Processo nº 0802885-74.2020.8.14.0005
ID: 261963732
Tribunal: TJPA
Órgão: 2ª Turma de Direito Público - Desembargador MAIRTON MARQUES CARNEIRO
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 0802885-74.2020.8.14.0005
Data de Disponibilização:
29/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ APELAÇÃO CÍVEL (198) - 0802885-74.2020.8.14.0005 APELANTE: ESTADO DO PARA, MUNICIPIO DE ALTAMIRA APELADO: ESTADO DO PARA, MUNICIPIO DE ALTAMIRA, RAFAEL GONCALVES…
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ APELAÇÃO CÍVEL (198) - 0802885-74.2020.8.14.0005 APELANTE: ESTADO DO PARA, MUNICIPIO DE ALTAMIRA APELADO: ESTADO DO PARA, MUNICIPIO DE ALTAMIRA, RAFAEL GONCALVES GALVAO RELATOR(A): Desembargador MAIRTON MARQUES CARNEIRO EMENTA DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE. TRATAMENTO FORA DO DOMICÍLIO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. EXECUÇÃO DE ASTREINTES. BLOQUEIO DE VERBA PÚBLICA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS À DEFENSORIA. RECURSOS DESPROVIDOS. I. CASO EM EXAME Ação de Obrigação de Fazer c/c Tutela de Urgência ajuizada por Rafael Gonçalves Galvão em face do Estado do Pará e do Município de Altamira, visando o custeio de tratamento médico especializado, incluindo reabilitação multiprofissional e acompanhamento ambulatorial, a ser realizado via SUS, em unidade hospitalar apta no Estado do Pará ou, se necessário, fora dele, inclusive em rede privada. Sentença de procedência confirmou a tutela antecipada. O Estado do Pará apelou, alegando ilegitimidade passiva, ausência de requerimento administrativo, violação ao regime de precatórios e excesso na imposição de astreintes. O Município de Altamira, por sua vez, apelou exclusivamente quanto ao valor da causa e à condenação em honorários advocatícios à Defensoria Pública. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há seis questões em discussão: (i) definir se há responsabilidade solidária entre os entes federativos para o custeio de tratamento médico fora do domicílio; (ii) estabelecer se a ausência de requerimento administrativo inviabiliza a ação judicial em contextos de urgência; (iii) determinar se é possível a execução provisória de astreintes contra a Fazenda Pública; (iv) examinar a legalidade do bloqueio de verbas públicas como meio de efetivação do direito à saúde; (v) analisar se a decisão afronta o regime constitucional de precatórios; (vi) averiguar a legalidade da fixação de honorários advocatícios à Defensoria Pública e do percentual aplicado sobre o valor da causa. III. RAZÕES DE DECIDIR O direito à saúde possui natureza de direito fundamental e deve ser garantido por todos os entes federativos de forma solidária, nos termos da Constituição Federal e da Lei nº 8.080/1990, não cabendo invocação do pacto federativo ou da gestão plena como excludente de responsabilidade. Em situações de urgência médica e omissão estatal tácita, a exigência de requerimento administrativo prévio pode ser afastada, conforme jurisprudência do STF (RE 631.240/MG). A multa cominatória (astreintes) tem natureza coercitiva e indenizatória, podendo ser executada provisoriamente contra a Fazenda Pública, não estando sujeita ao regime de precatórios (art. 537 do CPC; jurisprudência do STJ e STF). O bloqueio de verbas públicas é medida legítima e proporcional para garantir o direito à saúde em caso de descumprimento reiterado de ordem judicial, conforme entendimento consolidado do STJ. A decisão judicial impugnada não viola o regime de precatórios (CF, art. 100), pois não trata de obrigação pecuniária definitiva, mas sim de providência urgente para efetivação de direito fundamental. É cabível a fixação de honorários advocatícios à Defensoria Pública, mesmo contra o ente a que está vinculada, conforme decisão do STF. O percentual de 10% sobre o valor da causa é razoável e proporcional ao trabalho desempenhado. IV. DISPOSITIVO E TESE Recursos desprovidos. Tese de julgamento: O direito à saúde impõe responsabilidade solidária entre União, Estados e Municípios, independentemente da gestão plena ou básica do SUS. A ausência de requerimento administrativo prévio não obsta o acesso ao Judiciário em casos de urgência médica ou omissão tácita do Poder Público. A execução provisória da multa cominatória (astreintes) é admitida contra a Fazenda Pública, por não se tratar de obrigação de pagar quantia certa. O bloqueio de verbas públicas é medida legítima para compelir o cumprimento de ordem judicial em matéria de saúde pública. A imposição de bloqueio de verbas para assegurar prestação de saúde urgente não afronta o regime constitucional de precatórios. É legítima a fixação de honorários advocatícios à Defensoria Pública, inclusive contra o ente federativo ao qual está vinculada, sendo adequado o percentual de 10% sobre o valor da causa. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os membros da 2ª Turma de Direito Público, por unanimidade, em CONHECER DOS RECURSOS DE APELAÇÃO CÍVEL e NO MÉRITO, NEGAR-LHES PROVIMENTO, nos termos do voto do Relator. Sessão presidida pelo Des. José Maria Teixeira do Rosário. Datado e assinado eletronicamente. Mairton Marques Carneiro Desembargador Relator RELATÓRIO RELATÓRIO Versam os presentes autos sobre RECURSOS DE APELAÇÃO CÍVEL interpostos pelo Município de Altamira e Estado do Pará, contra sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara Cível e Empresarial da Comarca de Altamira/PA, nos autos da Ação de Obrigação de Fazer c/c Tutela de Urgência, ajuizada por Rafael Goncalves Galvão em face do Município de Altamira e do Estado do Pará, que confirmou a antecipação de tutela anteriormente deferida que determinou “acompanhamento médico período em ambulatório de neurocirurgia, reabilitação multiprofissional com fisioterapia motora, terapia ocupacional, acompanhamento ambulatorial de queimaduras de 2° e 3° graus no tórax e abdômen, a ser realizado via Sistema Único do Pará, no Hospital Regional Público da Transamazônica, em Hospital especializado em Belém, ou em outro município do Estado do Pará, ou outro Estado da Federação, inclusive, se necessário, valendo-se da rede privada de atendimento à saúde”. Inconformado, o Município de Altamira interpôs Apelação, requerendo, tão somente, a reforma da decisão visando discutir o valor da causa e seus efeitos em relação a condenação de honorários advocatícios em favor da Defensoria Pública. Irresignado, o Estado do Pará interpôs recurso de Apelação, argumentando que o direito à saúde possui eficácia limitada e deve ser aplicado de forma coletiva, conforme as diretrizes orçamentárias e o pacto federativo; sustenta que a responsabilidade pelo TFD cabe ao município; alega ausência de requerimento administrativo prévio por parte do apelado, o que inviabilizaria a judicialização do pedido. O Estado também questiona a determinação de bloqueio de verbas públicas, argumentando que fere o regime constitucional dos precatórios, desrespeita a ordem cronológica de pagamentos e compromete o interesse público. Por fim, requereu a reforma da sentença para afastar qualquer obrigação imposta ao Ente Estadual. Aberto o contraditório, Rafael Goncalves Galvão apresentou contrarrazões, refutando integralmente os argumentos do recurso interposto. Os autos foram distribuídos à minha relatoria. É o relatório. VOTO VOTO O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR RELATOR MAIRTON MARQUES CARNEIRO (RELATOR): I - JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE Presente os pressupostos de admissibilidade, conheço dos RECURSOS DE APELAÇÃO CÍVEL. II – MÉRITO DO RECURSO DE APELAÇÃO INTERPOSTO PELO ESTADO DO PARÁ. - DA SAÚDE ENQUANTO NORMA DE EFICÁCIA LIMITADA E DE CARÁTER PRINCIPIOLÓGICO. DA NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DO PACTO FEDERATIVO. DO PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL E DO ACESSO IGUALITÁRIO À SAÚDE. A Constituição Federal, em seu artigo 198, instituiu o Sistema Único de Saúde (SUS), integrado por todos os entes federativos, como meio de viabilizar e otimizar as ações e serviços públicos de saúde, preconizando, em seu inciso I, que cada esfera do governo tem competência diretiva, e prevendo, inclusive, que os Estados e Municípios também deverão contribuir para o seu financiamento (Art. 198. - § 1º O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.). Com efeito, as três esferas da Federação têm legitimidade para figurar no polo passivo das ações que tenham por base a existência de obrigações relativas à saúde, qualquer que seja o pedido em si. No caso em apreço, impõe-se a necessidade de superar entraves burocráticos que, a despeito de sua existência formal, não podem prevalecer sobre a urgência do quadro clínico da paciente. Restou cabalmente demonstrado nos autos que a requerente encontra-se em grave situação de risco, sendo evidente que a morosidade no atendimento pode acarretar danos irreversíveis à sua saúde, colocando em risco sua própria vida. Ademais, a responsabilidade do Estado em garantir e promover políticas públicas eficazes no âmbito da saúde é inequívoca, conforme preceitua a Constituição Federal. O direito fundamental à saúde, enquanto expressão da dignidade da pessoa humana, impõe ao Poder Público um dever inafastável de prestação assistencial, não podendo este se eximir de suas obrigações sob qualquer pretexto. Importa ressaltar que, ao se falar em Estado, faz-se referência não apenas à esfera estadual, mas à totalidade dos entes federativos, ou seja, União, Estados e Municípios, os quais possuem responsabilidade solidária na implementação e efetivação das ações e serviços de saúde pública. Assim, qualquer alegação de limitação orçamentária ou de competência administrativa que resulte na negativa de atendimento à paciente não pode ser admitida, sob pena de flagrante violação aos preceitos constitucionais que asseguram o direito à vida e à saúde como bens juridicamente indisponíveis. A Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, que dispõe sobre a organização, o funcionamento e a regulamentação do Sistema Único de Saúde (SUS), constitui marco normativo essencial na consolidação do direito fundamental à saúde no Brasil. Por meio de suas disposições, o diploma legal reafirma a saúde como um direito de todos e um dever do Estado, estabelecendo os princípios e diretrizes que orientam a prestação dos serviços públicos de saúde em âmbito nacional. A referida legislação não apenas reconhece a universalidade do acesso aos serviços de saúde, mas também determina que o Estado deve assegurar e implementar políticas públicas eficientes, destinadas a garantir a promoção, proteção e recuperação da saúde da população, independentemente de qualquer condição socioeconômica. Dessa forma, a Lei nº 8.080/1990 impõe à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios responsabilidades solidárias na efetivação desse direito fundamental, vedando qualquer tipo de omissão ou restrição indevida no atendimento às necessidades essenciais de saúde da população. É de conhecimento consolidado que a concretização dos direitos fundamentais demanda um dispêndio de recursos públicos, o que frequentemente conduz o Estado a invocar o princípio da reserva do possível como fundamento para justificar eventuais limitações na prestação de serviços essenciais. O referido princípio se traduz na necessidade de compatibilizar a atuação estatal com a disponibilidade orçamentária, condicionando a implementação de determinados direitos à existência de recursos financeiros previamente alocados. Em outras palavras, o Estado argumenta que sua atuação na efetivação de direitos sociais, como a saúde, está sujeita a restrições fiscais e orçamentárias, o que impediria a garantia irrestrita de todas as prestações pleiteadas pelo cidadão. No entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem reiteradamente decidido que a reserva do possível não pode ser utilizada como escudo para justificar a inércia estatal em relação a direitos essenciais, especialmente quando se está diante da necessidade de assegurar o mínimo existencial. Esse conceito, que deriva da própria dignidade da pessoa humana, refere-se à garantia de condições mínimas para uma vida digna, abrangendo, de forma inafastável, o acesso à saúde, à alimentação, à moradia e a outros direitos básicos. Dessa forma, quando há colisão entre o princípio da reserva do possível e a necessidade de assegurar o mínimo existencial, deve prevalecer este último, pois representa um núcleo essencial de direitos fundamentais, cuja observância impõe ao Estado uma obrigação inafastável, independentemente de restrições orçamentárias ou contingenciamentos financeiros. Além disso, é importante destacar que o orçamento público é um instrumento de planejamento e execução das políticas públicas, devendo estar orientado para a realização dos direitos fundamentais. O Estado, ao elaborar e executar o seu orçamento, tem o dever de priorizar as despesas com saúde, conforme determinado pelo artigo 198 da Constituição Federal, que impõe aos entes federativos a destinação de percentuais mínimos de suas receitas para o financiamento das ações e serviços públicos de saúde. A falta de dotação específica para a prestação de serviços essenciais, como o tratamento de hemodiálise, evidencia uma falha no planejamento e na execução orçamentária, que não pode ser utilizada como justificativa para o descumprimento de obrigações constitucionais. Nesse sentido, destaco: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO À SAÚDE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DE TUTELA SOLIDARIEDADE PASSIVA DOS ENTES PÚBLICOS. PRECEDENTES. RESERVA DO POSSÍVEL. ALEGAÇÃO QUE NÃO CABE NO CONTEXTO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. RECURSO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO.1. A ordem constitucional vigente, em seu art. 196, consagra o direito à saúde como dever do Estado, que deverá, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar aos necessitados não "qualquer tratamento", mas o tratamento mais adequado e eficaz, capaz de ofertar ao enfermo maior dignidade e menor sofrimento.2. Solidariedade passiva dos entes públicos na prestação do direito à saúde. Efetividade. Precedentes.3. A reserva do possível não pode ser oposta à efetivação dos direitos fundamentais, já que não cabe ao administrador público preteri-la, visto que não é opção do governante, não é resultado do juízo discricionário, nem pode ser encarada como tema que depende unicamente da vontade política. Precedentes.4. Recurso a que se nega provimento. (TJPA – Agravo de Instrumento – Nº 0014681-86.2015.8.14.0000 – Relator(a): MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE – 3ª Câmara Cível Isolada – Julgado em 24/09/2015 ) "Internação compulsória – Preliminares afastadas – Necessidade de internação que veio demonstrada nos autos – Negativa da Administração em fornecer o tratamento – Direito à saúde que não pode ser afastado por alegações como a teoria da reserva do possível, falta de orçamento, ofensa ao princípio da separação dos poderes e princípio da isonomia – Estado que está obrigado a fornecer o tratamento de saúde requerido – Recursos improvidos. (TJ-SP - Apelação: 1002730-50.2017.8.26.0396 Novo Horizonte, Relator: José Luiz Gavião de Almeida, Data de Julgamento: 13/03/2023, 3ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 13/03/2023)". EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. RECÉM-NASCIDO. UTI NEONATAL. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. 1. A obrigação dos entes da federação em relação ao dever fundamental de prestação de saúde é solidária, de forma que qualquer deles tem legitimidade para figurar no polo passivo da demanda que objetive o acesso a meios e medicamentos para tratamento de saúde. Tema 793 do STF e súmula 35 do TJGO. 2. Desacolhem-se os óbices administrativos às ações de proteção e de assistência à saúde, no sentido de emperrar o cumprimento desse mister, sobretudo porque os direitos em questão - vida, saúde e dignidade - sobrepõem-se a quaisquer outros (Lei de Responsabilidade Fiscal, Reserva do Possível e medicamentos de alto custo). RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJ-GO 5162997-55.2021.8.09.0138, Relator: DESEMBARGADOR ALAN SEBASTIÃO DE SENA CONCEIÇÃO, 5ª Câmara Cível, Data de Publicação: 05/08/2022) Dessa forma, a escassez de recursos orçamentários ou a alegada falta de dotação orçamentária não pode ser utilizada como justificativa para o descumprimento desse dever constitucional. O direito à saúde deve ser interpretado à luz do princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da CF) e do princípio da proteção à vida (artigo 5º, caput, da CF), sendo inadmissível que o Estado do Pará se exima de prestar o atendimento necessário, especialmente quando se trata de um serviço essencial e urgente como o tratamento da paciente. Assim, conforme prova carreada nos autos, notadamente pelos documentos juntados, não remanescem dúvidas quanto ao direito do autor, o qual deve ser providenciado pelo Estado do Pará juntamente com o Município de Altamira. Tese rejeitada - DA RESPONSABILIDADE QUANTO AO TFD. GESTÃO PLENA E GESTÃO BÁSICA. COM MAIS OU MENOS DE 21 MIL HABITANTES. COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO. TEMA 793, STF. O presente caso versa, primordialmente, sobre o direito à saúde, consagrado como um dos direitos fundamentais de maior relevância na ordem constitucional brasileira. A necessidade de realização do tratamento médico fora do domicílio, prescrito para o paciente RAFAEL GONÇALVES GALVÃO, restou cabalmente demonstrada nos autos. Dessa forma, torna-se evidente a necessidade de regularização do pagamento das diárias de Tratamento Fora de Domicílio (TFD) em favor dos autores (paciente e acompanhante), tendo em vista que o direito à saúde, em decorrência do direito à vida e à dignidade da pessoa humana, foi elevado pela Constituição da República de 1988 à condição de direito fundamental, conforme disposto no artigo 6º. Tal direito é parte integrante da Ordem Social, conforme preceituado no artigo 193 da Carta Magna. Como direito fundamental, o direito à saúde demanda, por sua própria natureza, a tutela efetiva do Estado. Tratando-se de um direito que se relaciona diretamente com a preservação da vida, assume importância ainda mais acentuada, impondo, assim, ao Poder Público uma responsabilidade acrescida em sua proteção e efetivação. Portanto, resta inconteste o dever do Estado, representado pelas três esferas de governo, em garantir, às suas expensas, o Tratamento Fora de Domicilio – TFD, considerando que em todo o Estado do Pará não há a disponibilização para um tratamento de qualidade e eficaz da enfermidade da parte autora, que sofreu acidente automobilístico, tendo recebido o diagnóstico de “Fraturas de Outras Vertebras Cervicais Especificadas” (CID10 S12.2), com solicitação de realização de “Artrodese Cervical Anterior Três Níeis”, (0211020010), procedimento que veio a ser realizado em sede de Tratamento Fora do Domicílio – TFD, em Belém/PA. Embora o Estado do Pará alegue que o Município de Altamira pertence à Gestão Plena do Sistema Municipal (GPSM), entendo que essa circunstância não o exime de sua responsabilidade constitucional e legal de prestar assistência à saúde. A responsabilidade pela prestação dos serviços de saúde é solidária entre todos os entes, e o argumento de que o Município de Altamira seria o único responsável pelo ressarcimento das despesas com TFD carece de amparo legal. A solidariedade implica que qualquer um dos entes pode ser demandado diretamente pelo cidadão que necessita do serviço, sem prejuízo de posterior acerto de contas entre os entes federativos. Portanto, é direito do apelado receber do Estado (em sentido lato) todo o tratamento necessário e indispensável para o restabelecimento de sua saúde, o que inclui o Tratamento Fora de Domicílio –TFD, com o custeio das despesas da paciente e do acompanhante enquanto perdurar o seu tratamento, nos termos da Portaria 055/1999, do Ministério da Saúde. Tese rejeitada. - DA INEXISTÊNCIA DE REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO FORMULADO PELO AUTOR. AUSÊNCIA DE NEGATIVA NO ATENDIMENTO. ENUNCIADO Nº 03 DE SAÚDE DO CNJ. A tese recursal de ausência de interesse de agir, por inexistência de requerimento administrativo formal ou negativa expressa, não se sustenta. A interpretação do Enunciado nº 03 da Jornada de Direito da Saúde do CNJ – segundo o qual “em regra, é necessário prévio requerimento e negativa na via administrativa para configuração do interesse de agir” – não pode conduzir ao esvaziamento do direito fundamental à saúde, tampouco condicionar o acesso ao Judiciário à comprovação de burocracia excessiva, sobretudo em contextos de urgência, como é o caso dos autos. Como já assentado pelo Supremo Tribunal Federal, em decisão de repercussão geral (RE 631.240/MG, rel. Min. Luiz Fux), é admissível a exigência de requerimento administrativo prévio como regra, desde que não se trate de situação de urgência ou de impossibilidade material de acesso à via administrativa, hipótese que, por evidente, se amolda ao caso em exame. Nos autos, verifica-se a existência de documentos médicos robustos, a exemplo de laudos e prescrições (cf. petição inicial e documentos ID 21175825), que atestam o estado clínico delicado do autor e a necessidade de atendimento contínuo, especializado e imediato. Além disso, o retorno do autor ao seu domicílio ocorreu por meios próprios, diante da omissão dos entes públicos na garantia de transporte e continuidade do tratamento, o que reforça a demonstração da omissão estatal tácita. Assim, ainda que não haja negativa formal documentada, a omissão no cumprimento do dever constitucional de prestar saúde pública adequada, frente à ciência da condição do paciente, configura resposta negativa tácita e justifica plenamente o ajuizamento da ação. Cumpre ainda ressaltar que, em se tratando de direito à saúde – expressão da dignidade da pessoa humana – não é razoável condicionar a tutela jurisdicional à prévia recusa formal, sob pena de negar acesso à justiça em hipóteses de omissão administrativa, o que afrontaria os princípios da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, CF) e da proteção integral ao mínimo existencial. Tese rejeitada. - DA IMPOSSIBILIDADE DA EXECUÇÃO PROVISÓRIO DE ASTREINTES. A tese recursal de que a multa cominatória (astreintes) não pode ser executada provisoriamente contra a Fazenda Pública não encontra respaldo na jurisprudência mais recente do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, que admitem a execução provisória da multa coercitiva, por não se confundir com obrigação de pagar quantia certa. Importa destacar, desde logo, que a multa cominatória tem natureza coercitiva e indenizatória, e sua finalidade precípua é compelir o devedor ao cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, nos termos do art. 537 do Código de Processo Civil. Assim, não se confunde com a satisfação de crédito decorrente de obrigação de pagar quantia certa contra a Fazenda Pública, esta sim submetida ao regime de precatórios. Do mesmo modo, o Supremo Tribunal Federal não reconhece a multa cominatória como sujeita ao regime constitucional dos precatórios, admitindo sua exigibilidade antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, especialmente quando voltada a assegurar efetividade a ordem judicial de tutela de direitos fundamentais. Ademais, o argumento fundado no art. 2º-B da Lei 9.494/97 é inaplicável às astreintes, pois este dispositivo restringe-se às sentenças que tenham por objeto a liberação de recursos, concessão de vantagens e similares, não alcançando as sanções pecuniárias decorrentes de descumprimento de decisões judiciais. Permitir que o ente estatal desobedeça a ordem judicial com base na alegada impossibilidade de execução da sanção que lhe foi imposta, significaria esvaziar a autoridade da jurisdição e incentivar a inércia administrativa, com grave comprometimento à efetividade dos direitos fundamentais. Por fim, vale lembrar que a execução das astreintes pode, sim, ser objeto de revisão ou modulação pelo juízo de execução, nos termos do §1º do art. 537 do CPC, o que afasta eventual alegação de desproporcionalidade. Tese rejeitada. - DA IMPOSSIBILIDADE DE DECRETAÇÃO DE SEQUESTRO DE VERBAS PÚBLICAS. DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO. DO DESRESPEITO À REGRA CONSTITUCIONAL SOBRE O REGIME DOS PRECATÓRIOS. No que se refere ao sequestro de verbas, visando a prestação de fornecimento de tratamento de saúde, como garantia de direito à vida, o Superior Tribunal de Justiça tem admitido sua viabilidade e na mesma linha os Tribunais, vejamos: "É pacífica a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça no sentido do cabimento de bloqueio de verbas públicas e da fixação de multa diária para o descumprimento de determinação judicial, especialmente nas hipóteses de fornecimento de medicamentos ou tratamento de saúde. (AgRg no REsp 1073448/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/10/2015, DJe 15/10/2015)". (Grifo nosso). "AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO A SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. AUTORA PORTADORA DE CERATOCONE, NECESSITANDO DE PROCEDIMENTO CIRURGICO PARA COLOCAÇÃO DE ANEL INTRAESTROMAL NA CÓRNEA DO OLHO DIREITO. DECISÃO QUE DEFERIU A TUTELA ANTECIPADA. DESCUMPRIMENTO PELO ESTADO, OCASIONANDO O SEQUESTRO DE VERBA PÚBLICA PARA PAGAMENTO DO TRATAMENTO EM REDE PARTICULAR. REGULARIDADE DA MEDIDA COERCITIVA. SEQUESTRO DE VERBA PÚBLICA AMPLAMENTE ACEITO PELA JURISPRUDÊNCIA NOS CASOS DE RECALCITRÂNCIA DO PODER PÚBLICO NO CUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL, COLOCANDO EM RISCO A SAÚDE DO DEMANDANTE. VERBETE SUMULAR Nº 178 DO ETJ. INTERNAÇÃO E TRATAMENTO EM UNIDADE PARTICULAR CONSUBSTANCIADO EM MEDIDA SUBSIDIÁRIA, CASO NÃO HAJA VAGAS NA REDE PÚBLICA OU NA REDE PARTICULAR CONVENIADA AO SUS. AGRAVANTE QUE DESCUMPRIU A TUTELA NÃO PROVIDENCIANDO O TRATAMENTO EM HOSPITAL PÚBLICO OU CONVENIADO. VALOR APRESENTADO PARA A CIRURGIA QUE NÃO SE MOSTRA DESARRAZOADO, EIS QUE NO CASO CONCRETO A AUTORA JÁ VINHA SE TRATANDO NO HOSPITAL PARTICULAR, NÃO HAVENDO IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA AO VALOR APRESENTADO PELO AGRAVADO. ESPERA NO TRATAMENTO QUE PODE RESULTAR EM CEGUEIRA TOTAL DA AUTORA. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. DESPROVIMENTO DO RECURSO. (TJ-RJ - AI: 00466963120198190000, Relator: Des(a). MARIA DA GLORIA OLIVEIRA BANDEIRA DE MELLO, Data de Julgamento: 30/10/2019, VIGÉSIMA CÂMARA CÍVEL)." Registra-se ainda, a total inércia do recorrente em cumprir com a obrigação de fazer imposta na decisão atacada, tendo sido deferida outras decisões anteriores à decisão agravada. Dessa forma, o bloqueio de numerário, quando justificado revela-se medida legítima, válida e razoável nos casos de descumprimento reiterado de ordem judicial que determina a obrigação de fazer, concretizando os princípios do direito à saúde e à vida, considerada a urgência e impostergabilidade, bem como a ilegitimidade da omissão estatal. Portanto, em que pese a impenhorabilidade do bem público, no caso concreto tal princípio deve ceder diante do direito fundamental à saúde, devendo, portanto, ser mantido o sequestro da verba pública. Tese rejeitada. - DO DESRESPEITO À REGRA CONSTITUCIONAL SOBRE O REGIME DE PRECATÓRIO. Alega o Estado do Pará que a decisão enseja violação ao regime de precatórios previsto no art. 100 da Constituição Federal. Todavia o referido artigo trata do regime de precatórios, não se aplica ao caso, pois a medida aqui determinada possui caráter de urgência e coercitividade, não constituindo execução definitiva de obrigação pecuniária, mas sim medida necessária para a efetivação de um direito fundamental. Não se trata, portanto, de "liberação de recursos" para satisfação de crédito judicial sujeito a precatório, mas de imposição legítima e constitucional ao ente estatal recalcitrante, que se furta a cumprir ordem judicial vinculada à prestação de serviço público essencial. Tese rejeitada. DO RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL INTERPOSTO PELO MUNICÍPIO DE ALTAMIRA. O Magistrado de primeiro grau condenou o Estado do Pará e Município de Altamira ao pagamento de honorários advocatícios no percentual de 10% sobre o valor da causa (R$ 400.000,00). Inconformado, o apelante defende a impossibilidade de condenação da Fazenda Pública Municipal ao pagamento de honorários à Defensora Pública Estadual no valor informado na inicial, pois o considera exorbitante e pelo fato de ter sido estipulado sem qualquer critério legal. Não assiste razão os argumentos levantados pelo Município de Altamira. Nota-se que em decisão unânime, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que é devido o pagamento de honorários à Defensoria Pública nas demandas em que ela representa a parte vencedora contra qualquer ente público, inclusive aqueles aos quais está vinculada. O valor recebido, entretanto, deve ser destinado exclusivamente ao aperfeiçoamento das próprias Defensorias e não pode ser rateado entre seus membros. Destaco trecho que o Ministro Roberto Barroso explicou que as Emendas Constitucionais 45/2004, 74/2013 e 80/2014 tornaram as Defensorias Públicas instituições públicas permanentes e essenciais à função jurisdicional do Estado: "Assim, não devem mais ser vistas como um órgão auxiliar do governo, mas como órgãos constitucionais independentes, sem subordinação ao Poder Executivo" Segundo ele, é notório que parte das Defensorias enfrenta graves problemas de estruturação em muitos estados. Esse cenário, a seu ver, compromete sua atuação e poderia ser atenuado por outras fontes de recursos, como os honorários sucumbenciais. Para Barroso, o desempenho da missão constitucional atribuída às Defensorias Públicas demanda a devida alocação de recursos financeiros. Por isso, os honorários devem servir ao aparelhamento dessas instituições e desestimular a litigiosidade excessiva dos entes públicos. Pois bem. No que tange ao pleito de redução dos honorários advocatícios, percebe-se que o Magistrado de primeiro grau condenou o Estado do Pará e Município de Altamira ao pagamento de honorários advocatícios no percentual de 10% sobre o valor da causa (R$ 400.000,00), ou seja o valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) será dividido entre o Estado do Pará e o Município de Altamira de maneira equitativa, valor este adequado ao empenho profissional desenvolvido pelo causídico apelado, na defesa dos interesses do representado, não correspondendo a valor exorbitante, nem que configure a desproporcionalidade alegada. Ante o exposto, CONHEÇO e NEGO PROVIMENTO aos Recursos de Apelação Cível interpostos pelo Município de Altamira e do Estado do Pará, nos termos da fundamentação lançada. É como voto. Datado e assinado eletronicamente. Mairton Marques Carneiro Desembargador Relator Belém, 28/04/2025
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