Processo nº 1014846-51.2025.8.11.0000
ID: 290987277
Tribunal: TJMT
Órgão: Quarta Câmara Criminal
Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL
Nº Processo: 1014846-51.2025.8.11.0000
Data de Disponibilização:
06/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
RENAN ARAUJO GOUVEIA MARTINS
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA CRIMINAL NÚMERO ÚNICO: 1014846-51.2025.8.11.0000 CLASSE: HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) ASSUNTO: [PRISÃO PREVENTIVA, DE TRÁFICO ILÍCITO E USO INDEVI…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA CRIMINAL NÚMERO ÚNICO: 1014846-51.2025.8.11.0000 CLASSE: HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) ASSUNTO: [PRISÃO PREVENTIVA, DE TRÁFICO ILÍCITO E USO INDEVIDO DE DROGAS] RELATOR: EXMO. SR. DES. LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO Turma Julgadora: [DES(A). HELIO NISHIYAMA, DES(A). JUVENAL PEREIRA DA SILVA, DES(A). LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO] Parte(s): [MAYKON LEANDRO HACK - CPF: 756.951.112-34 (PACIENTE), FORUM DA COMARCA DE ALTO GARCAS - CNPJ: 00.073.134/0001-32 (INTERESSADO), JUIZO DA COMARCA DE ALTO GARCAS (INTERESSADO), DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 02.528.193/0001-83 (IMPETRANTE), JUIZO DA VARA ÚNICA DA COMARCA DE ALTO GARÇAS (IMPETRADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (TERCEIRO INTERESSADO), RENAN ARAUJO GOUVEIA MARTINS - CPF: 017.357.971-03 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR MAIORIA DENEGOU A ORDEM, NOS TERMOS DO VOTO DO 1º VOGAL DES. HELIO NISHIYAMA. EMENTA DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS INTERESTADUAL. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. RECURSO DESPROVIDO. ORDEM DENEGADA. I. CASO EM EXAME 1. Habeas corpus impetrado em favor de paciente preso preventivamente pela suposta prática do crime de tráfico de drogas interestadual (art. 33, caput, c/c art. 40, V, ambos da Lei n. 11.343/2006). 2. Fatos relevantes: (i) o paciente foi surpreendido por policiais rodoviários federais transportando, a bordo de veículo automotor, 84kg de cannabis sativa na forma de skunk; (ii) durante a abordagem, o paciente teria admitido a intenção de entregar a droga em São Paulo; (iii) a prisão em flagrante foi homologada e convertida em preventiva por decisão judicial motivada na garantia da ordem pública; (iv) indicativos de traficância interestadual e de planejamento e premeditação da conduta. 3. Requerimentos: (i) revogação da prisão preventiva ou (ii) substituição da custódia por medidas cautelares de natureza mais branda. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 4. A questão central consiste em saber se os fundamentos apresentados pela indigitada autoridade coatora são capazes de justificar a prisão preventiva. III. RAZÕES DE DECIDIR 5. A elevada quantidade e a natureza de droga apreendida (84kg de cannabis sativa na forma de skunk), somadas à notícia de que o paciente viajava de Rondônia com destino a São Paulo, num possível indicativo de tráfico interestadual, sinalizam a gravidade concreta e um certo profissionalismo da conduta, justificando a medida extrema motivada na garantia da ordem pública. 6. A locação de automóvel em Vilhena-RO, cidade localizada a 177km do município onde o paciente disse residir e trabalhar, e a solicitação de usufruto de férias em período coincidente com a data da apreensão demonstram planejamento e premeditação, peculiaridades fáticas que evidenciam a especial reprovabilidade do modus operandi da conduta e, a um só tempo, o perigo que o estado de liberdade do paciente representa para o meio social. 7. A quantidade e a natureza da droga apreendida, em conjunto com as circunstâncias fáticas delineadas acima desbordam do tipo penal e bem traduzem a gravidade concreta do comportamento ilícito e a periculosidade do paciente, justificando a cautelar extrema para resguardar a ordem pública. 8. Condições pessoais favoráveis, como residência fixa e exercício de trabalho lícito, não esvaziam a necessidade do claustro quando identificados os requisitos e pressupostos autorizadores da constrição cautelar. 9. Consideradas as peculiaridades fáticas e a relevante gravidade da conduta, descabe cogitar a aplicação de restrições cautelares menos gravosas ao caso, pois inadequadas e insuficientes para atingir os fins pretendidos com o recolhimento cautelar, a teor do que estatui o art. 282, inc. I e II, do CPP. IV. DISPOSITIVO 10. Ordem denegada. Dispositivos relevantes citados: CPP, arts. 282, I e II; 312; 313, I; Lei 11.343/2006, arts. 33, caput, e 40, V. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no HC 125.233/MG; STF, AgRg no HC 210.312; STJ, AgRg no HC 984.241/GO; STJ, AgRg no HC 824.773/PR; STJ, AgRg no HC 985.049/MS; TJMT, HC 1013961-37.2025.8.11.0000. RELATÓRIO EXMO. SR. DES. LIDIO MODESTO DA SILVA (RELATOR): Egrégia Câmara: Trata-se de Habeas Corpus, com pedido de liminar, impetrado pela Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso em favor de MAYKON LEANDRO HACK apontando como autoridade coatora o Juízo da Vara Única da Comarca de Alto Garças (MT), que nos autos do Auto de Prisão em Flagrante n. 1000379-59.2025.8.11.0035, converteu a prisão em flagrante em preventiva do paciente, pela suposta prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06, ao fundamento da garantia da ordem pública (Id. 285396857 – p. 69-71). Nas razões apresentadas, o impetrante sustenta que a prisão em flagrante do acusado foi convertida em preventiva com fundamento na garantia da ordem pública. Contudo, alega que os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva não estão presentes nos autos, destacando, ainda, que a menção à natureza/quantidade de drogas, por si só, não representa fundamentação plausível para imposição da prisão preventiva (Id. 285396856 – p. 3-14). A defesa ressaltou que o paciente é primário, possui bons antecedentes, residência fixa e emprego lícito. Ainda, destaca que mesmo diante da gravidade dos fatos imputados, é possível a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, nos termos do artigo 319, do CPP (Id. 285396856 – p. 3-14). Requer, com esses argumentos, seja concedida liminar para expedição de alvará de soltura, com posterior revogação definitiva da prisão preventiva, ou, de forma subsidiária, a substituição da prisão por medidas cautelares diversas. Inicial acompanhada de documentos (Id. 285396856 e Id. 285396857). Liminar indeferida (Id. 285490893). Parecer da Procuradoria-Geral da Justiça, de lavra do d. Procurador Amarildo Cesar Fachone, é pela denegação da ordem (Id. 286108373). É o relatório. PARECER (ORAL) EXMA. SRA. DRA. JOSANE FÁTIMA DE CARVALHO GUARIENTE (PROCURADORA DE JUSTIÇA): Ratifico o parecer escrito. SUSTENTAÇÃO ORAL USOU DA PALAVRA O ADVOGADO RENAN ARAÚJO GOUVEIA MARTINS, OAB/MT 22053/O: VOTO EXMO. SR. DES. LIDIO MODESTO DA SILVA (RELATOR): Egrégia Câmara: Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos para sua constituição válida e regular e uma vez identificadas as condições da ação, o presente Habeas Corpus há que ser submetido a julgamento. No caso dos autos, ao converter a prisão do paciente em preventiva, o magistrado fundamentou a necessidade da segregação cautelar na gravidade concreta da conduta, consubstanciada no transporte interestadual de 84 (oitenta e quatro) quilos de maconha na forma de skunk, oriundos de Porto Velho (RO) com destino a São Paulo (SP), o que revelaria elevada periculosidade do custodiado, ainda que primário (Id. 275004378 – p. 112-119). Vejamos: Sobre a possibilidade da conversão da prisão em flagrante em preventiva, observa-se a existência dos requisitos legais, especialmente a garantia da ordem pública. Isso porque, com fulcro no artigo 312, do Código de Processo Penal, vislumbro que se encontram reunidos dois pressupostos básicos e indispensáveis para a adoção da medida de excepcionalidade: prova da existência do crime – boletim de ocorrência (id 185830564), termo de exibição e apreensão (id 193260090) e laudo preliminar de constatação de droga (id 193260650) – e indícios suficientes de autoria – declarações testemunhais (id 193260641; 193260643), termo de apreensão (id 193260647) –, o que demonstra a presença do fumus comissi delicti. Em relação ao periculum libertatis, tem-se que, apesar da primariedade do custodiado, a segregação cautelar dos flagrado mostra-se necessária para garantia da ordem pública, haja vista a gravidade concreta do delito supostamente perpetrado, eis que as próprias condições da prisão indicam que o custodiado se dirigia da cidade de Porto Velho/RO com destino à São Paulo/SP com expressiva quantidade de entorpecentes, a saber: 84 kg de maconha, o que revela a gravidade concreta da conduta e consequentemente sua periculosidade. Não se olvida a primariedade do custodiado, todavia, “as condições pessoais favoráveis não justificam a revogação, tampouco impedem a decretação da custódia cautelar, quando presente o periculum libertatis.” (Enunciado nº. 43 TCCR/TJMT). Portanto, preenchida a hipótese de admissibilidade prevista no art. 313, inciso I, do CPP, verifico a existência de elementos concretos aptos a justificar a custódia antecipada, não havendo que se falar em medidas alternativas do artigo 319, do CPP. (Id. 275004378 – p. 112-119) (grifos meus). Não obstante o indeferimento da liminar, a análise detalhada em sede de mérito revela que a prisão preventiva do paciente deve ser revista, uma vez que os elementos constantes nos autos evidenciam condições pessoais favoráveis que, embora não sejam garantias absolutas ao direito de liberdade, devem ser sopesadas conjuntamente com a inexistência de fundamentos concretos a justificar a necessidade da custódia cautelar. Nos termos do art. 312, do CPP, a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado. No caso em exame, não obstante a quantidade de droga apreendida — fundamento utilizado pelo juízo de origem para a decretação da prisão preventiva — este Relator, em consulta ao sistema PJe de 1º Grau, verificou a inexistência de registros de antecedentes criminais em desfavor do paciente, o que evidencia sua primariedade e ausência de histórico de envolvimento com a criminalidade. A primariedade também é confirmada pelo fato de que em consulta aos sistemas informatizados deste Poder Judiciário, não se constatou guia de execução penal em tramitação no SEEU. Some-se a isso o fato de que o custodiado exerce função pública no Município de Pimenteiras do Oeste (RO), desempenhando a função de motorista, o que evidencia vínculo laboral estável e domicílio certo (art. 76, do Código Civil), circunstâncias que reforçam a viabilidade de substituição da prisão preventiva por medidas cautelares diversas. É certo que, esses fatores não são requisitos objetivos para a concessão da liberdade provisória, mas, em uma análise de mérito, devem ser ponderados na análise da necessidade da prisão preventiva, em observância ao princípio da proporcionalidade. O Tribunal de Justiça do Mato Grosso, bem como as Cortes Superiores, já decidiu em inúmeros casos similares pela possibilidade de substituição da prisão preventiva por medidas cautelares menos gravosas, quando não evidenciado concretamente o risco de reiteração criminosa ou de frustração da aplicação da lei penal: Direito processual penal. Habeas Corpus. Homicídio qualificado. Prisão preventiva. Fundamentação inidônea. Ausência de periculum libertatis demonstrado. Substituição por medidas cautelares alternativas. Ordem parcialmente concedida (...). 8. Ordem parcialmente concedida para substituir a prisão preventiva do paciente por medidas cautelares alternativas anteriormente arbitradas. Tese de julgamento: “(i). A prisão preventiva deve estar fundamentada em elementos concretos e individualizados que demonstrem a real necessidade da medida, não sendo suficiente a gravidade abstrata do delito para justificar sua decretação ou manutenção. (ii). Quando ausentes elementos que evidenciem risco efetivo à ordem pública, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal, ou que essas podem ser preservadas de modo menos gravoso, impõe-se a substituição da segregação cautelar por medidas alternativas previstas no art. 319 do Código de Processo Penal”. Dispositivos relevantes citados: Código de Processo Penal, arts. 282, § 6º, 312, 313, § 2º, 315 e 319. Jurisprudência relevante citada: STF, HC n. 186.421, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, j. 12.05.2020; STJ, HC n. 598.051, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, j. 16.02.2021. (N.U 1033281-10.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, LUIZ FERREIRA DA SILVA, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 05/02/2025, Publicado no DJE 07/02/2025) (grifos meus). Ainda que o paciente tenha sido preso em flagrante transportando 84 quilos de maconha na forma de skunk, não houve a apreensão de outros instrumentos típicos da atividade de mercancia de entorpecentes, como balanças de precisão ou aparelhos de comunicação voltados à difusão do tráfico. Os elementos constantes nos autos, analisados exclusivamente sob a ótica da necessidade da custódia cautelar, revelam-se, ao menos por ora, insuficientes para justificar a manutenção da prisão preventiva. Ressalte-se que o juízo fundamentou a decisão na prática do crime interestadual — conduta tipificada e punida pela legislação — e na quantidade de droga apreendida, sendo esta última, isoladamente, insuficiente para justificar a continuidade da custódia cautelar. Nessa esteira de pensar, destaco julgado do Superior Tribunal de Justiça: III. Razões de decidir: 3. A prisão preventiva deve ser fundamentada em elementos concretos que demonstrem a necessidade da medida, conforme o art. 312 do CPP. 4. A quantidade de drogas apreendidas não justifica, por si só, a manutenção da prisão preventiva, sendo insuficiente para demonstrar o perigo concreto à ordem pública. 5. A jurisprudência do STF e STJ reforça a excepcionalidade da prisão preventiva, priorizando medidas cautelares alternativas quando adequadas. IV. Dispositivo 6. Recurso provido. (STJ - RHC: 195969 RS 2024/0109910-8, Relator.: Ministra DANIELA TEIXEIRA, Data de Julgamento: 12/11/2024, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/11/2024) (grifos meus). 1. A prisão preventiva baseada tão somente na quantidade de droga apreendida (311 kg de cocaína), elementar do tipo penal, não é suficiente para ensejar a segregação cautelar, se não houver a demonstração de forma objetiva de que o paciente, primário, se dedique à prática criminosa. 2. Sem embargo de a quantidade de droga apreendida ser expressiva, não se verifica nenhum outro elemento no caso concreto que justifique a prisão, o que evidencia a ausência de fundamentos válidos para o decreto prisional. 3. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg no HC: 752056 GO 2022/0196146-4, Data de Julgamento: 13/09/2022, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/09/2022) (grifos meus). Repiso que o paciente é primário, possui emprego fixo e domicílio necessário (art. 76, do Código Civil), sendo assim as condições pessoais favoráveis, mesmo não sendo garantidoras de eventual direito à soltura, merecem ser devidamente valoradas, quando demonstrada a possibilidade de substituição da prisão por medidas diversas, adequadas e suficientes aos fins a que se propõem. (HC 333.330/SP - Relator: Min. Jorge Mussi – 6.11.2015). Com efeito dispõe o art. 282, do CPP que: Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado. (...) § 6º. A prisão preventiva somente será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, observado o art. 319 deste Código, e o não cabimento da substituição por outra medida cautelar deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada (grifos meus). Em contexto análogo, este Sodalício já reconheceu a desproporcionalidade da medida segregatória em crime de tráfico de drogas, considerando justamente os predicados pessoais favoráveis do paciente para determinar a revogação da prisão preventiva. Vejamos: HABEAS CORPUS - TRÁFICO DE DROGAS E RECEPTAÇÃO - DECRETO PREVENTIVO NA ORIGEM PARA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA - AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA - NECESSIDADE DA CUSTÓDIA CAUTELAR NÃO DEMONSTRADA E PERICULUM LIBERTATIS NÃO DEMONSTRADOS - PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA A BEM DA ORDEM PÚBLICA COM MERAS CONJECTURAS - PREDICADOS PESSOAIS EXISTENTES - PACIENTE SEM ANTECEDENTES CRIMINAIS - MEDIDAS CAUTELARES DO ART. 319 DO CPP SUFICIENTE AO CASO - PEDIDO PROCEDENTE, ORDEM CONCEDIDA PARA SUBSTITUIR A PRISÃO PROVISÓRIA DO PACIENTE POR MEDIDAS CAUTELARES MENOS GRAVOSAS - LIMINAR CONFIRMADA - ORDEM CONCEDIDA. A privação da liberdade antes da sentença definitiva é medida de exceção, só podendo ser admitida mediante comprovada necessidade, segundo o previsto na lei processual penal. Assim, a decisão que decreta ou mantém a prisão cautelar deve ser fundamentada, apontando, no caso concreto, os motivos pelos quais se entende presentes quaisquer das hipóteses do artigo 312 do Código de Processo Penal, ao passo que, não se vislumbrando na decisão a indicação de motivos idôneos à prisão, impõe-se a concessão da ordem. Deve ser substituída por medidas cautelares alternativas, a prisão preventiva do paciente decretada para a garantia da ordem pública, quando restar demonstrada a desproporcionalidade, fazendo-se necessária a fixação de medidas cautelares diversas da prisão nos termos do art. 319 do CPP. (N.U 1013848-30.2018.8.11.0000, Rel. Des. JUVENAL PEREIRA DA SILVA, Terceira Câmara Criminal, j. em 13/02/2019, Publicado no DJE 19/02/2019). (grifos meus). Entendo, portanto, que no caso em tela a imposição das cautelares diversas da prisão se revelam suficientes para tutelar a ordem pública, sobretudo porque em termos de medidas cautelares pessoais, o Juiz deve sempre que possível optar pelas menos onerosas à liberdade do indiciado ou acusado. A inexistência de antecedentes criminais em desfavor do paciente, somada à ausência de indícios que o vinculem de forma estável e organizada à traficância, sugere que se trata, ao menos por ora, de uma atuação pontual e desprovida de estrutura, própria de quem, por fragilidade pessoal, social ou econômica, arrisca-se de forma isolada à prática criminosa. O Direito Penal, enquanto instrumento de contenção e não de exclusão, deve agir com prudência, especialmente quando os elementos dos autos apontam para uma conduta episódica e desvinculada de reiterado envolvimento criminoso. Nessa esteira de pensar, acerca da matéria, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu no sentido de que: (...) a fixação de medidas cautelares diversas da prisão mostra-se satisfatória e apropriada para a salvaguarda do bem ameaçado pela liberdade plena do paciente. É que se está diante de crime praticado sem violência ou grave ameaça e que não revela, ao menos num primeiro momento, uma maior gravidade e uma periculosidade acentuada do agente, pois se trata da suposta prática do delito de tráfico de entorpecentes e da apreensão de quantidade de droga que, embora justifique a atuação cautelar estatal, autoriza a imposição de cautela menos severa (...) (Habeas Corpus n. 771.157/MG, relatado pelo Ministro Antônio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 22.11./2022, DJe de 25.11.2022) (grifos meus). Diante desse quadro, não verifico na decisão hostilizada qualquer evidência concreta que justifique a manutenção da prisão preventiva do paciente, pois ausentes as circunstâncias que demonstrem de forma efetiva a periculosidade deste para a sociedade, que possa obstruir a continuidade do processo penal ou que dificulte sua localização. É pertinente mencionar o que disse o Ministro Rogério Schietti, porque calha ao presente caso, acerca de alternativas à segregação: Dentro do Direito Penal nós temos escolhas melhores que a prisão (obiter dictum em palestra proferida na Escola da Magistratura de Mato Grosso - ESMAGIS, em 19.07.2024). Ante o exposto, em dissonância com o parecer ministerial, CONCEDO PARCIALMENTE A ORDEM em favor de Maykon Leandro Hack, para fins de substituir a prisão preventiva por medidas cautelares diversas (artigo 319, do CPP), dentre as quais estabeleço as seguintes, sem embargo de o Juízo da origem fixar outras que, porventura, entenda necessárias, tudo com o objetivo de garantir a instrução e propiciar eventual aplicação da lei penal: I) Ingressar e submeter ao sistema de monitoramento eletrônico, mediante o uso de tornozeleira eletrônica, prevista no art. 319, IX, do CPP; II) Proibição de ausentar-se da Comarca sem autorização judicial; III) Recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga. Especialmente no que pertine ao monitoramento eletrônico, destaco que o paciente reside no Município de Pimenteiras do Oeste (RO), motivo pelo qual se impõe que o juízo do primeiro grau adote as providências necessárias para a comunicação com o juízo local de Rondônia, visando o cumprimento da medida. COMUNIQUE-SE o Juízo de origem para fins de expedição do Alvará de Soltura, observadas as medidas cautelares impostas, salvo se o paciente estiver preso por outro motivo. É como voto. VOTO EXMO. SR. DES. HELIO NISHIYAMA (1º VOGAL) Egrégia Câmara Criminal: Com a devida vênia ao eminente relator, penso que a ordem não comporta concessão. Na essência, o paciente está preso preventivamente no interesse de inquérito policial que apura a suposta prática do crime de tráfico de drogas interestadual (art. 33, caput, c/c art. 40, inc. V, ambos da Lei n. 11.343/2006). Em apertada síntese, consta que na tarde de 7/maio/2025, durante fiscalização de rotina em rodovia que dá acesso à comarca de Alto Garças, policiais rodoviários federais encontraram 84kg de cannabis sativa na forma de skunk dentro do veículo automotor conduzido pelo paciente. Na ocasião, o paciente teria dito aos agentes públicos que viajava de Vilhena-RO com destino a São Paulo-SP, e admitido que ganharia R$ 10.000,00 (dez mil reais) para efetuar o transporte. O paciente foi preso em flagrante delito e encaminhado à sede da autoridade policial. No dia seguinte, o Juízo a quo oficiante homologou a prisão em flagrante e a convolou em preventiva visando garantir a ordem pública. Os fundamentos utilizados para lastrear o ato acoimado coator são adequados e idôneos, pois a elevada quantidade e a natureza da droga, de elevado potencial entorpecente, somadas à notícia de que o paciente pretendia entregá-la em São Paulo, num possível indicativo de tráfico interestadual, sinalizam a gravidade concreta e um certo profissionalismo da conduta, justificando a medida extrema motivada na garantia da ordem pública. Há muito o Superior Tribunal de Justiça entende que são “fundamentos idôneos para a decretação da segregação cautelar no caso de tráfico ilícito de entorpecentes a quantidade, a variedade ou a natureza das drogas apreendidas, bem como a gravidade concreta do delito, o modus operandi da ação delituosa e a periculosidade do agente” (AgRg no RHC 125.233/MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 5ª Turma, DJE 8.2.2021). O Supremo Tribunal Federal caminha no mesmo sentido: “A natureza e a quantidade da droga apreendida evidenciam a gravidade concreta da conduta capaz de justificar a ordem prisional” (AgRg no HC 210.312, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJE 31.3.2022). E endossando o raciocínio de que a apreensão de substância ilícita em quantidade significativa e de elevada nocividade, como ocorre na espécie, justifica a medida constritiva, confira-se o Enunciado n. 25 da Turma de Câmaras Criminais Reunidas: “A expressiva quantidade e/ou variedade de drogas ensejam garantia da ordem pública para decretação ou manutenção de prisão preventiva”. Recentemente, essa mesma linha de pensamento foi adotada pela Corte Cidadã ao reconhecer a legitimidade da custódia cautelar em caso de apreensão de droga de idêntica natureza – e, inclusive, em quantidade ligeiramente inferior àquela localizada com o paciente. Confira-se: “No caso dos autos, a custódia do agravante foi adequadamente motivada para garantia da ordem pública, tendo sido demonstradas pelas instâncias ordinárias, com base em elementos extraídos dos autos, a gravidade concreta do delito e a periculosidade do acusado, diante da apreensão de grande quantidade de drogas - onze porções de maconha pesando aproximadamente 9kg e 146,80g de skunk -, bem como pelas circunstâncias do flagrante, em que foi descumprida ordem dos policiais de parada veicular, a qual se deu somente após perseguição na rodovia, além da quebra do celular pelo paciente; circunstâncias que demonstram risco ao meio social, justificando a segregação cautelar. 2. A presença de condições pessoais favoráveis, como primariedade, emprego lícito e residência fixa, não impede a decretação da prisão preventiva quando devidamente fundamentada. 3. O entendimento deste STJ é no sentido de ser inaplicável medida cautelar alternativa quando as circunstâncias evidenciam que as providências menos gravosas seriam insuficientes para manutenção da ordem pública. 4. Agravo regimental desprovido” (AgRg no HC n. 984.241/GO, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, DJEN 25.4.2025). A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça também encampa esse entendimento: “Na hipótese, o Juízo singular apontou a presença dos vetores contidos no art. 312 do Código de Processo Penal, com indicação de motivação suficiente e concreta para determinar a prisão preventiva do réu, ao salientar a expressiva quantidade de droga apreendida (20,250kg de maconha), que estava sendo transportada para outro estado da Federação. 3. A jurisprudência desta Corte Superior é firme ao asseverar que, nas hipóteses em que a quantidade e/ou a natureza das drogas apreendidas e outras circunstâncias do caso revelem a maior reprovabilidade da conduta investigada, tais dados são bastantes para demonstrar a gravidade concreta do delito e, por conseguinte, justificar a custódia cautelar para a garantia da ordem pública. 4. Por idênticos fundamentos, a adoção de medidas cautelares diversas não se prestaria a evitar o cometimento de novas infrações penais. 5. Agravo regimental não provido” (AgRg no HC n. 824.773/PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJE 17.8.2023). Não fosse o bastante, de acordo com o relatado pelos policiais rodoviários federais, durante a abordagem o paciente teria admitido que locou o automóvel utilizado no transporte do material ilícito em Vilhena-RO, onde também teria realizado o carregamento da droga. Em paralelo, os documentos recém-anexados pelo impetrante anotam que o paciente solicitou à Secretaria Municipal de Saúde de Pimenteiras do Oeste-RO, onde ocupa o cargo de motorista, o usufruto de 30 (trinta) dias de férias a partir de 2/maio/2025 (id. 287400361). Oras, a locação de veículo em Vilhena-RO, cidade localizada a 177km do município onde o paciente disse residir e trabalhar (Pimenteiras do Oeste-RO), associada ao gozo de férias em período coincidente com a data da apreensão (7/maio/2025), demonstram planejamento e premeditação, peculiaridades fáticas que evidenciam a especial reprovabilidade do modus operandi da conduta e, a um só tempo, o perigo que o estado de liberdade do paciente representa para o meio social. Nessa lógica, é fácil perceber que a quantidade e a natureza da droga apreendida, em conjunto com as circunstâncias fáticas delineadas acima – e frisadas no ato acoimado coator – desbordam do tipo penal e bem traduzem a gravidade concreta do comportamento ilícito e a periculosidade do paciente, justificando a cautelar extrema para resguardar a ordem pública. Para além disso, as supostas condições pessoais favoráveis – como residência fixa e exercício de trabalho lícito – não esvaziam a necessidade do claustro, posto que presentes os requisitos e pressupostos autorizadores da constrição impugnada. A propósito, confira-se a lição do Superior Tribunal de Justiça: “As condições pessoais favoráveis do acusado, por si sós, não impedem a prisão cautelar, caso se verifiquem presentes os requisitos legais para a decretação da segregação provisória, consoante se observa no caso dos autos” (AgRg no HC n. 985.049/MS, Rel. Min. Antônio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJEN 8.5.2025). Em arremate, consideradas as peculiaridades fáticas e a relevante gravidade da conduta, descabe cogitar a aplicação de providências cautelares menos gravosas ao caso, pois inadequadas e insuficientes para atingir os fins pretendidos com o recolhimento cautelar, a teor do que estatui o art. 282, inc. I e II, do Código de Processo Penal. Aliás, há pouco menos de duas semanas, ao apreciar situação fática mui semelhante à tratada nestes autos, a Quarta Câmara Criminal considerou inadequada a substituição da cautela extrema por alternativas mais brandas e denegou, por unanimidade, a ordem no habeas corpus n. 1013961-37.2025.8.11.0000, da relatoria do Des. Juvenal Pereira da Silva. No julgamento realizado em 20/maio/2025, após ponderar que o paciente daquele writ foi surpreendido, a bordo de um ônibus interestadual proveniente de Rio Branco-AC com destino a Goiânia-GO, transportando 2,297kg de cannabis sativa na forma de skunk, o relator reputou suficientes e válidos os fundamentos do ato constritivo. Em voto bastante consistente, o Des. Juvenal Pereira da Silva foi além e ainda destacou que, apesar das condições subjetivas favoráveis apresentadas pelo paciente daquele mandamus, a gravidade concreta do delito constituía impeditivo à substituição da custódia por medidas cautelares menos gravosas. Dada a relevância do julgamento e das similitudes fáticas com o caso tratado nestes autos, vale transcrever a ementa do aresto: “Habeas corpus impetrado com o objetivo de revogar a prisão preventiva de indivíduo custodiado por tráfico interestadual de drogas, com pedido subsidiário de substituição por medidas cautelares diversas, previstas no art. 319 do Código de Processo Penal. O custodiado foi preso em flagrante no transporte de 2,297 kg de Cannabis sativa do tipo “skunk”, em ônibus interestadual, tendo confessado a propriedade da droga e o recebimento de contraprestação para entregá-la em outro Estado (...). 3. A decisão de conversão da prisão em flagrante em preventiva está devidamente fundamentada na existência de prova da materialidade do delito e indícios suficientes de autoria, nos termos do art. 312 do CPP. 4. A gravidade concreta da conduta, evidenciada pela quantidade expressiva de droga, pela natureza entorpecente da substância (skunk) e pelo transporte interestadual mediante pagamento, justifica a necessidade da custódia para garantia da ordem pública. 5. O modus operandi empregado – transporte interestadual de entorpecente escondido em bagagem – indica planejamento e possível inserção em organização criminosa, reforçando o risco de reiteração delitiva. 6. A ausência de comprovação de endereço fixo na comarca, aliada à residência em localidade distante e à natureza itinerante da atividade criminosa, configura risco concreto de fuga e necessidade de acautelamento da aplicação da lei penal (...). IV. DISPOSITIVO E TESE. 10. Ordem denegada. Tese de julgamento: 1. A prisão preventiva é cabível quando presentes os requisitos dos arts. 312 e 313, I, do CPP, especialmente diante da gravidade concreta da conduta e do risco de reiteração delitiva.2. A expressiva quantidade de droga, a confissão do transporte remunerado e o modus operandi interestadual demonstram periculum libertatis suficiente para justificar a segregação cautelar. 3. As condições pessoais favoráveis não afastam, por si só, a necessidade da custódia, quando não comprovada a imprescindibilidade nos termos do art. 318, VI, do CPP. 4. Medidas cautelares diversas da prisão são inadequadas quando o caso concreto evidencia risco de fuga, reiteração e envolvimento em organização criminosa” (HC 1013961-37.2025.8.11.0000, Rel. Des. Juvenal Pereira da Silva, Quarta Câmara Criminal, DJE 27.5.2025). Destaquei. Nesses moldes, se o colegiado considerou adequada a manutenção da custódia preventiva em situação envolvendo a apreensão de 2,297kg de psicotrópico, com mais razão deve ser preservada a constrição no presente caso, que, além de conter peculiaridades suficientes o bastante para obstar a restituição do status libertatis, envolve quantidade exponencialmente superior de droga (84kg). Logo, diante da contundência dos fundamentos do decreto cautelar, refletindo a potencial gravidade do ilícito e a necessidade objetiva da prisão preventiva para resguardar a ordem pública, não há como ser reconhecida, na esteira da jurisprudência consolidada na Quarta Câmara Criminal, a suposta ilegalidade da coação. Isto posto, com a devida vênia ao relator, denego a ordem de habeas corpus impetrada em favor de Maykon Leandro Hack, em sintonia com o parecer ministerial. É como voto. VOTO EXMO. SR. DES. JUVENAL PEREIRA DA SILVA (2º VOGAL): Senhor Presidente, Com a devida vênia, acompanho voto da divergência. Data da sessão: Cuiabá-MT, 03/06/2025.
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