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Processo nº 1007327-24.2022.8.11.0002

ID: 306366644

Tribunal: TJMT Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1007327-24.2022.8.11.0002

Data de Disponibilização: 24/06/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

ELIZENIR BATISTA DANTAS

Acórdão

Advogados:

GLORIA ALCANTARA DOS SANTOS

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VITOR HUGO ALONSO CASAROLLI

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1007327-24.2022.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Extravio de bagagem,… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1007327-24.2022.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Extravio de bagagem, Transporte Rodoviário] Relator: Des(a). MARCOS REGENOLD FERNANDES Turma Julgadora: [DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [EXPRESSO ITAMARATI S.A. - CNPJ: 59.965.038/0001-41 (APELANTE), ADRIANO HENRIQUE LUIZON - CPF: 121.580.598-50 (ADVOGADO), ELIZENIR BATISTA DANTAS - CPF: 726.773.504-59 (APELADO), GLORIA ALCANTARA DOS SANTOS - CPF: 087.540.469-39 (ADVOGADO), VITOR HUGO ALONSO CASAROLLI - CPF: 093.267.809-29 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO. E M E N T A DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. TRANSPORTE RODOVIÁRIO. EXTRAVIO TEMPORÁRIO DE BAGAGEM. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANO MORAL CONFIGURADO. ARBITRAMENTO MANTIDO. ALTERAÇÃO DA FORMA DE CÁLCULO DOS JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. APLICAÇÃO DA LEI Nº 14.905/2024. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME Apelação cível interposta por Expresso Itamarati S.A. contra sentença que julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação de indenização por danos morais decorrente de extravio temporário de bagagem em transporte rodoviário intermunicipal contratado por Elizenir Batista Dantas. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há três questões em discussão: (i) verificar se houve comprovação do extravio da bagagem que justifique a responsabilização da empresa de transporte; (ii) analisar a adequação do valor fixado a título de indenização por dano moral; e (iii) definir se incide a nova sistemática de correção monetária e juros moratórios trazida pela Lei nº 14.905/2024. III. RAZÕES DE DECIDIR A comprovação do vínculo contratual e da devolução tardia da bagagem é suficiente para configurar falha na prestação do serviço, nos termos do art. 14 do CDC e do art. 734 do CC, atraindo a responsabilidade objetiva da transportadora. O extravio temporário de bagagem ultrapassa o mero aborrecimento e configura dano moral presumido (in re ipsa), não havendo necessidade de demonstração de prejuízo concreto. O valor da indenização fixado em R$ 4.000,00 observa os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, atendendo à função compensatória e pedagógica da reparação. Com a entrada em vigor da Lei nº 14.905/2024, a partir da data legalmente estipulada, os juros moratórios e a correção monetária devem ser apurados com base na Taxa Selic, conforme o novo art. 406, § 1º, do CC/02, permanecendo aplicáveis, até então, os critérios anteriores (juros de 1% ao mês e correção pelo INPC). IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: O extravio temporário de bagagem caracteriza falha na prestação do serviço e enseja reparação por danos morais, independentemente de prova de culpa ou prejuízo concreto. A responsabilidade do transportador de passageiros é objetiva, nos termos do art. 14 do CDC e do art. 734 do CC. A fixação do dano moral deve observar a razoabilidade, proporcionalidade e o caráter pedagógico da indenização. A Lei nº 14.905/2024 aplica-se às condenações cíveis quanto ao critério de juros e correção monetária, incidindo a Taxa Selic a partir da data de sua entrada em vigor. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. MARCOS REGENOLD FERNANDES (RELATOR): Egrégia Câmara: Trata-se de apelação cível interposta por EXPRESSO ITAMARATI S.A. em face da sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível de Rondonópolis/MT, nos autos da ação de indenização por danos morais ajuizada por ELIZENIR BATISTA DANTAS, que julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais. Contra a sentença se insurge a apelante, sustentando, em síntese, que não há prova do extravio, ante a ausência de registro de reclamação pelo SAC, não preenchimento de formulário de extravio, apresentação pela autora de cartão de empresa diversa (Viação Ouro e Prata) e conversas por WhatsApp com pessoa denominada "Mulher da Rodoviária" que menciona garagem da "Eucatur", empresa sem relação com a apelante. Argumenta, ainda, que a falta de poucas roupas por pequeno período não justifica indenização, constituindo mero descumprimento contratual. Subsidiariamente, requer a diminuição da quantia fixada. Por fim, postula aplicação da Lei nº 14.905/2024, que alterou os artigos 389 e 406 do Código Civil. Contrarrazões em ID 289491367. Cumpridos os requisitos de admissibilidade, submeto o recurso ao julgamento colegiado. É o relatório. Inclua-se em pauta. V O T O R E L A T O R EXMO. SR. DES. MARCOS REGENOLD FERNANDES (RELATOR): Egrégia Câmara: Como visto, trata-se de apelação cível interposta por Expresso Itamarati S.A. contra sentença proferida nos autos da ação de indenização por danos morais, que julgou parcialmente procedente a demanda ajuizada por Elizenir Batista Dantas. Na exordial, a autora (apelada) aduz que contratou serviços de transporte rodoviário da empresa ré para viagem de Várzea Grande/MT a Sinop/MT, realizada em 16/02/2022. Alega que, ao chegar ao destino em 17/02/2022, sua bagagem despachada não foi localizada, tendo sido informada que a mala havia sido equivocadamente direcionada para Sorriso/MT. Afirma que após diversas tentativas e contatos, conseguiu reaver a bagagem apenas em 21/02/2022, ao final da viagem. Diante disso, pleiteou indenização por danos morais e materiais, alegando falha na prestação do serviço de transporte. O magistrado de primeiro grau julgou parcialmente procedentes os pedidos, nos seguintes termos: “[...] Do mérito. Inicialmente, consigno que a relação jurídica estabelecida entre as partes é típica relação de consumo e, portanto, deve ser respeitado o que dispõem as normas e princípios do Código de Defesa do Consumidor. Esse é o entendimento do TJMT: [...] Nesta linha, registro que em se tratando de típico contrato de prestação de serviço, o transportador responde de forma objetiva pelos danos decorrentes da prestação defeituosa do serviço, nos termos do artigo14,caput, do CDC, persistindo enquanto não demonstrada culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, força maior e caso fortuito não vinculado à organização da atividade comercial. Pois bem. No caso em análise, constato que ficou comprovado que a autora efetivamente embarcou em ônibus da requerida, conforme passagem anexada aos autos (Id. 78256625), e que enfrentou dificuldade para reaver sua bagagem, sendo necessário retornar diversas vezes à rodoviária e realizar contato com funcionária da empresa, via aplicativo de mensagens, a fim de localizar a mala (Id. 78256627). É sabido que para que seja reconhecido o dever de indenizar, basta a comprovação de causa e efeito entre a ação ou omissão do fornecedor de serviços e o dano sofrido pela vítima (nexo causal), sendo desnecessário a culpa do agente. Em que se pese o desconhecimento mencionado pelo demandado, inclusive quanto ao suposto cartão de embarque estar em nome de terceiro, certo que é que a parte autora juntou comprovante da passagem emitida pela própria parte ré, inclusive com informações quanto a data da viagem, horário, poltrona e a passageira, ora, demandante, o que corrobora as alegações autorais. Deste modo, o polo ativo se desincumbiu do ônus que lhe cabia ao pleitear o seu direito, nos termos do art. 373, I do CPC. Por outro lado, verifico que a parte reclamada não apresentou qualquer fato modificativo, extintivo ou desconstitutivo do direito da autora, ônus que lhe cabia a teor do art. 373, II do CPC,inclusive, pediu o julgamento antecipado da lide. Nesta trilha, o demandado que presta serviço de transporte possui obrigação de resultado, e, portanto, o compromisso de transportar de forma segura e com qualidade, os passageiros e seus pertences no horário estabelecido, nos termos do art. 734 do Código Civil. Com efeito, o Código de Defesa do Consumidor dispõe que o serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: o modo de seu fornecimento, o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam e a época em que foi fornecido (artigo 14, § 1º, da Lei 8.078/90). Assim, caracterizado está o defeito do serviço cuidando-se, portanto, de responsabilidade objetiva pelo fato do serviço, previsto no artigo 14, do Código de Defesa do Consumidor, respondendo o fornecedor, independentemente de culpa, sendo suficiente a prova da existência do fato decorrente de uma conduta injusta, o que restou comprovado no feito. Desta maneira, configura falha na prestação de serviço quando a bagagem despachada de um dos passageiros é perdida e não entregue no momento do respectivo desembarque. Nesse sentido: [...] Diante desse contexto, evidente a falha na prestação de serviço da parte ré e, por conseguinte, na responsabilidade da mesma em ressarcir e indenizar os danos causados à demandante. No caso concreto, a situação narrada ultrapassa o mero descumprimento contratual ou dissabor das relações da vida cotidiana, revelando dano moral à honra subjetiva da postulante. Quanto ao valor da reparação, o arbitramento sopesa as circunstâncias do caso concreto, leva em consideração as condições das partes, o grau de culpa e, principalmente, a finalidade, que é a de compensar o dano ocorrido, bem como inibir a conduta abusiva. In casu, verifico que houve a devolução da bagagem, ainda que tardiamente, bem como, inexiste prova de aquisições de novos itens, motivo qual fixo a indenização em R$ 4.000,00. Em relação ao dano material, em que se pese a prova de pagamento de valores realizados nos dias 17,18 e 21/02/2022, não há comprovação destes serem realizados pela demandante, tampouco relacionado com o fato. Deste modo, não há provas documental específica que fundamente o valor almejado, ante a ausência de recibos ou comprovantes, motivo qual, não há que se falar em condenação da empresa ré ao ressarcimento por danos materiais. -Do dispositivo. Diante de todo exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS DA INICIAL e extingo o feito com resolução do mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para: - Condenar o polo passivo pagar ao ativo, a título de danos morais, a quantia de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), acrescidos de correção monetária pelo INPC a partir da prolação da sentença e juros de mora de 1% ao mês da citação. Ante a sucumbência recíproca, arbitro os honorários advocatícios e as despesas processuais em 20% (vinte por cento) do valor da causa, vedada a compensação. Reciprocamente sucumbentes, à custa e despesas processuais deverão ser divididas em partes iguais pelas partes, metade para cada. Todavia, tendo em vista que foi deferida a gratuidade da justiça ao polo ativo, sua cobrança ficará sob condição suspensiva nos termos do art. 98, § 3º do CPC. [...]” Contra a sentença se insurge a apelante, sustentando, em síntese, que não há prova do extravio, ante a ausência de registro de reclamação pelo SAC, não preenchimento de formulário de extravio, apresentação pela autora de cartão de empresa diversa (Viação Ouro e Prata) e conversas por WhatsApp com pessoa denominada "Mulher da Rodoviária" que menciona garagem da "Eucatur", empresa sem relação com a apelante. Argumenta, ainda, que a falta de poucas roupas por pequeno período não justifica indenização, constituindo mero descumprimento contratual. Subsidiariamente, requer a diminuição da quantia fixada. Por fim, postula aplicação da Lei nº 14.905/2024, que alterou os artigos 389 e 406 do Código Civil. A apelada refuta os argumentos recursais, defendendo que a documentação comprova a contratação do serviço e o extravio da bagagem. Alega, também, que o dano moral restou configurado pela falha na prestação do serviço, e o valor da indenização mostra-se adequado às circunstâncias do caso. Pois bem. Ab initio, imperioso ressaltar que a relação jurídica estabelecida entre as partes é inequivocamente de consumo, atraindo a incidência do Código de Defesa do Consumidor, conforme inteligência dos arts. 2º e 3º do referido diploma legal. No caso em tela, a primeira questão controvertida se refere à comprovação do extravio da bagagem, uma vez que a apelante sustenta inexistir prova suficiente do alegado extravio, apontando inconsistências nos documentos apresentados. Entretanto, a análise dos autos revela que a autora juntou comprovante da passagem rodoviária emitida pela própria empresa ré (ID 289489932), com informações precisas sobre data, horário, poltrona e identificação da passageira. Ademais, há nos autos conversas via aplicativo de mensagens demonstrando os contatos realizados para localização da bagagem (ID 289489934), as quais corroboram as alegações vertidas na inicial. Por sua vez, a argumentação da apelante sobre a menção a outras empresas (Eucatur, Viação Ouro e Prata) nas conversas não afasta a responsabilidade, considerando que tais referências podem decorrer de parcerias operacionais ou confusões no atendimento, questões internas da prestadora de serviços que não podem prejudicar o consumidor. Sabe-se que, em se tratando de relação de consumo, é aplicável o regime de responsabilidade objetiva previsto no art. 14 do CDC, independentemente de culpa, de modo que o transportador responde pelos danos decorrentes da prestação defeituosa do serviço, salvo comprovação de excludente de responsabilidade. Considerando que a empresa ré não se desincumbiu do ônus de infirmar os fatos aduzidos na inicial, os quais demonstram satisfatoriamente indícios da probabilidade do direito da autora, tenho que caracterizado o dever de indenizar. No transporte rodoviário, o extravio de bagagem constitui falha na prestação do serviço, frustrando a legítima expectativa do consumidor quanto à segurança e integridade de seus pertences. Neste sentido é o entendimento adotado por este eg. Tribunal de Justiça: “APELAÇÃO CÍVEL – TRANSPORTE RODOVIÁRIO – EXTRAVIO DE BAGAGEM – RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA TRANSPORTADORA – DEVER DE INDENIZAR – DANO MORAL CONFIGURADO – VALOR PROPORCIONAL – MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. Nos termos do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade da empresa de transporte pelo extravio de bagagem é objetiva, nos termos do art. 14 do CDC e art. 734 do Código Civil, salvo comprovação de excludente de responsabilidade, o que não ocorreu no caso concreto. O extravio definitivo de bagagem configura falha na prestação do serviço e enseja a reparação dos danos materiais e morais, sendo o dano moral presumido (in re ipsa), prescindindo de prova específica. O quantum indenizatório arbitrado para os danos morais, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), revela-se razoável e proporcional à lesão experimentada, em conformidade com a jurisprudência dominante. Sentença mantida. Recurso de apelação não provido.” (TJMT - N.U 1000365-19.2022.8.11.0023, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, Primeira Câmara de Direito Privado, Julgado em 13/03/2025, publicado no DJE 13/03/2025). No que tange ao dano moral, conquanto a empresa apelante sustente que o extravio temporário de bagagem constitui simples aborrecimento, insuficiente para configurar dano moral indenizável, tal alegação não prospera. Com efeito, o extravio de bagagem, ainda que temporário, ultrapassa o mero dissabor cotidiano, causando angústia, preocupação e transtornos ao passageiro, que se vê privado de seus pertences pessoais em cidade diversa da sua residência. O dano moral, in casu, prescinde de prova específica, configurando-se in re ipsa, conforme pacífico entendimento jurisprudencial: “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS – TRANSPORTE TERRESTRE – EXTRAVIO DEFINITIVO DE BAGAGEM – RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA EMPRESA – DANOS MATERIAIS – RESOLUÇÃO ANTT – DANO MORAL CARACTERIZADO “IN RE IPSA” – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A responsabilidade civil traduz o dever de reparar o prejuízo em consequência de ofensa causada a um direito alheio - Comprovado o extravio de bagagem e impossibilitada a quantificação exata, a transportadora deve responder pela indenização de danos materiais de 10.000 (dez mil) vezes o coeficiente tarifário, nos termos da Resolução 1 .432 da ANTT. 2. O extravio de bagagem ultrapassa o mero aborrecimento da vida diária, sendo cabível a indenização por dano moral.” (TJMT, ApCiv 1006379-48.2023.8.11.0002, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, JOAO FERREIRA FILHO, Primeira Câmara de Direito Privado, Julgado em 28/06/2024, Publicado no DJE 28/06/2024) (grifos nossos) “[...] O extravio definitivo de bagagem, de forma temporária e/ou definitiva, configura falha na prestação do serviço e, portanto, frustra a expectativa do consumidor depositada no serviço prestado, o que é suficiente para causar danos materiais e morais. O dano moral, pelo extravio de bagagens do passageiro, durante o transporte, independe da prova de prejuízo, porque, nestas hipóteses, o dano é presumido, bastando a comprovação da ocorrência do fato que o gerou. [...]” (TJMT, 1004224-91.2022.8.11.0007, CÂMARASCÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, NILZA MARIA POSSAS DE CARVALHO, Primeira Câmara de Direito Privado, Julgado em ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, NILZA MARIA POSSAS DE CARVALHO, Primeira Câmara de Direito Privado, Julgado em 188/10/2023, Publicado no DJE 18/10/2023, Publicado no DJE 18/10/2023) Nesta ótica, o princípio do livre convencimento confere ao magistrado a prudente prerrogativa de arbitrar o valor que entender justo, sempre de acordo com as peculiaridades do caso concreto, fazendo uma correspondência entre a ofensa e o valor da condenação. Deve-se observar os princípios que norteiam o dano moral tais como: a posição social do ofendido, a capacidade econômica do causador e a extensão da dor sofrida, sob pena de propiciar o locupletamento ilícito à vítima. Ao mesmo tempo, o valor deve ser significativo para que não passe despercebido, coibindo a conduta negligente do agente causador. O quantum não deve representar mero simbolismo, sob pena de esvaziar o caráter compensatório da sanção, mas não pode, também, impingir montante extremamente gravoso ao ofensor. Na presente situação, a indenização por danos morais imposta no ato sentencial, no valor R$ 4.000,00 (quatro mil reais), mostra-se compatível, considerando as particularidades do pleito e dos fatos assentados, bem como, observados os princípios da moderação e razoabilidade. Aliás, quanto ao pleito subsidiário de redução do montante indenizatório devido, entendo que não deve prosperar, ante o risco de esgotar o caráter punitivo-pedagógico da medida. Destaca-se: “O montante indenizatório deve atender aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade bem como ao caráter satisfativo-pedagógico da medida.”. (TJMT, ApCiv 1002948-20.2022.8.11.0041, Quarta Câmara de Direito Privado, j. 02/07/2024, p. 02/07/2024) Assim, mantenho a condenação por danos morais no valor fixado na sentença. Por fim, quanto ao índice de correção monetária e juros, observo que a apelante sustenta a aplicação da taxa SELIC, invocando a necessidade de adequação à Lei nº 14.09/2024. Neste ponto, razão assiste a Recorrente, visto que a publicação da Lei nº 14.905/2024 promoveu alterações significativas em dispositivos do Código Civil, notadamente nos que disciplinam a correção monetária e os juros moratórios incidentes nas relações cíveis (arts. 389 e 406). Referida norma estabeleceu que, nas hipóteses em que não houver pactuação ou previsão legal específica, deverão ser aplicados o IPCA como índice de atualização monetária e a Taxa Selic, deduzindo-se a correção monetária aplicável, como base para o cálculo dos juros moratórios. As referidas alterações passaram a produzir efeitos 60 dias após a publicação da lei (art. 5º, II), ocorrida em 1º/07/2024. Assim, com a entrada em vigor da Lei nº 14.905/2024, entendo que o percentual dos juros de mora deve ser fixado em 1% (um por cento) ao mês, com fundamento no art. 406 do Código Civil combinado com o art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional (conforme o Enunciado nº 20 da 1ª Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal), até a data em que a nova legislação começou a produzir efeitos. A partir de então, o cálculo da correção monetária e dos juros de mora deverá observar as alterações introduzidas no Código Civil, aplicando-se a Taxa Selic como indexação para juros e correção monetária, na forma do art. 406, § 1º, do CC/02. Com essas considerações, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso interposto pela empresa apelante, tão somente no ponto que discute os índices aplicáveis à correção monetária e juros moratórios, estabelecendo que os valores a serem restituídos sejam corrigidos pelo INPC e acrescido de juros de mora de 1% ao mês até a entrada em vigor da Lei nº 14.905/2024, devendo o cálculo da correção monetária e dos juros de mora, a partir de então, observar as modificações implementadas ao Código Civil, passando a incidir a Taxa Selic como indexação para juros e correção monetária, na forma do art. 406, § 1º, do CC/02 (incluídos pela Lei n. 14.905/2024), mantendo os demais termos do acórdão inalterados por seus próprios fundamentos. Não há falar em honorários recursais a favor da apelada, uma vez que condicionados ao desprovimento ou não conhecimento do recurso da parte apelante, sendo, portanto, incabíveis quando for provida a apelação, ainda que parcialmente, como na espécie (Tema 1059/STJ). É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 17/06/2025

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Processo nº 1044694-48.2023.8.11.0002

ID: 259425453

Tribunal: TJMT Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1044694-48.2023.8.11.0002

Data de Disponibilização: 23/04/2025

Polo Ativo:

J. C. REVELOS DA SILVA & CIA LTDA

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

APARECIDA MARIA LEITE

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ALEX JUNIOR DUARTE GOMES

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1044694-48.2023.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Inadimplemento, Prestação de Serviços] Relator: … ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1044694-48.2023.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Inadimplemento, Prestação de Serviços] Relator: Des(a). MARCOS REGENOLD FERNANDES Turma Julgadora: [DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [J. C. REVELOS DA SILVA & CIA LTDA - CNPJ: 14.810.922/0001-79 (APELANTE), APARECIDA MARIA LEITE - CPF: 802.209.591-53 (ADVOGADO), ALEX JUNIOR DUARTE GOMES - CPF: 049.183.031-96 (ADVOGADO), FIORELO PEGORARO COMERCIO E DISTRIBUICAO LTDA. - CNPJ: 81.362.634/0003-58 (APELADO), RAFAEL LUIZ DE CARVALHO - CPF: 055.806.909-67 (ADVOGADO), DANIELE CRISTIANE DRULLA - CPF: 015.706.879-00 (ADVOGADO), NEIRON LUIZ DE CARVALHO - CPF: 245.226.519-53 (ADVOGADO), PRISCILA ISABEL DE CARVALHO GARCIA - CPF: 024.655.519-06 (ADVOGADO), LUCAS DE CARVALHO GARCIA - CPF: 075.459.499-86 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE. AUSÊNCIA DE VÍNCULO CONTRATUAL DIRETO. GRUPO ECONÔMICO. AUTONOMIA PATRIMONIAL DAS PESSOAS JURÍDICAS. ÔNUS DA PROVA NÃO DESINCUMBIDO. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação cível interposta contra sentença que, em Ação de Cobrança, julgou improcedentes os pedidos formulados na inicial. O recorrente pleiteia a reforma da sentença para que a apelada seja condenada ao pagamento dos valores reputados como devidos pelos serviços prestados, bem como de indenização por danos morais. Ainda, postula a confirmação dos benefícios da justiça gratuita que lhe foram concedidos na origem. Em sede de contrarrazões, a recorrida pretende a revogação da gratuidade de justiça concedida ao autor e o não conhecimento parcial do recurso, em relação à suposta omissão da sentença quanto aos elementos probatórios existentes nos autos, à sobrecarga de trabalho e aos riscos à saúde do apelante. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão consistem em verificar: (i) a possibilidade de revogação da gratuidade de justiça deferida ao apelante; (ii) se há teses suscitadas pelo recorrente que não devem ser conhecidas; (iii) se a empresa demandada pode ser responsabilizada por valores decorrentes de contrato firmado com outra empresa integrante do mesmo grupo econômico; e (iv) se as provas produzidas nos autos são suficientes para fundamentar condenação por dívida contratual e por danos morais. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A gratuidade de justiça foi adequadamente deferida pela instância de piso, com base nos documentos que comprovaram a hipossuficiência financeira do recorrente, razão pela qual deve ser mantida. 4. O recurso não deve ser conhecido apenas no ponto referente aos alegados riscos à saúde do autor, por não ter sido oportunamente suscitado na instância de origem. 5. A existência de integração operacional entre empresas coligadas, sem prova de prestação exclusiva de serviços ou assunção direta da obrigação, não autoriza a condenação de empresa diversa da contratante formal. 6. A ausência de pactuação expressa entre as partes e a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas impedem a extensão automática das obrigações contratuais a empresa do mesmo grupo econômico. 7. O ônus probatório quanto aos fatos constitutivos do direito compete ao autor, que não logrou demonstrar satisfatoriamente a prestação dos serviços e o inadimplemento alegados. 8. A ausência de prova inequívoca da dívida, bem como a inexistência de vínculo contratual direto, inviabilizam a pretensão de indenização por danos morais. IV. DISPOSITIVO E TESE 9. Recurso conhecido em parte e, nessa extensão, desprovido. Teses de julgamento: “1. A responsabilidade solidária entre empresas do mesmo grupo econômico depende de previsão legal ou contratual expressa. 2. A simples integração operacional entre empresas não caracteriza obrigação solidária. 3. A cobrança de valores por serviços prestados exige comprovação inequívoca da dívida e do vínculo jurídico direto com a empresa demandada.” Dispositivos relevantes citados: CR, art. 5º, XXXV; CPC, arts. 98, 373, I, 85, § 11; CC, art. 265. Jurisprudências relevantes citadas: STJ, REsp n. 1.774.660/RJ, AgInt no REsp n. 1.785.426/PB, AgInt no REsp n. 1.743.428/MG, AgInt no AREsp n. 1.089.437/MG, AgInt no AREsp n. 1.564.850/MG; TST, Súmula n. 129. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. MARCOS REGENOLD FERNANDES (RELATOR) Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de apelação interposto por J. C. REVELOS DA SILVA & CIA LTDA. contra sentença proferida pelo Juiz de Direito Luis Otávio Pereira Marques, da 3ª Vara Cível da Comarca de Várzea Grande, que nos autos da Ação de Cobrança movida em desfavor de FIORELO PEGORARO COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO LTDA., julgou improcedentes os pedidos formulados na inicial (id. 274831947). Nas razões recursais, o apelante sustenta que as provas produzidas nos autos são suficientes para demonstrar a prestação de serviços de frete/entrega de mercadorias para a apelada sem a devida contraprestação. Aduz que o contrato de prestação de serviços foi firmado com a empresa DEYCON COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO LTDA., que pertence ao mesmo grupo econômico da recorrida, evidenciando a relação existente entre as partes. Menciona que os comprovantes de pagamento juntados aos autos pela própria demandada demonstram que a DEYCON COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO LTDA. lhe efetuava pagamentos, corroborando a tese de que prestava serviços para ambas as empresas. Consigna que a única transferência realizada pela apelada em seu favor, no valor de R$ 800,00 (oitocentos reais), comprova o reconhecimento da dívida, e que testemunhas confirmaram sua prestação de serviços à requerida, contestando o depoimento da testemunha da parte adversa. Afirma que a sentença guerreada incorreu em equívoco ao desconsiderar: (i) a natureza do contrato com a DEYCON COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO LTDA.; (ii) a sobrecarga de trabalho decorrente do aumento da rota de entregas e de responsabilidades, como o recebimento de dinheiro dos clientes; (iii) a ausência de orientação e justificativa para a alteração das condições de trabalho; e (iv) os riscos à sua saúde pelo transporte de cigarros, produto comercializado pela apelada. Defende que a conduta da recorrida configura enriquecimento ilícito, pois se beneficiou dos serviços prestados sem a devida contraprestação, alegando que os motoristas, sob ameaça de rescisão contratual, não podiam recusar a realização de entregas para a demandada, que se eximiu dos custos de contratação de transporte de mercadorias, obtendo lucro indevido. Argumenta que o Juízo a quo lhe atribuiu indevidamente o ônus de comprovar a quantia devida, ignorando que as provas documentais e testemunhais já seriam suficientes para demonstrar a prestação de serviços e a falta de pagamento. Esclarece que é equivocada a aplicação da Súmula n. 129 do TST por analogia, sem considerar a natureza jurídica distinta da relação contratual em questão, e que firmou contrato de prestação de serviço apenas com a DEYCON COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO LTDA. e não com a ré, empresas com personalidades jurídicas, CNPJ’s e atividades econômicas distintas. Acrescenta que a conduta da recorrida lhe causou prejuízo moral, gerando frustração, angústia e abalo psicológico ao comprometer seu sustento e o de sua família pela ausência de pagamento. Com essas considerações, requer a reforma da sentença para que sejam julgados totalmente procedentes os pedidos iniciais, condenando a apelada ao pagamento dos valores reputados como devidos pelos serviços prestados, acrescidos de juros e correção monetária, bem como de indenização por danos morais e de custas e honorários advocatícios. Ainda, postula a confirmação dos benefícios da justiça gratuita que lhe foram concedidos na origem. A recorrida apresentou suas contrarrazões, pugnando: (i) pela revogação da gratuidade de justiça deferida ao apelante; (ii) pelo não conhecimento parcial do recurso em relação à tese de omissão da sentença na apreciação dos elementos probatórios, afirmando se tratar de matéria preclusa pela ausência de embargos declaratórios, e quanto à alegação de sobrecarga de trabalho e riscos à saúde do autor, por configurarem inovação recursal; e (iii) pelo desprovimento do apelo (id. 274831949). É o relatório. Inclua-se na pauta. V O T O R E L A T O R VOTO (PRELIMINAR) - JUSTIÇA GRATUITA EXMO. SR. DES. MARCOS REGENOLD FERNANDES (RELATOR) De início, no que se refere à gratuidade de justiça, pertinente apontar que o benefício foi concedido ao apelante pelo Magistrado de primeiro grau conforme decisão de id. 274831877. Por certo, denota-se que o recorrente juntou aos autos documentos aptos a demonstrar sua condição de hipossuficiência (ids. 274831853 a 274831876), razão pela qual a negativa da gratuidade configuraria obstáculo ilegítimo ao direito fundamental de acesso à justiça (CR, art. 5º, XXXV). Nesse sentir, acertado o deferimento da benesse, não havendo que se falar em sua revogação, sobretudo porque a apelada não trouxe prova suficiente de alteração na condição financeira do autor que lhe permita arcar com os gastos processuais. Ressalte-se que a alegação de que o recorrente “presta serviços na área de transporte, sendo, por óbvio, proprietária de veículos e com faturamento considerável” não é suficiente, por si só, para afastar a gratuidade concedida, uma vez que não foram carreados aos autos elementos concretos que demonstrem a capacidade financeira do demandante para arcar com as despesas processuais. Deveras, consoante a sistemática do Código de Processo Civil, a parte com insuficiência de recursos para pagar custas, despesas processuais e honorários advocatícios tem direito à gratuidade, não sendo necessário que seja pobre ou necessitada, bastando, tão somente, que não tenha recursos suficientes para suportar os encargos judiciais, conforme prevê o art. 98 do citado diploma legal. De acordo com a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, para que se promova a revogação do benefício já concedido, não basta a mera alegação de capacidade financeira da parte; faz-se necessária a produção de prova robusta que efetivamente afaste a condição de hipossuficiência anteriormente reconhecida. Nesse sentido, confirmam os precedentes: REsp n. 1.774.660/RJ; AgInt no REsp n. 1.785.426/PB; AgInt no REsp n. 1.743.428/MG; AgInt no AREsp n. 1.089.437/MG; AgInt no AREsp n. 1.564.850/MG. Ademais, o Magistrado da origem, mais próximo da realidade fática dos autos, reconheceu a presença dos requisitos legais para a concessão do benefício, decisão que deve ser prestigiada na ausência de elementos concretos que a infirmem. Assim, MANTENHO o direito à gratuidade de justiça em favor do apelante. VOTO (PRELIMINAR) - NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO EXMO. SR. DES. MARCOS REGENOLD FERNANDES (RELATOR) A recorrida suscitou preliminar de não conhecimento parcial do recurso quanto às teses de: (i) omissão da sentença na análise dos elementos probatórios existentes nos autos, que, segundo defende, deveria ter sido impugnada previamente por embargos de declaração, sob pena de preclusão; e (ii) sobrecarga de trabalho e riscos à saúde sofridos pelo apelante, por configurarem inovação recursal. No que tange ao primeiro ponto (suposto vício na análise dos elementos probatórios), cumpre esclarecer que o apelante não alegou propriamente omissão do julgado, mas expressou discordância quanto à valoração das provas pelo Magistrado de origem, o que constitui matéria tipicamente cognoscível em sede de apelação, independentemente da prévia oposição de embargos declaratórios. Desse modo, não há óbice ao conhecimento do recurso neste aspecto. Quanto à suposta inovação recursal, verifica-se que a questão relativa ao aumento da carga de trabalho já havia sido expressamente mencionada na petição inicial (id. 274830976), especialmente ao referir o aumento das rotas e responsabilidades adicionais atribuídas aos motoristas, afastando a inovação recursal nesse particular. Todavia, no que concerne aos riscos à saúde decorrentes da atividade exercida (transporte de cigarros sem equipamentos de proteção), constata-se a ausência de menção anterior a este argumento específico nos autos, caracterizando efetiva inovação indevida em sede recursal. Neste contexto, em observância aos princípios do contraditório, da ampla defesa e da não supressão de instância, DEIXO DE CONHECER do recurso apenas no ponto referente aos alegados riscos à saúde do autor, por não ter sido oportunamente suscitado na instância de origem, prosseguindo na análise das demais matérias devolvidas à apreciação deste Tribunal. VOTO (MÉRITO) EXMO. SR. DES. MARCOS REGENOLD FERNANDES (RELATOR) Colenda Câmara: Extrai-se dos autos que J. C. REVELOS DA SILVA & CIA LTDA. ajuizou Ação de Cobrança em face de FIORELO PEGORARO COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO LTDA., objetivando o recebimento da importância de R$ 344.640,00 (trezentos e quarenta e quatro mil seiscentos e quarenta reais), corrigida monetariamente e acrescida de juros até o pagamento integral, decorrente da prestação de serviços de transporte de mercadorias no período compreendido entre 2018 e 2021, tida como inadimplida, além de indenização por danos morais (id. 274830976). Após a instrução processual, foi proferida sentença que julgou improcedente a demanda, nos seguintes termos: “(...) Pois bem, analisando detidamente os autos, apresenta-me como incontroverso os serviços de transportes prestados pela requerente em favor da requerida. Isso porque a própria requerida, em sua contestação, reconhece que a autora realizou o transporte de mercadorias também em seu benefício, justificando tal prática pela existência de um grupo econômico com a empresa Deycon, bem como pelo fato de que as entregas ocorriam no mesmo período e para os mesmos destinos. As testemunhas ouvidas em juízo corroboraram essa prática, atestando que os produtos alimentícios da empresa Deycon eram transportados conjuntamente com mercadorias de tabacaria comercializadas pela requerida, compartilhando a mesma rota comercial. Ainda, confirmaram a existência do grupo econômico entre as empresas, destacando que ambas estavam situadas no mesmo local e que o carregamento dos produtos para transporte era realizado de forma integrada, sem distinção entre as empresas envolvidas. Também não há qualquer controversa sobre o fato de o contrato de prestação de serviços de transporte ter sido celebrado entre a autora e a empresa Deycon Comércio e Distribuição Ltda. (ID 137776366). É certo, contudo, que ao analisar o contrato, verifica-se que a cláusula primeira destaca que a autora iria fazer o transporte e entrega de produtos de comercialização da empresa Deycon, a qual, a seu turno, integra o mesmo grupo econômico da empresa requerida (Grupo Pegoraro Deycon), informação esta que inclusive é evidente no contrato. Assim, o transporte de produtos tanto da empresa Deycon, como da empresa requerida Fiorelo, se mostra condizente com a atuação conjunta e coordenada das empresas pertencentes ao mesmo conglomerado empresarial. Ademais, não há nos autos elementos probatórios que demonstrem qualquer alteração na execução do serviço em relação ao contratado. Os documentos juntados não evidenciam que houve um transporte exclusivo de mercadorias da empresa requerida ou que a autora tenha suportado ônus adicional por essa razão. Pelo contrário, as notas fiscais e ordens de serviço demonstram que as entregas eram realizadas na mesma rota comercial da empresa contratante, atendendo ao fluxo normal de distribuição de ambas as empresas pertencentes ao Grupo Pegoraro Deycon. A autora também não logrou êxito em comprovar de forma inequívoca o valor supostamente devido. Não há documentação hábil que demonstre eventual inadimplência da requerida ou do grupo econômico, muito menos no considerável valor indicado na inicial. Assim, a pretensão condenatória não encontra respaldo probatório suficiente para autorizar uma condenação. Deste modo, a requerente desatendeu à regra do art. 373, inciso I, do Novo Código de Processo Civil, que manteve a sistemática do CPC/1973, tendo em vista que no Direito Processual Civil Brasileiro vige o sistema do ônus da prova, significando que ao afirmar os fatos o autor e o réu têm o ônus de provar as suas alegações, sob pena de não serem consideradas verdadeiras. Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitiero, in Novo Código de Processo Civil Comentado, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 394/395, prescrevem que “o art. 373, caput, CPC, distribui o ônus da prova de acordo com a natureza da alegação de fato a provar: ao autor cumpre provar a alegação que concerne ao fato constitutivo do direito por ele afirmado; ao réu, a alegação de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito afirmado pelo autor. As partes têm o ônus de alegar e o ônus de provar conforme nosso CPC. A atribuição do ônus da prova no direito brasileiro é realizada de maneira fixa pela nossa legislação”. Assim, malgrado o contrato de prestação de serviço de transporte tenha sido firmado em nome de uma das empresas do grupo empresarial, isso, por si só, não autoriza o reconhecimento da existência de valores devidos, sobretudo em virtude da ausência de comprovação de atuação exclusiva a uma das empresas ou ônus adicional com a prestação de serviços para o grupo econômico. De mais a mais, a aplicação por analogia da Súmula 129 do TST corrobora a tese da requerida, pois estabelece que, para fins trabalhistas, o empregado que presta serviços a empresas do mesmo grupo econômico, sem alteração da jornada ou acréscimo de carga horária, não configura coexistência de mais de um contrato de trabalho. Se tal entendimento prevalece em uma relação que goza de maior proteção jurídica, com normas mais rígidas, com mais razão deve ser aplicado ao caso em tela, que envolve relação contratual civil entre particulares e bem se amolda ao objetivo da referida súmula. Por fim, nos termos dos artigos 743 a 756 do Código Civil e da Lei nº 11.442/2007, que regulam os contratos de transporte, não há qualquer disposição que sustente a pretensão da autora na ausência de comprovação de serviço prestado exclusivamente à requerida e sem contraprestação regular dentro da cadeia econômica do grupo empresarial. Se não há irregularidade na prestação do serviço, também não é possível reconhecer a existência de ato ilícito, capaz de sustentar a pretensão de dano moral, razão por que esse pedido também não merece acolhimento. Ante o exposto, julgo improcedentes os pedidos formulados pela autora na inicial. Por conseguinte, resolvo o mérito, em atenção ao que dispõe o art. 487, I, do Código de Processo Civil. Condeno, outrossim, a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, nos termos do artigo 85, §2º, do Código de Processo Civil, cuja exigibilidade fica suspensa, tendo em vista tratar de beneficiário da justiça gratuita. (...)”. (id. 274831945). Irresignado, o apelante interpôs o presente recurso, por meio do qual almeja a total procedência dos pedidos aventados na inicial. Pois bem. A controvérsia principal consiste em verificar se o apelante faz jus ao recebimento de R$ 344.640,00 (trezentos e quarenta e quatro mil seiscentos e quarenta reais) por serviços de transporte supostamente prestados à empresa recorrida, bem como à indenização por danos morais. Dos autos, tem-se como fatos incontroversos: (i) a existência de serviços de transporte prestados pelo autor; (ii) a formalização de contrato escrito apenas com a empresa DEYCON COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO LTDA.; (iii) o transporte de produtos também da empresa FIORELO PEGORARO COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO LTDA.; e (iv) a integração de ambas as empresas ao mesmo grupo econômico (Grupo Pegoraro). Examinando detidamente o conjunto probatório, entendo que a sentença não comporta reparos. Inicialmente, cumpre destacar o princípio basilar do direito obrigacional segundo o qual a solidariedade não se presume, decorrendo exclusivamente da lei ou da vontade expressa das partes, conforme estabelece o art. 265 do Código Civil. Na hipótese em exame, inexiste tanto previsão contratual que estabeleça a apelada como devedora solidária das obrigações assumidas pela DEYCON COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO LTDA., quanto norma legal que imponha tal solidariedade pela simples integração ao mesmo grupo empresarial. Com efeito, a mera existência de conglomerado econômico ou identidade societária não autoriza, por si só, a desconsideração da personalidade jurídica das empresas envolvidas ou a transferência automática de obrigações entre elas. No ordenamento jurídico brasileiro, cada pessoa jurídica mantém patrimônio próprio e autonomia quanto às obrigações contraídas, ressalvadas hipóteses legais específicas ou situações de abuso de personalidade, circunstâncias não evidenciadas na espécie. Nesse cenário, para que prosperasse a pretensão de cobrar da apelada valores referentes a contrato firmado com outra empresa, seria imprescindível a demonstração de algum vínculo jurídico que atribuísse à FIORELO PEGORARO COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO LTDA. tal obrigação, elemento ausente nos autos. Ressalte-se que, embora o contrato firmado entre o autor e a DEYCON COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO LTDA. (id. 274830996) estabelecesse apenas o transporte de mercadorias comercializadas pela contratante, o fato de terem sido incluídos produtos da FIORELO PEGORARO COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO LTDA. não gera, automaticamente, uma obrigação independente desta última, principalmente porque não há comprovação de que esse transporte adicional tenha excedido o escopo do ajuste inicialmente pactuado. Para mais, as provas carreadas aos autos indicam que as entregas efetuadas em benefício da apelada integravam o mesmo fluxo logístico estabelecido com a DEYCON COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO LTDA., utilizando idêntica rota, mesmo veículo e sem demandar esforço adicional que justificasse remuneração específica. Tal arranjo reflete uma estratégia organizacional comum em grupos empresariais, nos quais uma empresa centraliza determinadas contratações para atender a todo o conglomerado. Nesse sentir, para responsabilizar a recorrida FIORELO PEGORARO COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO LTDA. seria necessária comprovação inequívoca da prestação de serviço exclusivo em seu benefício ou da assunção direta da obrigação de pagamento, requisitos não satisfeitos na presente demanda. Além disso, pertinente dizer que o montante pleiteado na inicial (R$ 344.640,00) carece de comprovação idônea e discriminada, não tendo o apelante apresentado extrato ou demonstrativo contábil detalhado e inequívoco acerca das faturas ou notas fiscais especificamente não pagas pela apelada. Outrossim, a transferência pontual de R$ 800,00 (oitocentos reais) efetuada pela recorrida é claramente insuficiente para caracterizar a existência de relação obrigacional autônoma e o reconhecimento de dívida tão expressiva, ainda mais sem indicação precisa das parcelas supostamente inadimplidas. Quanto à analogia à Súmula n. 129 do TST mencionada na sentença, embora o apelante critique tal comparação alegando distinção na natureza jurídica das relações, o princípio subjacente ao entendimento sumulado é aplicável, com as devidas adaptações, também às relações civis - quando um prestador atende simultaneamente duas empresas do mesmo grupo sob um único cronograma e acordo, presume-se a existência de um só vínculo contratual com a contratante formal, salvo estipulação expressa em contrário. Importante destacar que, independentemente dessa analogia jurisprudencial, a conclusão alcançada decorre diretamente da aplicação dos preceitos civis ordinários já expostos, notadamente o art. 265 do Código Civil e a ausência de elementos probatórios que indiquem a existência de pactuação diversa entre as partes. Ademais, vale mencionar que o recorrente, pessoa jurídica atuante no mercado de transportes, optou por formalizar contrato apenas com a DEYCON COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO LTDA., sem estabelecer vínculo obrigacional direto com a recorrida. Desse modo, acolher a pretensão de cobrança equivaleria a uma reformulação judicial do contrato originalmente firmado, estendendo obrigações não expressamente pactuadas à empresa coligada, medida incompatível com os princípios da força obrigatória dos contratos e da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas. No tocante ao pedido de indenização por danos morais, igualmente não prospera. Sendo o apelante pessoa jurídica, eventual dano moral pressuporia comprovação de ofensa à sua honra objetiva ou reputação comercial, elementos não caracterizados nos autos. Ainda, cumpre salientar que eventual inadimplemento contratual, por si só, não enseja compensação por dano moral, sendo necessária a demonstração de desrespeito excepcional ou grave constrangimento, circunstâncias ausentes na hipótese. À vista disso, não tendo o apelante cumprido satisfatoriamente o ônus probatório que lhe cabia nos termos do art. 373, I, do CPC, impõe-se a manutenção integral da sentença de improcedência. Em face do exposto, conheço parcialmente do recurso de apelação interposto por J. C. REVELOS DA SILVA & CIA LTDA. e, nesta extensão, NEGO-LHE PROVIMENTO, mantendo incólume a sentença vergastada. Por conseguinte, nos termos do art. 85, § 11, do CPC, majoro a condenação em honorários advocatícios de 10% (dez por cento) para 15% (quinze por cento) sobre o valor da causa, com a ressalva do art. 98, § 3º, do citado Códex, por ser beneficiário da justiça gratuita. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 15/04/2025

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Processo nº 1044694-48.2023.8.11.0002

ID: 259425454

Tribunal: TJMT Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1044694-48.2023.8.11.0002

Data de Disponibilização: 23/04/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

FIORELO PEGORARO COMERCIO E DISTRIBUICAO LTDA.

Acórdão

Advogados:

LUCAS DE CARVALHO GARCIA

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RAFAEL LUIZ DE CARVALHO

OAB/SC XXXXXX Desbloquear

NEIRON LUIZ DE CARVALHO

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PRISCILA ISABEL DE CARVALHO GARCIA

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1044694-48.2023.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Inadimplemento, Prestação de Serviços] Relator: … ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1044694-48.2023.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Inadimplemento, Prestação de Serviços] Relator: Des(a). MARCOS REGENOLD FERNANDES Turma Julgadora: [DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [J. C. REVELOS DA SILVA & CIA LTDA - CNPJ: 14.810.922/0001-79 (APELANTE), APARECIDA MARIA LEITE - CPF: 802.209.591-53 (ADVOGADO), ALEX JUNIOR DUARTE GOMES - CPF: 049.183.031-96 (ADVOGADO), FIORELO PEGORARO COMERCIO E DISTRIBUICAO LTDA. - CNPJ: 81.362.634/0003-58 (APELADO), RAFAEL LUIZ DE CARVALHO - CPF: 055.806.909-67 (ADVOGADO), DANIELE CRISTIANE DRULLA - CPF: 015.706.879-00 (ADVOGADO), NEIRON LUIZ DE CARVALHO - CPF: 245.226.519-53 (ADVOGADO), PRISCILA ISABEL DE CARVALHO GARCIA - CPF: 024.655.519-06 (ADVOGADO), LUCAS DE CARVALHO GARCIA - CPF: 075.459.499-86 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE. AUSÊNCIA DE VÍNCULO CONTRATUAL DIRETO. GRUPO ECONÔMICO. AUTONOMIA PATRIMONIAL DAS PESSOAS JURÍDICAS. ÔNUS DA PROVA NÃO DESINCUMBIDO. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação cível interposta contra sentença que, em Ação de Cobrança, julgou improcedentes os pedidos formulados na inicial. O recorrente pleiteia a reforma da sentença para que a apelada seja condenada ao pagamento dos valores reputados como devidos pelos serviços prestados, bem como de indenização por danos morais. Ainda, postula a confirmação dos benefícios da justiça gratuita que lhe foram concedidos na origem. Em sede de contrarrazões, a recorrida pretende a revogação da gratuidade de justiça concedida ao autor e o não conhecimento parcial do recurso, em relação à suposta omissão da sentença quanto aos elementos probatórios existentes nos autos, à sobrecarga de trabalho e aos riscos à saúde do apelante. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão consistem em verificar: (i) a possibilidade de revogação da gratuidade de justiça deferida ao apelante; (ii) se há teses suscitadas pelo recorrente que não devem ser conhecidas; (iii) se a empresa demandada pode ser responsabilizada por valores decorrentes de contrato firmado com outra empresa integrante do mesmo grupo econômico; e (iv) se as provas produzidas nos autos são suficientes para fundamentar condenação por dívida contratual e por danos morais. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A gratuidade de justiça foi adequadamente deferida pela instância de piso, com base nos documentos que comprovaram a hipossuficiência financeira do recorrente, razão pela qual deve ser mantida. 4. O recurso não deve ser conhecido apenas no ponto referente aos alegados riscos à saúde do autor, por não ter sido oportunamente suscitado na instância de origem. 5. A existência de integração operacional entre empresas coligadas, sem prova de prestação exclusiva de serviços ou assunção direta da obrigação, não autoriza a condenação de empresa diversa da contratante formal. 6. A ausência de pactuação expressa entre as partes e a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas impedem a extensão automática das obrigações contratuais a empresa do mesmo grupo econômico. 7. O ônus probatório quanto aos fatos constitutivos do direito compete ao autor, que não logrou demonstrar satisfatoriamente a prestação dos serviços e o inadimplemento alegados. 8. A ausência de prova inequívoca da dívida, bem como a inexistência de vínculo contratual direto, inviabilizam a pretensão de indenização por danos morais. IV. DISPOSITIVO E TESE 9. Recurso conhecido em parte e, nessa extensão, desprovido. Teses de julgamento: “1. A responsabilidade solidária entre empresas do mesmo grupo econômico depende de previsão legal ou contratual expressa. 2. A simples integração operacional entre empresas não caracteriza obrigação solidária. 3. A cobrança de valores por serviços prestados exige comprovação inequívoca da dívida e do vínculo jurídico direto com a empresa demandada.” Dispositivos relevantes citados: CR, art. 5º, XXXV; CPC, arts. 98, 373, I, 85, § 11; CC, art. 265. Jurisprudências relevantes citadas: STJ, REsp n. 1.774.660/RJ, AgInt no REsp n. 1.785.426/PB, AgInt no REsp n. 1.743.428/MG, AgInt no AREsp n. 1.089.437/MG, AgInt no AREsp n. 1.564.850/MG; TST, Súmula n. 129. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. MARCOS REGENOLD FERNANDES (RELATOR) Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de apelação interposto por J. C. REVELOS DA SILVA & CIA LTDA. contra sentença proferida pelo Juiz de Direito Luis Otávio Pereira Marques, da 3ª Vara Cível da Comarca de Várzea Grande, que nos autos da Ação de Cobrança movida em desfavor de FIORELO PEGORARO COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO LTDA., julgou improcedentes os pedidos formulados na inicial (id. 274831947). Nas razões recursais, o apelante sustenta que as provas produzidas nos autos são suficientes para demonstrar a prestação de serviços de frete/entrega de mercadorias para a apelada sem a devida contraprestação. Aduz que o contrato de prestação de serviços foi firmado com a empresa DEYCON COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO LTDA., que pertence ao mesmo grupo econômico da recorrida, evidenciando a relação existente entre as partes. Menciona que os comprovantes de pagamento juntados aos autos pela própria demandada demonstram que a DEYCON COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO LTDA. lhe efetuava pagamentos, corroborando a tese de que prestava serviços para ambas as empresas. Consigna que a única transferência realizada pela apelada em seu favor, no valor de R$ 800,00 (oitocentos reais), comprova o reconhecimento da dívida, e que testemunhas confirmaram sua prestação de serviços à requerida, contestando o depoimento da testemunha da parte adversa. Afirma que a sentença guerreada incorreu em equívoco ao desconsiderar: (i) a natureza do contrato com a DEYCON COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO LTDA.; (ii) a sobrecarga de trabalho decorrente do aumento da rota de entregas e de responsabilidades, como o recebimento de dinheiro dos clientes; (iii) a ausência de orientação e justificativa para a alteração das condições de trabalho; e (iv) os riscos à sua saúde pelo transporte de cigarros, produto comercializado pela apelada. Defende que a conduta da recorrida configura enriquecimento ilícito, pois se beneficiou dos serviços prestados sem a devida contraprestação, alegando que os motoristas, sob ameaça de rescisão contratual, não podiam recusar a realização de entregas para a demandada, que se eximiu dos custos de contratação de transporte de mercadorias, obtendo lucro indevido. Argumenta que o Juízo a quo lhe atribuiu indevidamente o ônus de comprovar a quantia devida, ignorando que as provas documentais e testemunhais já seriam suficientes para demonstrar a prestação de serviços e a falta de pagamento. Esclarece que é equivocada a aplicação da Súmula n. 129 do TST por analogia, sem considerar a natureza jurídica distinta da relação contratual em questão, e que firmou contrato de prestação de serviço apenas com a DEYCON COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO LTDA. e não com a ré, empresas com personalidades jurídicas, CNPJ’s e atividades econômicas distintas. Acrescenta que a conduta da recorrida lhe causou prejuízo moral, gerando frustração, angústia e abalo psicológico ao comprometer seu sustento e o de sua família pela ausência de pagamento. Com essas considerações, requer a reforma da sentença para que sejam julgados totalmente procedentes os pedidos iniciais, condenando a apelada ao pagamento dos valores reputados como devidos pelos serviços prestados, acrescidos de juros e correção monetária, bem como de indenização por danos morais e de custas e honorários advocatícios. Ainda, postula a confirmação dos benefícios da justiça gratuita que lhe foram concedidos na origem. A recorrida apresentou suas contrarrazões, pugnando: (i) pela revogação da gratuidade de justiça deferida ao apelante; (ii) pelo não conhecimento parcial do recurso em relação à tese de omissão da sentença na apreciação dos elementos probatórios, afirmando se tratar de matéria preclusa pela ausência de embargos declaratórios, e quanto à alegação de sobrecarga de trabalho e riscos à saúde do autor, por configurarem inovação recursal; e (iii) pelo desprovimento do apelo (id. 274831949). É o relatório. Inclua-se na pauta. V O T O R E L A T O R VOTO (PRELIMINAR) - JUSTIÇA GRATUITA EXMO. SR. DES. MARCOS REGENOLD FERNANDES (RELATOR) De início, no que se refere à gratuidade de justiça, pertinente apontar que o benefício foi concedido ao apelante pelo Magistrado de primeiro grau conforme decisão de id. 274831877. Por certo, denota-se que o recorrente juntou aos autos documentos aptos a demonstrar sua condição de hipossuficiência (ids. 274831853 a 274831876), razão pela qual a negativa da gratuidade configuraria obstáculo ilegítimo ao direito fundamental de acesso à justiça (CR, art. 5º, XXXV). Nesse sentir, acertado o deferimento da benesse, não havendo que se falar em sua revogação, sobretudo porque a apelada não trouxe prova suficiente de alteração na condição financeira do autor que lhe permita arcar com os gastos processuais. Ressalte-se que a alegação de que o recorrente “presta serviços na área de transporte, sendo, por óbvio, proprietária de veículos e com faturamento considerável” não é suficiente, por si só, para afastar a gratuidade concedida, uma vez que não foram carreados aos autos elementos concretos que demonstrem a capacidade financeira do demandante para arcar com as despesas processuais. Deveras, consoante a sistemática do Código de Processo Civil, a parte com insuficiência de recursos para pagar custas, despesas processuais e honorários advocatícios tem direito à gratuidade, não sendo necessário que seja pobre ou necessitada, bastando, tão somente, que não tenha recursos suficientes para suportar os encargos judiciais, conforme prevê o art. 98 do citado diploma legal. De acordo com a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, para que se promova a revogação do benefício já concedido, não basta a mera alegação de capacidade financeira da parte; faz-se necessária a produção de prova robusta que efetivamente afaste a condição de hipossuficiência anteriormente reconhecida. Nesse sentido, confirmam os precedentes: REsp n. 1.774.660/RJ; AgInt no REsp n. 1.785.426/PB; AgInt no REsp n. 1.743.428/MG; AgInt no AREsp n. 1.089.437/MG; AgInt no AREsp n. 1.564.850/MG. Ademais, o Magistrado da origem, mais próximo da realidade fática dos autos, reconheceu a presença dos requisitos legais para a concessão do benefício, decisão que deve ser prestigiada na ausência de elementos concretos que a infirmem. Assim, MANTENHO o direito à gratuidade de justiça em favor do apelante. VOTO (PRELIMINAR) - NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO EXMO. SR. DES. MARCOS REGENOLD FERNANDES (RELATOR) A recorrida suscitou preliminar de não conhecimento parcial do recurso quanto às teses de: (i) omissão da sentença na análise dos elementos probatórios existentes nos autos, que, segundo defende, deveria ter sido impugnada previamente por embargos de declaração, sob pena de preclusão; e (ii) sobrecarga de trabalho e riscos à saúde sofridos pelo apelante, por configurarem inovação recursal. No que tange ao primeiro ponto (suposto vício na análise dos elementos probatórios), cumpre esclarecer que o apelante não alegou propriamente omissão do julgado, mas expressou discordância quanto à valoração das provas pelo Magistrado de origem, o que constitui matéria tipicamente cognoscível em sede de apelação, independentemente da prévia oposição de embargos declaratórios. Desse modo, não há óbice ao conhecimento do recurso neste aspecto. Quanto à suposta inovação recursal, verifica-se que a questão relativa ao aumento da carga de trabalho já havia sido expressamente mencionada na petição inicial (id. 274830976), especialmente ao referir o aumento das rotas e responsabilidades adicionais atribuídas aos motoristas, afastando a inovação recursal nesse particular. Todavia, no que concerne aos riscos à saúde decorrentes da atividade exercida (transporte de cigarros sem equipamentos de proteção), constata-se a ausência de menção anterior a este argumento específico nos autos, caracterizando efetiva inovação indevida em sede recursal. Neste contexto, em observância aos princípios do contraditório, da ampla defesa e da não supressão de instância, DEIXO DE CONHECER do recurso apenas no ponto referente aos alegados riscos à saúde do autor, por não ter sido oportunamente suscitado na instância de origem, prosseguindo na análise das demais matérias devolvidas à apreciação deste Tribunal. VOTO (MÉRITO) EXMO. SR. DES. MARCOS REGENOLD FERNANDES (RELATOR) Colenda Câmara: Extrai-se dos autos que J. C. REVELOS DA SILVA & CIA LTDA. ajuizou Ação de Cobrança em face de FIORELO PEGORARO COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO LTDA., objetivando o recebimento da importância de R$ 344.640,00 (trezentos e quarenta e quatro mil seiscentos e quarenta reais), corrigida monetariamente e acrescida de juros até o pagamento integral, decorrente da prestação de serviços de transporte de mercadorias no período compreendido entre 2018 e 2021, tida como inadimplida, além de indenização por danos morais (id. 274830976). Após a instrução processual, foi proferida sentença que julgou improcedente a demanda, nos seguintes termos: “(...) Pois bem, analisando detidamente os autos, apresenta-me como incontroverso os serviços de transportes prestados pela requerente em favor da requerida. Isso porque a própria requerida, em sua contestação, reconhece que a autora realizou o transporte de mercadorias também em seu benefício, justificando tal prática pela existência de um grupo econômico com a empresa Deycon, bem como pelo fato de que as entregas ocorriam no mesmo período e para os mesmos destinos. As testemunhas ouvidas em juízo corroboraram essa prática, atestando que os produtos alimentícios da empresa Deycon eram transportados conjuntamente com mercadorias de tabacaria comercializadas pela requerida, compartilhando a mesma rota comercial. Ainda, confirmaram a existência do grupo econômico entre as empresas, destacando que ambas estavam situadas no mesmo local e que o carregamento dos produtos para transporte era realizado de forma integrada, sem distinção entre as empresas envolvidas. Também não há qualquer controversa sobre o fato de o contrato de prestação de serviços de transporte ter sido celebrado entre a autora e a empresa Deycon Comércio e Distribuição Ltda. (ID 137776366). É certo, contudo, que ao analisar o contrato, verifica-se que a cláusula primeira destaca que a autora iria fazer o transporte e entrega de produtos de comercialização da empresa Deycon, a qual, a seu turno, integra o mesmo grupo econômico da empresa requerida (Grupo Pegoraro Deycon), informação esta que inclusive é evidente no contrato. Assim, o transporte de produtos tanto da empresa Deycon, como da empresa requerida Fiorelo, se mostra condizente com a atuação conjunta e coordenada das empresas pertencentes ao mesmo conglomerado empresarial. Ademais, não há nos autos elementos probatórios que demonstrem qualquer alteração na execução do serviço em relação ao contratado. Os documentos juntados não evidenciam que houve um transporte exclusivo de mercadorias da empresa requerida ou que a autora tenha suportado ônus adicional por essa razão. Pelo contrário, as notas fiscais e ordens de serviço demonstram que as entregas eram realizadas na mesma rota comercial da empresa contratante, atendendo ao fluxo normal de distribuição de ambas as empresas pertencentes ao Grupo Pegoraro Deycon. A autora também não logrou êxito em comprovar de forma inequívoca o valor supostamente devido. Não há documentação hábil que demonstre eventual inadimplência da requerida ou do grupo econômico, muito menos no considerável valor indicado na inicial. Assim, a pretensão condenatória não encontra respaldo probatório suficiente para autorizar uma condenação. Deste modo, a requerente desatendeu à regra do art. 373, inciso I, do Novo Código de Processo Civil, que manteve a sistemática do CPC/1973, tendo em vista que no Direito Processual Civil Brasileiro vige o sistema do ônus da prova, significando que ao afirmar os fatos o autor e o réu têm o ônus de provar as suas alegações, sob pena de não serem consideradas verdadeiras. Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitiero, in Novo Código de Processo Civil Comentado, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 394/395, prescrevem que “o art. 373, caput, CPC, distribui o ônus da prova de acordo com a natureza da alegação de fato a provar: ao autor cumpre provar a alegação que concerne ao fato constitutivo do direito por ele afirmado; ao réu, a alegação de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito afirmado pelo autor. As partes têm o ônus de alegar e o ônus de provar conforme nosso CPC. A atribuição do ônus da prova no direito brasileiro é realizada de maneira fixa pela nossa legislação”. Assim, malgrado o contrato de prestação de serviço de transporte tenha sido firmado em nome de uma das empresas do grupo empresarial, isso, por si só, não autoriza o reconhecimento da existência de valores devidos, sobretudo em virtude da ausência de comprovação de atuação exclusiva a uma das empresas ou ônus adicional com a prestação de serviços para o grupo econômico. De mais a mais, a aplicação por analogia da Súmula 129 do TST corrobora a tese da requerida, pois estabelece que, para fins trabalhistas, o empregado que presta serviços a empresas do mesmo grupo econômico, sem alteração da jornada ou acréscimo de carga horária, não configura coexistência de mais de um contrato de trabalho. Se tal entendimento prevalece em uma relação que goza de maior proteção jurídica, com normas mais rígidas, com mais razão deve ser aplicado ao caso em tela, que envolve relação contratual civil entre particulares e bem se amolda ao objetivo da referida súmula. Por fim, nos termos dos artigos 743 a 756 do Código Civil e da Lei nº 11.442/2007, que regulam os contratos de transporte, não há qualquer disposição que sustente a pretensão da autora na ausência de comprovação de serviço prestado exclusivamente à requerida e sem contraprestação regular dentro da cadeia econômica do grupo empresarial. Se não há irregularidade na prestação do serviço, também não é possível reconhecer a existência de ato ilícito, capaz de sustentar a pretensão de dano moral, razão por que esse pedido também não merece acolhimento. Ante o exposto, julgo improcedentes os pedidos formulados pela autora na inicial. Por conseguinte, resolvo o mérito, em atenção ao que dispõe o art. 487, I, do Código de Processo Civil. Condeno, outrossim, a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, nos termos do artigo 85, §2º, do Código de Processo Civil, cuja exigibilidade fica suspensa, tendo em vista tratar de beneficiário da justiça gratuita. (...)”. (id. 274831945). Irresignado, o apelante interpôs o presente recurso, por meio do qual almeja a total procedência dos pedidos aventados na inicial. Pois bem. A controvérsia principal consiste em verificar se o apelante faz jus ao recebimento de R$ 344.640,00 (trezentos e quarenta e quatro mil seiscentos e quarenta reais) por serviços de transporte supostamente prestados à empresa recorrida, bem como à indenização por danos morais. Dos autos, tem-se como fatos incontroversos: (i) a existência de serviços de transporte prestados pelo autor; (ii) a formalização de contrato escrito apenas com a empresa DEYCON COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO LTDA.; (iii) o transporte de produtos também da empresa FIORELO PEGORARO COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO LTDA.; e (iv) a integração de ambas as empresas ao mesmo grupo econômico (Grupo Pegoraro). Examinando detidamente o conjunto probatório, entendo que a sentença não comporta reparos. Inicialmente, cumpre destacar o princípio basilar do direito obrigacional segundo o qual a solidariedade não se presume, decorrendo exclusivamente da lei ou da vontade expressa das partes, conforme estabelece o art. 265 do Código Civil. Na hipótese em exame, inexiste tanto previsão contratual que estabeleça a apelada como devedora solidária das obrigações assumidas pela DEYCON COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO LTDA., quanto norma legal que imponha tal solidariedade pela simples integração ao mesmo grupo empresarial. Com efeito, a mera existência de conglomerado econômico ou identidade societária não autoriza, por si só, a desconsideração da personalidade jurídica das empresas envolvidas ou a transferência automática de obrigações entre elas. No ordenamento jurídico brasileiro, cada pessoa jurídica mantém patrimônio próprio e autonomia quanto às obrigações contraídas, ressalvadas hipóteses legais específicas ou situações de abuso de personalidade, circunstâncias não evidenciadas na espécie. Nesse cenário, para que prosperasse a pretensão de cobrar da apelada valores referentes a contrato firmado com outra empresa, seria imprescindível a demonstração de algum vínculo jurídico que atribuísse à FIORELO PEGORARO COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO LTDA. tal obrigação, elemento ausente nos autos. Ressalte-se que, embora o contrato firmado entre o autor e a DEYCON COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO LTDA. (id. 274830996) estabelecesse apenas o transporte de mercadorias comercializadas pela contratante, o fato de terem sido incluídos produtos da FIORELO PEGORARO COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO LTDA. não gera, automaticamente, uma obrigação independente desta última, principalmente porque não há comprovação de que esse transporte adicional tenha excedido o escopo do ajuste inicialmente pactuado. Para mais, as provas carreadas aos autos indicam que as entregas efetuadas em benefício da apelada integravam o mesmo fluxo logístico estabelecido com a DEYCON COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO LTDA., utilizando idêntica rota, mesmo veículo e sem demandar esforço adicional que justificasse remuneração específica. Tal arranjo reflete uma estratégia organizacional comum em grupos empresariais, nos quais uma empresa centraliza determinadas contratações para atender a todo o conglomerado. Nesse sentir, para responsabilizar a recorrida FIORELO PEGORARO COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO LTDA. seria necessária comprovação inequívoca da prestação de serviço exclusivo em seu benefício ou da assunção direta da obrigação de pagamento, requisitos não satisfeitos na presente demanda. Além disso, pertinente dizer que o montante pleiteado na inicial (R$ 344.640,00) carece de comprovação idônea e discriminada, não tendo o apelante apresentado extrato ou demonstrativo contábil detalhado e inequívoco acerca das faturas ou notas fiscais especificamente não pagas pela apelada. Outrossim, a transferência pontual de R$ 800,00 (oitocentos reais) efetuada pela recorrida é claramente insuficiente para caracterizar a existência de relação obrigacional autônoma e o reconhecimento de dívida tão expressiva, ainda mais sem indicação precisa das parcelas supostamente inadimplidas. Quanto à analogia à Súmula n. 129 do TST mencionada na sentença, embora o apelante critique tal comparação alegando distinção na natureza jurídica das relações, o princípio subjacente ao entendimento sumulado é aplicável, com as devidas adaptações, também às relações civis - quando um prestador atende simultaneamente duas empresas do mesmo grupo sob um único cronograma e acordo, presume-se a existência de um só vínculo contratual com a contratante formal, salvo estipulação expressa em contrário. Importante destacar que, independentemente dessa analogia jurisprudencial, a conclusão alcançada decorre diretamente da aplicação dos preceitos civis ordinários já expostos, notadamente o art. 265 do Código Civil e a ausência de elementos probatórios que indiquem a existência de pactuação diversa entre as partes. Ademais, vale mencionar que o recorrente, pessoa jurídica atuante no mercado de transportes, optou por formalizar contrato apenas com a DEYCON COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO LTDA., sem estabelecer vínculo obrigacional direto com a recorrida. Desse modo, acolher a pretensão de cobrança equivaleria a uma reformulação judicial do contrato originalmente firmado, estendendo obrigações não expressamente pactuadas à empresa coligada, medida incompatível com os princípios da força obrigatória dos contratos e da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas. No tocante ao pedido de indenização por danos morais, igualmente não prospera. Sendo o apelante pessoa jurídica, eventual dano moral pressuporia comprovação de ofensa à sua honra objetiva ou reputação comercial, elementos não caracterizados nos autos. Ainda, cumpre salientar que eventual inadimplemento contratual, por si só, não enseja compensação por dano moral, sendo necessária a demonstração de desrespeito excepcional ou grave constrangimento, circunstâncias ausentes na hipótese. À vista disso, não tendo o apelante cumprido satisfatoriamente o ônus probatório que lhe cabia nos termos do art. 373, I, do CPC, impõe-se a manutenção integral da sentença de improcedência. Em face do exposto, conheço parcialmente do recurso de apelação interposto por J. C. REVELOS DA SILVA & CIA LTDA. e, nesta extensão, NEGO-LHE PROVIMENTO, mantendo incólume a sentença vergastada. Por conseguinte, nos termos do art. 85, § 11, do CPC, majoro a condenação em honorários advocatícios de 10% (dez por cento) para 15% (quinze por cento) sobre o valor da causa, com a ressalva do art. 98, § 3º, do citado Códex, por ser beneficiário da justiça gratuita. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 15/04/2025

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Otavio Neves Moraes x Club Administradora De Cartoes De Credito Ltda e outros

ID: 310025246

Tribunal: TJMT Órgão: VARA ESPECIALIZADA EM DIREITO BANCÁRIO DE VÁRZEA GRANDE Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 1034703-48.2023.8.11.0002

Data de Disponibilização: 27/06/2025

Polo Ativo:

OTAVIO NEVES MORAES

Polo Passivo:

CLUB ADMINISTRADORA DE CARTOES DE CREDITO LTDA MARISA LOJAS S.A.

Sentença

Advogados:

RAISSA BRESSANIM TOKUNAGA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

RENYL FERREIRA BRITO CANDIDO REGISTRADO(A) CIVILMENTE COMO RENYL FERREIRA BRITO CANDIDO

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

CHRISTIANO DRUMOND PATRUS ANANIAS

OAB/MG XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ESPECIALIZADA EM DIREITO BANCÁRIO DE VÁRZEA GRANDE SENTENÇA Processo: 1034703-48.2023.8.11.0002. AUTOR: OTAVIO NEVES MORAES REUS: MARISA LOJAS S.A. e CLUB … ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ESPECIALIZADA EM DIREITO BANCÁRIO DE VÁRZEA GRANDE SENTENÇA Processo: 1034703-48.2023.8.11.0002. AUTOR: OTAVIO NEVES MORAES REUS: MARISA LOJAS S.A. e CLUB ADMINISTRADORA DE CARTOES DE CREDITO LTDA Cuida-se de Ação Revisional ajuizada por Otávio Neves Moraes contra Marisa Lojas S.A. e Club Administradora de cartões de Crédito ltda., todos qualificados nos autos, na qual asseverou, em síntese, que celebrou contrato de empréstimo com as requeridas, em que adquiriu crédito no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) a ser pago em 15 parcelas mensais e consecutivas no valor de R$ 500,85 (quinhentos reais e oitenta e cinco centavos). Aduziu que, posteriormente, percebeu a cobrança de juros abusivos, muito acima da média de mercado e que houve cobrança de seguro, sem concessão de opção ao autor em não contratar, o que configura venda casada de produtos financeiros. Requereu a concessão de tutela antecipada para depositar o valor incontroverso e que as rés se abstenham em inserir seu nome nos cadastros restritivos. Ao final, postulou pela procedência do pedido para o fim de declarar a abusividade da cláusula que prevê a cobrança de juros muito acima da média de mercado e de seguro prestamista e que sejam as requeridas condenadas, solidariamente, a restituir ou compensar com eventual débito em aberto, a quantia cobrada em excesso (ID 136268481). Citada, a requerida veiculou contestação (ID 135954130), ocasião em que alegou, preliminarmente, ilegitimidade passiva e inépcia da inicial. No mérito, apresentou o contrato entabulado e defendeu a inexistência de qualquer abusividade, pois os juros foram pactuados em valor coerente e não abusivo em 11,99% ao mês, de modo que deva incidir o pacta sunt servanda. Requereu, ao final, a improcedência dos pedidos iniciais. Houve réplica, momento em que o autor, reprisando os argumentos tecidos por ocasião da petição inicial, rechaçou as proposições apresentadas pela defesa (ID 136082510). Ao final, as partes postularam pelo julgamento antecipado do mérito (ID’s 138429778, 138429778). Vieram os autos conclusos para deliberação. É o relatório. Passo a decidir. Primeiramente, impende acentuar, desde logo, que como forma de concretizar a aplicabilidade do princípio da preclusão [art. 223 do Código de Processo Civil], depreende-se que a ausência de manifestação da parte que, apesar de devidamente intimada, deixa de indicar e de especificar o tipo de prova que pretende produzir, representa/equivale à desistência tácita do interesse de produzir, durante a fase de instrução processual, qualquer tipo/meio de prova — ainda que, na petição inicial ou contestação, tenha protestado genericamente pela produção de provas, visto que a indicação/especificação de provas deve ser concretizar com o término da etapa postulatória, instante em que se mostra possível delimitar os pontos controvertidos da lide — e, por via de arrastamento, não configura hipótese de cerceamento de defesa e, ao mesmo tempo, autoriza/credencia o julgamento do processo no estado em que se encontra [cf.: STJ, AgRg no AREsp n.º 184.288/DF, 1.ª Turma, Rel.: Min. Ari Pargendler, j. 04/04/2013; STJ, REsp n.º 184.457/MG, 3.ª Turma, Rel.: Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 21/10/1999]. Logo, tomando-se em consideração que as partes litigantes, instadas a indicar e especificar, de forma clara e objetiva, as provas que pretendem produzir, não manifestaram interesse em produzir outras provas (eventos n.º 138429778, 138429778), deflui-se que desponta totalmente viável proceder-se ao julgamento do processo no estado em que se encontra. Num segundo quadrante, com relação à preliminar de ilegitimidade passiva, considero que está fadada ao insucesso. É que a natureza consumerista da relação travada entre as partes implica na observância às disposições do Código de Defesa do Consumidor acerca da responsabilidade civil dos fornecedores e, por consequência, está o consumidor autorizado a demandar em desfavor de quaisquer integrantes da cadeia produtiva e estes só poderão se imiscuir da responsabilização se o fato se deu por culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, consoante dicção do § 3º do artigo 14 do mencionado diploma legal. No caso concreto, não é difícil perceber que a loja Marisa S.A. coloca à disposição de seus clientes a emissão de cartão de crédito e a concessão de empréstimos de dinheiro, cujas empresas corré e a que consta no contrato (Club Administradora de Cartões De Crédito Ltda., CNPJ: 08.262.343/0001-36 e M Pagamentos S.A., CNPJ 07.747.470/0001-0) fazem parte de um grupo econômico e funcionam como uma cadeia produtiva, sendo todas solidariamente responsáveis pelo bom funcionamento da engrenagem, que é um todo contratado pelo consumidor/correntista. A ratificar tal posicionamento, colho do repertório de jurisprudências estaduais, os seguintes precedentes que versam a respeito de questões que guardam relação de similitude com a que se contra sob enfoque: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C DANOS MORAIS. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO. PROCESSUAL CIVIL . LEGITIMIDADE PASSIVA. APLICAÇÃO DA TEORIA DA APARÊNCIA.LEGITIMIDADE PASSIVA. O consumidor de boa-fé, ao aderir a contrato de adesão, acredita constituir-se a pessoa jurídica com quem manteve contato direto a efetiva administradora do serviço . Os documentos decorrentes da contratação ostentam impressas as marcas de ambas as rés figurando como intervenientes do contrato. Aplicabilidade da teoria da aparência. PREQUESTIONAMENTO. O julgador não está adstrito a enfrentar todos os dispositivos constitucionais/legais invocados pelas partes, desde que expresse seu convencimento acerca da matéria em decisão devidamente fundamentada .APELO PROVIDO PARA RECONHECER A LEGITIMIDADE PASSIVA DE MARISA LOJAS VAREJISTAS LTDA. (TJRS - AC: 70040386203 RS, Relator.: Lúcia de Fátima Cerveira, Data de Julgamento: 14/12/2011, Segunda Câmara Especial Cível, Data de Publicação: 15/12/2011) APELAÇÃO CÍVEL - Sentença que julgou extinto o feito, nos termos do artigo 267, VI, do Código de Processo Civil – Descabimento - Imediata apreciação da demanda, nos termos do artigo 515, § 3º do Código de Processo Civil. LEGITIMIDADE - Marisa Lojas S.A. - Inquestionável a legitimidade da corré - Emissão do cartão que ocorreu em seu estabelecimento, ao colocar à disposição de seus clientes cartão de crédito que leva seu nome - Empresas que são titulares da mesma cadeia produtiva, devendo responder solidariamente . EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO - Documento pleiteado pela autora que é comum às partes e decorre da relação jurídica que as vincula - Inegável o direito da requerente à exibição judicial, ainda que a pretensão tenha natureza apenas satisfativa. Prévio pedido administrativo que não resulta na extinção do feito por ausência de interesse de agir, sequer o indeferimento da petição inicial, sob pena de afronta ao princípio constitucional da inafastabilidade da tutela jurisdicional – Recurso provido. (TJSP - APL: 10115179120148260196 SP 1011517-91.2014 .8.26.0196, Relator.: Helio Faria, Data de Julgamento: 08/07/2015, 18ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 14/07/2015) Neste passo, verifica-se a legitimidade passiva de ambas as empresas requeridas, em face da solidariedade para responderem por eventuais danos sofridos pelo usuário [art. 7º, parágrafo único, e art. 25, §1º do Código de Defesa do Consumidor]. Sob outro aspecto, quanto à preliminar de inépcia da inicial, deflui-se que deva ser rechaçada. Acontece que, de acordo com a dicção da petição inicial, a causa de pedir (fundamentos de fato e jurídicos do pedido), que dá sustentáculo jurídico ao pedido formulado foi deduzida na petição inicial, ainda que de maneira superficial/perfunctória, e se concentra, essencialmente, na ocorrência de cobrança de juros abusivos e venda casada de mútuo financeiro com seguro prestamista, em que o autor indicou especificamente as cláusulas que pretende revisar, inclusive apontou os juros cobrados e o que entende correto, bem como o valor que pretende ser ressarcido referente ao contrato de seguro. Segundo a norma de regência, inspirado no efeito da influência da teoria da substanciação, a relação jurídica é emergente dos fatos, de modo que se afigura imprescindível à análise destes para a perfeita compreensão daquele. O direito alegado e almejado exsurge fundamentalmente, dos fatos. Para além disso, segundo o teor da petição inicial, há pedido certo e determinado, consistente na declaração de nulidade de cláusulas contratuais e restituição do indébito; além do que, de sua eventual deficiência, não restou prejuízo algum à defesa, conforme depreendo do teor da contestação apresentada. Não existem outras questões preliminares pendentes que exijam exame e, conforme se depreende da análise do processo, os ditames processuais foram observados, não existindo quaisquer nulidades/vícios processuais a serem decretadas. Destarte, enfrentados estes temas e superada a etapa de realização do exame dos requisitos de admissibilidade da lide (condições da ação e pressupostos processuais), passo a análise da questão de fundo da demanda. 1. Da Possibilidade de Revisão dos Contratos Bancários. Com efeito, a sujeição ao efeito vinculante/obrigatório dos contratos (princípio ‘pacta sunt servanda’ — ideia-valor que rege/dirige as relações de direito privado e que prevê a obrigatoriedade de dar-se cumprimento às disposições do contrato) condiciona-se à manutenção e o respeito a função social do contrato e a reverência à normas de ordem/interesse público [art. 421 ‘caput’ e parágrafo único e art. 2.035, parágrafo único, ambos do Código Civil]. A revisão do contrato, portanto, caracteriza regra/fórmula de exceção [art. 421, parágrafo único, e art. 421-A, inciso III, ambos do Código Civil] e apenas se justifica diante da incidência de cláusulas abusivas ou ilegais, representativas da ocorrência de excessiva margem de lucro (dinamizadora de enriquecimento ilícito e que coloca o consumidor em desvantagem exagerada), da configuração de desequilíbrio contratual, da não-observância da boa-fé objetiva ou devido a ocorrência de circunstância superveniente que acarrete onerosidade excessiva — de acordo com os preceitos da teoria da onerosidade excessiva e quebra da base objetiva do negócio jurídico, previstas no art. 6.º, inciso V e no art. 51, inciso IV e § 1.º, ambos da Lei n.º 8.078/1990 e no art. 479 e no art. 480, ambos do Código Civil. Com base nessas considerações, como forma de dar concretude à aplicação dos princípios da boa-fé objetiva, da função social dos contratos e do dirigismo contratual, conclui-se, por inferência racional, que, diante das circunstâncias da hipótese/caso concreto, é possível mitigar-se e relativizar o efeito obrigatório dos contratos, a ponto de permitir a revisão contratual. Impende enfatizar, por oportuno, que esse entendimento tem prevalecido em sucessivos julgamentos proferidos pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça: “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REVISÃO CONTRATUAL. POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DO ATO JURÍDICO PERFEITO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA. MITIGAÇÃO. TABELA PRICE. LEGALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A matéria do art. 6º, caput e § 1º, da LICC, possui índole constitucional, motivo pelo qual é vedada sua análise em sede de recurso especial. Precedentes. 2. É permitida a revisão das cláusulas contratuais pactuadas, diante do fato de que o princípio do pacta sunt servanda vem sofrendo mitigações, mormente ante os princípios da boa-fé objetiva, da função social dos contratos e do dirigismo contratual. 3. Já tendo sido reconhecida pelo Tribunal de origem a legalidade da utilização do sistema Price, não há que se falar em interesse de agir quanto a este ponto. 4. Agravo regimental a que se nega provimento” (STJ, AgRg no AREsp n.º 649.895/MS, 4.ª Turma, Rel.: Ministro Raul Araújo, julgado em 05/05/2015) — com destaques não inseridos no texto original. “CONTRATOS E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. CDC. POSSIBILIDADE MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA. LEASING. DEVOLUÇÃO DO BEM ARRENDADO. RESTITUIÇÃO DO VRG PAGO ANTECIPADAMENTE. POSSIBILIDADE. ALEGAÇÕES RECURSAIS DESASSOCIADAS DOS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO. SÚMULA 284/STF. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. SÚMULA 7/STJ. 1. A jurisprudência do STJ se posiciona firme no sentido que a revisão das cláusulas contratuais pelo Poder Judiciário é permitida, mormente diante dos princípios da boa-fé objetiva, da função social dos contratos e do dirigismo contratual, devendo ser mitigada a força exorbitante que se atribuía ao princípio do pacta sunt servanda. Precedentes. 2. Com a resolução do contrato de arrendamento mercantil por inadimplemento do arrendatário e a consequente reintegração do bem na posse da arrendadora, faz-se devido o cumprimento das parcelas vencidas e em aberto até a retomada do bem pelo arrendatário, ressalvando seu direito quanto à devolução ou compensação em seu favor dos valores pagos antecipadamente a título de VRG. A diluição do valor residual ao longo do prazo contratual, cuja cobrança é feita juntamente com as parcelas das contraprestações, não impede que o arrendatário, por sua livre opção e interesse, desista da compra do bem objeto do contrato de leasing. Retomada a posse direta do bem pela arrendadora, extingue-se a possibilidade de o arrendatário exercer a opção da compra; por conseguinte, o valor residual, que antecipadamente vinha sendo pago para essa finalidade, deve ser devolvido. Precedentes. 3. A alegação de que o acórdão recorrido procedera à alteração no indexador pactuado no contrato de arrendamento mercantil mostra-se completamente desassociada das questões tratadas e decididas pelo acórdão, caracterizando fundamentação deficiente e, por conseguinte, óbice à exata compreensão da controvérsia, o que atrai, de forma inexorável, a dicção da Súmula 284/STF. 5. É pacífico no STJ o entendimento segundo o qual a verificação do grau de sucumbência de cada parte, para fins de aplicação da norma contida no parágrafo único do art. 21 do CPC, enseja incursão à seara fático-probatória dos autos, vedada pela Súmula 7 desta Corte. 6. Agravo regimental não provido” (STJ, AgRg no Ag n.º 1.383.974/SC, 4.ª Turma, Rel.: Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 13/12/2011) — com destaques não inseridos no texto original. 2. Dos Juros Remuneratórios. De efeito, não obstante a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários desponte como medida inquestionável [Súmula n.º 297 do STJ], ainda assim, a limitação da taxa de juros remuneratórios, fruto da incidência de cláusulas abusivas, tem lugar somente diante de demonstração, manifesta e inequívoca, de ocorrência de excessiva margem de lucro e/ou de implementação de desequilíbrio contratual, caracterizado pela adoção de taxa que comprovadamente destoe, de maneira substancial, da média utilizada no mercado financeiro em operações bancárias de idêntica natureza ou devido a ocorrência de circunstância superveniente que dinamize/acarrete onerosidade excessiva — segundo os preceitos derivados da aplicação da teoria da onerosidade excessiva e quebra da base objetiva do negócio jurídico, idealizadas no art. 6.º, inciso V e no art. 51, inciso IV e § 1.º, ambos da Lei n.º 8.078/1990 e no art. 479 e no art. 480, ambos do Código Civil de 2002. A circunstância de a taxa de juros remuneratórios, contratualmente instituída, transpor/superar o modulador paradigma de 12% ao ano, isoladamente considerada, totalmente desamparada de qualquer outro subsídio, não induz, ‘ipso facto’, de forma automática e linear, na caracterização de abusividade do contrato, na exata medida em que desponta, como medida de índole imprescindível, deixar-se evidenciado, segundo as particularidades que permeiam cada caso em concreto, a eventual excessiva onerosidade do pacto, mediante o cotejo da média das taxas de juros praticadas pelo mercado financeiro, da modalidade de contrato, da moderna conjuntura econômica do país, do preço e do risco da operação financeira e dos demais fatores que se agregam à definição da taxa dos juros remuneratórios. Não se pode olvidar/desprezar valor ao fato de que o preço dos juros é obtido mediante a realização de operação aritmética, que se adicionam diversos fatores que integram o custo final do dinheiro, em que se destacam: o custo da captação, a taxa de risco (espelhada pelo risco de inadimplência e que dá azo aos prejuízos que a instituição financeira suporta com os devedores que não pagam ou demoram excessivamente para quitar as suas obrigações), os custos administrativos e tributários e, por derradeiro, o lucro do estabelecimento bancário — objetivo intrínseco à própria natureza da atividade desenvolvida. Nessa mesma linha de raciocínio, a ratificar tal posicionamento, apanha-se do acervo de jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça o seguinte aresto, julgado conforme procedimento previsto para os recursos repetitivos, que versa a respeito de questão que guarda relação de similitude com a que se encontra sob enfoque: “(…) ORIENTAÇÃO 1 – JUROS REMUNERATORIOS. a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF; b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade; c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mutuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02; d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, § 1.º do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto. (…)” (STJ, REsp n.º 1.061.530/RS, 2.ª Seção, Relatora: Ministra Nancy Andrighi, julgado em 22/10/2008) — com destaques não inseridos no texto original. Pois bem. Compulsando o contrato arquivado ao evento nº 135955305, denota-se que as partes litigantes, efetivamente, celebraram Cédula de Crédito Bancário – Crédito Pessoal sem consignação, em que foi pactuada a taxa de juros remuneratórios de 11,99% a.m e 289,18% a.a. Segundo consulta realizada no sistema gerenciador de séries temporais, disponibilizado através do site do Banco Central do Brasil, em período de ultimação do contrato (19/11/2022), a taxa média de juros praticada pelo mercado financeiro para as operações de empréstimo para capital de giro, para pessoa jurídica, definiu-se na proporção equivalente a 5,18% a.m e 83,40% a.a., disponível na internet no endereço eletrônico (https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizarseries/localizarSeries.do?method=prepararTelaLocalizarSeries): Vale destacar, neste tópico, por extremamente relevante, um outro aspecto que desponta relevante e merece destaque. É que, a jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça tem preconizado que a significativa e expressiva discrepância, entre a taxa de juros remuneratórios, prevista no contrato de mútuo, e a taxa média de juros de mercado, praticada em operações de mesma espécie/natureza, exprime situação configuradora de abusividade, pois coloca o consumidor/tomador em uma desvantagem exagerada na relação contratual [cf.: STJ, AgInt no AREsp n.º 750.039/BA, 4.ª Tuma, Rel.: Min. Marco Buzzi, j. em 27/6/2017], uma vez que: “conforme destacado pela Ministra Relatora do REsp 1.061.530/RS, a jurisprudência ‘tem considerado abusivas taxas superiores a uma vez e meia (voto proferido pelo Min. Ari Pargendler no REsp 271.214/RS, Rel. p. Acórdão Min. Menezes Direito, DJ de 04.08.2003), ao dobro (REsp 1.036.818, Terceira Turma, minha relatoria, DJe de 20.06.2008) ou ao triplo (REsp 971.853/RS, Quarta Turma, Min. Pádua Ribeiro, DJ de 24.09.2007) da média’” [STJ, AgInt no REsp n.º 2.002.576/RS, 3.ª Turma, Rel.: Min. Marco Aurélio Bellizze, j. em 17/10/2022]. Levando-se por linha de estima que a taxa de juros remuneratórios, prevista no âmbito do contrato de mútuo n.º 009090012437 prevê a incidência de juros remuneratórios mais do que “uma vez e meia” acima da taxa média mensal e de mais três vezes a taxa média anual de juros de mercado, para operações bancárias idênticas, destoando consideravelmente da taxa divulgada pelo Banco Central, conclui-se que a taxa de juros remuneratórios no contrato exprime a existência de margem extremamente exacerbada e excessiva, que representa cobrança abusiva — principalmente porque não subsiste, no processo, evidência mínima que demonstre que, devido as condições pessoais de crédito da requerente, havia necessidade de determinar-se a fixação de taxas de juros mais elevadas do que as médias apuradas e praticadas pelo mercado. Ademais, de suma importância destacar, também, por extremamente relevante, que o “valor do principal” corresponde à quantia em dinheiro de R$ 3.000,00 (três mil reais), enquanto que o valor total da soma das prestações do contrato perfaz a quantia em dinheiro de R$ 7.512,75 (sete mil e quinhentos e doze reais e setenta e cinco centavos) — o quê equivale a “uma vez e meia” a mais do que o “valor total financiado” e, por via de arrastamento, evidencia o abuso da taxa de juros remuneratórios, prevista no contrato de mútuo, firmado entre as partes litigantes. Portanto, o percentual de incidência dos juros remuneratórios deve limitar-se à taxa média praticada pelo mercado financeiro para as operações de financiamento e concessão de crédito não rotativo com recursos livres, para pessoa jurídica, e que equivale a 5,18% ao mês e 83,40% ao ano — conforme informações disponíveis na internet no site do banco Central do Brasil, cujo link e telas foram acima colacionadas — exceto se a taxa efetivamente cobrada se mostrar mais vantajosa para o devedor. 3. Do Seguro de Proteção/ Prestamista. Inspirado no efeito da influência do princípio da liberdade de escolha [art. 6.º, incisos II da Lei n.º 8.078/1990], deduz-se, por inferência racional, que é defeso ao fornecedor que, prevalecendo-se de sua superioridade econômica ou técnica, determina/impõe condições negociais desfavoráveis ao consumidor, ao condicionar o fornecimento de produto ou serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço [art. 39, inciso I da Lei n.º 8.078/1990] ou que, o efeito de impingir certo produto ou serviço ao consumidor, se prevalece da sua vulnerabilidade [art. 39, inciso IV da Lei n.º 8.078/1990]. É a vedação à prática abusiva da “venda casada”. Nessa mesma linha de raciocínio, a ratificar tal posicionamento, apanha-se do acervo de jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça o seguinte aresto, julgado conforme procedimento previsto para os recursos repetitivos, que versa a respeito de questão que guarda relação de similitude com a que se encontra sob enfoque: RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. TEMA 972/STJ. DIREITO BANCÁRIO. DESPESA DE PRÉ-GRAVAME. VALIDADE NOS CONTRATOS CELEBRADOS ATÉ 25/02/2011. SEGURO DE PROTEÇÃO FINANCEIRA. VENDA CASADA. OCORRÊNCIA. RESTRIÇÃO À ESCOLHA DA SEGURADORA. ANALOGIA COM O ENTENDIMENTO DA SÚMULA 473/STJ. DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA. NÃO OCORRÊNCIA. ENCARGOS ACESSÓRIOS. 1. DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA: Contratos bancários celebrados a partir de 30/04/2008, com instituições financeiras ou equiparadas, seja diretamente, seja por intermédio de correspondente bancário, no âmbito das relações de consumo. (...) 2.2 - Nos contratos bancários em geral, o consumidor não pode ser compelido a contratar seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada. 2.3 - A abusividade de encargos acessórios do contrato não descaracteriza a mora. (...) 4. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO. [STJ, REsp 1639259/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/12/2018, DJe 17/12/2018]. Pois bem. Compulsando o material cognitivo produzido no processo, não subsistem evidências concretas que demonstram que a ultimação do contrato de seguro não se operacionalizou como condicionante necessária à consumação do contrato de mútuo principal. É que, ao dissecar, de maneira meticulosa, o conteúdo da Proposta de Crédito e da Cédula de Crédito Bancário (ID 135955305), é possível divisar que a adesão ao contrato de seguro ocorreu no âmbito dos referidos documentos, demonstrando, de início, a ausência de autonomia entre ambas as relações jurídicas negociais (contrato de mútuo e o contrato de seguro), pois não existem elementos que revelem a facultatividade da contratação do seguro ou a possibilidade do consumidor optar por seguradora de sua preferência, pois o valor foi embutido em letras miúdas no valor total do empréstimo, nos quadros “dados do contrato”, “demonstrativo de custo efetivo total” e “condições negociais”. Neste ínterim, a contratação do seguro, como obrigação acessória do contrato de mútuo, não se consolidou como faculdade do consumidor, tampouco decorreu da autonomia da vontade, o quê denota que a ultimação do contrato de seguro decorreu como condição obrigatória para a concessão do empréstimo/financiamento e, por via de arrastamento, traduz evidente violação à regra proibitiva modelada no conteúdo normativo do art. 39, inciso I da Lei n.º 8.078/1990. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido revisional formulado por Otávio Neves Moraes contra Marisa Lojas S.A. e Club Administradora de cartões de Crédito Ltda., para o fim de: a) Declarar a ilegalidade na cobrança dos juros remuneratórios estipulados no contrato (CCB nº 009090012437); Determinar que os juros sejam recalculados no patamar de 5,18% ao mês e 83,40% ao ano; e Condenar as requeridas, solidariamente, a restituir o valor cobrado em excesso, de forma simples, ressalvado o direito à compensação cujo valor será apurado por ocasião do cumprimento de sentença, nos termos dos artigos 523 e seguintes do Código de Processo Civil. Conforme alterações recentes trazidas pela Lei n.º 14.905/2024, sobre o saldo devedor, incidirá juros moratórios a partir da citação, aplicando-se a taxa legal referente à Selic, com dedução da correção monetária, conforme o art. 406, § 1.º do Código Civil e a correção monetária a partir da data do desembolso, aplicando-se a variação do IPCA, apurado e divulgado pelo IBGE, nos termos do art. 389, parágrafo único do Código Civil]; b) Declarar a nulidade da cobrança de seguro prestamista na Cédula de Crédito Bancário nº 009090012437, na quantia de R$ 299,70 (duzentos e noventa e nove reais e setenta centavos), e Condenar as requeridas, solidariamente, na restituição desse valor, também ressalvado o direito de compensação, caso ainda existam débitos pendentes. Conforme alterações recentes trazidas pela Lei n.º 14.905/2024, sobre o saldo devedor, incidirá juros moratórios a partir da citação, aplicando-se a taxa legal referente à Selic, com dedução da correção monetária, conforme o art. 406, § 1.º do Código Civil e a correção monetária a partir da data do desembolso, aplicando-se a variação do IPCA, apurado e divulgado pelo IBGE, nos termos do art. 389, parágrafo único do Código Civil]; c) Declarar encerrada a atividade cognitiva, resolvendo-se o mérito do feito, com supedâneo no art. 487, inciso I do Código de Processo Civil. Pelo princípio da sucumbência, nos termos do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil, Condeno as requeridas ao pagamento das custas e despesas processuais, e ao pagamento de honorários advocatícios à parte adversa, que arbitro em 10% sobre o valor da condenação, atento à natureza da demanda. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Sinop/MT, em 26 de junho de 2025. Cristiano dos Santos Fialho, Juiz de Direito em cooperação, designado pela Portaria TJMT/PRES nº 866/2025, de 09 de junho de 2025.

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