os princípios da boa-fé, da função social do contrato e da vedação ao enriquecimento sem causa. O Judiciário não pode endossar condutas contratuais que resultem na supressão de garantias legais e econômicas essenciais para a continuidade da produção agrícola. Portanto, a mera formalização da renegociação por meio de Cédula de Crédito Bancário não descaracteriza a natureza rural da obrigação originária, como fundamentado anteriormente, tampouco autoriza a imposição de encargos incompatíveis com os da operação primitiva. É entendimento já consagrado que a renegociação de crédito rural deve preservar o perfil da dívida, inclusive quanto aos encargos e à fonte dos recursos. Dessa forma, reconhece-se a nulidade da cláusula contratual que exigiu, como condição para o alongamento da dívida rural, a substituição de recursos controlados por recursos livres. b) Juros remuneratórios Sabe-se que a limitação de juros ao patamar de 12% (doze por cento) ao ano e a Lei de Usura, em regra, não se aplica às instituições financeiras, haja vista a autorização conferida pela Lei nº 4595/64, amparada pela Súmula nº 596 do STF, que dispõe: “As disposições do Decreto 22.626 de 1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional”. No entanto, em se tratando de Cédula Rural Pignoratícia, o art. 5º, do Decreto Lei nº 167/67 prevê expressamente que “as importâncias fornecidas pelo financiador vencerão juros as taxas que o Conselho Monetário Nacional fixar”. Diante da inexistência da regulamentação das taxas de juros pelo Conselho Monetário Nacional, firmou-se o entendimento no sentido de que cabível a limitação a 12% ao ano. Assim já se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça: "BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ORDINÁRIA DE REVISÃO DE CONTRATO DE MÚTUO E DE CÉDULAS DE CRÉDITO INDUSTRIAL. EMBARGOS DO DEVEDOR. DEVOLUÇÃO EM DOBRO DE QUANTIA EXECUTADA INDEVIDAMENTE. ART. 1.531 CC. MÁ-FÉ CARACTERIZADA. INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. CABIMENTO. REVISÃO. SÚMULA 7/STJ. NÃO EVIDENCIADA SUPERIORIDADE DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. AFASTADA A APLICAÇÃO DO CDC. LIMITAÇÃO DOS JUROS REMUNERATÓRIOS. LEI 1.521/51. INVIABILIDADE. NÃO DEMONSTRAÇÃO DA EXCESSIVIDADE DE LUCRO NA INTERMEDIAÇÃO. TAXA MÉDIA DE MERCADO. [...] 5. Conquanto na regência da Lei n.º 4.595/64 não estejam os juros bancários limitados a 12% ao ano, as notas de crédito rural, comercial e industrial acham-se submetidas a regramento próprio (Lei nº 6.840/80 e Decreto-Lei 413/69), que conferem ao Conselho Monetário Nacional o dever de fixar os juros a serem praticados. Diante da omissão desse órgão governamental, incide a limitação de 12% ao ano, prevista no Decreto n.º 22.626/33 (Lei da Usura). [...]8. Recurso especial do Banco do Nordeste do Brasil S.A. parcialmente provido. Prejudicado o recurso adesivo. (REsp 1196951/PI, Rel. Mini. LUÍS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe 09/04/2012). Dessa forma, pacificado o entendimento de que deve ser fixado juros remuneratórios de 1% ao mês, limitado a 12% ao ano revela-se medida imperativa, visto que a cédula de crédito bancário de nº. C30631690-7, prevê taxa anual superior a 12%. Ressalte-se, ainda, que não é possível manter os encargos previstos na Cédula Rural Pignoratícia de nº C20630898-8, por estarem abaixo do mínimo legal permitido, o que também inviabiliza a preservação dos encargos originalmente pactuados nessa operação. Assim, a revisão contratual deve observar tanto o teto legal quanto o mínimo exigido pelas normas que regem o crédito rural, devendo os juros remuneratórios serem fixados no patamar mínimo legal de 1% ao mês (12% ao ano), em consonância com os limites normativos aplicáveis à espécie. Quanto à Cédula Rural Pignoratícia nº C20630898-8, não há necessidade de qualquer modificação, uma vez que seu valor não ultrapassa os limites permitidos pela legislação aplicável. c) Juros Moratórios A parte autora alega ainda que a parte ré estaria cobrando a título de juros moratórios, no que diz respeito a cédula de crédito bancário, valores excessivos, devendo ser reajustado para 1% ao ano, considerando as normas para o crédito rural. Entendo que razão lhe assiste, uma vez que, de fato os juros moratórios foram fixados em valor superior ao permitido, qual seja, 19,561817%, quando na verdade deveria ser de 1% ao ano, nos termos do art. 5º, parágrafo único, do Decreto nº. 167/67. d) Utilização indevida do CDI Quanto à ilegalidade da utilização da Taxa de Certificado de Depósito Interbancário – CDI, divulgado pela CETIP, como encargo de inadimplência, assiste razão ao autor. É proibida a aplicação dos Certificados de Depósito Interfinanceiro (CDI), como forma de remuneração do capital, porquanto, por meio da Súmula 176, o Superior Tribunal de Justiça definiu que é nula a cláusula contratual que sujeita o devedor à taxa de juros divulgada pela CETIP, como é o caso da CDI. Nesse sentido: Súmula 176/STJ – “É nula a cláusula contratual que sujeita o devedor à taxa de juros divulgada pela ANBID/CETIP.” No mesmo sentido, o E,TJMT já se manifestou: APELAÇÕES CÍVEIS – EMBARGOS À EXECUÇÃO – CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO – COOPERATIVA DE CRÉDITO – SUJEIÇÃO ÀS NORMAS DO CDC – PEDIDO DE REVISÃO DE CLÁUSULAS – INDICAÇÃO DO VALOR QUE ENTENDE DEVIDO – JUNTADA DO DEMONSTRATIVO DISCRIMINADO E ATUALIZADO DO CÁLCULO – DESNECESSIDADE – CDI/CETIP COMO ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA – INVIABILIDADE – SUBSTITUIÇÃO PELO INPC – CAPITALIZAÇÃO EM PERIODICIDADE INFERIOR À ANUAL – ADMISSIBILIDADE, DESDE QUE CONVENCIONADA – ABATIMENTO DAS COTAS SOCIAIS INTEGRALIZADAS – SENTENÇA NESSES EXATOS TERMOS – AUSÊNCIA DE INTERESSE – SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA – DISTRIBUIÇÃO DESSE ÔNUS – COMPENSAÇÃO VEDADA – RECURSO DOS EMBARGANTES CONHECIDO EM PARTE E NESSE PONTO PARCIALMENTE PROVIDO – RECURSO DA EMBARGADA NÃO PROVIDO. Quando a atividade da Cooperativa se equipara àquelas típicas das instituições financeiras, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor. O pedido de revisão do contrato bancário se enquadra na hipótese do inciso VI do art. 917 do CPC, para o qual não há exigência de indicação do valor que a parte entende devido e de juntada do demonstrativo discriminado e atualizado do cálculo. É vedada a utilização da CDI/CETIP como índice de atualização monetária, devendo ser substituído pelo INPC, pois reflete melhor a inflação da moeda. É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP n. 1.963-17/2000, reeditada como MP n. 2.170-36/2001), desde que expressamente convencionada, conforme enuncia a Súmula 539 do STJ. Inexiste interesse recursal se a sentença foi proferida nos exatos termos do pedido formulado pela parte. Havendo sucumbência recíproca, os ônus são distribuídos proporcionalmente entre os litigantes (art. 86 do CPC). (N.U 1007448-15.2020.8.11.0037, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 09/02/2022, Publicado no DJE 14/02/2022) Assim, o CDI deve ser substituído pelo IGPM-FGV, como índice de correção monetária, não sendo cabível a incidência do INPC, por não se tratar de relação de consumo. e) Descaracterização da mora Por fim, merece prosperar o afastamento da mora, como pretende o autor. No julgamento do REsp. 1.061-530/RS, a Corte Superior se posicionou no sentido de que a cobrança de encargos abusivos, no período de normalidade contratual, é hábil a descaracterização da mora. A propósito: “DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CONFIGURAÇÃO DA MORA. JUROS MORATÓRIOS. INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES.DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO. (...) ORIENTAÇÃO 2 - CONFIGURAÇÃO DA MORA a) O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descaracteriza a mora;” (REsp 1061530/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/10/2008, DJe 10/03/2009) Dessume-se, pois, que a descaracterização da mora decorrente da cobrança de encargos indevidos, somente ocorrerá se a abusividade for reconhecida em relação aos encargos incidentes durante o período de normalidade contratual, o que se afigura na hipótese, uma vez que a ilegalidade foi reconhecida no tocante à incidência dos juros remuneratórios, juros moratórios e da CDI como remuneração do capital, em caso de mora. III - DISPOSITIVO Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos iniciais, com fulcro no art. 487, I, do CPC, resolvendo o mérito para: 1- DEETRMINAR o afastamento da mora. 2- RECONHECER a nulidade da cláusula contratual que exigiu, como condição para o alongamento da dívida rural, a substituição de recursos controlados por recursos livres. 3- DETERMINAR a fixação dos juros remuneratórios no patamar de 12% ao ano, em relação ao contrato de ID. 157418177. Os valores a serem restituídos na forma simples serão aqueles efetivamente pagos e deverão ser calculados em sede de liquidação de sentença. 4- DETERMINAR a fixação dos juros moratórios em 1% ao ano, em relação em relação ao contrato de ID. 157418177. Os valores a serem restituídos na forma simples serão aqueles efetivamente pagos e deverão ser calculados em sede de liquidação de sentença. 5- DETERMINAR a substituição do CDI pelo IGPM-FGV, como índice de correção monetária, em ambos os contratos (ID. 157418175 e 157418177). Os valores a serem restituídos na forma simples serão aqueles efetivamente pagos e deverão ser calculados em sede de liquidação de sentença. Face à sucumbência mínima, condeno o réu ao pagamento das custas e honorários advocatícios, estes que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do artigo, 85, §2º, do Código de Processo Civil. Oportunamente, arquivem-se os autos, observando-se as disposições do art. 242 da CNGC (Provimento CGJ n. 39, de 16 de dezembro de 2020), in verbis: Art. 242. Transitada em julgado a sentença e decorridos 15 (quinze) dias sem a manifestação da parte vencedora expressando o desejo de executá-la, os autos serão arquivados. Cumpra-se, expedindo-se o necessário. Às providências. Paranatinga, data constante na certificação digital. Assinado Digitalmente LEONARDO LUCIO SANTOS Juiz de Direito Substituto [1] https://www3.bcb.gov.br/mcr.

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