Processo nº 1019253-76.2022.8.11.0042
ID: 256774410
Tribunal: TJMT
Órgão: Terceira Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1019253-76.2022.8.11.0042
Data de Disponibilização:
15/04/2025
Polo Passivo:
Advogados:
WOLBAN MILLER SANCHES MIGUEL
OAB/MT XXXXXX
Desbloquear
VALDINEIDE OVIDIO DA SILVA DIAS
OAB/MT XXXXXX
Desbloquear
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1019253-76.2022.8.11.0042 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Promoção, constituição, financiamento ou integração d…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1019253-76.2022.8.11.0042 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Promoção, constituição, financiamento ou integração de Organização Criminosa] Relator: Des(a). GILBERTO GIRALDELLI Turma Julgadora: [DES(A). GILBERTO GIRALDELLI, DES(A). LUIZ FERREIRA DA SILVA, DES(A). JONES GATTASS DIAS] Parte(s): [RONE GOMES DOS SANTOS - CPF: 068.651.501-39 (APELANTE), WELITON DOMINGOS DA SILVA - CPF: 066.904.341-92 (APELANTE), GABRIEL SILVA DE SOUZA - CPF: 065.594.611-06 (APELANTE), CARLOS ALBERTO SILVA DO NASCIMENTO - CPF: 062.806.691-06 (APELANTE), RODRIGO SILVA ALVES - CPF: 072.962.801-90 (APELANTE), ALEX SANDRO TELES - CPF: 049.005.241-07 (APELANTE), LUCIMAR DE LIMA PRIMO - CPF: 010.123.151-26 (APELANTE), WOLBAN MILLER SANCHES MIGUEL - CPF: 054.636.421-76 (ADVOGADO), TAILOANA APARECIDA CARLA DE OLIVEIRA - CPF: 062.492.181-65 (APELANTE), JEFFERSON ALVES JACO - CPF: 051.202.451-02 (APELANTE), VALDINEIDE OVIDIO DA SILVA DIAS - CPF: 550.618.931-15 (ADVOGADO), IANNA VITORINO DA SILVA - CPF: 061.936.141-76 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), RAFAEL BARBOSA DA ROCHA - CPF: 701.240.111-79 (APELANTE)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). LUIZ FERREIRA DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, REJEITOU AS PRELIMINARES ARGUIDAS, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO DO RÉU CARLOS ALBERTO SILVA DO NASCIMENTO E DESPROVEU OS APELOS DOS DEMAIS RÉUS. E M E N T A DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA MAJORADA. IMPUTABILIDADE DO AGENTE CONSTATADA. LITISPENDÊNCIA NÃO VERIFICADA. COMPETÊNCIA DA 7.ª VARA CRIMINAL DE CUIABÁ. VALIDADE DOS DADOS EXTRAÍDOS DOS CELULARES APREENDIDOS. ILICITUDE DECORRENTE DA QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA NÃO AVERIGUADA. CERCEAMENTO DE DEFESA. PREJUÍZO INEXISTENTE. PRELIMINARES REJEITADAS. MÉRITO. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. CONDENAÇÕES MANTIDAS. ATENUANTE DA MENORIDADE RELATIVA. SÚMULA N.º 231 DO STJ. MAJORANTE RATIFICADA. NATUREZA HEDIONDA DO DELITO QUE DEVE SER CONSERVADA. RECURSOS DE NOVE APELANTES DESPROVIDOS. RECURSO DE UM APELANTE PARCIALMENTE PROVIDO, SEM EFEITOS PRÁTICOS SOBRE A PENA IMPOSTA. I. Caso em exame 1. Recursos de apelação criminal interpostos por 10 réus contra sentença proferida pela 7.ª Vara Criminal de Cuiabá/MT, que os condenou pelo delito de organização criminosa majorada, nos moldes do art. 2.º, §4.º, I, da Lei n.º 12.850/2013. II. Questão em discussão 2. As questões em discussão consistem em: (i) verificar se um dos apelantes é parte ilegítima no processo, dada a sua alegada inimputabilidade à época dos fatos; (ii) examinar se há litispendência e bis in idem em relação a dois apelantes, já processados pelo crime de associação para o tráfico em decorrência dos mesmos fatos; (iii) aferir se o Juízo Especializado da Capital possuía competência para julgar o feito, a despeito de o crime ter ocorrido no interior do Estado; (iv) analisar se os dados extraídos dos celulares apreendidos constituem prova ilícita, em decorrência da suposta quebra da cadeia de custódia; (v) avaliar se houve cerceamento de defesa na nomeação da Defensoria Pública para patrocinar a defesa de um dos recorrentes; (vi) averiguar se as provas são suficientes para manter as condenações; (vii) reconhecer a atenuante da menoridade relativa em favor de um dos acusados; (viii) decidir se é procedente a incidência da circunstância majorante; (ix) avalizar ou não a hediondez do delito. III. Razões de decidir 3. Nas infrações permanentes, como é o caso do delito de organização criminosa, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência, de modo que, se ele continua a integrar o “Comando Vermelho” mesmo após completar a maioridade, como ocorreu na hipótese, torna-se passível de ser processado criminalmente delito do art. 2.º da Lei n.º 12.850/2013. 4. Não há bis in idem ou litispendência na imputação simultânea aos apelantes dos crimes de organização criminosa e de associação para o tráfico de drogas, diante da pluralidade de vínculos associativos, em diferentes conjunturas, já que, na hipótese, as provas permitem discernir nitidamente a autonomia dos desígnios e os contextos fáticos imiscíveis que envolviam as condutas distintas dos recorrentes. 5. Por força do Provimento n.º 004/2008/CM e da Resolução n.º 11/2017/TP, expedidos por este Tribunal de Justiça dentro da sua prerrogativa de auto-organização, compete ao Juízo da 7.ª Vara Criminal Especializada da Comarca de Cuiabá/MT processar e julgar infrações penais envolvendo organizações criminosas, com jurisdição em todo o território estadual, de modo que inexiste ilegalidade ou inconstitucionalidade na tramitação de persecução penal deflagrada inicialmente no interior do Estado e, depois, remetida para o Juízo Especializado, que prevalece sobre os demais. 6. A alegação de quebra de cadeia de custódia não traz consigo qualquer elemento concreto que permita vislumbrar eventual interferência externa no iter probatório que comprometa a idoneidade dos dados extraídos dos aparelhos celulares. Deste modo, a arguição de nulidade, por si só, não se mostra suficiente para ensejar o reconhecimento de mácula, máxime considerando que, in casu, o conteúdo digital é consentâneo com as demais provas coligidas ao feito, o que corrobora sua fidedignidade. 7. Embora o apelante suscite vício decorrente da nomeação da Defensoria Pública para patrocinar a sua defesa na fase de alegações finais, o desencadeamento processual na instância de origem revela que, quando foi posteriormente intimado da sentença condenatória e para que constituísse novo causídico de sua confiança, o réu informou que não possuía advogado mas que queria recorrer, aquiescendo tacitamente com o patrocínio justamente do órgão que já o vinha defendendo, de modo que a ausência de prejuízo impede o acolhimento da nulidade. 8. Os depoimentos prestados em juízo pelos policiais civis que diligenciaram nas investigações, corroborados que estão pelos dados extraídos dos celulares apreendidos, atestam que os réus se agremiaram de forma estruturalmente ordenada e com divisão funcional de tarefas ao “Comando Vermelho”, visando objetivo comum de obter vantagem mediante a prática de infrações penais graves, impondo-se assim ratificar as condenações pelo crime do art. 2.º da Lei n.º 12.850/2013. 9. Constatando-se que o recorrente era menor de 21 anos de idade à época dos fatos, mostra-se de rigor reconhecer a atenuante do art. 65, I, do CP, todavia, sem efeitos práticos sobre a reprimenda imposta, à luz do enunciado de Súmula n.º 231 do STJ, pois sua pena-base já foi fixada no mínimo legal. 10. Uma vez evidenciado que o adolescente integrava ativamente a organização criminosa formada pelos apelantes, como se viu na espécie, é devida a incidência da majorante do art. 2.º, §4.º, I, da Lei n.º 12.850/2013. 11. O delito de organização criminosa, quando direcionado à prática de crimes hediondos ou equiparados, quais sejam, tortura, terrorismo e tráfico ilícito de entorpecentes, deve ser tratado com os rigores da Lei dos Crimes Hediondos, em conformidade com a disposição do artigo 1º, parágrafo único, inciso V, da Lei nº 8.072/1990. IV. Dispositivo e tese 12. Recursos de nove apelantes desprovidos e recurso de um apelante parcialmente provido, sem efeitos práticos sobre a pena imposta. Teses de julgamento: “1. Se o agente continuou a integrar organização criminosa após completar a maioridade, trata-se de parte legítima para figurar no polo passivo da ação penal. 2. Não há bis in idem na imputação simultânea ao acusado dos delitos de organização criminosa e de associação para o tráfico de drogas, diante da pluralidade de vínculos associativos, em diferentes contextos fáticos, com desígnios autônomos. 3. Compete ao Juízo da 7.ª Vara Criminal Especializada da Comarca de Cuiabá/MT processar e julgar infrações penais envolvendo organizações criminosas, com jurisdição em todo o território estadual. 4. Inexistindo elemento concreto a indicar que houve interferência externa capaz de comprometer as provas digitais legalmente extraídas dos celulares apreendidos, não há o que se falar em nulidade por ilicitude probatória de tais elementos, em decorrência da quebra da cadeia de custódia. 5. O reconhecimento de nulidades no processo penal demanda a demonstração de prejuízo. 6. Os depoimentos judiciais dos policiais, somados à vasta gama de dados extraídos dos celulares apreendidos, formam arcabouço probatório suficiente para manutenção da sentença condenatória. 7. A incidência de circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal. 8. Uma vez comprovada a participação de adolescente na organização criminosa, a aplicação da majorante do art. 2.º, §4.º, I, da Lei n.º 12.850/2013 é medida que se impõe. 9. Reveste-se de natureza hedionda o delito de organização criminosa, quando direcionado à prática de crimes hediondos ou equiparados, ex vi do art. 1.º, parágrafo único, V, da Lei 8.072/1990”. Dispositivos relevantes citados: CF, art. 5.º, LIII; CPP, arts. 69, 70 e 83, art. 158-A e ss., art. 303, art. 563; Lei n.º 12.850/2013, art. 2.º, §4.º, I; Lei n.º 8.072/1990, art. 1.º, parágrafo único, inciso V. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg nos EDcl no HC n. 788.543/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. em 9/10/2023; AgRg no REsp n. 1.611.615/MT, Rel. Min. Felix Fischer, j. 10/4/2018, AgRg no HC n. 752.444/SC, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 4/10/2022; AgRg no AREsp n. 2.521.340/RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 26/11/2024; AgRg no AgRg no HC n. 885.042/MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 2/9/2024. R E L A T Ó R I O APELANTE(S): RAFAEL BARBOSA DA ROCHA APELANTE(S): CARLOS ALBERTO SILVA DO NASCIMENTO APELANTE(S): GABRIEL SILVA DE SOUZA APELANTE(S): ALEX SANDRO TELES APELANTE(S): RONE GOMES DOS SANTOS APELANTE(S): RODRIGO SILVA ALVES APELANTE(S): WELITON DOMINGOS DA SILVA APELANTE(S): JEFFERSON ALVES JACÓ APELANTE(S): TAILOANA APARECIDA CARLA DE OLIVEIRA APELANTE(S): LUCIMAR DE LIMA PRIMO APELADO(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI Egrégia Câmara: Trata-se de recursos de apelação criminal interposto pelos apelantes identificados em epígrafe contra a r. sentença proferida pelo d. Juízo da Sétima Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT na ação penal n.º 1019253-76.2022.8.11.0042, em que RAFAEL BARBOSA DA ROCHA, CARLOS ALBERTO SILVA DO NASCIMENTO, GABRIEL SILVA DE SOUZA, ALEX SANDRO TELES, RONE GOMES DOS SANTOS, RODRIGO SILVA ALVES, WELITON DOMINGOS DA SILVA, JEFFERSON ALVES JACÓ, TAILOANA APARECIDA CARLA DE OLIVEIRA e LUCIMAR DE LIMA PRIMO restaram condenados pela prática do delito de organização criminosa majorada, com as implicações da Lei dos Crimes Hediondos (art. 2.º, §4.º, I, da Lei n.º 12.850/2013), impondo-se aos 09 (nove) primeiros réus idênticas penas de 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses de reclusão, mais pagamento de 15 (quinze) dias-multa, e à última recorrente a pena de 05 (cinco) anos de reclusão, mais pagamento 30 (trinta) dias-multa, todos no regime inicial semiaberto, com arbitramento do valor unitário dos dias-multa na mínima fração legal. Nas razões recursais conjuntamente apresentadas no ID 245612043 e 245612071, por intermédio da Defensoria Pública Estadual, WELITON, RODRIGO, RAFAEL, RONE, ALEX, GABRIEL e CARLOS suscitam, preliminarmente, arguições de inconstitucionalidade e de ilegalidade parciais da norma administrativa constante da Resolução n.º 11/2017 do Tribunal Pleno do TJMT, no específico ponto em que atribui à Sétima Vara Criminal da Capital a competência para processar e julgar crimes praticados por organização criminosa “com jurisdição em todo o Estado”, por ofensa ao art. 5.º, LIII, e art. 22, I, ambos da CF e ao art. 69, I, a art. 83, todos do CPP, tudo com o subsequente pedido de remessa dos autos ao juízo competente, situado na Comarca de Juara/MT, onde os delitos teriam se consumado. Alternativamente, caso afastada a preliminar anterior, postulam o reconhecimento da nulidade de todos os atos processuais realizados pela autoridade judiciária de Juara/MT, por se tratar de juízo sabidamente incompetente, afastando-se a teoria do juízo aparente. Outrossim, ainda em sede preliminar, os referidos apelantes arguem nulidade, por ilicitude probatória, dos dados extraídos dos celulares apreendidos e demais elementos deles derivados, alegando a ocorrência de quebra da cadeia de custódia, pois a coleta das provas digitais não teria seguido o devido procedimento voltado a assegurar a integridade do seu conteúdo. Individualmente, CARLOS argui preliminar de nulidade dos memorais e da sentença, por cerceamento de defesa, no que tange a ele, alegando que não foi intimado para constituir novo advogado de sua confiança antes da nomeação da Defensoria Pública; ao passo que GABRIEL levanta nulidade processual decorrente de sua inimputabilidade penal, porquanto seria menor de 18 (dezoito) anos, à época dos fatos; ao que RAFAEL e RONE acrescentam ainda tese preliminar de extinção do processo, por litispendência, no que lhes refere. No mérito, os apelantes formulam pedido comum de absolvição do delito de organização criminosa, com fulcro no princípio in dubio pro reo, pois as provas seriam insuficientes para respaldar a prolação do édito condenatório, e, subsidiariamente, vindicam o afastamento da hediondez do crime. Por fim, GABRIEL e CARLOS pedem a aplicação da atenuante da menoridade relativa (art. 65, I, do CP). Por sua vez, nas razões recursais disponíveis no ID 245612053, mediante o patrocínio de advogado constituído, JEFFERSON levanta questão preliminar consistente na nulidade dos dados extraídos dos celulares e demais elementos derivados, por quebra da cadeia de custódia. No mérito, busca a absolvição da imputação constante da denúncia, alegando que as provas são insuficientes para implicá-lo como integrante de organização criminosa, ao que agrega os pedidos subsidiários de afastamento da hediondez do delito; de decote da circunstância majorante (participação de adolescente); e de redução da pena ao mínimo legal, com arrimo nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Já nas razões recursais vistas no ID 245612010 e ID 245612012, respectivamente, LUCIMAR e TAILOANA, ambas por intermédio de advogado particular, rogam a absolvição do crime de organização criminosa, por falta de provas, e, subsidiariamente, reclamam a fixação das penas-base no mínimo legal. Em contrarrazões registradas no ID 245612094, o Ministério Público rechaça as pretensões defensivas e requer seja negado provimento aos apelos. Instada a se manifestar, a i. Procuradoria-Geral de Justiça, por meio do parecer encartado no ID 254692654, opina pela rejeição das preliminares e, no mérito, pelo parcial provimento do recurso de CARLOS, apenas para reconhecer sua menoridade relativa, sem efeitos práticos sobre a pena imposta, assim como recomenda o desprovimento dos demais recursos. É o relatório. À douta Revisão. V O T O R E L A T O R V O T O (PRELIMINAR DE NULIDADE ARGUIDA PELA DEFESA – ALEGADA A INIMPUTABILIDADE DO APELANTE GABRIEL SILVA DE SOUZA) EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI (RELATOR) Egrégia Câmara: Preliminarmente, o apelante GABRIEL SILVA DE SOUZA sustenta sua ilegitimidade ad partem, alegando que não poderia figurar no polo passivo da presente ação penal, dada a sua menoridade à época dos fatos, já que nasceu no dia 24/05/2004. Por outro lado, o delito de organização criminosa, pelo qual o recorrente foi denunciado e condenado, possui natureza permanente, isto é, sua consumação se protrai no tempo, enquanto perdura o ajuntamento do agente à facção. Sobre o tema, o art. 303 do CPP preconiza que “Nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência”. Na hipótese, a denúncia ofertada pelo Ministério Público acusa que o apelante GABRIEL, vulgo “GH”, integrou o “Comando Vermelho” em Juara até, pelo menos, o dia 23/08/2022, o que restou comprovado no curso do processo, consoante se exporá adiante, já que, em 22/08/2022, ele foi listado no rol de membros do “CV-MT” que estavam adimplentes com o repasse da taxa pecuniária daquele mês (agosto/22), conforme se infere dos anexos fotográficos do grupo de WhatsApp “Futebol Toda Sexta”, composto pelos faccionados (ID 245611090 - Pág. 5). Assim, considerando que, até a data citada acima (22/08/2022), o réu ainda integrava organização criminosa e que ele completou 18 (dezoito) anos de idade em 24/05/2022, resta inarredável reconhecer que continuou a praticar o delito do art. 2.º da Lei n.º 12.850/2013 após atingir a maioridade, tratando-se de agente imputável e passível de ser processado criminalmente. Com tais considerações, REJEITO a preliminar arguida. É como voto. V O T O (PRELIMINAR DE NULIDADE ARGUIDA PELA DEFESA – ALEGADA LITISPENDÊNCIA NO QUE TANGE AOS APELANTES RAFAEL BARBOSA DA ROCHA E RONE GOMES DOS SANTOS) EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI (RELATOR) Egrégia Câmara: Os apelantes RAFAEL BARBOSA DA ROCHA e RONE GOMES DOS SANTOS pedem a extinção do feito, sob o argumento de que já foram processados criminalmente pelos mesmos fatos na ação penal n.º 1002326-10.2022.8.11.0018, em que suas condutas foram capituladas em tipo penal diverso, especificamente no art. 35 da Lei n.º 11.340/2006 (associação para o tráfico de drogas), porém, perpetradas no mesmo contexto naturalístico (tempo e lugar) e com base nas mesmas provas, de modo que haveria in casu litispendência, no que lhes refere, e a nova condenação acarretaria violação ao princípio que veda o bis in idem. Como se sabe, para a configuração de litispendência no processo penal, basta que o mesmo acusado responda a dois processos distintos, ambos pertinentes à mesma imputação fática, ainda que os fatos naturalísticos descritos nas peças incoativas tenham recebido qualificação jurídica diversa, pois, uma vez caracterizada a referida identidade de partes e de causas de pedir, o pedido formulado pelo polo acusador considera-se sempre genérico, isto é, busca-se a condenação do réu às penas previstas em lei. É a lição doutrinária de Renato Brasileiro de Lima: “No processo penal, a litispendência ocorre quando um mesmo acusado encontra-se respondendo a dois processos penais condenatórios distintos, porém relacionados à mesma imputação. No âmbito processual civil, de modo a se identificar a semelhança entre duas ações, deve ser verificado se ambas possuem o mesmo pedido, as mesmas partes e a mesma causa de pedir. Em sede processual penal, essa análise é um pouco distinta, bastando que acusado e imputação sejam semelhantes nos dois processos. O pedido formulado na ação penal condenatória é sempre genérico de condenação. Logo, não serve para distinguir duas ações. (...). Figurando como acusado em ambos os processos a mesma pessoa e identificada a semelhança de imputação, há de ser reconhecida a litispendência (...)”. (LIMA, Renato Brasileiro de. – Código de Processo Penal comentado – 2. ed. rev. e atual. – Salvador: Juspodivm, 2017, p. 374) – Grifei. Sobre o tema, aliás, o e. STJ já decidiu no sentido de que o limite do caso penal está nos fatos, sendo irrelevante o enquadramento típico: “RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. LITISPENDÊNCIA. RECONHECIMENTO. LIMITES DO CASO PENAL. FATOS IMPUTADOS. DIFERENCIAÇÃO DOS PEDIDOS DE ENQUADRAMENTO TÍPICO. IRRELEVÂNCIA. SÚMULA 07/STJ. RECURSO NÃO CONHECIDO. 1. O limite do caso penal dá-se nos fatos descritos e não no enquadramento típico - seja aquele proposto pelo agente acusador, seja aquele admitido na sentença pelo órgão julgador. 2. Diversamente do que se dá na causa cível, o pedido é irrelevante na definição dos limites do caso penal. 3. (...)”. (STJ, REsp n. 1.190.141/RJ, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 14/10/2014, DJe de 30/10/2014.) Não em outro sentido tem se orientado a jurisprudência pátria, inclusive deste e. TJMT: “PENAL. PROCESSUAL PENAL. IMPUTAÇÃO DO CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL. REPRODUÇÃO DOS MESMOS FATOS DE AÇÃO EM CURSO POR CRIME DE LAVAGEM DE CAPITAIS. LITISPENDÊNCIA. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 1. Dá-se a litispendência quando a imputação atribuir ao acusado, mais de uma vez, em processos diferentes, a mesma conduta delituosa. Fundamenta-se no princípio do ne bis in idem, segundo o qual ninguém pode ser julgado duas vezes pelo mesmo fato. 2. As condutas imputadas ao acusado são rigorosamente idênticas nos dois casos, pois referem-se aos mesmos fatos. Ainda que o MPF tenha dado definição jurídica distinta nas iniciais acusatórias, caracterizada está a litispendência. 3. Não é admissível o processo e julgamento de duas ações penais baseadas nos mesmos fatos, ainda que cada uma tenha capitulação jurídica distinta, haja vista que o réu se defende dos fatos que são descritos na peça acusatória e não da definição jurídica dada na inicial. 4. Apelação criminal não provida”. (TRF-1 - APELAÇÃO CRIMINAL: 00122678220184013500, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL NEY DE BARROS BELLO FILHO, Data de Julgamento: 01/08/2023, TERCEIRA TURMA, Publicação: PJe 02/08/2023 PAG PJe 02/08/2023 PAG) – Grifei. “1. Quando ao mesmo réu, em ações penais diversas, são imputadas a prática de condutas criminosas idênticas, ainda que se lhes confira enquadramento jurídico diversos, deve ser reconhecida a litispendência, importando em extinção da ação penal sem julgamento do mérito com a relação ao crime de tráfico de drogas”. (TJ-MS - APR: 00303411120148120001 MS 0030341-11.2014.8.12.0001, Relator: Des. Luiz Gonzaga Mendes Marques, Data de Julgamento: 07/07/2021, 2ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 09/07/2021) – Destaquei. “‘Imperioso o reconhecimento da litispendência quando restar configurado duas ações penais com as mesmas partes, pedido e causa de pedir, ainda que os fatos descritos nas peças incoativas tenham recebido qualificação jurídica diversa.’ (N.U 0000443- 13.2012.8.11.0045)”. (TJ-MT, N.U. 10185167320208110000 MT, Relator: MARCOS MACHADO, Data de Julgamento: 01/12/2020, Primeira Câmara Criminal, Data de Publicação: 04/12/2020) – Grifei. Em que pesem tais premissas, no caso concreto, não se está diante da figura da litispendência, ao contrário do que alegam os recorrentes, pois a simples identidade de tempo e de lugar em que ocorreram não elide o fato de os réus RAFAEL e RONE estão sendo processados por condutas distintas no âmbito das duas ações penais, reveladas a partir dos desígnios autônomos e independentes que revestiam seus comportamentos ao se associarem para a traficância e ao integrarem organização criminosa, assim como a partir da pluralidade de contextos fáticos e de vínculos associativos imiscíveis que envolvia ambas as práticas ilícitas. Acerca do tema, tanto o crime tipificado no art. 35 da Lei n.º 11.343/06 e quanto o crime do art. 2.º da Lei n.º 12.850/13 visam tutelar a paz pública e, não obstante tal identidade de bens jurídicos primários, não é juridicamente impossível a imputação ou condenação de uma mesma pessoa como incursa nos dois tipos penais, pois, em determinados casos, diante da pluralidade de vínculos associativos, em diferentes contextos fáticos subjetivos, o mesmo indivíduo pode incorrer concomitantemente tanto no delito de associação para o tráfico de drogas quanto no crime de organização criminosa. Para tanto, é necessário que as provas permitam distinguir, no plano fático e jurídico, os crimes de associação para o tráfico e de organização criminosa, isto é, a dupla imputação exige a demonstração a contento dos liames subjetivos autônomos e simultâneos do mesmo indivíduo, com vistas a realizar a traficância juntamente com outrem de maneira permanente e estável (art. 35, Lei n.º 11.343/06) e, paralelamente, também com vistas a praticar outras infrações graves (incluindo-se aí o próprio narcotráfico) em conluio organizado com terceiros (art. 2.º, Lei n.º 12.850/13). Nesse sentido orienta a jurisprudência do e. Superior Tribunal de Justiça, de acordo com a qual a associação para o tráfico e a organização criminosa constituem tipos penais autônomos e, havendo desígnios independentes e contextos fáticos e subjetivos distintos nas condutas, a imputação simultânea se mostra escorreita, consoante se infere a partir dos seguintes precedentes: “3. O entendimento da Corte local encontra-se em consonância com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que ‘é firme ao asseverar que não configura bis in idem a imputação concomitante da prática dos crimes de associação para o tráfico de drogas e organização criminosa, por se tratar de tipos penais autônomos’. (...) Ademais, não há se falar em duas imputações pelo mesmo fato, porquanto devidamente indicado que havia ‘desígnios autônomos, da integração de organização criminosa (Primeiro Comando da Capital - PCC) e da associação para o tráfico’”. (AgRg nos EDcl no HC n. 788.543/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 9/10/2023, DJe de 11/10/2023) – Destaquei. “3. O fato de o agente, em contextos diversos, integrar uma organização criminosa, que, conforme previsão legislativa, consiste em quatro ou mais pessoas se associarem para o fim de cometer crimes cuja pena máxima ultrapasse quatro anos, não absorve a conduta específica, prevista na Lei n. 11.343/2006, do indivíduo que está associado, de maneira permanente e estável, com diversos agentes com o objetivo de incidir nas condutas criminosas previstas na Lei de Drogas”. (AgRg no HC n. 820.954/SC, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 26/6/2023, DJe de 29/6/2023) – Negritei. Com base nisso, esta Terceira Câmara Criminal tem se orientado no sentido de que, se o arcabouço probatório sugere que o desígnio do agente, ao se agremiar de maneira permanente e estável a outrem, voltava-se exclusivamente à prática do crime de tráfico de drogas em uma mesma conjuntura, não permitindo discernir os contextos fáticos diferentes, a existência de elementos subjetivos autônomos, de vínculos associativos distintos ou vontades independentes do mesmo indivíduo visando várias outras infrações penais (inclusive, eventualmente, o próprio narcotráfico), somente então se estará diante de bis in idem, o que não é o caso dos autos. Isto porque, na espécie, é nítido que, além de supostamente se associarem entre si para a prática reiterada do narcotráfico, os apelantes também se agremiaram ao “Comando Vermelho” e integravam a facção em uma inegável capacidade extrínseca àquela traficância, sendo evidente não só os desígnios autônomos em ambas as condutas, mas também a diversidade contextos fáticos e de vínculos subjetivos, já que, na organização criminosa, optaram por se inserir em cadeia hierárquica na qual se submetiam a outros indivíduos que sequer foram denunciados nesta ou naquela outra ação penal, tudo a tornar imiscíveis as conjunturas fáticas. Deveras, conforme se verá adiante, por ocasião da análise do mérito, os dados extraídos dos celulares apreendidos e os depoimentos colhidos em juízo mostram que RAFAEL, vulgo “Carioca”, e RONE, vulgo “Breizão”, integravam grupo de aplicativo WhatsApp composto por faccionados do “Comando Vermelho”, o qual funcionava como um canal virtual onde os membros enalteciam a facção, disseminavam a ideologia do grêmio delinquente e articulavam não só o narcotráfico, mas também outros delitos, como lesões corporais e torturas, enquanto método de castigo físico contra aqueles que desrespeitavam as regras impostas pelo organismo infrator (“salves”). Ademais, verificou-se também que RAFAEL e RONE ajudavam a financiar a congregação ilícita, mediante repasses periódicos de mensalidades aos membros hierarquicamente superiores, tanto é que ambos eram listados no rol de faccionados classificados como “CAMISAS” (ID 245611090 - Pág. 6). Não por outra razão, foram encontradas no celular de RAFAEL diversas fotografias em que ele promove e exorta o “Comando Vermelho”, por meio de gestos alusivos à facção (“tudo dois”), conforme se vê no ID 245611088 - Pág. 8/10, ao passo que RONE utilizava sua conta bancária para intermediar o recolhimento de taxas pecuniárias pelo líder local do “CV-MT” JEFFERSON, consoante demonstram as provas no ID 245611090 - Pág. 13/15. Diante deste cenário probatório, é explícita a existência de contextos fáticos distintos, de vínculos subjetivos imiscíveis e de desígnios autônomos nas condutas dos apelantes, não havendo dúvida, in casu, de que pertenciam à organização criminosa “Comando Vermelho” e atuavam em prol da facção de maneira extrínseca e que claramente desbordava de eventual associação por eles formada para o tráfico de drogas. Assim, não obstante os recorrentes RAFAEL e RONE já tenham sido processados pelo delito de associação para o narcotráfico, não há que se falar em litispendência ou em bis in idem, em consonância com a linha de precedentes desta e. Corte de Justiça estadual: “Não há bis in idem pela condenação do apelante tanto por organização criminosa quanto por associação para o tráfico de drogas, diante da pluralidade de vínculos associativos, em diferentes contextos fáticos e com condutas distintas”. (TJ-MT - N.U 1011443-50.2022.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, MARCOS MACHADO, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 20/08/2024, Publicado no DJE 26/08/2024) – Grifei. Com tais considerações, REJEITO a preliminar arguida. É como voto. V O T O (PRELIMINAR DE NULIDADE ARGUIDA PELA DEFESA – ALEGADA A INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO SENTENCIANTE) EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI (RELATOR) Egrégia Câmara: Os apelantes WELITON, RODRIGO, RAFAEL, RONE, ALEX, GABRIEL e CARLOS suscitam, preliminarmente, arguições de inconstitucionalidade e de ilegalidade parciais da Resolução n.º 11/2017 do Tribunal Pleno do TJMT, por ofensa, respectivamente, ao art. 5.º, LIII, e art. 22, I, ambos da CF e ao art. 69, I, e art. 70, ambos do CPP, no específico ponto em que aquela norma administrativa confere à Sétima Vara Criminal de Cuiabá/MT a competência para processar e julgar crimes praticados por organização criminosa “com jurisdição em todo o Estado”, argumentando que apenas a União poderia legislar em matéria processual, ao passo que a lei federal (CPP) determina que competência seja firmada pelo local da infração, de modo que o Juízo Especializado desta Capital, que sentenciou o feito, seria incompetente para tanto. Com arrimo nestes argumentos, os apelantes requerem o reconhecimento da nulidade, com a subsequente remessa dos autos à Vara Criminal da Comarca de Juara/MT, cidade onde a infração penal teria se consumado, para que o juízo daquela unidade judiciária julgue o processo, inclusive por se tratar do juízo prevento, nos termos do art. 83 do CPP. Alternativamente, caso rechaçada a preliminar arguida, os recorrentes postulam o reconhecimento da nulidade de todos os atos processuais praticados pela autoridade judiciária de Juara/MT, notadamente do conteúdo resultante da extração dos dados dos celulares apreendidos, por ela autorizada, alegando que o juízo em questão era sabidamente incompetente à época em que deferiu a cautelar, o que afastaria a teoria do juízo aparente. Em que pesem os judiciosos argumentos da d. defesa, a preliminar não comporta acolhimento. A propósito, cumpre esclarecer que a presente ação penal teve origem a partir do Ofício n.º 59/2022/1ªPJCRIMINAL-JUARA, de 04/10/2022, encaminhado pela Promotoria de Justiça Criminal de Juara/MT à Coordenadoria do Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado – GAECO, nesta Capital/MT. No aludido expediente, o Promotor de Justiça com atribuições para oficiar em Juara/MT remeteu ao GAECO cópia integral do Inquérito Policial n.º 1002326-10.2022.8.11.0018, em trâmite naquele município e voltado a apurar os crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico de drogas, por parte dos apelantes RAFAEL BARBOSA DA ROCHA e RONE GOMES DOS SANTOS, para conhecimento e adoção das providências cabíveis, no que se refere aos indícios do crime de organização criminosa. Na sequência, após autorização judicial para compartilhamento das provas sigilosas obtidas no bojo dos Incidentes de Medida Cautelar n.º 1001944-17.2022.8.11.0018 e n.º 1002080-14.2022.8.11.0018, vinculados ao inquérito já mencionado (ID 245611079 - Pág. 21 e ID 245611080 - Pág. 22), o Ministério Público, por intermédio dos promotores que integram o Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado – GAECO, ofereceu denúncia contra os apelantes em 14/12/2022 (ID 245611077), que foi recebida no dia 27/01/2023 pelo d. Juízo da 7.ª Vara Criminal Especializada de Cuiabá/MT (ID 245611094), o qual determinou a citação dos réus, processou o feito e, ao cabo da instrução, sentenciou a lide. Nesse cenário, não obstante o Juízo da Vara Criminal da Comarca de Juara tenha sido o responsável por inicialmente exercer jurisdição cautelar no feito, decretando, por exemplo, busca e apreensão em face de alguns dos suspeitos e a quebra do sigilo dos dados armazenados nos aparelhos celulares (ID 245611081 - Pág. 16/19), inexiste qualquer ilegalidade na dinâmica processual desencadeada na instância de origem. Isto porque, este Sodalício estadual já se manifestou, em reiteradas oportunidades, tanto por meio de suas Câmaras Criminais Isoladas quanto por meio da Turma de Câmaras Criminais Reunidas, que é competente a Sétima Vara Criminal da Capital para processar e julgar a ação penal em que se apura suposta prática do crime de organização criminosa, ainda que cometido no interior do Estado. Nesse sentido: “É competente a 7ª Vara Criminal de Cuiabá para processar e julgar a ação penal em que se apura suposta prática do crime de organização criminosa cometido na Comarca de Cáceres, por força do que dispõe a Resolução n. 11/2017, do Tribunal Pleno. Precedentes desta Corte e do STJ”. (N.U 1006902-03.2022.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 07/06/2022, Publicado no DJE 15/06/2022) – Negritei. “Por força do Provimento n.º 004/2008/CM e da Resolução n.º 11/2017/TP, expedidos por este Tribunal de Justiça dentro da sua prerrogativa de auto-organização, compete ao Juízo da 7.ª Vara Criminal Especializada da Comarca de Cuiabá/MT processar e julgar infrações envolvendo organizações criminosas, com jurisdição em todo o território estadual.” (N.U 1012395-92.2021.8.11.0000, CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS, GILBERTO GIRALDELLI, Turma de Câmaras Criminais Reunidas, Julgado em 07/10/2021, Publicado no DJE 20/10/2021) – Destaquei. Ademais, embora a competência territorial em razão da matéria seja relativa e admita a prorrogação do juízo, tampouco há ilegalidade na tramitação de persecução penal deflagrada inicialmente no interior do Estado e, depois, remetida para o Juízo da 7.ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT, já que este é especializado quanto à matéria, e prevalece sobre os demais juízos, conforme já decidiu anteriormente esta c. Terceira Câmara Criminal: “HABEAS CORPUS – DELITO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA – COMPETÊNCIA DE JUÍZO DO INTERIOR DO ESTADO DECLINADA PARA A 7ª VARA CRIMINAL DE CUIABÁ – ALEGAÇÃO DE QUE A COMPETÊNCIA DA 7ª VARA CRIMINAL DE CUIABÁ NÃO ABRANGE AS COMARCAS DO INTERIOR – IMPROCEDÊNCIA – COMPETÊNCIA ESTADUAL ESTABELECIDA PELA RESOLUÇÃO N. 11/2017, DO TRIBUNAL PLENO – MATÉRIA DE ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA QUE NÃO ESTÁ RESTRITA AO CAMPO DE INCIDÊNCIA EXCLUSIVA DA LEI – PRECEDENTES – ORDEM DENEGADA EM CONSONÂNCIA COM O PARECER DA PGJ. (...). - Nesse contexto, não há ilegalidade na tramitação de ação penal deflagrada inicialmente no interior e, depois, remetida para o Juízo da 7ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá-MT, já que este é especializado quanto à matéria, e prevalece sobre os demais juízos, conforme regulamentação administrativa do tribunal”. (N.U 1018752-88.2021.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RONDON BASSIL DOWER FILHO, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 17/11/2021, Publicado no DJE 19/11/2022) – Destaquei. Em relação às arguições de inconstitucionalidade e de ilegalidade da norma administrativa, por violação aos dispositivos constitucionais que reservam à União a prerrogativa de legislar sobre matéria processual e por ofensa aos dispositivos legais que firmam a competência pelo lugar da infração, entendo que estas tampouco devam prosperar. Deveras, o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu a legitimidade do TJMT para adotar medidas desse jaez, firmando, inclusive, a competência da 7.ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT para apurar, conhecer e julgar crimes de organização criminosa ocorridos no interior do Estado, consoante se extrai dos seguintes precedentes: “I - A jurisprudência desta eg. Corte, alinhando-se ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, é a de autorização para que Tribunais locais procedam à especialização de Varas para o processamento de feitos restritos por matéria. Assim, apesar de terem sido cometidos os delitos na Comarca de Rondonópolis, o julgamento perante a Vara Especializada contra o Crime Organizado, os Crimes contra a Ordem Tributária e Econômica e os Crimes contra a Administração Pública se mostra acertado porquanto prevalece o Juízo especializado em razão da matéria. Precedentes. (...)”.(AgRg no REsp n. 1.611.615/MT, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 10/4/2018, DJe de 16/4/2018) – Grifei. “1. O Supremo Tribunal Federal, ao interpretrar o artigo 96, inciso I, alíneas ‘a’ e ‘d’, e inciso II, alínea ‘d’, da Constituição Federal, firmou o entendimento de que o Poder Judiciário pode dispor sobre a especialização de varas, pois se trata de matéria que se insere no âmbito da organização Judiciária dos Tribunais. Precedentes. 2. Não há qualquer ilegalidade na tramitação, quer do procedimento investigatório, quer da ação penal deflagrados contra os pacientes, perante a Vara Especializada contra o Crime Organizado, Crimes contra a Ordem Econômica e Crimes contra a Administração Pública da comarca de Cuiabá, pois embora os ilícitos a eles assestados tenham supostamente ocorrido em Paranatinga/MT e Campo Novo/MT, o referido Juízo, por ser especializado quanto à matéria, prevalece sobre os demais”. (HC n. 237.956/MT, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 5/6/2014, DJe de 12/6/2014) – Grifei. “2. No caso concreto, são apurados delitos de corrupção ativa, fraudes à licitação, lavagem de dinheiro e de suposta organização criminosa, que dispõe de vara especializada criada pela Resolução n. 11/2017 no âmbito do Poder Judiciário do Estado do Mato Grosso, o que, de acordo com o entendimento desta Corte Superior de Justiça é autorizado pelo art. 96, inc. I, ‘a’, da Constituição Federal e, pelo art. 74 do Código de Processo Penal - CPP, pois trata-se de matéria que se insere no âmbito da organização judiciária dos Tribunais. 3. (...)”. (AgRg no RHC n. 154.203/MT, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 20/3/2023, DJe de 24/3/2023) – Destaquei. Também assim já se manifestou o Supremo Tribunal Federal: “(...) II. Não há violação aos princípios constitucionais da legalidade, do juiz natural e do devido processo legal, visto que a leitura interpretativa do art. 96, I, a , da Constituição Federal admite que haja alteração da competência dos órgãos do Poder Judiciário por deliberação dos Tribunais. Precedentes. III. A especialização de varas consiste em alteração de competência territorial em razão da matéria, e não alteração de competência material, regida pelo art. 22 da Constituição Federal. IV. Ordem denegada”. (STF - HC: 113018 RS, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 29/10/2013, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-225 DIVULG 13-11-2013 PUBLIC 14-11-2013) – Grifei. “Atribuição, à Vara especializada, de competência territorial que abrange todo o território do Estado-membro. Suscitação de ofensa ao princípio da territorialidade. Improcedência. Matéria inserida na discricionariedade do legislador estadual para tratar de organização judiciária. (...). 1. Os delitos cometidos por organizações criminosas podem submeter-se ao juízo especializado criado por lei estadual, porquanto o tema é de organização judiciária, prevista em lei editada no âmbito da competência dos Estados-membros (art. 125 da CRFB). Precedentes. (...). 10. O princípio do juiz natural não resta violado na hipótese em que Lei estadual atribui a Vara especializada competência territorial abrangente de todo o território da unidade federada, com fundamento no art. 125 da Constituição, porquanto o tema gravita em torno da organização judiciária, inexistindo afronta aos princípios da territorialidade e do Juiz natural”. (STF - ADI: 4414 AL, Relator: LUIZ FUX, Data de Julgamento: 31/05/2012, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 17/06/2013) – Destaquei. Ademais, conquanto a i. defesa entenda que os apelantes foram prejudicados pela tramitação do processo na Sétima Vara Criminal da Capital, urge destacar que a especialização das Varas possui como móvel precípuo garantir a otimização e a eficiência na instrução e condução dos feitos que apurem delitos de determinada natureza, materializando os princípios da celeridade e economia processuais, assim como a viabilização de um mais especializado e técnico provimento jurisdicional às partes integrantes da lide e interessadas na celeuma, seja por facilitar o acesso ao Judiciário, seja por ofertar maiores oportunidades de defesa. Deste modo, a meu ver, a instrução e o sentenciamento do feito pelo d. Juízo Especializado contra o Crime Organizado de Cuiabá, em detrimento do d. Juízo da Vara Criminal da Comarca de Juara/MT, não acarretou qualquer prejuízo aos recorrentes. Em outra vertente, a i. defesa sustenta que, caso rechaçada a presente preliminar e reconhecida a competência do juízo sentenciante, isto é, da 7.ª Vara Criminal Especializada de Cuiabá, seria de rigor reconhecer a nulidade, por ilicitude probatória, dos dados extraídos dos celulares apreendidos, pois tal medida foi deferida pelo Juízo Criminal de Juara/MT, que seria sabidamente incompetente. Sem razão. A uma, porque, in casu, a extração dos dados dos celulares foi autorizada pelo Juízo Criminal de Juara nos incidentes vinculados ao Inquérito Policial n.º 1002326-10.2022.8.11.0018, que precedeu a ação penal de mesmo número presidida e julgada por unidade judiciária daquele município interiorano e apenas compartilhada com a presente ação penal, o que é plenamente lícito. A duas, porque eventual declínio da competência de um juízo para o outro não implicaria necessariamente na nulidade dos atos processuais já aperfeiçoados, os quais, ainda que porventura praticados por juízo incompetente, podem ser ratificados pelo julgador dotado de competência para tanto. É o que preceitua o art. 108, § 1.º, do Código de Processo Penal, segundo o qual, se “(...) for aceita a declinatória, o feito será remetido ao juízo competente, onde, ratificados os atos anteriores, o processo prosseguirá”. – Negritei. A propósito, impõe-se alinhavar também que, mesmo nos casos de incompetência absoluta do juízo que decretou as medidas cautelares iniciais, não há nulidade ipso facto do conteúdo probatório delas decorrentes, a teor do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que “constatada a incompetência absoluta, os autos devem ser remetidos ao juízo competente, que pode ratificar ou não os atos já praticados”. (HC 308.589/RJ, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 09/08/2016, DJe 01/09/2016) – Grifei. Nesse sentido: “2. É cediço que o princípio do juiz natural deve ser examinado com cautela na fase investigativa, sobremaneira no curso de investigações complexas em que não se mostram integralmente definidos, de plano, as imputações, os agentes envolvidos e a competência. Deste modo, é possível a ratificação de medidas cautelares autorizadas por Juízo que, em momento posterior, fora declarado incompetente. Vale frisar que, mesmo nos casos de incompetência absoluta, se admite a ratificação dos atos decisórios”. (AgRg no AREsp n. 2.295.067/MG, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 8/8/2023, DJe de 14/8/2023) – Destaquei. Na espécie, após a juntada ao inquérito originário (PJE n.º 1002326-10.2022.8.11.0018) dos Relatórios Policiais contendo a análise dos dados extraídos dos celulares apreendidos, em 21/09/2022 (ID 245611088 - Pág. 5/22 e ID 245611088 - Pág. 45 e ss.), e diante dos indícios mais substanciais acerca do crime de organização criminosa, o Promotor de Justiça de Juara fez justamente remeter cópia dos autos ao GAECO, em 04/10/2022, para a adoção de providências quanto a referida matéria especializada. Com tais considerações, REJEITO a preliminar arguida. É como voto. V O T O (PRELIMINAR DE NULIDADE ARGUIDA PELA DEFESA – ALEGADA A ILICITUDE PROBATÓRIA DOS DADOS EXTRAÍDOS DOS CELULARES, POR QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA) EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI (RELATOR) Egrégia Câmara: Ainda em sede preliminar, os apelantes WELITON, RODRIGO, RAFAEL, RONE, ALEX, GABRIEL, CARLOS e JEFFERSON suscitam a nulidade, por ilicitude probatória, dos dados extraídos dos telefones celulares apreendidos, sob o argumento de que a coleta de seu conteúdo se deu manualmente pelos investigadores e não por meio de software de “espelhamento” de aparelhos eletrônicos, de modo que não foi seguido o procedimento voltado a assegurar a integridade e idoneidade probatória, em inobservância ao art. 158-A e ss. do CPP e violação à cadeia de custódia, tudo a ensejar, na intelecção defensiva, a inadmissibilidade e desentranhamento dos autos das referidas provas digitais e demais elementos delas derivados, ex vi do art. 157, §1.º, CPP. Com relação à chamada cadeia de custódia, importa esclarecer que o instituto foi formalmente introduzido no Código de Processo Penal brasileiro por meio da Lei n.º 13.964/2019 e consiste em um mecanismo garantidor da autenticidade das provas coletadas, funcionando como o procedimento de documentação formal destinado a manter e a detalhar a história cronológica de uma evidência, de modo a impedir possíveis interferências externas capazes de colocar em dúvida o resultado da atividade probatória e a assegurar o rastreamento do vestígio desde o local do crime até o Tribunal. Significa dizer que o desiderato precípuo do mecanismo reside em resguardar a história cronológica da prova (iter probatório) e em permitir o seu rastreamento retroativo até o momento de sua coleta. Sobre o tema, o e. Superior Tribunal de Justiça orienta que a matéria relacionada à quebra da cadeia de custódia não consubstancia uma nulidade processual em si, mas sim questão afeta à confiabilidade e eficácia da prova, a ser analisada casuisticamente, sem que se possa falar na ilicitude de que trata o art. 157 do CPP ou em necessidade de desentranhamento dos autos: “1. No caso, não é cabível o pretendido desentranhamento das provas colhidas no aparelho celular apreendido, por não se tratar de prova ilícita. Deveras, segundo a jurisprudência desse Superior Tribunal de Justiça, eventuais ‘irregularidades constantes da cadeia de custódia devem ser sopesadas pelo magistrado com todos os elementos produzidos na instrução, a fim de aferir se a prova é confiável’. (AgRg no HC n. 657.562/RS, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 30/9/2024, DJe de 2/10/2024) – Destaquei. “8. Prevalece nesta Corte a compreensão de que matéria relacionada à quebra da cadeia de custódia ‘[n]ão se trata [...] de nulidade processual, senão de uma questão relacionada à eficácia da prova, a ser vista em cada caso’ (...)”. (AgRg no HC n. 828.321/TO, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 25/9/2023, DJe de 28/9/2023) – Negritei. Não é outra a lição doutrinária de Renato Brasileiro de Lima, remetendo-se ao escólio de Douglas Fischer, in verbis: “É nesse sentido a lição de Douglas Fischer. Para o autor, eventual falha na observância de uma das etapas listadas nos incisos do art. 158-B do CPP não importará ‘automaticamente na inutilidade/invalidade do vestígio como elemento probatório para utilização no bojo de procedimento investigatório ou ação penal. Com efeito, a finalidade desse detalhamento procedimental é para conferir maior fidedignidade ao contexto geral da prova, mas não se apresenta como essencial à própria validade em si do elemento probatório, que será valorado ulteriormente pelo julgador. (...). Exemplificando, não é a ausência de eventual lacre retirado anteriormente dentro do novo recipiente que implicará a invalidade do vestígio coletado. Insiste-se: a recomendação legal é para dar maior garantia do procedimento. Mas sua falha, por si só, não atingirá a licitude e integridade do vestígio coletado e eventualmente já analisado’”. (LIMA, Renato Brasileiro de. – Pacote anticrime: comentários à lei nº 13.964/19 – artigo por artigo. – Salvador: Editora JusPodivm, 2020, p. 257) – Destaquei. Ademais, para que se reconheça a ineficácia ou o menor valor de uma prova em razão da quebra da cadeia de custódia, não basta a simples alegação, desacompanhada de provas aptas a respaldá-la, de que houve a ruptura dos procedimentos a serem observados na manutenção e documentação da cronologia do vestígio (iter probatório). Mais que isso, deve ser demonstrado também que a suposta quebra realmente interferiu na higidez probatória ou no resultado de eventual perícia, corrompendo, adulterando ou contaminando o material periciado ou produzido e, por conseguinte, prejudicando alguma das partes ao modificar o conteúdo da prova colhida. Nesse sentido: “1. Para demonstrar a quebra da cadeia de custódia é imprescindível que seja demonstrado o risco concreto de que os vestígios coletados tenham sido adulterados. O Tribunal de origem expressamente afirmou não ter vislumbrado nenhuma evidência concreta de mácula às provas dos autos, inexistindo qualquer sustentação probatória na alegação da Defesa”. (AgRg no HC n. 825.126/SP, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do Tjsp), Sexta Turma, julgado em 9/9/2024, DJe de 11/9/2024) – Destaquei. Na presente hipótese, ao arguir a suposta quebra da cadeia de custódia dos dados extraídos dos celulares apreendidos, a i. defesa se limita a bradar que “a análise dos celulares não foi feita através do uso de um software adequado” e sim de forma manual pelos investigadores de Polícia, de modo que “não houve observância do regramento dos arts. 158-A a 158-F do CPP, pois não é feito através de perito criminal”, razão pela qual não seria possível “acreditar que nenhum dado foi perdido ou alterado enquanto os celulares estiveram sob a custódia do Estado”. (ID 245612043 - Pág. 19, 21 e 24). Por outro lado, a i. defesa não indigita quais elementos concretos nos autos indicariam que os diálogos foram de fato adulterados ou corrompidos, sequer discrimina quais interações ou conversas possivelmente teriam sido alteradas e com base em quê, apresentando apenas alegação genérica de que os dados digitais em geral poderiam ter sido manipulados para incriminar os réus e que deveriam ter sido periciados. Por outro lado, como dito, a mera alegação de quebra da cadeia de custódia dos dados extraídos do celular, desprovidas de qualquer elemento hábil a atestar eventual interferência externa ou adulteração do substrato probatório, por si só, não basta para ensejar o reconhecimento de nulidade, máxime quando a coleta do conteúdo digital foi previamente deferida pela autoridade judiciária e os autos não trazem qualquer outro elemento que permita vislumbrar mácula que comprometa a idoneidade dos dados. É dizer, os apelantes não se desincumbiram do ônus de demonstrar que efetivamente houve interferência externa no iter probatório, menos ainda que a suposta interferência ocasionou adulteração no conteúdo da prova. Em situações semelhantes, o e. Superior Tribunal de Justiça não vislumbrou nulidade a ser sanada, conforme se infere dos seguintes precedentes: “3. A alegação de quebra de cadeia de custódia, apresentada de maneira conjunta com a tese de cerceamento de defesa, não traz elementos que permitam vislumbrar qualquer ocorrência que comprometa a idoneidade das provas, de maneira que os argumentos não se mostram suficientes para se concluir pela presença de qualquer mácula nas provas obtidas mediante o procedimento autorizado de interceptação telefônica”. (AgRg no RHC n. 195.895/RJ, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 2/9/2024, DJe de 4/9/2024) – Grifei. “V - No caso concreto, o procedimento de extração de dados não configurou nenhuma flagrante ilegalidade, nem mesmo sob o prisma procedimental da cadeia de custódia. Conforme expressamente consignado na sentença, a efetiva extração dos dados telemáticos somente se deu após a expedição da ordem judicial, apesar de os aparelhos terem sido apreendidos durante a prisão em flagrante e terem tido um relatório com fotografias de telas de celular desbloqueado confeccionado pela polícia. (...). VI - Nesse contexto, como já decidido por esta Corte Superior nos julgamentos precedentes (RHC n. 99.735/SC e RHC n. 143.169/RJ), não se pode confundir uma fotografia de tela de celular mostrando trechos de conversas de aplicativo de Whatsapp (este alterável apenas com o registro de ‘mensagem apagada’) com um print de tela de computador do programa/site Whatsapp Web, manipulável com a posse de senha (embora sempre passível de rastreamento sob uma perícia técnica). VII – (...). Assim, não se pode cogitar de qualquer circunstância concreta capaz de sugerir a adulteração da prova, nem mesmo de que tenha havido uma efetiva interferência indevida em seu caminho”. (AgRg no HC n. 829.138/RN, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 6/2/2024, DJe de 14/2/2024) – Negritei. “AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXTORSÃO. NULIDADE DA PROVA. PRINTS DE MENSAGENS PELO WHATSAPP. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. NÃO VERIFICAÇÃO. AUSÊNCIA DE ADULTERAÇÃO DA PROVA OU DE ALTERAÇÃO DA ORDEM CRONOLÓGICA DAS CONVERSAS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. (...). 2. No presente caso, não foi verificada a ocorrência de quebra da cadeia de custódia, pois em nenhum momento foi demonstrado qualquer indício de adulteração da prova, ou de alteração da ordem cronológica da conversa de WhatsApp obtida através dos prints da tela do aparelho celular da vítima. 3. In casu, o magistrado singular afastou a ocorrência de quaisquer elementos que comprovassem a alteração dos prints, entendendo que mantiveram ‘uma sequência lógica temporal’, com continuidade da conversa, uma vez que ‘uma mensagem que aparece na parte de baixo de uma tela, aparece também na parte superior da tela seguinte, indicando que, portanto, não são trechos desconexos’. 4. O acusado, embora tenha alegado possuir contraprova, quando instado a apresentá-la, furtou-se de entregar o seu aparelho celular ou de exibir os prints que alegava terem sido adulterados, o que só reforça a legitimidade da prova. 5. ‘Não se verifica a alegada 'quebra da cadeia de custódia', pois nenhum elemento veio aos autos a demonstrar que houve adulteração da prova, alteração na ordem cronológica dos diálogos ou mesmo interferência de quem quer que seja, a ponto de invalidar a prova’. (...). 6. As capturas de tela não foram os únicos elementos probatórios a respaldar a condenação, que foi calcada também em outros elementos de prova, como o próprio interrogatório do acusado, comprovantes de depósito, além das palavras da vítima. 7. (...)”. (AgRg no HC n. 752.444/SC, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 4/10/2022, DJe de 10/10/2022) – Destaquei. Além disso, os relatórios de inteligência policial contendo a análise dos dados extraídos dos celulares foram confeccionados por investigadores da Polícia Civil, no exercício de seu múnus público, tratando-se assim de documentação presumidamente autêntica e dotada de fé pública, que não pode ser desconstituída pela simples alegação não comprovada de quebra da cadeia de custódia. A propósito: “1. Nos termos da orientação desta Corte Superior, é despicienda a realização de perícia a fim de comprovar a fidedignidade das gravações, que são presumidamente autênticas, possuindo fé pública os agentes policiais envolvidos na operação. Tal entendimento independe da forma de transmissão das interceptações, se oriundos de gravações de áudio ou captação de mensagens de texto. Precedentes”. (AgRg no RHC n. 129.003/MT, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 13/10/2020, DJe de 20/10/2020) – Destaquei. “3. No caso, diante da coleta imediata do conteúdo probatório durante a busca e apreensão, autorizada por decisão judicial, não é possível afirmar que houve quebra da cadeia de custódia. Além disso, não se pode presumir eventual má-fé dos agentes públicos no manuseio das provas. Portanto, não houve a ilegalidade apontada”. (AgRg no AREsp n. 2.511.249/MG, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 15/10/2024, DJe de 17/10/2024) – Grifei. Mesmo porque, a legislação processual de regência não exige obrigatoriamente que a extração dos dados seja feita por peito oficial, conforme a jurisprudência do e. STJ: “3. Diferentemente do ocorrido no precedente citado pelos agravantes (RHC n. 143169-RJ), não há nenhum elemento demonstrativo de que que houve adulteração da prova ou de que houve alguma interferência na sua produção a ponto de invalidá-la. 4. Não existe obrigatoriedade de a extração de dados ser realizada por perito oficial. De fato, "[o] art. 158-C, [...], estabelece o perito oficial como sujeito preferencial a realizar a coleta dos vestígios’(...)”. (AgRg no HC n. 914.418/RS, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 2/9/2024, DJe de 6/9/2024) – Grifei. In casu, a autoridade policial juntou aos autos os áudios originais que foram extraídos dos celulares, o que confere verossimilhança ao conteúdo digital e corrobora a fidedignidade das transcrições reduzidas a termo nos relatórios de inteligência, conforme se vê no ID 245611088 - Pág. 23/37 e no ID 245611090 - Pág. 20/53 (áudios disponíveis para download no feito originário PJE n.º 1002326- 10.2022.8.11.0018). Ademais, a análise concatenada dos dados dos celulares com a prova oral colhida sob o crivo do contraditório e da ampla defesa leva a inarredável conclusão quanto ao pleno valor probatório daqueles elementos digitais, cujo conteúdo restou amplamente confirmado pelos depoimentos colhidos na fase instrutória, sendo de se pontuar que, ao contrário do que sugere a i. defesa, os agentes de segurança pública ouvidos como testemunhas não se limitaram a reproduzir o que foi angariado dos aparelhos, mas agregaram substratos cognitivos autônomos, ao narrar em juízo experiências que testemunharam em primeira mão no curso das investigações e das diligências realizadas, conforme se exporá na análise de mérito. Assim sendo, a despeito da irresignação defensiva, não me resta qualquer dúvida quanto à autenticidade das mídias, mensagens e demais dados angariados nos celulares apreendidos, máxime considerando a consonância do conteúdo digital com o restante das provas arrecadadas ao feito. Mesmo que assim não fosse, destaque-se que a atual jurisprudência das Cortes Superiores preconiza que, mesmo as nulidades denominadas absolutas, terão seu reconhecimento condicionado à demonstração de efetivo prejuízo acarretado à parte, sem o qual prevalecerá o princípio da instrumentalidade das formas (pas de nullité sans grief). Na hipótese, as condenações não se embasam unicamente nas provas tidas por viciadas, especando-se também sobre outros elementos probatórios, a exemplo dos depoimentos prestados em juízo pelas testemunhas Andreia Menegon de Arruda, Milton Lacerda da Silva Campos e Wanderson Alves de Souza, o que significa que não há, in casu, o prejuízo de que trata o art. 563 do CPP. Nesse sentido, mutatis mutandis: “3. Além disso, mesmo que assim não fosse, a condenação do acusado não se baseou única e exclusivamente nos dados extraídos do celular em questão, mas em uma série de outros elementos, devidamente acostados aos autos, não podendo falar em ilicitude por derivação das demais provas (‘Teoria da árvore envenenada’) e, muito menos, em nulidade absoluta do processo”. (AgRg no REsp 1853702/RS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, DJe 30/06/2020) – Destaquei. Por fim, especificamente com relação ao apelante JEFFERSON, tem-se que este sequer arguiu tal questão preliminar em sua defesa prévia (ID 245611677) e tampouco em suas alegações finais (ID 245611969), vindo a suscitar a suposta nulidade apenas neste grau recursal, de modo que a matéria se encontra inclusive preclusa, no que lhe refere, conforme o entendimento jurisprudencial pátrio: “6. Na hipótese, a nulidade aqui trazida pela defesa não fora arguida na defesa prévia, na audiência de instrução realizada posteriormente e nem tampouco nas alegações finais, sendo suscitada apenas quando do recurso de apelação, o que evidencia a preclusão da alegação”. (HC n. 833.084/GO, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 10/12/2024, DJEN de 16/12/2024) – Destaquei. Com tais considerações, REJEITO a preliminar arguida. É como voto. V O T O (PRELIMINAR DE NULIDADE ARGUIDA PELA DEFESA – ALEGADO CERCEAMENTO DE DEFESA EM FACE DO APELANTE CARLOS ALBERTO SILVA DO NASCIMENTO) EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI (RELATOR) Egrégia Câmara: Como questão preliminar, o apelante CARLOS ALBERTO SILVA DO NASCIMENTO suscita a nulidade das alegações finais ofertadas em seu favor pela Defensoria Pública e da sentença condenatória, no que tange a ele, alegando que foi alvo de cerceamento de defesa, pois, após a renúncia de sua advogada, o juízo a quo remeteu os autos imediatamente ao referido órgão, para apresentação dos memoriais, sem que antes lhe fosse oportunizado constituir novo causídico de sua confiança. Com efeito, examinando os autos, vejo que, no curso do processo, o acusado CARLOS teve a sua defesa patrocinada pela advogada, Dr.ª Jéssica Daiane Maróstica (OAB-MT n.º 31.064), a qual, no entanto, renunciou ao mandato que lhe havia sido outorgado em 24/05/2024, após o término da fase instrutória, e requereu ao juízo fosse o acusado “intimado para indicar nova Defesa ou a DPE”. (ID 245611978). Ato contínuo, a Secretaria da Vara remeteu os autos à Defensoria Pública, para apresentação dos memoriais (ID 245611979), e o aludido órgão ofertou as derradeiras alegações em prol do réu, sem arguir qualquer nulidade atinente à sua nomeação (ID 245611980), sucedendo-se a isto a prolação da sentença condenatória, em 03/06/2024 (ID 245611983). Desta feita, em 19/07/2024, apenas depois da sucumbência, a Defensoria Pública arguiu a nulidade de sua nomeação (ID 245612043), embora já conhecesse o suposto vício antes disso, situação que configura a chamada “nulidade de algibeira”, figura não tolerada no ordenamento jurídico pátrio e incompatível com o princípio da boa-fé que norteia o comportamento das partes no processo penal. A propósito: 2. A jurisprudência dos Tribunais Superiores ‘não tolera a referida nulidade de algibeira - eiva esta que, podendo ser sanada pela insurgência imediata da defesa após ciência do vício, não é alegada como estratégia, numa perspectiva de melhor conveniência futura’ (...)”. (AgRg no RHC n. 211.318/MT, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 11/3/2025, DJEN de 19/3/2025) – Negritei. Mesmo porque, a teor do que preceitua o art. 565 do CPP, “Nenhuma das partes poderá argüir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte contrária interesse”. Ad argumentandum tantum, mesmo que assim não fosse, ainda assim, não haveria o que se falar em nulidade decorrente da dinâmica processual desencadeada na instância de origem, ante a manifesta inexistência de prejuízo. Isto porque, após a manifestação da Defensoria Pública quanto à alegada pecha, o d. magistrado processante determinou a intimação pessoal do apelante CARLOS, para constituir novo advogado, se assim lhe aprouvesse (ID 245612050 - Pág. 4), sendo que, no cumprimento da referida determinação, o réu foi confrontando com as opções de informar se teria advogado particular ou se não possuía condições financeiras para tanto e desejaria ser defendido por defensor público (ID 245612069). Por ocasião do ato, o acusado consignou, de próprio punho no mandado, que não tinha advogado e que desejaria recorrer da sentença (ID 245612069 - Pág. 6), aquiescendo assim com a nomeação da Defensoria Pública para patrocinar seus interesses, ainda que tacitamente, motivo pelo qual os autos foram novamente com carga ao nobre órgão, que apresentou recurso de apelação em prol do sentenciado (ID 245612070 e ID 245612071). Em outras palavras, em que pese eventual irregularidade na intimação durante a fase de alegações finais, ao fim e ao cabo, o apelante CARLOS foi intimado para constituir novo advogado particular e optou por ser defendido pela Defensoria Pública, justamente a instituição que havia apresentado os memoriais em seu favor, de modo que não houve o prejuízo de que trata o art. 563 do CPP e, por conseguinte, descabe falar em nulidade, mesmo que absoluta fosse. Nesse sentido: “5. O reconhecimento de nulidades no curso do processo penal, sejam relativas ou absolutas, reclama uma efetiva demonstração do prejuízo à parte, sem a qual prevalecerá o princípio da instrumentalidade das formas positivado pelo art. 563 do CPP (pas de nullité sans grief)”. (AgRg no AREsp n. 2.521.340/RS, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 26/11/2024, DJe de 3/12/2024) – Grifei. Com tais considerações, REJEITO a preliminar arguida. É como voto. V O T O (MÉRITO) EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI (RELATOR) Egrégia Câmara: Extrai-se da denúncia que, em datas não especificadas, mas sabidamente até o dia 23/08/2022, em Juara/MT, os apelantes RAFAEL BARBOSA DA ROCHA, vulgo “Carioca”, RONE GOMES DOS SANTOS, vulgo “Breizão”, WELITON DOMINGOS DA SILVA, vulgo “Bambam” ou “Pesadelo”, GABRIEL SILVA DE SOUZA, vulgo “GH”, CARLOS ALBERTO SILVA DO NASCIMENTO, vulgo “Metralha”, RODRIGO SILVA ALVES, vulgo “Caterpila”, ALEX SANDRO TELES, vulgo “Bactéria”, LUCIMAR DE LIMA PRIMO, vulgo “Toquinha”, TAILOANA APARECIDA CARLA DE OLIVEIRA, vulgo “Thayloana” ou “Colombiana”, e JEFFERSON ALVES JACÓ, vulgo “Panda”, juntamente com o adolescente João Pedro Caznoca de Oliveira, promoveram, constituíram, financiaram e integraram a organização criminosa denominada “Comando Vermelho”, de maneira estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de diversas infrações penais, atuando no município de Juara/MT. Segundo a proposição ministerial, por ocasião do cumprimento das medidas cautelares de busca e apreensão e de quebra de sigilo dos dados telefônicos, judicialmente deferidas nos Incidentes PJE n.º 1001944-17.2022.8.11.0018 e n.º 1002080-14.2022.8.11.0018, a autoridade policial efetuou as prisões dos recorrentes RAFAEL, vulgo “Carioca”, e RONE, vulgo “Breizão”, pela suposta prática dos crimes de tráfico de drogas e associação para o narcotráfico, após o que, ao oferecer denúncia contra eles pelos referidos crimes, o promotor de Justiça com atribuições para oficiar na Comarca de Juara encaminhou cópia das investigações (Inquérito Policial PJE n.º 1002326-10.2022.8.11.0018) ao Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado, para conhecimento e adoção de providências, tendo em vista os indícios da prática do delito de organização criminosa, assim como remeteu ao GAECO cópia de decisão judicial que autorizou o compartilhamento das informações sigilosas obtidas no bojo dos incidentes já mencionados. Ainda de acordo com o Parquet, desvelou-se que os ora recorrentes e o inimputável acima referido integravam o “Comando Vermelho”, em cujos quadros o apelante JEFFERSON, vulgo “Panda”, se destacava, na medida em que exercia o papel de “padrinho”, ou seja, responsável por “batizar” (avalizar o ingresso de) novos membros na facção, além de incorrer frequentemente na difusão ilícita de entorpecentes na cidade de Juara/MT, inclusive com o envolvimento do menor João Pedro e dos recorrentes CARLOS, vulgo “Metralha”, RODRIGO, vulgo “Caterpila”, LUCIMAR, vulgo “Toquinha” e RONE, vulgo “Breizão”. Outrossim, a preambular dá conta de que os apelantes, assim como o adolescente João Pedro, tomavam parte do grupo de aplicativo WhatsApp intitulado de “Futebol Toda Sexta”, que funcionava como um canal virtual utilizado por membros do “Comando Vermelho”, conforme se verificou a partir da extração dos dados contidos no celular do menor, sendo que, naquele ambiente digital, os recorrentes externavam seu ânimo de compor uma “família”, estruturalmente ordenada e hierarquizada, com divisão de tarefas entre os seus integrantes. A propósito, a prefacial narra que, na distribuição de incumbências explicitada no aludido grupo de WhatsApp, os apelantes GABRIEL, vulgo “GH”, CARLOS, vulgo “Metralha”, RODRIGO, vulgo “Caterpila” e ALEX, vulgo “Bactéria”, são classificados como “CAMISAS”, ao passo que RONE, vulgo “Breizão”, RAFAEL, vulgo “Carioca”, LUCIMAR, vulgo “Toquinha” e TAILOANA, vulgo “Thayloana” ou “Colombiana”, e o adolescente João Pedro são rotulados de “LOJAS”, descrevendo a denúncia ainda que, no grupo, WELITON, vulgo “Bambam” ou “Pesadelo” alude aos demais como “fmll” (família). A peça incoativa destaca também que, no grupo virtual em questão, eram compartilhadas diversas imagens de apologia ao “Comando Vermelho”, além da própria “CARTILHA CVRL MT” e “Informativo” do “Quadro disciplinar Juara-mt” sobre a “venda de mercadoria”, com tabela de preços. Por fim a exordial pontua que, em diálogo encontrado no celular de RAFAEL, vulgo “Carioca”, este se apresenta para RODRIGO, vulgo “Caterpila”, como “lojista”, ou seja, incumbido na venda de drogas para o “Comando Vermelho”, ressaltando ainda que RAFAEL armazenava em seu aparelho celular diversas fotos em que ele ostentava sinais ligados ao “Comando Vermelho”, além de se referir à facção através de expressões como “família”, demonstrando a natureza de seu vínculo. Diante destes fatos, os apelantes foram denunciados, ao que se sucedeu o devido processo legal, culminando na procedência da pretensão punitiva estatal e na condenação de todos os réus como incursos nas penas do crime de organização criminosa majorada pela participação de adolescente (art. 2.º, §4.º, I, da Lei n.º 12.850/2013), contexto em que agora exsurgem inconformados perante esta instância revisora, nos termos já relatados. Feitas essas breves digressões, passo à análise do mérito. 1. Do pedido comum de absolvição: Como se sabe, a teor do que preceitua o art. 1.º, §1.º, da Lei n.º 12.850/2013, considera-se organização criminosa a associação pré-estabelecida de 04 (quatro) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão ainda que informal de tarefas, tudo com o objetivo comum de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 04 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional. Tem-se, pois, que, para a subsunção do fato à norma, é necessário que o conjunto de 04 (quatro) ou mais indivíduos se agremie de maneira ordenada e organizada, como sugere a própria etimologia do tipo, ou seja, por meio de alguma forma de hierarquia e escalonamento entre superiores e subordinados, todos com objetivos comuns no âmbito da delinquência, equiparando-se a estrutura organizacional do grupo infrator a verdadeiros métodos de dinâmica empresarial, em meio à qual chefes e chefiados, cada qual com atribuições divididas e tarefas compartimentalizadas, mesmo que informalmente, realizam empreendimentos criminosos voltados a auferir vantagens de qualquer natureza. Nesse contexto, para além de definir o conceito de organização criminosa, a já mencionada Lei n.º 12.850/2013 tipifica, no seu art. 2.º, o delito consistente em “promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa”. Trata-se de tipo penal classificado pela doutrina como formal, o que significa dizer que a sua ocorrência material prescinde do resultado naturalístico e a conduta ilícita se consuma independentemente da consecução ou concretização dos delitos visados pelo grupo; e de perigo abstrato, cuja potencialidade lesiva é legalmente presumida com a mera reunião durável e organizada de pessoas voltada ao desiderato iníquo; conceituando-se ainda como crime comum e de forma livre, ou seja, que pode se cometido por qualquer pessoa e por qualquer meio eleito pelo agente, respectivamente; e também permanente, isto é, a sua consumação se prolonga no tempo na medida em que perdura o ajuntamento de seus membros. Outrossim, o delito de organização criminosa não admite a forma culposa e tem como elemento subjetivo o dolo, de modo que é indispensável a comprovação do liame volitivo do agente e da sua vontade livre e consciente de congregar-se, ou seja, do animus voltado ao agrupamento organizado permanente e estável, promovendo-o, financiando-o, constituindo-o ou simplesmente o integrando. É de se apontar que o tipo exige ainda o elemento subjetivo específico implícito no próprio conceito de organização criminosa e consubstanciado na obtenção de vantagem ilícita de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais graves, de modo que não basta que o sujeito ativo da infração se alie aos demais com a finalidade de cometer crimes per se, mas também que atue com a finalidade especial de obter alguma vantagem. Em outras palavras, o crime do art. 2.º da Lei n.º 12.850/2013 é de natureza formal e se consuma mediante a simples associação organizada e estável da coligação, com o escopo de praticar futuras infrações penais, ou seja, as infrações pretendidas são indefinidas, em oposição ao propósito inerente à mera coautoria, que se destina a um ou vários crimes certos, de maneira que a organização criminosa não necessita praticar essas infrações penais ou alcançar a vantagem almejada, bastando que o objetivo seja esse. Partindo dessas premissas, no caso concreto, a materialidade das infrações penais está comprovada por meio dos documentos que instruem o Ofício n.º 59/2022/2ªPJCriminal-Juara, consistente nas cópias do Inquérito Policial PJE 1002326-10.2022.8.11.0018 e da denúncia que o sucedeu, inclusive dos elementos sigilosos resultantes das medidas cautelares de busca e apreensão e de quebra do sigilo dos dados contidos nos aparelhos telefônicos apreendidos (PJE n.º 1001944-17.2022.811.0018 e n.º 1002080-14.2022.811.0018), cujo compartilhamento foi deferido pela autoridade judiciária competente (ID 245611080 - Pág. 22); além da prova oral colhida na fase extrajudicial e em juízo. Dentre os documentos que atestam a materialidade delitiva, destacam-se os boletins de ocorrência (ID 245611081 - Pág. 10/14 e ID 245611086 - Pág. 128/129); o termo de apreensão (ID 245611081 - Pág. 67/69); os Autos de Exame Preliminar de Constatação de Drogas Ilícitas, atestando que as substâncias apreendidas testaram positivo para maconha e cocaína, e respectivos anexos fotográficos (ID 245611081 - Pág. 70/73 e Pág. 74/75, ID 245611082 - Pág. 1/6, Pág.7/10, Pág. 11/12, ID 245611083 - Pág. 3/6, Pág. 7/10 e Pág. 11/14; ID 245611084 - Pág. 1/4, Pág. 5/9); o Relatório Policial, contendo a análise dos dados extraídos do celular do réu RAFAEL BARBOSA DA ROCHA (ID 245611088 - Pág. 5/22); o Relatório Policial, contendo a análise dos dados extraídos do celular do réu RONE GOMES DOS SANTOS (ID 245611088 - Pág. 38/43); e o Relatório Policial, contendo a análise dos dados extraídos do celular do menor João Pedro Caznoca de Oliveira (ID 245611088 - Pág. 45/60, ID 245611089 e ID 245611090 - Pág. 1/20). Ainda no que concerne à ocorrência material do delito, pontue-se que não há dúvida in casu quanto à presença das elementares elencadas pelo art. 1.º, §1.º, da Lei n.º 12.850/2013, seja o número mínimo de integrantes, seja a gravidade dos crimes aspirados pelo grupo, pois é de conhecimento geral a existência, no Estado de Mato Grosso, da organização criminosa autointitulada “Comando Vermelho”, cujo número de membros supera sobremaneira a quantidade de 04 (quatro) indivíduos e cujos planos se voltam à prática de uma miríade de delitos diversos, como tráfico de drogas, associação para o tráfico, lesão corporal etc., exatamente como se viu na espécie. Dito de outra forma, é induvidosa e até mesmo notória a materialidade do crime de organização criminosa praticado pelos faccionados do “Comando Vermelho”, cuja estrutura hierárquica, divisão de tarefas, com poder de mando distribuído por lideranças, estatuto e disciplina rígida não só confirmam o seu caráter estrutural autônomo, mas também lhe conferem capacidade de domínio sobre um contingente imensurável de indivíduos fora e dentro do sistema prisional. Tanto é que as Cortes Superiores há muito vêm caracterizando tal facção como “notória”, conforme se infere do precedente a seguir: “2. Caso em que o acusado encontra-se submetido à notória facção do crime organizado denominada ‘Comando Vermelho’, comercializando maconha e cocaína, além de atuar e coordenar diversas empreitadas criminosas que aterrorizam a população local”. (RHC n. 56.943/RJ, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 25/8/2015, DJe de 1/9/2015) – Grifei. Além disso, a realidade atual tampouco deixa espaço para dúvida quanto ao elemento subjetivo específico dos integrantes do aludido organismo infrator, isto é, sua especial vontade de obter vantagem de qualquer natureza, notadamente o domínio e o monopólio da própria facção sobre a criminalidade nas regiões em que atua, tudo mediante a prática de delitos graves e violentos. Não por outra razão, aliás, os faccionados amiúde externam que a perseverança do “Comando Vermelho” em si, com hegemonia sobre a delinquência em seus territórios, traduz vantagem para os próprios membros individualmente, que se consideram parte de um todo e que crescem junto à medida que a facção se expande, tudo com a especial finalidade e dolo específico de que a “Família” (CV-MT) persista e avance, já que tal resultado inegavelmente beneficia e confere vantagem a seus membros, seja ela locupletamento patrimonial, ascensão nos quadros da facção, prestígio e renome no âmbito da delinquência etc. Em relação à autoria, por sua vez, nota-se a presença de provas suficientes e aptas a implicar todos os apelantes no delito e a demonstrar que integravam o “Comando Vermelho” e compunham a célula da organização criminosa na cidade de Juara/MT, à época dos fatos. De início, tem-se que, em 23/08/2022, data do cumprimento dos mandados de busca e apreensão que culminou na prisão em flagrante dos apelantes RONE, vulgo “Breizão”, e RAFAEL, vulgo “Carioca”, pelos crimes de tráfico de drogas e associação para o narcotráfico (ação penal PJE n.º 1002326-10.2022.8.11.0018), o menor João Pedro Caznoca Oliveira, vulgo “JP” (CPF n.º 052.347.921-29, RG n.º 26079453 SSP/MT, nascido em 12/01/2006), encontrava-se no domicílio do primeiro e foi igualmente conduzido à delegacia para prestar esclarecimentos, oportunidade em que revelou à autoridade policial que a vasta quantidade de entorpecentes localizada nas residências diligenciadas eram fornecidas pela organização criminosa denominada “Comando Vermelho” e que, como contraprestação, os infratores repassavam taxas mensais à facção (“lojinhas”). O adolescente destacou também a intensidade da difusão de drogas ilícitas por parte dele e seus comparsas, declarando que o comércio malsão lhe rendia em torno de R$ 15.000,00 por semana, tudo conforme se depreende dos seguintes trechos da inquirição extrajudicial de João Pedro, in verbis: “Que em horário aproximado das 06 horas da manhã de hoje, 23/08/2022, se encontrava dormindo na residência do maior imputável Rone Gomes dos Santos, a quem conhecia pelo apelido de Breizão (...). quando policiais civis lá estiveram e passaram a dar buscas pelo local, dizendo que assim o estavam fazendo em cumprimento a mandado de busca e apreensão emitido pelo Juízo da 3º Vara Criminal desta Comarca. Que durante as buscas que encetaram diz ter percebido que os policiais localizaram e arrecadaram várias porções de drogas à base de cocaína e maconha que se encontravam tanto nas dependências da referida casa como ocultadas em um compartimento existente na motocicleta Honda/Biz de cor preta, de placa OBL7D16, que se encontrava na referida residência e a qual sabe que pertencia a Rone Gomes. Que alega que parte das drogas arrecadas pertencia a Rone Gomes e outra parte a si, contudo, diz não saber quantificar ou individualizar qual lhe pertencia e qual seria deste. Que alega que recebem referidas quantidades de drogas da organização criminosa denominada comando vermelho e que para trafica-las precisam pagar uma taxa mensal de R$ 100,00 (cem reais), (loginha). (...). Que diz que todo o dinheiro que angaria com o tráfico de drogas, o que acredita que seja em torno de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) líquidos por semana. (...)”. (ID 245611085 - Pág. 57/59) – Destaquei. Conquanto o inimputável não tenha confirmado tais assertivas na fase judicial, é igualmente certo que, havendo provas produzidas em juízo capazes de roborar os elementos informativos do inquérito, não é defeso ao julgador utilizar-se também destes últimos para a formação de seu convencimento motivado, assim como ocorreu in casu, em que as declarações extrajudiciais de João Pedro restaram amplamente confirmadas pelos depoimentos judicializados, consoante se exporá adiante. A jurisprudência do e. STJ é iterativa nesse sentido: “1. Conforme o disposto no art. 155 do CPP, não se mostra admissível que a condenação do réu seja fundada exclusivamente em elementos de informação colhidos durante o inquérito e não submetidos ao crivo do contraditório e da ampla defesa, ressalvadas as provas cautelares e não repetíveis. Contudo, mister se faz reconhecer que tais provas, em atendimento ao princípio da livre persuasão motivada do juiz, desde que corroboradas por elementos de convicção produzidos na fase judicial, podem ser valoradas na formação do juízo condenatório”. (AgInt no AREsp 784.107/DF, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 06/11/2018, DJe 14/11/2018) – Destaquei. Em outra vertente, tem-se ainda que, na data da deflagração da operação policial, foram apreendidos os telefones celulares dos recorrentes RONE, vulgo “Breizão”, e RAFAEL, vulgo “Carioca”, e do menor João Pedro, vulgo “JP”, sendo que, após extração e análise judicialmente autorizadas dos dados contidos nos referidos aparelhos, desvelaram-se provas capazes de enredar todos os apelantes como integrantes da organização criminosa “Comando Vermelho”. Com efeito, na galeria de mídias do celular de RAFAEL, vulgo “Carioca”, foram localizadas inúmeras fotografias tiradas pelo próprio acusado, em que ele ostenta substâncias ilícitas e sinais remissivos ao “Comando Vermelho”, como a gesticulação com dois dedos, notoriamente indicativa da saudação “tudo dois”, utilizada pelos faccionados do “CV-MT” (ID 245611088 - Pág. 8/10). Ademais, em um diálogo travado pelo aplicativo de mensagens WhatsApp entre RAFAEL, vulgo “Carioca”, e RONE, vulgo “Breizão”, estes deixam explícito o vínculo organizado e perene mantido entre eles, pois conversam sobre a comercialização de drogas ilícitas com inusitada normalidade e costume, in verbis: “Áudio 01 (RAFAEL) – um deixa eu te falar Lukinha tá querendo pegar uma gorda (Crack) com cê ai, só que ele queria virar ai mesmo, tem como, ia falar pra ele ir ai, que não tem como eu ir ai virar agora, se não tiver como, demoro, tá ligado Áudio 3 (RONE) – não mano, se ele quiser vim pegar a gorda (crack) eu solto, mas virar aqui não tem como não”. (Relatório Policial no ID 245611088 - Pág. 13; Áudios originais armazenados em mídia no ID 245611088 - Pág. 26 e 31) – Destaquei. Os dados extraídos do celular de RAFAEL, vulgo “Carioca”, permitem discernir os desígnios autônomos que imbuíam as suas condutas e demonstram que a sua vontade de integrar o “Comando Vermelho” extrapolava a mera traficância e associação para a traficância, pois, além de negociar drogas com usuários, como os contatos “Laco Nv”, “Juliana” e “Obeso” (ID 245611088 - Pág. 15 e 17/18), em outra interação com o contato “O Tall do Mattozo”, este se dirige a RAFAEL como “família” (termo reservado a “irmãos faccionados”) e o cumprimenta por meio das imagens de “dois dedos” e de “bandeira vermelha” (Relatório Policial no ID 245611088 - Pág. 16; Áudio original armazenado em mídia no ID 245611088 - Pág. 23). No mesmo sentido, RAFAEL possui em sua lista de contatos o indivíduo salvo em sua agenda como “Padrinho”, ou seja, membro já inserido na organização criminosa, responsável por batizar novo integrante, e envia mensagens de áudio via WhatsApp para tal pessoa, sendo que o teor da interação confirma a relação hierárquica de “padrinho” e “afilhado” entre os interlocutores, pois RAFAEL presta contas dos lucros (“rex”) obtidos com a mercancia ilícita e inclusive se submete a eventuais correções por parte do superior: “Áudio 10 (RAFAEL) - O iai meu bom, tarde pra nos, falar pro cê os rex (dinheiro), tá tudo na mão, demoro, peguei vinte e duas ponto uma né sacola, redondei vinte duas, a R$ 840,00, meu mano, me corrige se eu tiver errado mais R$ 40,00 real é isso memo. Áudio 11 (RAFAEL) - R$ 840,00 não né, R$ 880,00 né”. (Relatório Policial no ID 245611088 - Pág. 19; Áudios originais armazenados em mídia no ID 245611088 - Pág. 24 e 33) – Grifei. Além disso, a conversa travada entre os apelantes RAFAEL e RODRIGO, vulgo “Caterpila”, evidencia que ambos agiam imbuídos com dolo de pertencimento à organização “Comando Vermelho”, na medida em que RAFAEL se apresenta a RODRIGO como “Carioca”, dirige-se ao interlocutor pelos vocativos típicos da facção (“mano”, “senhor”), pergunta o “vulgo” de RODRIGO e lhe diz que, assim como ele, também é “lojista” (ou seja, traficante faccionado), porém, especializado na venda de cocaína, razão pela qual ligará para comparsa quando houver demanda de maconha, em face do que RODRIGO responde com emoji de “bandeira vermelha”, alusiva ao “CV-MT”: “Áudio 12 (RAFAEL) - Não mano, (...) de quem e que esse numero ai, qual e que é o seu vulgo ai pai, sou lojista também só que eu mecho só com Pó mano, se eu precisar de um Brau (maconha) ligo no senhor ai e o Carioca aqui na voz mano. Áudio 13 (RAFAEL) - Não sei se tenho esse numero salvo do senhor também que eu também fiquei sem celular, fiquei não, troquei a porra do celular aqui, tá ligado”. (Relatório Policial no ID 245611088 - Pág. 20/21; Áudios originais armazenados em mídia no ID 245611088 - Pág. 34/35) – Destaquei. Na mesma vertente, o celular do adolescente João Pedro Caznoca de Oliveira (nascido em 12/01/2006) foi igualmente apreendido e examinado pelos investigadores, sendo que o conteúdo digital resultante da busca exploratória revela tanto o envolvimento do menor quanto dos ora apelantes com a organização criminosa “Comando Vermelho”. Com efeito, além das diversas fotos em que o inimputável ostenta com os dedos sinal alusivo ao “CV-MT” (“tudo dois”) e registra vasta quantidade de drogas, expressivos montantes de dinheiro de procedência ilícita e arma de fogo (ID 245611088 - Pág. 48/52), vê-se que ele participava também do grupo WhatApp dissimuladamente intitulado de “FUTEBOL TODA SEXTA”, do qual eram integrantes ainda os recorrentes RAFAEL, vulgo “Carioca”, RONE vulgo “Breizão”, WELITON, vulgo “Bambam” ou “Pesadelo”, GABRIEL, vulgo “GH”, CARLOS, vulgo “Metralha”, RODRIGO, vulgo “Caterpila”, ALEX vulgo “Bactéria”, LUCIMAR, vulgo “Toquinha”, e TAILOANA, vulgo “Thayloana” ou “Colombiana”. A análise dos dados digitais não deixa dúvida de que o grupo funcionava como um canal virtual de faccionados, tanto é que consta do grupo o inteiro teor da chamada “CARTILHA CVRL MT”, em que são elencadas as regras e diretrizes que regem a coligação delinquente “Comando Vermelho Rogério Lemgruber – Mato Grosso” (ID 245611089 - Pág. 29/31), além de “INFORMATIVO” com tabela de preços, discriminando as opções de peso de cada espécie de droga e o respectivo valor pelo qual cada porção deve ser comercializada, a qual vai assinada pelo “Quadro Disciplinar Juara-MT” (ID 245611089 - Pág. 46/49). No aludido ambiente virtual, diariamente, eram veiculadas imagens (“figurinhas”), mensagens de exortação ao “Comando Vermelho” e de aval ou saudação a outros membros, sendo possível ver que TAILOANA, vulgo “Thayloana” ou “Colombiana”, avaliza outro faccionado, ao defender que “É o Rafael. Ele é da quebrada aqui. Ele é responsa”, e que WELITON, vulgo “Bambam” ou “Pesadelo”, cumprimenta os demais referindo-se ao organismo como sua “família” (“fml”), bradando “Boom Dia Fmll Forte Abraço A Todos”, seguido de emojis da “bandeira vermelha”, o que confirma a concretude e perenidade do seu vínculo (ID 245611090 - Pág. 5). O mesmo termo utilizado é por TAILOANA quando diz “Boa noite fml CV”, “Boa tarde família” e “Boa noite família CV que Deus abençoe a noite de cada um”, tudo seguido de emoji da “bandeira vermelha” (ID 245611088 - Pág. 55, 57 e 59, ID 245611089 - Pág. 1). No mesmo grupo, depreende-se o pleno pertencimento à facção do adolescente João Pedro, pois ele envia mensagens enaltecendo o “Comando Vermelho” e dirigindo-se aos demais integrantes como seus “irmãos” (“Boa noite meus irmão, um forte cincero e leal abraço pra todos”, antes de compartilhar duas imagens: a primeira de uma bandeira vermelha cravada com a sigla “CV” e a segunda com a frase “Boa noite Família CV” (ID 245611089 - Pág. 2). Ademais, verifica-se que todos os recorrentes se encarregavam de repassar valores pecuniários periodicamente à facção, ajudando a financiá-la, e que, no âmbito da divisão de tarefas e no pagamento das taxas, havia classificação expressa no grupo virtual, sendo que os apelantes GABRIEL, vulgo “GH”, CARLOS, vulgo “Metralha”, RODRIGO, vulgo “Caterpila” e ALEX, vulgo “Bactéria”, inseriam-se na classe de “CAMISAS”, ao passo que o menor João Pedro, vulgo “JP”, e os apelantes RONE, vulgo “Breizão”, RAFAEL, vulgo “Carioca”, LUCIMAR, vulgo “Toquinho” e TAILOANA, vulgo “Thayloana” ou “Colombiana”, era “LOJISTAS”. Depreende-se do grupo ainda que, ao menos até 22/08/2022, GABRIEL e CARLOS estavam quites com as suas mensalidades, enquanto RODRIGO, ALEX, João Pedro, RONE, RAFAEL, LUCIMAR e TAILOANA ainda deviam a taxa (ID 245611090 - Pág. 5/6). O grupo de WhatsApp composto pelos réus deixa nítido também que o envolvimento destes ao “Comando Vermelho” desbordava da mera traficância e extrapolava eventual associação para o narcotráfico, adquirindo os contornos de autonomia e a conotação de independência que caracterizam o delito do art. 2.º da Lei n.º 12.850/2013. Isto porque, em diversas ocasiões, os membros discutem não só cobranças e pagamentos das taxas periodicamente repassadas pelos faccionados à organização, mas também a aplicação de castigos aos membros e cidadãos comuns que desrespeitam as regras da facção em seus territórios. À guisa de exemplo, tem-se o caso em que um dos integrantes compartilhou a foto e o nome de um indivíduo identificado como “Reginaldo” e o acusou de crime sexual contra terceiros, em face do que grande parte dos membros se insurge clamando pela inflição de “salve” (tortura física) contra ele, conjuntura em que a recorrente TAIOLANA instiga (“Conheço esse safado aí msm. Ele é vergonha msm”) e o apelante WELITON envia mensagem de áudio no grupo, comprometendo-se a efetuar a “disciplina”, in verbis: “Áudio Grupo CV (1) - Esse é o bandido pai, esse ai e o vagabundo nome e Reginaldo reinaldo, minto é reinaldo é reinaldo, ele ta trabalhando aqui na cidade la em tapaiuna la na madeiranite, eu sei que ele trabalha la na tal madeiranite, la, fala comigo ai se tem algum jeito de fazer alguma coisa com ele, já meter logo um tiro no meio da cara dele pra ele não fazer mais isso com filha de ninguém, fala comigo ai? (...). Áudio Grupo CV (4) - Pesadelo – salve salve família, boa noite pra todos ai, forte sincero e leal abraço, tamo junto de verdade, em GD, esse cara nos vai pegar ele, se vier aqui esse safado nos vai pegar ele, fica de boa”. (Relatório Policial no ID 245611089 - Pág. 22/25; Áudios originais no ID 245611090 - Pág. 20 e ss.) – Destaquei. Nesse contexto, um dos membros envia mensagem de áudio aos demais, pedindo justamente: “Faz o grupo, faz o Grupo da Disciplina” (ID 245611089 - Pág. 1). No mesmo diapasão, a demonstrar que os faccionados integravam o “CV-MT” em uma capacidade extrínseca à mera traficância/associação para o tráfico, o integrante de vulgo “Brinquedo”, após uma mensagem de áudio, diz “Vo da uma atenção nisso ai. Pega esses povo a tá atrasando a comunidade pega de pau, pá pega de exemplo. Pergunta se ele tem foto”, ao que o integrante “BGI” responde “tem que pega esses povo da uns tiro na mão fica ligeiro mano” e o vulgo “Fantasma” (apelante GABRIEL, segundo as testemunhas) endossa: “Gordao já passo a visão que o tratamento vai ser esse mesmo. (...). Isso aí fml união faz a força e a quebrada fica lindona”. (ID 245611089 - Pág. 4/6). Em outro episódio, tendo em mente que a sigla “ntv” equivale a “na ativa” e “cmg” a “comigo”, o vulgo “Playboy Reinaldo” indaga se “Algum disciplina ntv p ata resolvendo uma situação que aconteceu cmg” e, no mesmo minuto, outro integrante já se prontifica (ID 245611089 - Pág. 10). Em mais uma ocasião, um membro do grupo invoca diretamente o apelante RODRIGO, chamando “Eae caterpila chega aqui em mim” (ID 245611089 - Pág. 18) e, amiúde, os membros indagam se outros têm drogas para vender, como cocaína (“raio”), pasta base de cocaína (“gorda” ou “gordura” e “óleo”) e maconha (“chá”,), ante a procura por parte de usuários (ID 245611089 - Pág. 18/20 e Pág. 45). O desígnio autônomo e independente dos faccionados, voltado a integrar grupo criminoso organizado, é aferido também a partir de empreendimentos “socais” realizados pelo grupo, a fim de cooptar a população carente de seus territórios à simpatização e, por conseguinte, dificultar eventuais delações e notícias-crime por parte de moradores locais, como a distribuição de comida aos cidadãos, em que todos os integrantes são concitados a participar: “Bom dia fml então tamos fazendo o projeto hoje vamos precisar da atenção nos mns [manos] pra poder enttrwgar as marmitas. Quando tiver pronta nóis avisa no GP [grupo] só agrdec” e “Então fml nós precisa de ajuda pra entregar as marmitas” (ID 245611089 - Pág. 36/37). Nas fotos que retratam a distribuição de marmitas à comunidade carente local, é possível ver ainda que os faccionados também compelem crianças, muitas das quais ainda na primeira idade, a ostentar com dedos o gesto alusivo ao “Comando Vermelho”, isto é, “tudo dois” (ID 245611089 - Pág. 39/42). A propósito, frise-se que o simples pertencimento dos apelantes ao grupo virtual em questão, onde os integrantes do “Comando Vermelho” enalteciam a facção, alertavam-se entre si sobre patrulhamentos policiais, disseminavam as ideias do organismo infrator, arquitetavam seus planos ilícitos e realizavam as cobranças das taxas mensais devidas pelos faccionados, por si só, denota sobremaneira o dolo dos recorrentes de integrar a organização criminosa, pois deixa inegável que tomavam parte das atividades ilícitas da coligação. Ademais, nas conversas privadas mantidas pelo aplicativo de mensagens WhatsApp entre o adolescente João Pedro e o apelante JEFFERSON ALVES JACÓ, fica mais evidente ainda o pertencimento de ambos e de outros recorrentes à facção, assim como a posição de comando e liderança ocupada por JEFFERSON, o qual não só coordenava a traficância e a distribuição da droga aos demais agentes e era o responsável por receber parte dos lucros em nome do “CV”, mas também decidia quando era ou não permitido aplicar “salves” (castigos físicos) em face de terceiros, além de ser tratado com deferência e obediência pelos comparsas. É o que se vê na seguinte troca entre João Pedro e JEFFERSON, de 18/08/2022, em que o primeiro informa ao segundo que foi convocado para infligir tortura física a um suposto devedor de drogas, indaga se realmente pode/deve fazê-lo e, diante da negativa de JEFFERSON, orgulha-se de ter consultado o superior hierárquico antes de agir e prontamente obedece, dizendo que não aplicaria o “salve”: “Audio 01 (João Pedro) – Eai GD, uma boa pra nós mano, suava um forte e sincero da minha parte ai meu mano, deixa eu falar pro senhor, ontem o Zé Paulo falo que era pra mim pegar um tal de Célio ai, entendeu e dar cinquenta (50) RIPADA EM CADA MÃO DELE, ta ligado que é um gurizinho que ta devendo ele já faz um tempo ta ligado, que pegou a droga e não pagou e sumiu com o dinheiro e não pagou nada, ta ligado ai to queria saber se pode ta indo pra cima memo entendeu, to com o guri aqui, que dizer o guri ta vindo ai ta ligado, foi resgatar ele, ai se puder ir pra cima a gente já vai daquele jeitão. JEFFERSON: Não mano não é assim. Áudio 02 (João Pedro) - Não. Então por isso que eu to chegando no senhor entendeu, porque eu sei que não pode dar salve em ninguém por causa de voz de irmão, entendeu por isso que eu quis chegar no senhor entendeu. Áudio 03 (João Pedro) - Mas ainda bem que eu fui ligeiro, mano falei cabei de falar pro guri aqui não mano vou fazer nada não, entendeu se o GD não dei voz nenhuma pra mim mano não tenho que obedecer ninguém ta ligado”. (Relatório Policial no ID 245611090 - Pág. 9; Áudios originais armazenados em mídia no ID 245611090 - Pág. 20 e ss.). Em diversas outras conversas, é possível notar que JEFFERSON coordena a distribuição de drogas aos demais faccionados, indigitando expressamente a apelante LUCIMAR, vulgo “Toquinha”, como a fornecedora do grupo e realizando o recolhimento do lucro obtido pelos traficantes varejistas, sendo de se pontuar que a parte do dinheiro devido à facção era inclusive tabelada, o que demonstra o nível organizacional do grêmio infrator: “Áudio 04 (JEFFERSON) - E veado, eu mandei um uma 50 de óleo que eu peguei da Toquinha ali, não tem mercadoria na cidade depois que a Toquinho rodou e tinha essa mercadoria enterrada ai eu peguei dela de volta. Ai eu mandei umas 50 gramas pro ce la so pro ce não ficar falando demoro Áudio 05 (João Pedro) - O é nois paizão é nois só agradece, po tava parasitando memo na quebrada precisando fazer dinheiro po é nois memo de coração, tiver como senhor mandar pra mim a tabela de preço pó fazendo um favor entendeu eu já sei quanto e que é mas só pra mim ficar ciente memo gravar aqui. Áudio 06 (JEFFERSON) - O óleo a grama é cinquenta real ne veado que é pra ser vendido. Áudio 07 (João Pedro) – Não GD eu to falando a tabela dos preços da do valor que eu tenho que pagar pro senhor entendeu. Áudio 08 (JEFFERSON) – cinquenta grama você tem que dividir ai é 1350,00”. (Relatório Policial no ID 245611090 - Pág. 9; Áudios originais armazenados em mídia no ID 245611090 - Pág. 20 e ss.). Em outro diálogo entre o adolescente João Pedro e JEFFERSON, novamente se nota como este último coordena a logística da mercancia ilícita do grupo, inclusive determinando as quantidades que seriam comercializadas pelo menor e pelos apelantes CARLOS, vulgo “Metralha” e RODRIGO, vulgo “Caterpila”: “Áudio 09 (João Pedro) – o GD, o Carlinhos acabei de sair do barraco dele aqui ele lançou 140 gramas pra mim entendeu, falou que 50 pra mim lançar pro caterpila, 50 pra mim lançar pra morena pra mim ficar com 40 grama, ta ligado. JEFFERSON: Isso Áudio 10 (João Pedro) - Ai no caso eu falei pra ela ta ligado que o senhor ia lançar 50 grama pra mim mas ele falou que é pra mim ficar com 40 memo. JEFFERSON: 47 grama seu João Pedro: Pdc Áudio 11 (JEFFERSON) – 47 grama ai mano é 100 grama do metralha, 50 da morena 50 do caterpila e 47 seu. Áudio 12 (João Pedro) - Fechou paizão, fechou paizão, é nois”. (Relatório Policial no ID 245611090 - Pág. 10; Áudios originais armazenados em mídia no ID 245611090 - Pág. 20 e ss.) – Destaquei. Outrossim, o adolescente João Pedro envia para JEFFERSON fotos das drogas sendo pesadas e se queixa de que recebeu menos entorpecentes para vender, em face do que JEFFERSON o tranquiliza dizendo que “intão o mano Metralha vai repor isso ai mano entendeu então você tem que fazer 28 vezes 27 mas o Metralha vai repor isso ai”. (Relatório Policial no ID 245611090 - Pág. 10/12; Áudios originais armazenados em mídia no ID 245611090 - Pág. 20 e ss.) – Grifei. Tem-se ainda que JEFFERSON ordena que João Pedro não consuma as drogas, pois isso iria contra as regras da facção e ensejaria “salve” (“(...) porque senão vai cair no pau”), em face do que João Pedro anui e, depois, pede a chave do PIX de JEFFERSON, para enviar a parte devida dos proventos do comércio ilícito, o que faz através da conta bancária do apelante RONE, vulgo “Breizão”: “Áudio 22 – opa GB, boa boa meu paizão deixa eu falar pro senhor tem como o senhor mandar o seu pix ai pra mim já ta mandando uma parte do dinheiro ai. Áudio 23 – que eu to aqui no Breizão entendeu ele vai ta fazendo o pix aqui pra mim que eu vou ta passando o dinheiro aqui pra ele pai Áudio 24 – si pah hoje até aqui a pouco eu acho que eu já faço é tudo aqui pro senhor entendeu vai depender dos corres aqui, mais os corres ta a milhão aquele jeito graças a Deus, vamos pra cima Áudio 25 – eu só não vou mandar mais pro senhor entendeu, tenho o dinheiro em mãos aqui, por que o Breizão não tem mais dinheiro no PIX entendeu mais se cair mais dinheiro no pix dele eu vou mandando pro senhor pode pah”. (Relatório Policial no ID 245611090 - Pág. 13/15; Áudios originais armazenados em mídia no ID 245611090 - Pág. 20 e ss.) – Grifei. Vê-se também que João Pedro passa certa quantia a mais e, por isso, pede a JEFFERSON que “desconte na próxima mercadoria”, antes de indagar o líder quando chegaria o próximo carregamento de substâncias ilícitas, o que demonstra que o vínculo do grupo se ligava a uma série indeterminada de delitos a longo prazo e não se resumia à simples coautoria esporádica ou colaboração recíproca ocasional (Relatório Policial no ID 245611090 - Pág. 16; Áudios originais armazenados em mídia no ID 245611090 - Pág. 20 e ss.). Por fim, a espessar a superioridade hierárquica de JEFFERSON nos quadros da facção, tem-se que, quando João Pedro está em dívida com a organização criminosa (“peita”/“camisa”), socorre-se no líder: “Áudio 27 - Opa GD uma boa noite ai mano, deixa eu falar pro senhor que eu to de observação no grupo da peita (camisa) que eu vi la no GB, agorinha e ta lojista ta ligado ai eu queria ta vendo ai com o senhor entendeu. Áudio 28 – i tipo assim, esse povo tava dando ideia ni mim ta ligado que quando vai subir a peita (camisa) sobe num dia no outro dia já desce o cadastro entendeu ai eu quero saber se eu tava na observação ai ta ligado que eu fiquei meio sem intender memo. Áudio 29 – Opa GD uma boa noite ai meu mano um forte e leal ai da minha parte ai hein deixa eu falar pro senhor, é esse povo soltou eu aqui hoje 40 grama de origem e 100 grama de gordura ai o senhor puder ta mandando o valor que eu tenho que ta passando pro senhor beleza ai qualquer coisa já vou mandando os pix ai”. (Relatório Policial no ID 245611090 - Pág. 16/17; Áudios originais armazenados em mídia no ID 245611090 - Pág. 20 e ss.) – Destaquei. Como é cediço, as provas de natureza cautelar e não repetível, como diálogos interceptados e dados telefônicos provenientes de SMS ou aplicativo WhatsApp, captados e extraídos mediante autorização judicial e posteriormente reduzidos a termo em relatórios de inteligência da polícia, conforme se deu na hipótese dos autos, submetem-se ao contraditório deferido e se inserem na ressalva do art. 155, caput, in fine, do CPP, bastando, pois, para formação do convencimento do órgão julgador, sem que se possa falar em ofensa ao aludido dispositivo legal. A propósito: “2. Não há se falar, pois, em violação do art. 155 do CPP, uma vez que questiona-se a utilização de provas irrepetíveis, sujeitas ao contraditório diferido, como interceptação de dados telefônicos provenientes de SMS e WhatsApp, busca e apreensão na residência de corréu e interceptações telefônicas constadas em relatórios de inteligência da polícia, sendo todas válidas para a condenação do agravante por ambos os crimes”. (AgRg no AgRg no HC n. 885.042/MG, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 2/9/2024, DJe de 6/9/2024) – Grifei. Não obstante a alegação defensiva no sentido de que o conteúdo cautelar cotejado acima não seria confiável, após uma análise concatenada com as demais provas coligidas ao feito, concluo que a tese não prospera, pois, conforme já exposto neste aresto na análise da preliminar arguida pela defesa, inexiste qualquer demonstrativo nos autos e nas próprias mídias coletadas (mensagens, áudios e fotos angariados nos aparelhos telefônicos) que sequer sugira que as provas digitais tenham sido adulteradas, manipuladas de qualquer modo ou retiradas de contexto. Mesmo porque, a autoridade policial juntou aos autos os áudios originais que foram extraídos dos celulares, a corroborar a fidedignidade das transcrições reduzidas a termo nos relatórios de inteligência, conforme se vê no ID 245611088 - Pág. 23/37 e no ID 245611090 - Pág. 20/53 (áudios disponíveis para download no feito originário PJE n.º 1002326- 10.2022.8.11.0018). Ademais, a análise concatenada dos dados dos celulares com a prova oral colhida sob o crivo do contraditório leva a inarredável conclusão quanto ao pleno valor probatório daqueles elementos digitais, cujo conteúdo restou amplamente confirmado pelos depoimentos colhidos na fase instrutória, sendo de se frisar que, ao contrário do que sugere a i. defesa, os agentes de segurança pública ouvidos como testemunhas não se limitaram a reproduzir o que foi angariado dos aparelhos, mas agregaram substratos cognitivos autônomos, ao narrar em juízo experiências que testemunharam em primeira mão no curso das investigações e das diligências realizadas. Outrossim, embora os réus se identifiquem e se dirijam uns aos outros por meio de pseudônimos (“vulgos”), tal particularidade tampouco conduz ao acolhimento da tese de insuficiência probatória, mesmo porque, os policiais civis ouvidos em juízo, responsáveis pela investigação que identificou os criminosos, confirmaram a autoria dos apelantes, inclusive remetendo-se aos apelidos em questão. Assim, a despeito dos judiciosos argumentos lançados pela defesa, não me resta qualquer dúvida quanto à autenticidade das mídias, mensagens e demais dados angariados nos celulares apreendidos, mormente tendo em vista a consonância do conteúdo digital com a prova oral colhida em juízo, conforme se passa a expor. Com efeito, em audiência instrutória, a investigadora Andreia Menegon de Arruda declarou que, em virtude das suspeitas de que o apelante RONE, vulgo “Breizão”, estaria praticando tráfico de drogas na cidade de Juara, foi cumprido mandado de busca e apreensão em sua residência, onde os policiais conseguiram achar e confiscar significativa quantidade de entorpecentes, assim como vocalizou que, em desdobramento da diligência, realizaram buscas no domicílio do recorrente RAFAEL, vulgo “Carioca”, onde também foram apreendidos narcóticos, complementando que os celulares dos suspeitos foram igualmente apreendidos e analisados, resultando em provas esclarecedoras. A testemunha pontuou que RONE ocupava elevada posição nos quadros do “Comando Vermelho” e se encarregava de distribuir drogas, função na qual era auxiliado pelo réu RAFAEL, igualmente faccionado, que o ajudava a cortar e a embalar as substâncias ilícitas. Quanto à apelante LUCIMAR, vulgo “Toquinho”, a policial civil destacou que os investigadores realizaram campanas nas proximidades de sua moradia e que, durante o monitoramento, observaram em primeira mão a ré comercializando drogas com um usuário, o qual foi posteriormente abordado pelos agentes estatais, enquanto ainda portava o entorpecente, e admitiu à guarnição que aquela não era a primeira vez que adquiria psicotrópicos com a acusada e que já tinha comprado dela outras vezes, inclusive mostrando à equipe da declarante o comprovante de PIX que havia realizado para esta última aquisição. A depoente disse também que, ato contínuo, os policiais entraram na casa de LUCIMAR e a surpreenderam na posse de entorpecentes, contexto em que ela confessou que traficava, ao que a testemunha acrescentou ainda que LUCIMAR era “lojista” do “Comando Vermelho” à época e comercializava as drogas em prol da facção, repassando mensalidade (“lojinhas”) para o grupo. Andreia revelou que a apelante TAIOLANA, vulgo “Colombiana”, também era “lojista” do “Comando Vermelho” e mantinha um relacionamento conjugal com o recorrente WELINTON, vulgo “Pesadelo”, o qual se incumbia de praticar homicídios no interesse do organismo infrator, bem assim narrou que, nas buscas efetuadas na casa de TAIOLANA, além de drogas ilícitas, foi localizada uma arma de fogo, a qual foi posteriormente submetida à exame de comparação balística que resultou positivo, no sentido de que o referido artefato bélico teria sido empregado em delitos dolosos contra a vida ocorridos na região, nos quais WELINTON figurava como suspeito. De acordo com a narrativa testemunhal, as buscas exploratórias nos celulares apreendidos descortinaram que, à época dos fatos, o apelante JEFFERSON, vulgo “Panda”, ocupava o cargo mais elevado no quadro hierárquico do “Comando Vermelho” em Juara e era quem determinava todas as atividades ilícitas do grupo, ao passo que o recorrente GABRIEL, vulgo “GH” ou “Fantasma”, exercia a função de “braço direito” de JEFFERSON, levando a efeito as “missões” estipuladas pelo superior e aprendendo como se portar no âmbito da agremiação, a esconder armas de fogo, a fazer levantamento de moto das vítimas que seriam castigadas e a usar o carro da facção apenas na aplicação dos chamados “salves” (tortura física em face de indisciplinados). Sobre o envolvimento do apelante CARLOS, vulgo “Matralha”, com o “Comando Vermelho”, a testemunhante pontuou que ele era “lojista” da facção, membro “batizado” do grupo e já tinha até mesmo ocupado o cargo de “disciplina”, ou seja, responsável pela aplicação de “salves”, além de pagar mensalidade aos faccionados hierarquicamente superiores, ressaltando a policial que, na casa de CARLOS, também foram encontradas substâncias entorpecentes. Segundo a testemunha, o recorrente RODRIGO, vulgo “Caterpila”, mantinha não só “lojinha” (ponto de comercialização de drogas), mas também implementava a “disciplina” no interessa da coligação delinquente, conjuntura em que teria perpetrado homicídio na cidade de Juara, sendo que, ao receberem informação a respeito de seu paradeiro, os investigadores diligenciaram no local informado, onde realmente acharam o réu, o qual tentou fugir e, durante a fuga, deixou cair a arma de fogo, que veio a ser periciada e resultou compatível com homicídio do qual ele era suspeito. Nos termos colocados pela policial Andreia, “fomos até essa residência ele empreendeu fuga e no momento da fuga ele deixou cair a arma dele, acho que uma 380, não tenho certeza do calibre da arma que ele deixou cair. Mas ele corria bem na minha frente. Eu visualizei quando a arma dele caiu, foi apreendida, foi feito balística e também deu positivo para o homicídio que ele era suspeito de ter cometido nessa cidade”. (Mídia audiovisual armazenada no ID 245611956). A testemunha descreveu também a condição de faccionado do apelante ALEX, vulgo “Bactéria”, o qual exercia o papel de “lojista” do “CV-MT”, função compatível com as particularidades das buscas em sua residência, no curso das quais, segundo o relato testemunhal, foram encontradas drogas ilícitas. Sob o crivo do contraditório, Andreia também confirmou a participação do adolescente João Pedro, vulgo “JP”, no grupo criminoso, ressaltando que se tratava de membro ativo da facção, que foi surpreendido na casa do apelante RONE, vulgo “Breizão”, e que era responsável por “lojinha” de drogas e por outros delitos, dentre os quais um suposto homicídio. Por fim, a depoente verbalizou que as drogas comercializadas pelos acusados eram provenientes do “Comando Vermelho” e que aqueles atuavam na função de “lojistas”, comunicando-se e se articulando através de canais virtuais, como o grupo de WhatsApp dissimuladamente intitulado “Futebol Toda Sexta”, mas que eram na verdade voltados a assuntos de faccionados, tanto é que os grupos costumam ser desfeitos quando algum dos integrantes é preso. No mesmo diapasão, perante a autoridade judiciária, o policial Milton Lacerda da Silva Campos declarou que as buscas na residência dos apelantes RONE e RAFAEL redundou na apreensão de várias porções de drogas ilícitas e, assim como sua colega de profissão Andreia, narrou o episódio em que a recorrente LUCIMAR foi surpreendida logo após vender entorpecentes para um usuário, o qual admitiu à guarnição que havia acabado de comprar da ré o produto ilícito. Milton aduziu que os apelantes GABRIEL e CARLOS, vulgo “Metralha”, também concorriam para a difusão ilícita de entorpecentes na cidade e que o último foi inclusive pego com drogas, ressaltando que a mercancia ilícita também era praticada pelo acusado RODRIGO, o qual se encarregava ainda do “serviço de matança de pessoas”. O investigador repisou que os apelantes TAILOANA e WELITON eram amasiados e que, na residência da primeira, onde o segundo ficava e guardava até mesmo seu registro de nascimento, foram encontradas drogas e uma arma de fogo. A testemunha asseverou que o apelante JEFFERSON, vulgo “Panda”, comandava as atividades delitivas dos demais e efetivava o recolhimento das chamadas “camisas” e “lojinhas”, ou seja, as mensalidades devidas pelos faccionados e valores oriundos do comércio malsão, além de determinar homicídios em face de traficantes desvinculados da facção e de promover a articulação com faccionados de outras cidades. De acordo com o investigador Milton, os recorrentes ALEX, TAILOANA, WELITON, GABRIEL, RODRIGO e RONE vendiam drogas ilícitas e, mensalmente, repassavam parte do lucro angariado (“lojinhas”) para a facção criminosa, motivo pelo qual compunham os grupos de WhatsApp voltado a viabilizar tal controle, do qual eram proibidos de sair, complementando o depoente que, na condição de “lojistas”, os agentes se submetem às regras e aos prazos estipulados pelos membros hierarquicamente superiores, cuja inobservância dava ensejo a punições, como castigos físicos (“salves”) e até mesmo execuções. A testemunha também delineou a divisão de tarefas estabelecida no âmbito da facção, descrevendo que os “lojistas” comercializam drogas ilícitas e pagam as taxas periódicas (“camisas” ou “lojinhas”), ao passo que os “disciplinas” realizam cobranças e aplicam penalidades, ao que acrescentou ainda a informação de que, à época dos fatos, a determinação do apelante JEFFERSON era no sentido de recrutar menores de idade para realizar os “salves”. Outrossim, o policial civil exemplificou que o apelante WELITON ascendeu rapidamente nos quadros da organização e logo galgou cargo de “disciplina”, tendo sido alvo de mandado de busca e apreensão na apuração de homicídio ocorrido no município, enquanto os recorrentes ALEX, LUCIMAR, RAFAEL e RONE eram “lojistas” e GABRIEL, além de vender drogas, prestava auxílio direto ao líder JEFFERSON. Por fim, Milton vocalizou que RODRIGO seria suspeito de matar uma pessoa na véspera de sua prisão e que, durante a fuga que cingiu a tentativa de sua captura, deixou cair arma de fogo municiada e porção de drogas ilícitas. Em idêntica toada repercutiu o depoimento judicial do investigador Wanderson Alves de Souza, o qual confirmou que a casa do apelante RONE funcionava como ponto de comercialização de entorpecentes e que, durante o cumprimento de mandado de busca e apreensão no local, foi apreendida vasta quantidade de drogas e averiguada a presença de um menor de idade no domicílio, qual seja, o adolescente João Pedro, o qual era membro ativo da organização criminosa “Comando Vermelho”. Wanderson declarou também que RONE era faccionado e se incumbia de distribuir drogas ilícitas na organização criminosa, tarefa para a qual contava com o auxílio do recorrente RAFAEL. O investigador prosseguiu relatando que, embora a identidade de alguns faccionados tenha sido desvelada mediante a extração dos dados dos celulares apreendidos, parte dos suspeitos já era conhecida no meio policial, a exemplo do apelante JEFFERSON, vulgo “Panda”, que era quem “dava a voz”, isto é, comandava os demais agentes e avalizava as ações criminosas, e possuía como “braço direito” o recorrente GABRIEL, vulgo “GH”, “Citroen” ou “Fantasma”, o qual já havia ocupado os cargos de “lojista” e de “disciplina” e gozava da confiança do líder. A testemunha destacou o papel de “lojista” exercido por LUCIMAR, vulgo “Toquinha”, e que tal função foi confirmada inclusive durante as campanas in loco, que culminaram na abordagem de um usuário que havia comprado drogas com ela; assim como expôs que, na função de “lojista”, figurava também o réu ALEX, vulgo “Bactéria”, o qual chegou a ser surpreendido na posse de entorpecentes. Segundo o depoente, embora estivesse no cargo de “lojista” à época dos fatos, o apelante CARLOS, vulgo “Metralha”, já tinha exercido o papel de “disciplina” para a facção e ambas as posições também já foram ocupadas por RODRIGO, vulgo “Caterpila”, o qual era suspeito de um homicídio e, no momento da tentativa de sua prisão, portava uma arma de fogo, que foi periciada e seria compatível com o referido delito doloso contra a vida. O declarante narrou que, assim como RODRIGO, o apelante WELITON, vulgo “Bambam” ou “Pesadelo”, também seria suspeito de um homicídio, perpetrado no exercício de sua função de “disciplina”, assim como relatou que, na residência da amásia de WELITON, TAIOLNA, vulgo “Colombiana”, foi achada arma de fogo que teria sido empregada naquela execução, além de drogas, complementando ainda que o casal era integrante da facção “CV-MT”. Por derradeiro, Wanderson esclareceu que grupos de WhatsApp, como aquele visto no celular do adolescente João Pedro (“Futebol Toda Sexta”), são comumente criados e compostos por integrantes da organização criminosa “Comando Vermelho”, que utilizam o ambiente virtual para articular suas atividades delitivas. Oportunamente, destaque-se que o fato de as testemunhas consistirem nos policiais civis que diligenciaram na ocorrência e oficiaram na investigação não afasta a credibilidade ou a idoneidade dos seus depoimentos, tampouco elide o valor probatório dos seus relatos judiciais, máxime quando inexiste qualquer indicativo nos autos de que, aos agentes de segurança pública, interessaria implicar gratuitamente os réus na empreitada criminosa, exatamente como ocorre in casu. Sobre o tema, a Turma de Câmaras Criminais Reunidas do TJMT editou, em sede de uniformização de jurisprudência, o Enunciado Orientativo n.º 08, cuja redação dispõe que “Os depoimentos de policiais, desde que harmônicos com as demais provas, são idôneos para sustentar a condenação criminal”. (Incidente de Uniformização de Jurisprudência n.º 101532/2015, DJE n.º 9.998, de 11/04/2017). Não discrepa a jurisprudência do e. Superior Tribunal de Justiça: “II - O depoimento dos policiais prestado em Juízo constitui meio de prova idôneo a resultar na condenação do réu, notadamente quando ausente qualquer dúvida sobre a imparcialidade dos agentes, cabendo à defesa o ônus de demonstrar a imprestabilidade da prova, o que não ocorreu no presente caso”. (HC 404.507/PE, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 10/04/2018, DJe 18/04/2018). Especificamente com relação ao ânimo associativo permanente e estável mantido pelos acusados, concluo o comportamento e as condutas comissivas exercitadas pelos recorrentes, assim como o próprio modus operandi da organização criminosa, tais quais extraídos das provas digitais colhidas em sede cautelar e da prova oral angariada em juízo, deixam patente a presença do dolo dos agentes em se agremiarem, de maneira organizada, permanente e estável, para a prática de crimes graves. Dito de outra forma, a análise concatenada de todos os depoimentos e dos dados dos celulares não deixa margem para dúvida de que os apelantes estavam coligados entre si e que o desiderato do ajuntamento não se limitava à mera prática de crimes certos e definidos, mas a uma verdadeira série indeterminada de infrações penais graves, com especial destaque para o monopólio do tráfico de drogas na cidade de Juara/MT, além de torturas e lesões corporais. Deste modo, é evidente a organização estruturalmente ordenada e a divisão de tarefas para a empreitada ilícita, pois o fato de os réus, cada qual com seu encargo pré-estabelecido, prontamente agirem com vistas a satisfazer os interesses do “Comando Vermelho”, não só traficando, mas também mediante repasses pecuniários periódicos e aplicação de castigos físicos, não me deixa qualquer dúvida quanto ao ânimo de todos eles e a suas respectivas intenções de se ajuntarem à agremiação delinquente organizada, de maneira perene e habitual. Em suma, as provas dos autos denotam a habitualidade, estabilidade e permanência com que os recorrentes implementavam a sua vontade livre e consciente de integrar a coligação ilícita, ainda que informalmente, mantendo contatos revestidos de conexão estruturalmente ordenada em cadeias de hierarquia e com divisão funcional de tarefas com outros integrantes (animus associativo), assim como a intenção de auferir vantagem através da prática indeterminada de infrações penais graves, como tráfico de drogas, tortura, lesão corporal etc. (liame volitivo específico). Com tais considerações, mantêm-se as condenações dos apelantes RAFAEL, CARLOS, GABRIEL, ALEX, RONE, RODRIGO, WELITON, JEFFERSON, TAILOANA e LUCIMAR pelo crime do art. 2.º da Lei n.º 12.850/2013. 2. Dos pedidos de redução da pena: Subsidiariamente, as apelantes TAILOANA e LUCIMAR buscam a fixação das suas penas-base no patamar mínimo legal, ao passo que o recorrente JEFFERSON vindica a redução da reprimenda, em observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, e CARLOS almeja o reconhecimento da atenuante da menoridade relativa (art. 65, I, CP). No que tange aos pedidos de fixação da pena-base no mínimo legal, os pleitos carecem de interesse recursal, pois a providência almejada já foi contemplada na sentença recorrida (ID 245611983 - Pág. 51/55). Ademais, com relação a JEFFERSON, a sanção provisória restou igualmente estipulada no patamar mínimo, na segunda fase da dosimetria, à míngua de circunstâncias atenuantes ou agravantes (ID 245611983 - Pág. 55), inexistindo assim qualquer violação aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Em outra vertente, o apelante CARLOS requer o reconhecimento da atenuante da menoridade relativa e, perscrutando os autos, vejo que ele nasceu em 13/11/2001, de modo que possuía menos de 21 (vinte e um) anos de idade à época dos fatos, portanto, faz jus à circunstância do art. 65, I, do Código Penal. Por outro lado, embora se reconheça a menoridade penal relativa do réu CARLOS, tal providência não surte qualquer efeito prático sobre o quantum de reprimenda que lhe foi imposta, haja vista que a pena-base já foi fixada no mínimo legal na sentença (ID 245611983 - Pág. 47), sendo impossível a redução da sanção aquém deste patamar por força de circunstância atenuante. A propósito, tal entendimento está materializado no enunciado de Súmula n.º 231 do STJ, cuja redação dispõe que “A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”. Em suma, dou parcial provimento à insurgência do apelante CARLOS, apenas para reconhecer em seu favor a atenuante da menoridade relativa (art. 65, I, CP), todavia, sem efeitos práticos sobre a reprimenda (Súmula n.º 231/STJ), refutando os demais pleitos recursais voltados ao redimensionamento das penas. 3. Do pedido de decote da majorante: O apelante JEFFERSON reclama o decote da majorante atinente à participação de adolescente na organização criminosa (art. 2.º, §4.º, I, Lei 12.850/2013), no entanto, a razão não lhe assiste, devendo a causa de aumento ser mantida por este Tribunal ad quem. Isto porque, os dados extraídos dos celulares apreendidos, inclusive do aparelho telefônico do próprio menor João Pedro, e a prova oral colhida em juízo não deixam espaço para dúvida de que o inimputável era membro ativo do “Comando Vermelho” e integrava a facção com os demais apelantes, participando do mesmo grupo virtual (“Futebol Toda Sexta”) no qual eram disseminadas as ideias do organismo infrator e articuladas as atividades ilícitas da organização. Ademais, as conversas privadas travadas entre o apelante JEFFERSON e o menor João Pedro no aplicativo de mensagens de demonstra que este submetia-se hierarquicamente àquele, abstendo-se de aplicar “salves” (castigos físicos) em terceiros, quando não obtinha o aval do recorrente, além de realizar, por determinação de JEFFERSON e com fornecimento de LUCIMAR, a divisão e o rateio de drogas para comercialização com os recorrentes CARLOS, RODRIGO e RONE. Por oportuno, consigne-se que, no tocante à comprovação da menoridade, os meios de prova não se restringem à certidão de nascimento e ao registro civil, podendo ser atestada por outros documentos igualmente dotados de fé pública, que contenham os dados de qualificação do adolescente: “5. No tocante à menoridade, a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça consolidou-se no sentido de que o documento hábil para se comprovar a idade do menor envolvido não se restringe ao registro civil, sendo outros documentos dotados de fé pública igualmente hábeis para a comprovação da idade”. (AgRg no RHC n. 200.019/RS, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 11/2/2025, DJEN de 19/2/2025). No caso concreto, o Termo de Declarações prestadas pelo adolescente João Pedro Caznoca de Oliveira (ID 245611085 - Pág. 57/59), lavrado na delegacia e devidamente firmado pela autoridade policial, portanto, dotado de fé pública, contém dados aptos a qualificá-lo, a exemplo da sua naturalidade, nacionalidade, filiação, data de nascimento (12/01/2006), número da Carteira de Identidade (RG 26079453 SSP-MT) e do CPF (052.347.921-29), sendo assim plenamente hábil a atestar sua menoridade à época dos fatos. Deste modo, sendo nítida a participação de adolescente na organização criminosa, deve ser ratificada a incidência da majorante do art. 2.º, §4.º, I, da Lei n.º 12.850/2013, inclusive na sua fração intermediária de 1/2 (metade), conforme estipulado no édito recorrido, pois, como bem pontuou o d. juízo sentenciante, além de envolver o menor João Pedro em suas atividades delitivas, a organização criminosa sub judice ainda dava marmitas e alimentos a crianças carentes, muitas das quais ainda na primeira infância, para compeli-las a deixarem ser fotografadas ostentando o gesto alusivo à facção com dedos (“tudo dois”), conforme atestam as fotos anexadas ao Relatório Policial contendo a análise dos celulares apreendidos. Portanto, conserva-se a majorante do art. 2.º, §4.º, I, da Lei n.º 12.850/2013 e o respectivo quantum de aumento na fração de 1/2 (metade). 4. Dos pedidos de afastamento da hediondez do delito: Por fim, os apelantes buscam o afastamento da hediondez do delito, reconhecida na sentença. Contudo, o pleito deve ser desprovido. Deveras, o art. 1.º, parágrafo único, inciso V, da Lei n.º 8.072/1990 classifica como delito hediondo “o crime de organização criminosa, quando direcionado à prática de crime hediondo ou equiparado”, exatamente como se viu na espécie, em que o organismo infrator formado pelos recorrentes se voltava, dentre outras, à prática de tráfico de drogas, infração equipara à hedionda. Quanto à tese defensiva de que não haveria materialidade do crime de tráfico de drogas, porquanto não houve apreensão de entorpecentes nestes autos, o argumento tampouco conduz ao afastamento do caráter hediondo da organização criminosa sub judice. A uma, porque é cediço que em situações excepcionais, é possível a comprovação da ocorrência material do delito de tráfico por outros meios que não a apreensão em si dos narcóticos, conforme iterativa jurisprudência das Cortes Superiores: “1. A consolidada jurisprudência desta Corte Superior de Justiça já se posicionou quanto à desnecessidade de apreensão de drogas para caracterização do crime de tráfico, desde que outros elementos de prova evidenciem a materialidade do ilícito. No caso, as interceptações telefônicas foram decisivas no sentido de desnudar a articulação para a prática dos crimes imputados. Precedentes”. (AgRg no HC n. 788.240/BA, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 13/8/2024, DJe de 16/8/2024) – Destaquei. “4. A ausência de apreensão de drogas na posse direta do agente não afasta, de forma automática, a materialidade do crime previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, especialmente quando existirem outros elementos de prova aptos a atestar a prática delitiva”. (AgRg no HC n. 746.119/SP, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado em 27/9/2022, DJe de 30/9/2022) – Negritei. É também o posicionamento desta Corte de Justiça estadual: “2) Na esteira da jurisprudência dos Tribunais Pátrios, é possível que, excepcionalmente, a materialidade do delito de tráfico de entorpecentes seja comprovada por outros meios [testemunhal] que não a apreensão do entorpecente com subsequente confecção de laudo pericial, como ocorre na hipótese. (...)”. (N.U. 0002716-87.2009.811.0006, Relator: GILBERTO GIRALDELLI, Data de Julgamento: 24/06/2020, Terceira Câmara Criminal, Data de Publicação: 26/06/2020) – Negritei. In casu, o arcabouço probatório é pródigo ao atestar a mercancia ilícita por parte dos recorrentes, pois os dados extraídos dos celulares apreendidos demonstram que eles amiúde articulavam a comercialização ilícita em conversas privadas e grupo de WhatsApp, inclusive com troca de fotos em tempo real da pesagem dos entorpecentes e com fixação de tabela de preços pelos quais cada espécie de substância deveria ser vendida aos usuários. A duas, porque, como já dito, o presente processo teve início com o compartilhamento de provas oriundas da ação penal n.º 1002326- 10.2022.8.11.0018, em que os réus RAFAEL e RONE foram acusados e condenados pelo crime de tráfico de drogas, justamente porque foram apreendidos com uma miríade de drogas ilícitas, de naturezas diversas, conforme consta da denúncia daquele feito, in verbis: “1) 60 (sessenta) porções de pasta base de cocaína em forma de pedra acondicionadas em invólucros fechados por abrasamento, pesando aproximadamente 50,8 gramas; 2) 02 (duas) porções de pasta base de cocaína em forma de pó acondicionadas em invólucros plásticos, pesando aproximadamente 23,7 gramas; 3) 08 (oito) porções de pasta base de cocaína em forma de pedra acondicionadas em invólucros plásticos fechados por abrasamento, pesando aproximadamente 6,4 gramas; 4) 03 (três) porções de pasta base de cocaína em forma de pó acondicionadas em pinos, pesando aproximadamente 5,7 gramas; 05) 01 (uma) porção de maconha, pesando aproximadamente 21,6 gramas; 06) 01 (uma) porção de maconha pesando aproximadamente 14,8 gramas; 07) 01 (um) tablete de maconha, pesando aproximadamente 321,7g; 08) 04 (quatro) porções de pasta base de cocaína em forma de pó acondicionadas em invólucros plásticos, pesando aproximadamente 84,3 gramas; 09) 259 (duzentos e cinquenta e nove) comprimidos de Ecstasy; 10) 14 (quatorze) porções de maconha acondicionadas em invólucros plásticos fechados por abrasamento, pesando aproximadamente 120,1g”. (Trechos da denúncia ofertada na ação penal n.º 1002326-10.2022.8.11.0018, no ID 245611079 - Pág. 6/10) – Negritei. Esclareça-se que tais apreensões restaram atestadas nestes autos por meio das cópias dos Autos de Exame Preliminar de Constatação de Drogas Ilícita e respectivos anexos fotográficos, coligidos no ID 245611081 - Pág. 70/73 e Pág. 74/75, ID 245611082 - Pág. 1/6, Pág.7/10, Pág. 11/12, ID 245611083 - Pág. 3/6, Pág. 7/10 e Pág. 11/14; ID 245611084 - Pág. 1/4, Pág. 5/9. Da mesma forma, os policiais civis ouvidos em juízo, Andreia Menegon de Arruda, Milton Lacerda da Silva Campos e Wanderson Alves de Souza, foram unívocos ao declarar que, assim como RAFAEL e RONE, diversos outros apelantes foram surpreendidos em poder de drogas ilícitas quando do cumprimento das diligências, como LUCIMAR, CARLOS, ALEX, TAIOLANA e RODRIGO. Deste modo, o simples fato de as drogas ilícitas se encontrarem apreendidas em autos apartados, em que porventura são apurados os delitos autônomos perpetrados pelos faccionados, não impede que tal peculiaridade fática seja discernida nestes autos, restando inarredável reconhecer que o tráfico de drogas era sim um dos desideratos iníquos da organização criminosa. Por fim, ad argumentandum tantum, destaque-se que os dados extraídos dos aparelhos celulares e a prova oral colhida em juízo demonstram também que o grupo infrator, in casu, voltava-se não só à traficância, mas também à aplicação de castigos físicos contra terceiros, conforme já exposto alhures, sendo de se pontuar que tais condutas (“salves”) são comumente classificadas como delito de tortura, o que corrobora a natureza hedionda da facção. Ante o exposto, mantém-se a hediondez do delito. CONCLUSÃO: Ante todo o exposto, conheço dos recursos de apelação criminal interpostos por RAFAEL BARBOSA DA ROCHA, CARLOS ALBERTO SILVA DO NASCIMENTO, GABRIEL SILVA DE SOUZA, ALEX SANDRO TELES, RONE GOMES DOS SANTOS, RODRIGO SILVA ALVES, WELITON DOMINGOS DA SILVA, JEFFERSON ALVES JACÓ, TAILOANA APARECIDA CARLA DE OLIVEIRA e LUCIMAR DE LIMA PRIMO, a fim de REJEITAR AS PRELIMINARES de nulidade arguidas pela defesa. No mérito, NEGO PROVIMENTO aos apelos de RAFAEL BARBOSA DA ROCHA, GABRIEL SILVA DE SOUZA, ALEX SANDRO TELES, RONE GOMES DOS SANTOS, RODRIGO SILVA ALVES, WELITON DOMINGOS DA SILVA, JEFFERSON ALVES JACÓ, TAILOANA APARECIDA CARLA DE OLIVEIRA e LUCIMAR DE LIMA PRIMO e DOU PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de CARLOS ALBERTO SILVA DO NASCIMENTO, apenas para reconhecer a atenuante da menoridade penal relativa (art. 65, I, CP), no que lhe refere, todavia, sem efeitos práticos sobre a pena imposta (Súmula n.º 231 do STJ). Mantém-se inalterada, nos demais termos, a r. sentença proferida pelo d. Juízo da Sétima Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT na ação penal n.º 1019253-76.2022.8.11.0042. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 09/04/2025
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear