Processo nº 1000785-24.2023.8.11.0044
ID: 295584393
Tribunal: TJMT
Órgão: Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1000785-24.2023.8.11.0044
Data de Disponibilização:
11/06/2025
Polo Passivo:
Advogados:
ANTONIO ELSON SABAINI
OAB/PR XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO NÚMERO ÚNICO: 1000785-24.2023.8.11.0044 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) ASSUNTO: [FLORA, AMBIENTAL] RELATORA: EXMA. SR…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO NÚMERO ÚNICO: 1000785-24.2023.8.11.0044 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) ASSUNTO: [FLORA, AMBIENTAL] RELATORA: EXMA. SRA. DESA. MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO REDATOR DESIGNADO: EXMO. SR. DES. MÁRIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA TURMA JULGADORA: [EXMA. SRA. DESA. MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO, EXMO. SR. DES. DEOSDETE CRUZ JUNIOR, EXMO. SR. DES. JONES GATTASS DIAS, EXMO. SR. DES. MARIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA, EXMA. SRA. DESA. VANDYMARA GALVAO RAMOS PAIVA ZANOLO] PARTE(S): [ESPÓLIO DE MARIO GERALDO registrado(a) civilmente como MARIO GERALDO - CPF: 125.042.709-68 (APELANTE), ANTONIO ELSON SABAINI - CPF: 391.580.989-68 (ADVOGADO), JANE GERALDO VERTUAN - CPF: 901.102.349-87 (APELANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), JANE GERALDO VERTUAN - CPF: 901.102.349-87 (REPRESENTANTE/NOTICIANTE)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). MARIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR MAIORIA PROVERAM O RECURSO PARA ANULAR A SENTENÇA, NOS TERMOS DO VOTO DO 2º VOGAL, EXMO. SR. DES. MÁRIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA. PARTICIPARAM DO JULGAMENTO A EXCELENTÍSSIMA SRA. DESA. RELATORA MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO, 1º VOGAL EXMO. SR. DES. DEOSDETE CRUZ JÚNIOR E 2º VOGAL EXMO, SR. DES. MÁRIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA, 3ª VOGAL EXMA. SRA. DESA. VANDYMARA GALVAO RAMOS PAIVA ZANOLO (CONVOCADA) e 4º VOGAL EXMO. SR. DES. JONES GATTASS DIAS (CONVOCADO). E M E N T A DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR DANO AMBIENTAL. AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. INEXISTÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. AUSÊNCIA DE CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA NA VIA ADMINISTRATIVA. NULIDADE DO ATO SANCIONADOR. CONTAMINAÇÃO DOS ATOS SUBSEQUENTES. IMPOSSIBILIDADE DE SUPERAÇÃO NA VIA JUDICIAL. SENTENÇA ANULADA. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. I. Caso em exame Apelação interposta pelo Espólio de Mário Geraldo contra sentença que, nos autos de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Estadual, julgou parcialmente procedentes os pedidos para impor condenações por dano ambiental em razão de desmatamento sem autorização, com base em auto de infração e relatório técnico da SEMA/MT. II. Questão em discussão Discute-se: (i) a validade do processo administrativo sancionador diante da alegada ausência de notificação do autuado; (ii) a possibilidade de aproveitamento da autuação para fins de instrução da ação civil pública; e (iii) a ocorrência de cerceamento de defesa e violação aos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. III. Razões de decidir A ausência de comprovação de notificação regular do Espólio no processo administrativo de autuação ambiental compromete a validade do ato sancionador, por inobservância às garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa (CF/1988, art. 5º, LIV e LV). A posterior ciência dos fatos por ocasião da citação judicial não supre o vício formal do procedimento administrativo, dada a autonomia das esferas e a necessidade de observância de garantias em cada instância de responsabilização. Configurada a nulidade do auto de infração, os atos dele derivados, inclusive a propositura da ação civil pública, restam contaminados, inviabilizando o prosseguimento do feito judicial. A higidez do procedimento administrativo é condição de validade para a atuação jurisdicional que dele se origina, sendo incabível a convalidação posterior de vício insanável. IV. Dispositivo e tese Recurso conhecido e provido. Sentença anulada. Processo extinto sem resolução de mérito. Tese de julgamento: "1. A ausência de notificação regular do autuado em processo administrativo sancionador ambiental, com violação ao contraditório e à ampla defesa, impõe a nulidade do auto de infração e de todos os atos dele decorrentes. 2. A nulidade insanável do procedimento administrativo contamina a pretensão veiculada em ação civil pública dele derivada, impondo a extinção do feito judicial sem resolução de mérito." Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, LIV e LV; CPC/2015, art. 485, VI. Jurisprudência relevante citada: STF, ADI 4338, Rel. Min. Rosa Weber, j. 23/08/2019; TRF-4, AC 5012184-22.2022.4.04.7100, Rel. Des. Vivian Caminha, j. 05/10/2022. R E L A T O R I O EXMA. SRA. DESA. MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO: Egrégia Câmara: Trata-se de “RECURSO DE APELAÇÃO”, interposto por ESPÓLIO DE MARIO GERALDO contra a sentença proferida pela Excelentíssima Dra. Raíza Vitória de Castro Rego Bastos Gonzaga, juíza de direito, que, na “AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA” n.º 1000785-24.2023.8.11.0044, cujo trâmite ocorre na 1ª Vara da Comarca de Paranatinga, MT, julgou parcialmente procedente os pedidos dispostos na inicial, da seguinte maneira (ID. 251532941): “VISTOS. Trata-se de ação civil pública, com pedido de tutela provisória de urgência, ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso em desfavor de Mario Geraldo, partes qualificadas nos autos. Narra o Parquet que, em razão do Auto de Infração nº 211333423/D lavrado em 29/09/2021 pela SEMA - Secretaria de Estado e Meio Ambiente (ID 112974211 - fl. 07) foi identificado no imóvel rural denominado “Fazenda Vale do Sonho”, no município de Paranatinga/MT, Matrículas nº 6.724 e nº 7.077 do 1º Serviço de Registro de Imóveis de Paranatinga/MT (ID 114752945 - fls. 04 e 09) de propriedade da parte requerida, o desmatamento ilegal, no lapso de março a maio de 2021, em 43,1835 hectares, sem a devida DLA - Declaração de Limpeza de Área em Imóveis Rurais e sem autorização do órgão ambiental competente, fora de ARL e APP, consoante Relatório Técnico nº 253/21/DUD/RONDON/SEMA/MT (ID 112974211 - fl. 11). Por isso, pugna pela indenização por danos ambientais materiais no montante de R$ 390.168,10 (trezentos e noventa mil, cento e sessenta e oito reais e dez centavos) em prol do Fundo Municipal ou Estadual do Meio Ambiente; pela indenização por danos ambientais extrapatrimoniais em prol também do Fundo do Meio Ambiente; e pela averbação da sentença condenatória na Matrícula do imóvel objeto da lide. Juntou documentos. Em sede de cognição sumária (ID 113170909), deferiu-se parcialmente a tutela de urgência, bem como a inversão do ônus da prova. Adveio certidão informando a averbação da presente ação nas Matrículas nº 6.724 e nº 7.077 do 1º Serviço de Registro de Imóveis de Paranatinga/MT (ID 114752942, ID 114752945 e ID 114752945 - fls. 04 e 09). Citado o requerido (ID 116485282 e ID 116725664). Houve pedido de habilitação do Espólio de Mario Geraldo, representado por Jane Geraldo Vertuan, ante o óbito do outrora autor Mario Geraldo na data de 09/12/2021 (ID 116725673). Designada audiência de conciliação, restou infrutífera (ID 122891172). Após, a parte requerida ofereceu contestação (ID 134452631) alegando, preliminarmente, a ausência de interesse processual por falta de intimação no processo administrativo. No mérito, a revogação da tutela de urgência; impossibilidade de inversão do ônus da prova; e a inexistência de responsabilidade civil. Também juntou documentos, como: Contrato de Arrendamento Rural (ID 134454045). O órgão ministerial apresentou impugnação à contestação (ID 140896565). Instados acerca da dilação probatória, o requerido pleiteou a prova documental (ID 143387522). Lado outro, o Parquet informou que não há outras provas a produzir além de as encartadas nos autos (ID 143863436). É o relatório. Fundamento e decido. É consabido que o juiz dirigirá o processo conforme as disposições do CPC, incumbindo-lhe determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais (art. 139, IX, do CPC). Por ora, indefiro a prova documental, haja vista a sua prescindibilidade para o deslinde da causa, considerando a existência de outros documentos acostados nos autos. Por outro ângulo, fixo o seguinte ponto controvertido: a (in)existência de responsabilidade civil ambiental. Saliento, ademais, que o ônus da prova incumbe à requerente, quanto ao fato constitutivo de seu direito, e ao requerido, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da autora, consoante o art. 373, I e II, do CPC. Saneado o feito, portanto. Previamente, no que tange às preliminares que impedem ou retardam julgamento do mérito, o art. 337, XI, do CPC preconiza que incumbe ao réu, antes de discutir o mérito, alegar, dentre outras, a ausência de legitimidade e de interesse processual. É cediço, ainda, que o interesse de agir se evidencia quando presente o trinômio necessidade-utilidade-adequação. Destarte, o processo deve ser útil para o fim que se destina e o instrumento adequado para ensejar o resultado almejado pelo requerente. Nesse trilhar: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA - AUSÊNCIA DE PRETENSÃO RESISTIDA - FALTA DE INTERESSE DE AGIR - O interesse de agir diz respeito ao binômio necessidade-adequação, sendo que a necessidade está relacionada ao fato de a parte ter de submeter a questão à análise do Poder Judiciário para ver satisfeita a sua pretensão e a adequação refere-se à utilização de meio processual apto à solução da lide - Ausente a demonstração da pretensão resistida, falta à parte autora o interesse de agir para pedir a tutela jurisdicional pretendida[1]. Nessa hermenêutica, o art. 17 do CPC alude que para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade. De tal sorte, o art. 330, III, do CPC assegura que a petição inicial será indeferida quando o autor carecer de interesse processual, incumbindo ao réu, antes de discutir o mérito, alegar ausência de legitimidade ou de interesse processual (art. 337, XI, do CPC). Entrementes, o art. 485, IV, VI e § 3º, do CPC consigna que o juiz não resolverá o mérito quando verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual, podendo, inclusive, conhecer de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não ocorrer o trânsito em julgado. Compulsando os autos, verifico que há diversos elementos para corroborar o interesse de agir, especialmente o Auto de Infração nº 211333423/D lavrado em 29/09/2021 pela SEMA - Secretaria de Estado e Meio Ambiente (ID 112974211 - fl. 07) e o Relatório Técnico nº 253/21/DUD/RONDON/SEMA/MT (ID 112974211 - fl. 11). Não se olvida, a propósito, que as esferas cível, administrativa e penal são distintas, independentes e autônomas, não sendo uma daquela pressuposto para outra, ressalvadas as exceções legais. Nesse diapasão, o Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso: EMENTA AGRAVO DE INSTRUMENTO — AÇÃO CIVIL PÚBLICA — DESMATAMENTO SEM AUTORIZAÇÃO OU LICENÇA DO ÓRGÃO AMBIENTAL — PARQUE ESTADUAL SERRA RICARDO FRANCO — DANOS AO MEIO AMBIENTE — PERDA DO INTERESSE PROCESSUAL EM RAZÃO DE ANULAÇÃO DO AUTO DE INFRAÇÃO NA ESFERA ADMINISTRATIVA — INDEPENDÊNCIA ENTRE AS ESFERAS ADMINISTRATIVA, CÍVEL E PENAL - NÃO VERIFICAÇÃO — DIREITO À REPARAÇÃO CIVIL E PENAL AMBIENTAL CONSIDERADA IMPRESCRITÍVEL PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO DO TEMA Nº 999 — REQUISITOS DO ARTIGO 300 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL — AUSENTES — RECURSO NÃO PROVIDO. A anulação do auto de infração na seara administrativa pela prescrição da pretensão punitiva não retira a ilicitude do dano ambiental supostamente causado, principalmente, não impede o Ministério Público Estadual de buscar na esfera cível e penal a responsabilização do infrator pelos danos causados ao meio ambiente, que são independentes entre si. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 654833/AC (Tema nº 999), com repercussão geral, fixou a tese de ser imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental, logo, uma vez constatado o dano ambiental consistente no desmatamento ilegal do Parque Estadual Serra Ricardo Franco, a anulação do auto de infração ambiental pela Administração não extingue o interesse processual do legitimado para buscar a reparação judicialmente na esfera cível e penal, a se considerar principalmente a magnitude dos danos causados ao meio ambiente[2]. Ao seu turno, é crucial relembrar que determinadas matérias administrativas devem ser resolvidas em ação própria pertinente (a título de exemplo: declaratória, anulatória de auto de infração etc.), não sendo matéria defensiva apta à análise em sede de ação civil pública ambiental. Assim sendo, afasto a preliminar de ausência de interesse processual. Superado tal prolegômenos, tratando-se de demanda cujas questões fáticas estão bem delineadas, resta evidente a inexistência de controvérsia sobre a matéria de fato e a desnecessidade de dilatação da instrução probatória, quando já há elementos suficientes, impondo-se ao julgador, como corolário lógico do princípio da duração razoável do processo, o dever de decidir diretamente a lide, nos termos dos arts. 4º, 6º e 355, I, do CPC. O art. 355, I, do CPC preleciona que o juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando não houver necessidade de produção de outras provas. É o caso dos autos. Assim sendo, passa-se à análise do meritum causae. O órgão ministerial visa à responsabilização civil ambiental da parte requerida em razão de desmatamento ilegal, em 43,1835 hectares, sem a devida DLA - Declaração de Limpeza de Área em Imóveis Rurais. Para tanto, carreou aos autos, especialmente o Auto de Infração nº 211333423/D lavrado em 29/09/2021 pela SEMA - Secretaria de Estado e Meio Ambiente (ID 112974211 - fl. 07) e o Relatório Técnico nº 253/21/DUD/RONDON/SEMA/MT (ID 112974211 - fl. 11). De outro vértice, a requerida arguiu a revogação da tutela de urgência, a impossibilidade de inversão do ônus da prova e a inexistência de responsabilidade civil. Pois bem. É cediço que o princípio da responsabilidade visa responder às diversas antijuridicidades ambientais. Desse modo, nas searas penal e administrativa exige-se conduta ilícita do agente. Por outro ângulo, na responsabilidade civil dispensa-se a verificação da licitude ou ilicitude da conduta, pois basta que haja um dano ao meio ambiente imputado ao poluidor/degradador. Nesse jaez, o Superior Tribunal de Justiça adotou a teoria do risco integral: DIREITO AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. DANO AMBIENTAL. LUCROS CESSANTES AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA INTEGRAL. DILAÇÃO PROBATÓRIA. INVERSÃO DO ÔNUS PROBATÓRIO. CABIMENTO. 1. A legislação de regência e os princípios jurídicos que devem nortear o raciocínio jurídico do julgador para a solução da lide encontram-se insculpidos não no códice civilista brasileiro, mas sim no art. 225, § 3º, da CF e na Lei 6.938/81, art. 14, § 1º, que adotou a teoria do risco integral, impondo ao poluidor ambiental responsabilidade objetiva integral. Isso implica o dever de reparar independentemente de a poluição causada ter-se dado em decorrência de ato ilícito ou não, não incidindo, nessa situação, nenhuma excludente de responsabilidade. Precedentes[3]. Registra-se que a tutela civil tem relação tanto com o dano consumado quanto pela ameaça de dano (tutela inibitória), onde ainda não há degradação ambiental. Não é por outro motivo que o art. 225, § 3º, da CF assegura que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. Nesse trilhar, o art. 14, §1º, da Lei nº 6.938/1981 elenca que “é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente”. Sucede-se, portanto, que a responsabilidade civil pela reparação do dano possui natureza propter rem, ou seja, adere à propriedade, sendo possível responsabilizar o proprietário ou o possuidor atual ou anterior por atos praticados. Nesse panorama, o art. 2º, § 2º, do Código Florestal diz que as obrigações previstas nesta Lei têm natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural. Da mesma forma, a Súmula 623 do STJ salienta que as obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor. É consabido, outrossim, que enquanto a aquisição da propriedade bens móveis se dá pela tradição (art. 1.267 do CC[4]), a transmissão de propriedade de bens imóveis (urbano e rural) ocorre por meio de registro público junto ao Cartório competente, de acordo com o prelecionado no art. 1.245 do CC. Nesse viés: Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis. § 1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel. Infere-se dos autos, ao menos sob um juízo perfunctório, que o requerido não só é proprietário do bem, isto é, parte legítima para integrar o polo passivo da ação, conforme Matrículas nº 6.724 e nº 7.077 do 1º Serviço de Registro de Imóveis de Paranatinga/MT (ID 114752945 - fls. 04 e 09), como também é a responsável civilmente por eventual lesão ao meio ecológico no âmbito de sua área rural, embora haja Contrato de Arrendamento Rural (ID 134454045). Nessa exegese, a sanção civil independe da aferição de culpa do poluidor, ou seja, a responsabilidade civil em matéria ambiental é objetiva, fundamentada na teoria do risco, consoante a jurisprudência: RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – REPARAÇÃO DE DANO AMBIENTAL – DEGRADAÇÃO DE ÁREA DE VEGETAÇÃO NATIVA E DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – DANO AMBIENTAL CONFIGURADO – ALEGAÇÃO DE CULPA DO ANTIGO PROPRIETÁRIO – IRRELEVÂNCIA – OBRIGAÇÃO PROPTER REM – RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA ENTRE O ANTIGO E ATUAL PROPRIETÁRIO OU POSSUIDOR – APLICABILIDADE DO ENTENDIMENTO PRETORIANO DISPOSTO NA SÚMULA 623 DO STJ – FALECIMENTO DE ALGUNS DOS REQUERIDOS NÃO DEMOSTRADA – CERTIDÃO DE ÓBITO NÃO APRESENTADA – AUTORIZAÇÃO LEGAL PARA O DESMATAMENTO – REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS PELOS REQUERIDOS – AUSÊNCIA DE FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS NA SENTENÇA – INAPLICABILIDADE DO ART. 85, § 11 DO CPC – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Demonstrada a ocorrência de dano ambiental substanciado no desmatamento de área considerada de preservação permanente, sem licença outorgada pelo órgão ambiental competente, torna-se imperiosa sua reparação. Conforme entendimento pretoriano disposto na Súmula 623 do Superior Tribunal de Justiça “As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor". Diante da ausência demonstração pelos requeridos de que as áreas que eles ocupam não são as mesmas da degradação ambiental, deve ser mantida a responsabilização deles pelos danos constatados pela autoridade ambiental. Impossível se mostra afastar a responsabilidade ambiental e/ou extinguir a ação sem resolução de mérito em relação a alguns sócios, sob o fundamento de serem falecidos, quando não é apresentado nos autos as certidões de óbito. O artigo 50-a da Lei 9.605/1998, que dispões sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, estabelece que não é considerado crime a degradação do meio ambiente, quando se mostrar necessária para subsistência imediata pessoal do agente ou de sua família. Não sendo possível constar que a degradação da área de preservação se deu como a única forma de prover o sustento próprio ou de seus familiares de forma imediata, não há que se falar na aplicação dessa legislação (artigo 50-a da Lei 9.605/1998). [...][5] No caso em lume, considerando a veracidade e a legitimidade dos documentos públicos (art. 405 do CPC) anexos, ou seja, do Auto de Infração nº 211333423/D lavrado pela SEMA (ID 112974211) e o Relatório Técnico nº 253/21/DUD/RONDON/SEMA/MT (ID 112974211), resta identificada a responsabilidade civil para fins de reparar o dano, até porque a parte requerida não se desincumbiu do ônus da prova. Para corroborar, há as Matrículas nº 6.724 e nº 7.077 do 1º Serviço de Registro de Imóveis de Paranatinga/MT (ID 114752945 - fls. 04 e 09) e o Contrato de Arrendamento Rural (ID 134454045) atestando que o registro público do imóvel rural, assim como o instrumento de arrendamento está em nome do requerido. Nesse cenário, a Jurisprudência em Teses, Edição nº 30, Enunciado 09, do STJ ministra que: “A obrigação de recuperar a degradação ambiental é do titular da propriedade do imóvel, mesmo que não tenha contribuído para a deflagração do dano, tendo em conta sua natureza propter rem”. Aliás, o entendimento sumular é no sentido de que a inversão do ônus da prova aplica-se às ações de degradação ambiental (Súmula 618 do STJ). Logo, não há mero indício de prova asseverando o fato, pelo contrário, há elementos suficientes certificando a lesão ao meio ambiente na área de propriedade do requerido. Nessa senda: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL – DANO AMBIENTAL – SUPRESSÃO DE FLORESTA NATIVA SEM AUTORIZAÇÃO DA AUTORIDADE COMPETENTE – COMPROVAÇÃO – DANO MORAL DIFUSO – NÃO HOUVE IMPUGNAÇÃO – PRECLUSÃO – OCORRÊNCIA – DANO MATERIAL – CONFIGURADO – POSSIBILIDADE DE CUMULAR COM OBRIGAÇÃO DE FAZER E NÃO FAZER – 1. Ocorre a preclusão consumativa quando o recorrente deixa de impugnar a ausência de condenação em dano moral difuso. 2. O “requerimento” do Ministério Público em peça opinativa não tem o condão de afastar a preclusão que já havia ocorrido quanto ao pedido de dano moral difuso. 3. Sendo as provas dos autos suficientes para reconhecer a responsabilidade do requerido pelo dano ambiental, decorrente do desmatamento sem autorização legal, é devido o dever de reparação integral e pagamento de indenização por danos materiais. 4. Recurso conhecido e provido[6]. Desse modo, a Súmula 629 do STJ dispõe que “quanto ao dano ambiental, é admitida a condenação do réu à obrigação de fazer ou à de não fazer cumulada com a de indenizar”. No caso em tela, portanto, acolho a pretensão ministerial para o fim de condenar a parte requerida à indenização por danos material e extrapatrimonial, haja vista a presença dos requisitos do instituto da responsabilidade civil objetiva, isto é, a lesão ao bem jurídico ambiental, a conduta da pessoa física (art. 3º, IV, da Lei nº 6.938/81) que causou degradação ambiental com o desmatamento não autorizado em área de especial proteção e o nexo de causalidade entre o dano e a atividade da parte proprietária. Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido do Ministério Público do Estado de Mato Grosso, resolvendo o mérito, nos termos do disposto no art. 487, I, do CPC, para condenar o Espólio de Mario Geraldo, representado por Jane Geraldo Vertuan à: (I) indenização pelos danos ambientais materiais no valor de R$ 390.168,10 (trezentos e noventa mil, cento e sessenta e oito reais e dez centavos) em prol do Fundo Municipal do Meio Ambiente, corrigido monetariamente da data da sentença; (II) indenização pelos danos ambientais extrapatrimoniais no montante de R$ 10.00,00 (dez mil reais) em prol do Fundo Municipal do Meio Ambiente, corrigido monetariamente da data da sentença (Súmula 362 do STJ); e (III) averbação da sentença condenatória no bojo da Matrícula nº 5.183 do 1º Serviço de Registro de Imóveis de Paranatinga/MT. Condeno, por fim, a parte requerida ao pagamento de custas e despesas processuais. Condeno-a, também, aos juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação (art. 405 do CC c/c art. 240 do CPC). Preclusas as vias recursais, arquive-se, nos moldes do Provimento CGJ nº 39/2020 e anexo único do CNGC. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Raíza Vitória de Castro Rego Bastos Gonzaga Juíza de Direito”. Contra essa sentença, a parte promovida, ora apelante, opôs embargos de declaração (ID. 251532942), rejeitados, nos seguintes termos (ID. 251532946): “A oposição de embargos de declaração é de fundamentação vinculada as hipóteses de cabimento descritas no art. 1.022 do CPC, quais sejam, obscuridade, contradição, omissão ou erro material, não possuindo natureza de efeito modificativo. No caso em tela, o pedido revela nítida hipótese de má compreensão da finalidade e da utilidade dos embargos de declaração em nosso sistema processual. À toda evidência o que pretende o recorrente é modificar o decisum objurgado, meio para o qual não se presta o recurso. Salta aos olhos que no caso em concreto, certa ou errada, a decisão analisou e ponderou o argumento central apresentado pelas partes. Logo, entendo que não há omissão ou contradição nela que justifique a pretensão formulada. Desse modo, se a parte entende que a decisão é contrária a lei ou a prova dos autos, deve se valer do meio recursal apto a alcançar seu objetivo, descabendo o manejo dos declaratórios apenas para expor o inconformismo da parte com o resultado da decisão. Inexistindo, por conseguinte, qualquer omissão, contradição ou obscuridade sobre qualquer ponto discutido e decidido na lide, rejeito os embargos declaratórios, que não se prestam ao fim de reformar a sentença atacada. P.I.C Às providências. Raíza Vitória de Castro Rego Bastos Gonzaga Juíza de Direito”. Nas razões recursais, a parte apelante alega, preliminarmente, sua hipossuficiência econômica, sob o fundamento de que o espólio não possui capacidade financeira para arcar com as custas judiciais. Sustenta que, o acervo hereditário encontra-se integralmente comprometido por débitos pendentes, os quais estão sendo objeto de execuções e demandas judiciais em trâmite, circunstância que inviabiliza a assunção de novas despesas processuais. Além disso, assevera que não houve prévia notificação acerca da infração ambiental que lhe foi imputada, tendo tomado ciência do fato somente com o ajuizamento da ação civil pública, o que configura manifesta violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal. Ressalta que referida irregularidade compromete a higidez e a validade dos atos praticados no âmbito do procedimento administrativo, maculando sua legalidade e eficácia. Argumenta que o Ministério Público não logrou êxito em comprovar a efetiva entrega do auto de infração, evidenciando um vício insanável que compromete não apenas a regularidade do procedimento administrativo, mas também a validade de todos os atos subsequentes dele decorrentes, ensejando, assim, sua nulidade absoluta. Ainda, consigna que não há que se falar em responsabilidade objetiva, uma vez que, à época dos fatos, parte da área em questão havia sido esbulhada por invasores que, além de praticarem ameaças contra si e sua família, impediram o regular exercício da posse sobre a propriedade. Salienta que, em razão desse cenário de intimidação, permaneceu afastado do imóvel, somente tomando ciência dos ilícitos ambientais em momento posterior. Registra que, diante dessa situação, foi lavrado boletim de ocorrência em junho de 2021, ou seja, em data anterior à expedição do auto de infração, o que demonstra que já havia formalizado a comunicação dos fatos às autoridades competentes antes mesmo da instauração do procedimento administrativo sancionador. Diante disso, defende ser evidente a impossibilidade de imputação de qualquer responsabilidade pelo suposto desmatamento ambiental, haja vista que não exercia posse ou controle sobre a área no período em questão. Destaca que o temor de sua família era plenamente justificado, especialmente considerando que, no ano de 2018, o filho de Mário César Geral foi brutalmente assassinado em decorrência das ameaças perpetradas pelos referidos invasores, fato que reforça a impossibilidade de se atribuir qualquer responsabilidade à parte ora recorrente. Pontua, ademais, que não houve comprovação concreta de que o suposto dano ambiental tenha causado lesão coletiva relevante, razão pela qual a condenação por dano extrapatrimonial se mostra desproporcional e desprovida de fundamentação adequada, configurando violação aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Em face dessa situação, depois de discorrer sobre os fatos e fundamentos jurídicos que entende cabíveis à espécie, a parte apelante, dentre outras alegações e providências, requer: “ (...) a. CONCEDER a justiça gratuita nos termos do artigo 99 do CPC e, caso este não seja o entendimento de Vossos Julgadores, que seja concedido o prazo para a realização do recolhimento nos termos do artigo 99, §7º do CPC; b. RECONHECER a responsabilidade civil subjetiva do apelante e sua consequente ausência de responsabilidade sobre os danos ambientais da área mencionada, em especial diante da falta de provas, conforme exposto no item III das razões do recurso; c. A REFORMA da r. sentença para que seja provido o recurso, indeferido todos os pedidos realizados na exordial, principalmente o indeferimento de indenização moral e material; d. Requer a intimação do apelado, para que se manifeste no prazo de 15 dias, através de seu procurador judicial constituído; e. CONDENAR o Apelado, ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, com fulcro no artigo 85, §1º do Código de Processo Civil. (...)”. Contrarrazões apresentadas no ID. 251532954, por meio das quais a parte apelada requer o não conhecimento do recurso, sob o fundamento da ausência de recolhimento do preparo, arguindo, assim, a sua deserção. Subsidiariamente, na hipótese de não reconhecimento da deserção, pugna pelo desprovimento do recurso, com a consequente manutenção da sentença objurgada em sua integralidade A d. Procuradoria-Geral de Justiça, em seu parecer, opina pelo indeferimento do benefício da justiça gratuita, com a consequente exigência do recolhimento das custas processuais. No mérito, manifesta-se pelo provimento do recurso. É o relatório. V O T O EXMA. SRA. DESA. MARIA APARECIDA FEREIRA FAGO (RELATORA): Egrégia Câmara: Conforme relatado, trata-se de “RECURSO DE APELAÇÃO”, interposto por ESPÓLIO DE MARIO GERALDO contra a sentença proferida pela Excelentíssima Dra. Raíza Vitória de Castro Rego Bastos Gonzaga, juíza de direito, que, na “AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA” n.º 1000785-24.2023.8.11.0044, cujo trâmite ocorre na 1ª Vara da Comarca de Paranatinga, MT, julgou parcialmente procedente os pedidos dispostos na inicial (ID. 251532941). Extrai-se dos autos que a parte promovente, ora apelada, MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO, ingressou, em 20.03.2013, com a presente ação, em face do promovido, em razão de suposto ilícito ambiental, consubstanciado no Auto de Infração n.º 211333423/D, que identificou, nos termos do Relatório de Fiscalização n.° 253/21/DUDRONDON/SEMA/MT, a realização de atividade de limpeza em uma área correspondente a 43,1835 hectares de imóvel rural, fora dos limites da área de reserva legal e da área de preservação permanente, sem a devida Declaração de Limpeza de Áreas em Imóveis Rurais (DLA) devidamente registrada no banco de dados do órgão ambiental competente. Dessa forma, requereu a condenação da parte requerida ao pagamento de indenização pelos danos ambientais materiais, no montante de R$ 390.168,10 (trezentos e noventa mil, cento e sessenta e oito reais e dez centavos), a ser revertido em favor do fundo municipal ou estadual de meio ambiente. Além disso, pleiteou a condenação ao pagamento de indenização pelos danos extrapatrimoniais decorrentes da conduta lesiva ao meio ambiente. Por sua vez, a parte promovida apresentou contestação, no ID. 251532923, na qual alegou a nulidade do procedimento administrativo, sob o argumento de ausência de intimação para manifestação nos autos. Sustentou, ainda, a inexistência de responsabilidade, ao fundamento de que, à época dos fatos, a área em questão encontrava-se sob esbulho possessório. Ademais, asseverou a inexistência de dano moral indenizável, razão pela qual pugnou, ao final, pela total improcedência da demanda. Na sequência, a parte adversa apresentou impugnação à contestação, devidamente juntada aos autos no ID. 251532931. Sobreveio, então, a r. sentença ora fustigada, prolatada no dia 19.05.2024, contra a qual a parte ré opôs embargos de declaração, os quais foram rejeitados, nos seguintes termos (ID. 251532946): “A oposição de embargos de declaração é de fundamentação vinculada as hipóteses de cabimento descritas no art. 1.022 do CPC, quais sejam, obscuridade, contradição, omissão ou erro material, não possuindo natureza de efeito modificativo. No caso em tela, o pedido revela nítida hipótese de má compreensão da finalidade e da utilidade dos embargos de declaração em nosso sistema processual. À toda evidência o que pretende o recorrente é modificar o decisum objurgado, meio para o qual não se presta o recurso. Salta aos olhos que no caso em concreto, certa ou errada, a decisão analisou e ponderou o argumento central apresentado pelas partes. Logo, entendo que não há omissão ou contradição nela que justifique a pretensão formulada. Desse modo, se a parte entende que a decisão é contrária a lei ou a prova dos autos, deve se valer do meio recursal apto a alcançar seu objetivo, descabendo o manejo dos declaratórios apenas para expor o inconformismo da parte com o resultado da decisão. Inexistindo, por conseguinte, qualquer omissão, contradição ou obscuridade sobre qualquer ponto discutido e decidido na lide, rejeito os embargos declaratórios, que não se prestam ao fim de reformar a sentença atacada. P.I.C Às providências. Raíza Vitória de Castro Rego Bastos Gonzaga Juíza de Direito”. Inconformada, a parte promovida/apelante interpôs o recurso de apelação, conforme já exposto anteriormente. Com essas considerações, passo à análise das insurgências recursais. Inicialmente, observa-se que a parte apelante formulou pedido de concessão dos benefícios da justiça gratuita, sob o fundamento de que o espólio não possui capacidade financeira para arcar com as custas judiciais. Nesse contexto, a análise acerca da concessão ou não da assistência judiciária gratuita deve observar as particularidades do caso concreto, em conformidade com os elementos constantes nos autos, à luz das disposições do Código de Processo Civil e da Constituição Federal, que consagram o princípio do amplo acesso à justiça. No tocante à matéria, dispõem os arts. 98 e 99 do Código de Processo Civil: Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei. § 1º A gratuidade da justiça compreende: I - as taxas ou as custas judiciais; II - os selos postais; III - as despesas com publicação na imprensa oficial, dispensando-se a publicação em outros meios; IV - a indenização devida à testemunha que, quando empregada, receberá do empregador salário integral, como se em serviço estivesse; V - as despesas com a realização de exame de código genético - DNA e de outros exames considerados essenciais; VI - os honorários do advogado e do perito e a remuneração do intérprete ou do tradutor nomeado para apresentação de versão em português de documento redigido em língua estrangeira; VII - o custo com a elaboração de memória de cálculo, quando exigida para instauração da execução; VIII - os depósitos previstos em lei para interposição de recurso, para propositura de ação e para a prática de outros atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório; IX - os emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido. § 2º A concessão de gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência. § 3º Vencido o beneficiário, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário. § 4º A concessão de gratuidade não afasta o dever de o beneficiário pagar, ao final, as multas processuais que lhe sejam impostas. § 5º A gratuidade poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento. § 6º Conforme o caso, o juiz poderá conceder direito ao parcelamento de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento. § 7º Aplica-se o disposto no art. 95, §§ 3º a 5º, ao custeio dos emolumentos previstos no § 1º, inciso IX, do presente artigo, observada a tabela e as condições da lei estadual ou distrital respectiva. § 8º Na hipótese do § 1º, inciso IX, havendo dúvida fundada quanto ao preenchimento atual dos pressupostos para a concessão de gratuidade, o notário ou registrador, após praticar o ato, pode requerer, ao juízo competente para decidir questões notariais ou registrais, a revogação total ou parcial do benefício ou a sua substituição pelo parcelamento de que trata o § 6º deste artigo, caso em que o beneficiário será citado para, em 15 (quinze) dias, manifestar-se sobre esse requerimento. “Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso. § 1º Se superveniente à primeira manifestação da parte na instância, o pedido poderá ser formulado por petição simples, nos autos do próprio processo, e não suspenderá seu curso. § 2º O juiz somente poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido, determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos. § 3º Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural. § 4º A assistência do requerente por advogado particular não impede a concessão de gratuidade da justiça. § 5º Na hipótese do § 4º, o recurso que verse exclusivamente sobre valor de honorários de sucumbência fixados em favor do advogado de beneficiário estará sujeito a preparo, salvo se o próprio advogado demonstrar que tem direito à gratuidade. § 6º O direito à gratuidade da justiça é pessoal, não se estendendo a litisconsorte ou a sucessor do beneficiário, salvo requerimento e deferimento expressos. § 7º Requerida a concessão de gratuidade da justiça em recurso, o recorrente estará dispensado de comprovar o recolhimento do preparo, incumbindo ao relator, neste caso, apreciar o requerimento e, se indeferi-lo, fixar prazo para realização do recolhimento”. (grifos nossos). Outrossim, em harmonia com o regramento infraconstitucional, o artigo 5°, inciso LXXIV, da Constituição Federal, preceitua que "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos", reafirmando a garantia fundamental de acesso à justiça. Dessa forma, revela-se imprescindível a aferição dos pressupostos legais para a concessão do benefício pleiteado, de modo a assegurar a efetividade do direito fundamental de acesso ao Poder Judiciário, sem que se inviabilize a correta aplicação da legislação processual. Sob essa perspectiva, incumbe ao magistrado realizar a devida ponderação no exame do pedido, evitando que a concessão indiscriminada da gratuidade judiciária desvirtue sua finalidade essencial, qual seja, garantir o acesso à justiça àqueles que efetivamente demonstram necessidade da benesse. Logo, considerando que a parte agravante logrou êxito em demonstrar a alegada insuficiência financeira, por meio da documentação acostada aos autos (ID’s 257303348, 257305650, 257305655, 257305667, 257305666 e 257305662), preenchidos estão os requisitos exigidos para a concessão do benefício da gratuidade da justiça. Sendo assim, DEFIRO os benefícios da justiça gratuita para a presente fase recursal. Superada essa questão, passo à análise das demais deliberações. Preliminarmente, no que se refere à alegação de nulidade do auto de infração, verifica-se que inexiste nos autos qualquer elemento probatório capaz de corroborar a suposta irregularidade apontada. Assim, a parte recorrente não se desincumbiu do ônus que lhe competia, limitando-se a suscitar a nulidade sem instruir sua pretensão com documentos idôneos a demonstrar a invalidade do ato administrativo, tampouco evidenciou de que maneira essa alegada nulidade impactaria a presente ação civil pública. Diante disso, inviabilizada a aferição da efetiva ocorrência de vício que pudesse macular a validade do ato administrativo impugnado. Além disso, nos termos da jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, as esferas administrativa, civil e penal no âmbito do Direito Ambiental possuem autonomia e independência entre si, conforme preceitua o art. 225, §3º, da Constituição Federal. Nesse sentido, o entendimento jurisprudencial reafirma que eventuais questionamentos sobre a regularidade do auto de infração na seara administrativa não possuem o condão de afastar, por si sós, a responsabilidade civil decorrente do ilícito ambiental. Vejamos: “ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO PELA RÉ. AÇÃO MOVIDA CONTRA TABELIÃ DE OFÍCIO DE NOTAS, POR ALEGADA AUSÊNCIA DE REPASSE, A TEMPO E MODO, DE QUANTIA REFERENTE À TAXA DE FISCALIZAÇÃO JUDICIÁRIA DEVIDA À FAZENDA ESTADUAL . PROCEDÊNCIA DO PEDIDO AUTORAL EM PRIMEIRA INSTÂNCIA E CONFIRMAÇÃO EM GRAU DE APELAÇÃO. DIVERGÊNCIA PRETORIANA INDEMONSTRADA. NOTÁRIOS E REGISTRADORES DE SERVENTIAS NÃO OFICIALIZADAS. SUBMISSÃO À LEI Nº 8 .429/1992. SIMULTÂNEA CARACTERIZAÇÃO, NA ESPÉCIE, DAS CONDUTAS ÍMPROBAS DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO, DE DANO AO ERÁRIO E DE VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. FUNDAMENTO DO ACÓRDÃO NÃO IMPUGNADO NO RECURSO ESPECIAL, O QUE ATRAI A SÚMULA 283/STF. INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS CÍVEL, PENAL E ADMINISTRATIVA . DOSIMETRIA. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DAS SANÇÕES IMPOSTAS EM PRIMEIRA INSTÂNCIA E CONFIRMADAS EM APELAÇÃO. RECURSO DESPROVIDO . 1. O dissídio jurisprudencial não foi comprovado na forma exigida pelos arts. 541, parágrafo único, do CPC e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ, pois o paradigma colacionado refere-se a julgado que não guarda similitude fática com o tema em exame. 2 . Consoante a jurisprudência do STJ e a doutrina pátria, notários e registradores estão abrangidos no amplo conceito de "agentes públicos", na categoria dos "particulares em colaboração com a Administração". 3. A Lei nº 8.935/1994 (Lei dos Cartórios), que regulamentou o art . 236 da CF, dentre outros aspectos, reforça a indispensabilidade da habilitação em concurso público de provas e títulos para o ingresso na atividade (art. 14, I); assenta a incompatibilidade das funções notariais e de registro com a advocacia, a intermediação de seus serviços e o exercício de qualquer cargo, emprego ou função públicos, ainda que em comissão (art. 25); bem como dispõe que a perda da delegação dependerá de sentença judicial transitada em julgado ou de decisão decorrente de processo administrativo instaurado pelo juízo competente, assegurado amplo direito de defesa (art. 35, I e II) . 4. A partir do art. 236 da CF e de sua regulamentação pela Lei nº 8.935/1994, a jurisprudência pátria tem consignado a legalidade da ampla fiscalização e controle das atividades cartoriais pelo Poder Judiciário (RMS 23 .945/PB, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 20/8/2009, DJe 27/8/2009), bem como a natureza pública dessas atividades, apesar de exercidas em caráter privado, por delegação do Poder Público ( ADI 1.378-MC, Rel. Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgada em 30/11/1995; ADI 3 .151, Rel. Ministro Ayres Britto, Tribunal Pleno, julgada em 8/6/2005). 5. Ainda na esteira da jurisprudência pátria, os emolumentos percebidos pelos serviços notariais e registrais se qualificam como tributos, na modalidade de taxas remuneratórias de serviços públicos ( ADI 2 .129-MC, Rel. Ministro Eros Grau, Tribunal Pleno, julgada em 10/5/2000; ADI 1378-MC, Rel. Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgada em 30/11/1995; REsp 1.181 .417/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 19/8/2010, DJe 3/9/2010). 6. Os aspectos acima elencados revelam-se suficientes a justificar a inclusão dos notários e registradores, como "agentes públicos" que são, no campo de incidência da Lei nº 8 .429/1992. 7. Consoante desponta do arcabouço fático delineado no acórdão, sobre o qual não há controvérsia, restou claramente demonstrado que a "a ré, na qualidade de Tabeliã do 7º ofício de Notas da Comarca de Belo Horizonte, indevidamente, deixou de recolher os valores referentes à Taxa de Fiscalização Judiciária, devidos à Fazenda Pública Estadual, descumprindo o preceito contido no artigo 8º, § 3º, da Lei Estadual 12.727/97, com redação dada pela Lei nº 13 .438/99". Esse proceder, que resultou na apropriação indevida de R$ 926.429,71, configurou, a um só tempo, "violação dos deveres de moralidade e legalidade, bem como [...] lesão ao erário e [...] enriquecimento ilícito". Entendimento que não merece reparos. 8. Demais disso, o recurso especial não impugnou fundamento que ampara o acórdão recorrido, qual seja, o de que a conduta da insurgente implicou violação aos deveres de moralidade e legalidade, o que deu ensejo à sua condenação com base no art . 11 da LIA. Súmula 283/STF. 9. O Superior Tribunal de Justiça firmou a compreensão de que as esferas cível, administrativa e penal são independentes, com exceção dos casos de absolvição, no processo criminal, por afirmada inexistência do fato ou inocorrência de autoria . 10. As razões do recurso especial não lograram demonstrar que, na espécie, as sanções aplicadas, no patamar mínimo estabelecido no art. 12, I, da Lei nº 8.429/1992, devessem ser decotadas porque desproporcionais ou irrazoáveis . 11. Recurso especial desprovido, mantidas as reprimendas já fixadas na sentença e confirmadas em apelação. (STJ - REsp: 1186787 MG 2010/0051549-5, Relator.: Ministro SÉRGIO KUKINA, Data de Julgamento: 24/04/2014, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/05/2014)”. (grifos nossos) Dessa forma, em observância ao princípio da independência das instâncias, eventual nulidade do procedimento administrativo não possui aptidão para afastar a responsabilidade civil pelo dano ambiental, sequer compromete a legitimidade da ação civil pública proposta pelo Ministério Público. Com efeito, a persecução da reparação do dano ambiental independe da existência de sanção administrativa válida, bastando a demonstração da materialidade da lesão ambiental e do nexo causal entre a conduta do agente e o prejuízo ao meio ambiente. Cumpre destacar, ainda, que os autos contêm, exclusivamente, o inquérito civil instaurado com a finalidade de apurar o dano ambiental, instrumento de índole eminentemente investigativa, o qual não exige a observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa, por não se tratar de instância sancionatória, mas sim de etapa pré-processual voltada à obtenção de elementos probatórios para eventual responsabilização do agente. Nesse contexto, a alegação de nulidade do auto de infração, além de carecer de lastro probatório nos autos, não possui a eficácia de afastar as sanções administrativas e civis, haja vista a autonomia das esferas de responsabilização. Diante do exposto, REJEITO a preliminar de nulidade do auto de infração, uma vez que eventuais vícios administrativos não detêm a capacidade de comprometer a independência da esfera judicial na apuração e responsabilização pelo dano ambiental constatado, assegurando-se, dessa forma, a efetividade da tutela jurisdicional ambiental e a primazia do interesse difuso na preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado. No mérito, conforme amplamente consolidado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a responsabilidade civil pelo dano ambiental reveste-se de caráter objetivo, solidário e ilimitado, sendo disciplinada pelos princípios estruturantes do direito ambiental, tais como o princípio do poluidor-pagador, o princípio da reparação in integrum, da primazia da reparação in natura e do favor debilis. Nesse sentido, o STJ tem reafirmado, de maneira reiterada, que a responsabilização por danos ambientais se encontra alicerçada na teoria do risco integral, o que implica a inaplicabilidade de causas excludentes de responsabilidade civil. Assim, para que se configure o dever de reparação ambiental, basta a comprovação do resultado lesivo ao meio ambiente, sendo irrelevante a existência de dolo ou culpa por parte do agente, desde que demonstrado o nexo de causalidade entre a conduta (ação ou omissão) e o dano ambiental efetivamente constatado. A jurisprudência pátria, por meio do Tribunal de Justiça do Mato Grosso, bem ilustra essa orientação ao afirmar que: “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – UTILIZAÇÃO DE FOGO EM ÁREA AGROPASTORIL SEM AUTORIZAÇÃO DO ÓRGÃO AMBIENTAL COMPETENTE – DANO AMBIENTAL – CARACTERIZAÇÃO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – INTELIGÊNCIA DO ART. 225, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – INSURGÊNCIA QUANTO ÀS COORDENADAS INDICADAS NO AUTO DE INFRAÇÃO – AFIRMAÇÃO DE QUE NÃO CORRESPONDEM À SUA PROPRIEDADE – MATÉRIA NÃO DISCUTIDA NO JUÍZO SINGULAR – OCORRÊNCIA DA PRECLUSÃO – IMPOSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO NO RECURSO – PRETENDIDO RECONHECIMENTO DA PERDA DO OBJETO EM RAZÃO DA CELEBRAÇÃO DE TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA – REALIZAÇÃO DE CADASTRO AMBIENTAL RURAL (CAR) E APRESENTAÇÃO DE PLANO DE RECUPERAÇÃO DE ÁREA DEGRADADA (PRAD) – BIS IN IDEM – NÃO CARACTERIZAÇÃO – INDEPENDÊNCIA DOS PODERES QUANTO À RESPONSABILIZAÇÃO – ALEGADA NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO POR INOBSERVÂNCIA DO ART. 10 DO DECRETO Nº 70.235/1972 – NORMA QUE NÃO SE APLICA AO CASO – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. 1. Consoante a jurisprudência do STJ, a responsabilidade civil pelo dano ambiental, qualquer que seja a qualificação jurídica do degradador, público ou privado, é de natureza objetiva, solidária e ilimitada, sendo regida pelos princípios poluidor-pagador, da reparação in integrum, da prioridade da reparação in natura e do favor debilis, este último a legitimar uma série de técnicas de facilitação do acesso à justiça, entre as quais se inclui a inversão do ônus da prova em favor da vítima ambiental. (STJ, REsp 1.454.281/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 09/09/2016). 2. Opera-se a preclusão da matéria de defesa que deveria ter sido apresentada na contestação, fato que impossibilita ao Tribunal apreciá-la, no Recurso de Apelação. 3. O fato de ter sido firmado Termo de Ajustamento de Conduta não afasta o provimento jurisdicional já instaurado, pois a sentença apenas deixaria de subsistir se houvesse pedido de desistência do Autor da ação ou se o acordo das respectivas partes envolvidas fosse homologado em juízo, o que não é o caso. 4. A elaboração de Termo de Ajustamento de Conduta também não implica em bis in idem, porque o ilícito ambiental admite tríplice responsabilização [esferas penal, administrativa e cível], a teor do que prevê o art. 225, § 3º, da Constituição Federal. 5. Além de não existir previsão legal acerca da obrigatoriedade de que a lavratura do auto de infração ambiental se dê no local dos fatos, é cediço que a apuração de infrações administrativas por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente lavradas pelo IBAMA se regulam por meio da Lei nº 9.605/1998, do Decreto nº 6.514/2008 e da Instrução Normativa IBAMA nº 10, de 7/12/2012, não se aplicando as disposições do Decreto nº 70.235/1972, que dispõe acerca do processo administrativo fiscal. (TJ-MT - APL: 00025736120108110007 MT, Relator: HELENA MARIA BEZERRA RAMOS, Data de Julgamento: 05/11/2018, PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO, Data de Publicação: 28/11/2018)”. Dessa forma, a interpretação jurisprudencial consolidada reafirma a imperatividade da reparação integral do dano ambiental, vedando qualquer forma de mitigação da responsabilidade do agente degradador, ainda que este alegue ausência de dolo ou culpa. O reconhecimento da teoria do risco integral, nessa conjectura, visa garantir a efetividade da proteção ambiental e a preservação do equilíbrio ecológico, princípios basilares da ordem jurídica brasileira. No caso sub judice, verifica-se que a ação civil pública foi devidamente instruída com elementos técnicos robustos e suficientes para atestar a ocorrência da lesão ambiental, destacando-se, entre os documentos probatórios, o Auto de Infração n.º 211333423/D, devidamente formalizado e subscrito, bem como o Relatório de Fiscalização n.º 253/21/DUDRONDON/SEMA/MT, circunstanciado e detalhado, além de registros fotográficos e imagens de satélite que evidenciam a área desmatada. Esses documentos não apenas corroboram a materialidade da infração ambiental, mas também demonstram, de forma inequívoca, a presença dos requisitos indispensáveis à responsabilização do demandado, em estrita consonância com os preceitos normativos aplicáveis. Cumpre registrar que, conforme disposição do art. 405, do CPC, o ato administrativo goza de presunção relativa de legitimidade e veracidade, que somente pode ser ilidida com prova em contrário e, na hipótese, a parte recorrente não se desincumbiu do ônus de desconstituir os fundamentos que embasaram a autuação promovida pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso, tampouco demonstro a inexistência do dano ambiental imputado. Ademais, ainda que o apelante alegue que a área objeto da demanda estava na posse de terceiros, a cronologia dos eventos narrados nos autos não corrobora sua tese de ausência de controle sobre o imóvel no período em que ocorreu a supressão da vegetação. Com efeito, o relatório técnico anexado aos autos identificou a ocorrência do desmatamento entre março e maio de 2021, ao passo que o boletim de ocorrência foi registrado apenas em 18.06.2021, indicando que o suposto esbulho possessório teria ocorrido em 04.06.2021. Dessa maneira, os elementos probatórios constantes dos autos afastam a alegação defensiva e reforçam a responsabilidade do apelante pelo ilícito ambiental verificado. Outrossim, embora a parte recorrente mencione que sua família estaria sendo constantemente ameaçada por invasores e que seu filho, Mário César Geraldo, teria sido brutalmente assassinado por eles em 2018, não há nos autos qualquer registro de boletins de ocorrência, inquéritos criminais ou outros elementos probatórios que corroborem tais assertivas. A ausência de documentação idônea que ateste a veracidade dessas alegações inviabiliza sua consideração como excludentes de responsabilidade, especialmente diante do conjunto probatório substancial que evidencia, de forma inequívoca, a materialidade da infração ambiental e a vinculação do recorrente ao evento danoso. Assim, à luz da responsabilidade civil objetiva ambiental, fundamentada na teoria do risco integral, revela-se desnecessária a comprovação de dolo ou culpa para a configuração do dever de reparar. Nesse contexto, sendo o apelante o proprietário formal do imóvel à época dos fatos, a ele incumbe a obrigação de promover a reparação integral do dano ambiental, ainda que a supressão da vegetação tenha sido perpetrada por terceiros. Portanto, impõe-se a manutenção da condenação do apelante pelos danos ambientais constatados. Entretanto, conquanto a prática de ilícito ambiental tenha sido devidamente comprovada nos autos, inexiste nos presentes autos qualquer elemento probatório apto a demonstrar a ocorrência de lesão extrapatrimonial à coletividade em grau tal que enseje sofrimento, angústia ou abalo moral que ultrapasse os limites do mero dissabor inerente à violação de normas ambientais. Desse modo, diante da ausência de provas concretas que evidenciem que a conduta ilícita tenha efetivamente vulnerado valores fundamentais da coletividade de modo a configurar um dano moral coletivo indenizável, limitando-se a uma mera inobservância de normas ambientais, não há elementos suficientes para justificar o reconhecimento de abalo moral coletivo passível de compensação pecuniária. A propósito, colhe-se da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: ““RECURSO ESPECIAL. AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO. DIREITO DO CONSUMIDOR. ESPETÁCULOS CULTURAIS. DISPONIBILIZAÇÃO DE INGRESSOS NA INTERNET. COBRANÇA DE "TAXA DE CONVENIÊNCIA". EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO INDICAÇÃO. SÚMULA 284/STF. PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR. CLÁUSULAS ABERTAS E PRINCÍPIOS. BOA FÉ OBJETIVA. LESÃO ENORME. ABUSIVIDADE DAS CLÁUSULAS. VENDA CASADA ("TYING ARRANGEMENT"). OFENSA À LIBERDADE DE CONTRATAR. TRANSFERÊNCIA DE RISCOS DO EMPREENDIMENTO. DESPROPORCIONALIDADE DAS VANTAGENS. DANO MORAL COLETIVO. LESÃO AO PATRIMÔNIO IMATERIAL DA COLETIVIDADE. GRAVIDADE E INTOLERÂNCIA. INOCORRÊNCIA. SENTENÇA. EFEITOS. VALIDADE. TODO O TERRITÓRIO NACIONAL. 1. Cuida-se de ação coletiva de consumo na qual se pleiteia, essencialmente: a) o reconhecimento da ilegalidade da cobrança de "taxa de conveniência" pelo simples fato de a recorrida oferecer a venda de ingressos na internet; b) a condenação da recorrida em danos morais coletivos; e c) a condenação em danos materiais, correspondentes ao ressarcimento aos consumidores dos valores cobrados a título de taxa de conveniência nos últimos 5 (cinco) anos. 2. Recurso especial interposto em: 11/04/2016; conclusão ao Gabinete em: 03/08/2017; aplicação do CPC/15. 3. O propósito recursal é determinar se: a) ocorreu negativa de prestação jurisdicional; b) a disponibilização da venda de ingressos de espetáculos culturais na internet é facilidade que efetivamente beneficia os consumidores; c) existe abusividade na cobrança de "taxa de conveniência" aos consumidores; d) ocorre venda casada pela disponibilização desse serviço associado à aquisição do ingresso; e e) ocorreram danos morais de natureza coletiva. 4. A ausência de expressa indicação de obscuridade, omissão ou contradição nas razões recursais enseja o não conhecimento do recurso especial. 5. A essência do microssistema de defesa do consumidor se encontra no reconhecimento de sua vulnerabilidade em relação aos fornecedores de produtos e serviços, que detêm todo o controle do mercado, ou seja, sobre o que produzir, como produzir e para quem produzir, sem falar-se na fixação de suas margens de lucro. 6. O CDC adotou formas abertas e conceitos indeterminados para definir as práticas e cláusulas abusivas, encarregando o magistrado da tarefa de examinar, em cada hipótese concreta, a efetiva ocorrência de referidas práticas ilegais. 7. A boa-fé objetiva é uma norma de conduta que impõe a cooperação entre os contratantes em vista da plena satisfação das pretensões que servem de ensejo ao acordo de vontades que dá origem à avença, sendo tratada, de forma expressa, no CDC, no reconhecimento do direito dos consumidores de proteção contra métodos comerciais coercitivos ou desleais bem como práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos ou serviços (art. 6º, IV, do CDC). 8. Segundo a lesão enorme, são abusivas as cláusulas contratuais que configurem lesão pura, decorrentes da simples quebra da equivalência entre as prestações, verificada, de forma objetiva, mesmo que não exista vício na formação do acordo de vontades (arts. 39, V, 51, IV, § 1º, III, do CDC). 9. Uma das formas de violação da boa-fé objetiva é a venda casada (tying arrangement), que consiste no prejuízo à liberdade de escolha do consumidor decorrente do condicionamento, subordinação e vinculação da aquisição de um produto ou serviço (principal - "tying") à concomitante aquisição de outro (secundário - "tied"), quando o propósito do consumidor é, unicamente, o de obter o produto ou serviço principal. 10. A venda casada "às avessas", indireta ou dissimulada consiste em se admitir uma conduta de consumo intimamente relacionada a um produto ou serviço, mas cujo exercício é restringido à única opção oferecida pelo próprio fornecedor, limitando, assim, a liberdade de escolha do consumidor. Precedentes. 11. O CDC prevê expressamente uma modalidade de venda casada, no art. 39, IX, que se configura em razão da imposição, pelo fornecedor ao consumidor, da contratação indesejada de um intermediário escolhido pelo fornecedor, cuja participação na relação negocial não é obrigatória segundo as leis especiais regentes da matéria. 12. A venda do ingresso para um determinado espetáculo cultural é parte típica e essencial do negócio, risco da própria atividade empresarial que visa o lucro e integrante do investimento do fornecedor, compondo, portanto, o custo básico embutido no preço. 13. Na intermediação por meio da corretagem, como não há relação contratual direta entre o corretor e o terceiro (consumidor), quem deve arcar, em regra, com a remuneração do corretor é a pessoa com quem ele se vinculou, ou seja, o incumbente. Precedente. 14. A assunção da dívida do fornecedor junto ao intermediário exige clareza e transparência na previsão contratual acerca da transferência para o comprador (consumidor) do dever de pagar a comissão de corretagem. Tese repetitiva. 15. Na hipótese concreta, a remuneração da recorrida é integralmente garantida por meio da "taxa de conveniência", cobrada nos moldes do art. 725 do CC/02, devida pelos consumidores que comprarem ingressos em seu meio virtual, independentemente do direito de arrependimento (art. 49 do CDC). 16. A venda pela internet, que alcança interessados em número infinitamente superior de do que a venda por meio presencial, privilegia os interesses dos produtores e promotores do espetáculo cultural de terem, no menor prazo possível, vendidos os espaços destinados ao público e realizado o retorno dos investimentos até então empregados e transfere aos consumidores parcela considerável do risco do empreendimento, pois os serviços a ela relacionados, remunerados pela "taxa de conveniência", deixam de ser arcados pelos próprios fornecedores. 17. Se os incumbentes optam por submeter os ingressos à venda terceirizada em meio virtual (da internet), devem oferecer ao consumidor diversas opções de compra em diversos sítios eletrônicos, caso contrário, a liberdade dos consumidores de escolha da intermediadora da compra é cerceada, limitada unicamente aos serviços oferecidos pela recorrida, de modo a ficar configurada a venda casada, nos termos do art. 39, I e IX, do CDC. 18. A potencial vantagem do consumidor em adquirir ingressos sem se deslocar de sua residência fica totalmente aplacada pelo fato de ser obrigado a se submeter, sem liberdade, às condições impostas pela recorrida e pelos incumbentes no momento da contratação, o que evidencia que a principal vantagem desse modelo de negócio - disponibilização de ingressos na internet - foi instituída em seu favor dos incumbentes e da recorrida. 19. In casu, não há declaração clara e destacada de que o consumidor está assumindo um débito que é de responsabilidade do incumbente - produtor ou promotor do espetáculo cultural - não se podendo, nesses termos, reconhecer a validade da transferência do encargo (assunção de dívida pelo consumidor). 20. Se, por um lado, o dano moral coletivo não está relacionado a atributos da pessoa humana (dor, sofrimento ou abalo psíquico) e se configura independentemente da demonstração de prejuízos concretos ou de efetivo abalo moral, de outro, somente ficará caracterizado se ocorrer uma lesão a valores fundamentais da sociedade e se essa vulneração ocorrer de forma injusta e intolerável. 21. Na espécie, a ilegalidade verificada não atinge valores essenciais da sociedade, tampouco possui o atributo da intolerabilidade, configurando a mera infringência à lei ou ao contrato em razão da transferência indevida de um encargo do fornecedor ao consumidor, o que é insuficiente para sua caracterização. 22. Os efeitos e a eficácia da sentença coletiva não estão circunscritos a lindes geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-se em conta, para tanto, sempre a extensão do dano e a qualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo, razão pela qual a presente sentença tem validade em todo o território nacional. Tese repetitiva. 23. Recurso especial parcialmente conhecido e, no ponto, parcialmente provido. (STJ - REsp: 1737428 RS 2017/0163474-2, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 12/03/2019, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/03/2019)”. (grifos nossos) Logo, apesar da possibilidade de reconhecimento do dano moral coletivo em casos de degradação ambiental, no presente caso inexiste comprovação de abalo significativo à sociedade que ultrapasse o mero descumprimento normativo. Por isso, afasto a condenação ao pagamento de danos morais coletivos por ausência de comprovação de lesão extrapatrimonial relevante à coletividade. No tocante ao prequestionamento, cumpre esclarecer que o Julgador não está obrigado a esgotar, um a um, os fundamentos e artigos de lei invocados pelas partes, sendo suficiente que exponha, de forma clara e precisa os argumentos de sua convicção, com incidência das normas legais ou jurisprudência a embasar sua decisão, mostrando-se desnecessário o prequestionamento explícito da matéria. A questão também é pacificada no Superior Tribunal de Justiça e nesta Egrégia Corte. A propósito: “ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. BACENJUD. BLOQUEIO. PENHORA. EQUIVALÊNCIA. TRANSFERÊNCIA DE VALORES. PREMISSA RECURSAL AUSENTE NO ACÓRDÃO RECORRIDO. SÚMULA 7/STJ. OMISSÃO. PREQUESTIONAMENTO EXPLÍCITO. DESNECESSIDADE.” “Para fins de conhecimento do recurso especial, é dispensável o prequestionamento explícito dos dispositivos tidos como violados, inexistindo contrariedade ao art. 535 do CPC/1973 quando a Corte de origem decide clara e fundamentadamente todas as questões postas a seu exame. (...) (REsp 1259035/MG, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/04/2018, DJe 11/04/2018) EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM SEDE DE RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL – MATÉRIA JORNALÍSTICA DIVULGADA EM SITE – IMPUTAÇÃO DA PRÁTICA DE CRIME DE ROUBO – LIMITES DA LIBERDADE DE IMPRENSA ULTRAPASSADOS – EXCESSO CONFIGURADO – DEVER DE INDENIZAR – QUANTUM INDENIZATÓRIO MANTIDO – OMISSÃO, CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE OU ERRO MATERIAL – VÍCIOS INEXISTENTES – REDISCUSSÃO DA MATÉRIA – IMPOSSIBILIDADE – AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 1.022 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – PREQUESTIONAMENTO – DESNECESSIDADE – EMBARGOS REJEITADOS.” “(...) Para fins de prequestionamento, o julgador não é obrigado a analisar exaustivamente todos os dispositivos legais apontados pela parte recorrente, basta que a fundamentação da decisão seja clara e precisa, solucionando o objeto da lide. (ED 4088/2018, DES. DIRCEU DOS SANTOS, TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, Julgado em 04/04/2018, Publicado no DJE 11/04/2018)” Ante o exposto, CONHEÇO E DOU PARCIAL PROVIMENTO ao vertente recurso, tão somente para excluir a condenação ao pagamento de danos morais coletivos, ante a ausência de comprovação de impacto social relevante e de efetiva vulneração a valores fundamentais da coletividade. É como voto. V O T O EXMO. SR. DES. MÁRIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA (2º VOGAL): Eminentes pares, Entendo que a recuperação de área degradada é real, mas a multa é pessoal, é intuitu personae e como trata-se de espólio me subsiste algumas dúvidas. De forma que peço vista antecipadamente para melhor análise da matéria. V O T O EXMO. SR. DES. DEOSDETE CRUZ JÚNIOR (1º VOGAL): Aguardo o pedido de vista. SESSÃO DE 13 DE MAIO DE 2025 (CONTINUAÇÃO DE JULGAMENTO): V O T O (VISTA) EXMO. SR. DES. MÁRIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA (2º VOGAL): Egrégia Câmara: A tese recursal de maior relevo diz respeito à alegação de cerceamento do direito de defesa do Apelante no processo administrativo que culminou com a lavratura do referido auto de infração. Segundo consta das razões recursais, o Apelante somente tomou conhecimento da autuação quando de sua citação na presente ação civil pública, tendo sido privado da oportunidade de exercer o contraditório e a ampla defesa administrativamente, o que contaminaria de nulidade o ato de autuação. Da sentença objurgada, no que pertine, extrai-se que: “[...] a parte requerida ofereceu contestação (ID 134452631) alegando, preliminarmente, a ausência de interesse processual por falta de intimação no processo administrativo. No mérito, a revogação da tutela de urgência; impossibilidade de inversão do ônus da prova; e a inexistência de responsabilidade civil. [...] o art. 330, III, do CPC assegura que a petição inicial será indeferida quando o autor carecer de interesse processual, incumbindo ao réu, antes de discutir o mérito, alegar ausência de legitimidade ou de interesse processual (art. 337, XI, do CPC). Entrementes, o art. 485, IV, VI e § 3º, do CPC consigna que o juiz não resolverá o mérito quando verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual, podendo, inclusive, conhecer de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não ocorrer o trânsito em julgado. Compulsando os autos, verifico que há diversos elementos para corroborar o interesse de agir, especialmente o Auto de Infração nº 211333423/D lavrado em 29/09/2021 pela SEMA - Secretaria de Estado e Meio Ambiente (ID 112974211 - fl. 07) e o Relatório Técnico nº 253/21/DUD/RONDON/SEMA/MT (ID 112974211 - fl. 11). Não se olvida, a propósito, que as esferas cível, administrativa e penal são distintas, independentes e autônomas, não sendo uma daquela pressuposto para outra, ressalvadas as exceções legais. [...] Ao seu turno, é crucial relembrar que determinadas matérias administrativas devem ser resolvidas em ação própria pertinente (a título de exemplo: declaratória, anulatória de auto de infração etc.), não sendo matéria defensiva apta à análise em sede de ação civil pública ambiental. Assim sendo, afasto a preliminar de ausência de interesse processual.” Feitas estas considerações, impende ressaltar que, é cediço que a imposição de sanção por parte do Poder Público, qualquer que seja sua natureza, está sujeita à observância das garantias do contraditório e da ampla defesa, sob pena de nulidade do ato administrativo sancionador, nos termos da orientação jurisprudencial consolidada do Supremo Tribunal Federal: "[...] A imposição, pelo Estado, de penalidade de qualquer natureza, subordina-se à observância do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal (art. 5º, LIV e LV, da Constituição da República), sob pena de nulidade do ato administrativo sancionador." (STF - ADI: 4338 DF, Relator.: ROSA WEBER, Data de Julgamento: 23/08/2019, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 09/09/2019) O devido processo legal, em sua dimensão formal, exige, no âmbito administrativo, a efetiva participação do administrado em todas as fases do procedimento sancionador, com ciência clara dos atos processuais e possibilidade de manifestação oportuna. O contraditório, nesse sentido, não pode ser meramente formal, devendo permitir o pleno conhecimento dos fatos e provas e a possibilidade real de influir no convencimento da autoridade julgadora. A base disso, inclusive, está em nossa Constituição Federal assegura os princípios do contraditório e ampla defesa para todos os processos (art. 5º, LV), inclusive os administrativos. No caso dos autos, a partir da análise dos elementos contidos no caderno processual, não se verifica a existência de comprovação de que o Apelante foi devidamente notificado e instado a se manifestar previamente no processo administrativo de autuação. Muito embora o Ministério Público tenha alegado em contrarrazões que houve notificação do Apelante no bojo do inquérito civil que instrui a presente demanda, essa providência não supre o vício de ausência de notificação no procedimento administrativo fiscalizatório relativo à lavratura do auto de infração, ante a independência e autonomia das esferas civil e administrativa de responsabilização. Tampouco se pode alegar que a citação no âmbito da presente ação judicial seja suficiente para sanar eventual vício da autuação administrativa, pois o contraditório e a ampla defesa devem ser garantidos em todos os processos, inclusive e especialmente naqueles que culminem com a aplicação de penalidades pelo Poder Público. A parte recorrente apenas alegou cerceamento de defesa após ser citada na Ação Civil Pública, momento em que tomou conhecimento dos fatos que lhe estavam sendo imputados no processo administrativo sancionador. Até então, não lhe havia sido oportunizado o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa. Assim, a Ação Civil Pública representou a primeira oportunidade concreta e adequada, sob o ponto de vista processual, para o exercício pleno do contraditório e da ampla defesa. Sob essa perspectiva, a ausência de notificação e oportunização de defesa do autuado importa em patente ofensa aos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, impondo-se o reconhecimento da nulidade do auto de infração lavrado pela SEMA/MT e de todos os atos subsequentes que dele decorreram, incluindo os documentos técnicos e a própria propositura da presente ação civil pública. Nesse sentido: “EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. IBAMA. NOTIFICAÇÃO DO SUJEITO PASSIVO. EDITAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. CDA. NULIDADE. A ausência de notificação regular no processo administrativo fere as garantias do contraditório e da ampla defesa, acarretando a nulidade do processo administrativo, bem como do título executivo que lastreia a execução fiscal. A notificação por edital é medida excepcional, sendo condição para a validade da intimação editalícia a prévia tentativa de intimação postal ou pessoal enviada regularmente ao domicílio do sujeito passivo. Hipótese em que ausente a comprovação de regular notificação do executado, ensejou a nulidade do título executivo e a extinção da execução fiscal. (TRF-4 - AC: 50121842220224047100, Relator.: VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Data de Julgamento: 05/10/2022, QUARTA TURMA)” (destaquei) Assim, considerando que os elementos probatórios que embasaram a pretensão deduzida na inicial tiveram sua formação comprometida pela ausência de observância das garantias constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, forçoso é o reconhecimento da nulidade do processo administrativo de autuação e, por conseguinte, da própria ação civil pública. Ao arremate, cumpre ressaltar que, embora se reconheça a independência entre as esferas administrativa, cível e penal, tal autonomia não é absoluta. Isso porque, se o fato que fundamentou a propositura da Ação Civil Pública está eivado de nulidade insanável — como, por exemplo, a violação do contraditório e da ampla defesa no processo administrativo sancionador — impõe-se, por consequência, o reconhecimento da invalidade não apenas do procedimento administrativo, mas também de todos os atos judiciais dele derivados. Assim, a higidez formal e material do processo administrativo é pressuposto de legitimidade para a atuação estatal subsequente, inclusive no âmbito judicial, razão pela qual a nulidade originária contamina inevitavelmente os desdobramentos processuais que dela emanam. Diante do exposto, com a devida vênia ao entendimento esposado pela e. Relatora, conheço do recurso e DOU-LHE PROVIMENTO para anular a sentença recorrida, extinguindo o processo sem resolução de mérito, em razão da nulidade do auto de infração e demais atos administrativos que instruíram a inicial. É como voto. EXMO. SR. DES. DEOSDETE CRUZ JÚNIOR (2º VOGAL): Me surgiu uma dúvida. Não houve a citação no processo administrativo? A parte só tomou conhecimento na Ação Civil Pública? EXMO. SR. DES. MÁRIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA (1º VOGAL): Correu a revelia, mas não porque estava revel e sim porque não chegaram a intimá-la. EXMO. SR. DES. DEOSDETE CRUZ JÚNIOR (2º VOGAL): Vossa Excelência, entende que não existe um processo autônomo em que tenha sido declarada a nulidade do auto de infração. EXMO. SR. DES. MÁRIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA (1º VOGAL): Não existe. EXMO. SR. DES. DEOSDETE CRUZ JÚNIOR (2º VOGAL): Porém o voto de Vossa Excelência foi possível inferir que não houve a citação. EXMO. SR. DES. MÁRIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA (1º VOGAL): Não houve a citação então entendo que tem que fazer um novo procedimento administrativo. V O T O EXMO. SR. DES. DEOSDETE CRUZ JÚNIOR (2º VOGAL): Analisando a petição inicial, vejo que de fato o auto de infração é exclusivamente o fundamento que levou a instauração do inquérito civil e a dedução posterior da Ação Civil Pública Entendo que se tivesse o auto de infração e medidas corroborativas, porém não estão referidas na petição inicial. Caso existisse um outro trabalho no inquérito civil como um levantamento de campo, uma constatação, teríamos fontes independentes, porém sendo exclusivamente o auto de infração que ensejou a abertura do inquérito e a propositura a Ação Civil Pública, peço vênia a Desa. Maria Aparecida Ferreira Fago para acompanhar o Des. Mário Kono de Oliveira que inaugurou a divergência. EXMO. SR. DES. MÁRIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA (PRESIDENTE): Em razão da divergência, o julgamento, prosseguirá com aplicação da técnica de ampliação do colegiado, prevista no art. 942 do CPC, nos termos do art. 23-A do RITJ/MT, em sessão futura. SESSÃO DE 03 DE JUNHO DE 2025 (CONTINUAÇÃO DE JULGAMENTO): V O T O EXMA. SRA. DESA. VANDYMARA GALVÃO RAMOS PAIVA ZANOLO (3ª VOGAL – CONVOCADA): Egrégia Câmara: Conforme o Auto de Infração, o apelante foi autuado em 2021, por ter efetuado a limpeza de 43,1835 hectares sem ter efetivado a Declaração de Limpeza de área em Imóvel Rural. Tal limpeza sem a prévia declaração ocorreu fora de área de reserva legal e de APP. Conforme consta dos autos, não houve a notificação no procedimento administrativo. Embora as esferas administrativa e cível sejam independentes, a ACP se fundamenta exclusivamente no Auto de Infração, sem qualquer outro elemento. Além disso, o autuado, falecido e substituído pelo Espólio, havia registrado Boletim de Ocorrência, anterior à autuação por limpeza sem declaração ao órgão ambiental, pelo esbulho possessório na área, sendo relevante também a ausência de verificação, pelo órgão ambiental ou em Inquérito Civil, quanto à legitimidade passiva, justamente pela ausência do contraditório na esfera administrativa. Por tais razões, acompanho o voto divergente. V O T O EXMO. SR. DES. JONES GATTASS DIAS (4º VOGAL CONVOCADO): Peço vênia a douta Relatora para acompanhar a divergência. Data da sessão: Cuiabá-MT, 03/06/2025
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