Companhia Siderurgica Do Para Cosipar x Associacao De Trabalhadores Pa Pioneira e outros
ID: 310306257
Tribunal: TJPA
Órgão: Vara Agrária de Marabá
Classe: REINTEGRAçãO / MANUTENçãO DE POSSE
Nº Processo: 0804019-04.2019.8.14.0028
Data de Disponibilização:
30/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
RIVERALDO GOMES DA SILVA
OAB/PA XXXXXX
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FELIX ANTONIO COSTA DE OLIVEIRA
OAB/PA XXXXXX
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JULIANA DE ANDRADE LIMA
OAB/PA XXXXXX
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Processo n° 0804019-04.2019.8.14.0028 SENTENÇA 1. RELATÓRIO Trata-se de Ação de Reintegração de Posse c/c Pedido Liminar ajuizada por COMPANHIA SIDERÚRGICA DO PARÁ – COSIPAR, já devidamente qualifica…
Processo n° 0804019-04.2019.8.14.0028 SENTENÇA 1. RELATÓRIO Trata-se de Ação de Reintegração de Posse c/c Pedido Liminar ajuizada por COMPANHIA SIDERÚRGICA DO PARÁ – COSIPAR, já devidamente qualificada nos autos, ingressou neste juízo, contra os Requeridos, no intuito de reintegrar uma área de 4.837.0852 (quatro mil, oitocentos e trinta e sete hectares, oito ares e cinquenta e dois centiares), matriculada sob o n.º 18.046, Folha 01, Livro 02, no Cartório de Registro de Imóveis de Marabá/PA, denominada Fazenda Pioneira, localizada no município de Marabá/PA (ID. Num. 10218994). Segundo narra a petição inicial, a área vem sendo constantemente ocupada e sofrendo danos ambientais. Em decisão de ID. Num. 14441127, este Juízo designou audiência de justificação prévia, além de determinar que a parte autora demonstrasse o cumprimento da função social da área, a individualização do objeto da lide e a intimação do ITERPA e do INCRA para comparecerem ao ato, entre outras providências. Foi certificada a intimação dos requeridos (ID. Num. 14939508). A parte autora apresentou rol de testemunhas (ID. Num. 14969468 – Pág. 01). Consta manifestação do ITERPA no ID. Num. 15084047, com informações sobre a sobreposição de títulos de aforamento na área objeto do litígio. O órgão destacou, ainda, a existência de um requerimento de regularização fundiária feito pela Associação de Trabalhadores da PA Pioneira (ASTRAP), em 25.09.2014, bem como a tramitação do processo judicial n.º 0803992-55.2018.814.0028, que visa o cancelamento das matrículas imobiliárias da requerente. A Associação de Trabalhadores da PA Pioneira (ASTRAP) manifestou-se no ID. Num. 15102858, requerendo habilitação nos autos e pugnando pelo indeferimento do pedido liminar, aduzindo que os requeridos ocupam pacificamente lotes de aproximadamente 5 alqueires desde setembro de 2014, quando protocolaram junto ao ITERPA o pedido de criação de projeto de assentamento e o cancelamento de títulos de aforamento. A ASTRAP juntou decisão proferida por este juízo nos autos do processo n.º 0803992-55.2018.8.14.0028, que determinou o bloqueio da matrícula do imóvel objeto desta demanda. Em audiência de justificação prévia, conforme termo constante no ID. Num. 15213141, houve tentativa de conciliação, a qual restou infrutífera, uma vez que os fatos já foram objeto de apreciação nos autos da ação de reintegração de posse n.º 0003001-27.1999.8.14.0028 e outra. Após a oitiva das partes e testemunhas, determinou-se a expedição de ofício ao ITERPA para prestar informações sobre o pagamento dos foros, laudêmios e anuidades relacionadas à área, além de conceder vistas dos autos à Defensoria Pública e ao Ministério Público para manifestação sobre o pedido liminar. Os requeridos juntaram, no ID. Num. 15370788, a relação atualizada dos associados da ASTRAP, descrevendo a quantidade de alqueires em suas posses, além da petição inicial da ação declaratória de negócio jurídico cumulada com cancelamento de registro público relativa ao processo n.º 0803992- 55.2018.8.14.0028. O INCRA requereu, no ID. Num. 15385614, dilação do prazo para informar se possui interesse no feito. A parte autora apresentou comprovantes de pagamento de foro, laudêmio e anuidade relativos ao ano de 2020 (ID. Num. 15487737 – Pág. 01). A Defensoria Pública Estadual manifestou-se pelo indeferimento do pedido liminar, aduzindo tratar-se de caso de posse velha, sendo, portanto, vedada a concessão da medida. Asseverou, ainda, que a causa é complexa, haja vista a existência de outras ações judiciais em andamento referentes à área, e que os tribunais têm postergado despejos em virtude da pandemia causada pela COVID19.] O requerente juntou comprovantes de pagamento das taxas solicitadas pelo ITERPA (ID. Num. 18177457). O Ministério Público do Estado do Pará manifestou-se pelo indeferimento do pedido liminar e requereu a expedição de ofício ao ITERPA e ao INCRA para obter informações sobre a área em litígio (ID. Num. 19428348 – Pág. 1). O ITERPA informou, em cumprimento à determinação, que a transferência do imóvel para a Companhia Siderúrgica do Pará (COSIPAR) ocorreu mediante recolhimento regular do laudêmio, estando os foros atualizados (ID. Num. 20067658). Foi determinada a intimação das partes para que apresentassem manifestações no prazo de cinco dias com base no exposto pela autarquia estadual. A Defensoria Pública apontou discrepâncias na área em litígio, indicando que o imóvel, segundo o autor, apresenta uma área de 4,837 ha, divergente dos 4,373 ha apontados pelo ITERPA, e solicitou manifestação sobre a diferença (ID. Num. 24196953 – Pág. 1). A requerente informou que, apesar da divergência apontada, a área se encontra dentro dos parâmetros legais conforme certificação do INCRA, e que medidas administrativas estão em curso para regularizar a situação. Requereu, ainda, informações adicionais ao INCRA sobre a certificação de georreferenciamento da Fazenda Pioneira (ID. Num. 24800659). Este Juízo acolheu a manifestação da autora e determinou a expedição de ofício ao INCRA para esclarecimentos sobre o georreferenciamento da Fazenda COSIPAR (ID. Num. 28091379 – Pág. 1). O INCRA informou não ter interesse em compor a lide e esclareceu que as informações solicitadas possuem cunho administrativo, afastando a necessidade de intimação da Procuradoria (ID. Num. 41763988). O despacho técnico do Setor de Cartografia indicou que a área em questão está inserida no Polígono dos Castanhais, sob jurisdição do ITERPA, com planta ilustrativa anexa (ID. Num. 41763989). Sobreveio decisão que indeferiu a tutela antecipada pleiteada, por entender ausentes os requisitos necessários, considerando tratar-se de ocupação antiga, descaracterizando a urgência. Os requeridos apresentaram contestação, alegando que a empresa não possui domínio pleno sobre a Fazenda Pioneira, uma vez que a área em disputa decorre de títulos de aforamento nunca resgatados junto ao Estado do Pará. Sustenta que a matrícula nº 18.046 foi indevidamente registrada e, portanto, inválida, permanecendo o imóvel sob domínio público. Argumenta ainda que a área estava abandonada desde 2014, sendo ocupada legitimamente por trabalhadores rurais organizados pela associação, que exercem a função social da terra com agricultura familiar. Nega a ocorrência de esbulho possessório e requer a improcedência da demanda. Assim, preliminarmente, ausência de legitimidade processual e inépcia da petição inicial. (ID. Num. 69925132) No mérito, sustentaram que a posse é antiga, questionaram a boa-fé da COSIPAR e afirmaram que a área não cumpre sua função social, enquanto a parte demandada o faz (ID. Num. 69925132). Em réplica à contestação (ID. Num. 76453409), a autora refuta as alegações da ASTRAP, defendendo a legitimidade de sua posse com base em documentos de aquisição e manutenção da área, como recibos, contratos e certidões. Sustenta que a posse exercida era legítima, contínua e mansa, sendo interrompida apenas com a invasão promovida pelos requeridos. Reforça que a ação trata da posse, não da propriedade, e que a ausência de matrícula regular não afasta o direito possessório. Afirma que a ocupação ocorreu de forma violenta, com ameaças e impedimento de acesso à propriedade, razão pela qual busca a reintegração de posse. Assim, a parte autora alegou distorção dos fatos apresentados pelos requeridos, refutou os argumentos expostos e impugnou a arguição de usucapião. Reiterou os termos da petição inicial e requereu a delimitação das provas, a definição dos pontos controvertidos, a realização das diligências necessárias e a designação de audiência de instrução e julgamento. Este Juízo, por sua vez, determinou a intimação do Ministério Público para manifestação nos termos de direito. Dessa forma, o Ministério Público manifestou-se pelo não acolhimento das preliminares suscitadas, argumentando que estas se confundem com o mérito e que o processo deve seguir regularmente, com a designação de audiência de conciliação, organização e saneamento. Ademais, requereu a intimação do ITERPA, considerando a tramitação da Ação Declaratória de Nulidade de Negócio Jurídico com Cancelamento de Registro Público nº 0803992-55.2018.8.14.0028, em que se discute a possível natureza de domínio público estadual da área vinculada a um contrato de aforamento. Tal contrato é objeto do processo administrativo nº 2021/716539 no ITERPA, em que estão sendo apuradas possíveis infrações às cláusulas resolutivas pela empresa requerida. Em decisão ao ID. Num. 91974775, este Juízo, acatando o pedido do Ministério Público, designou audiência de conciliação, organização e saneamento. O INCRA solicitou à Secretaria do Juízo sua exclusão do feito, alegando não possuir interesse na lide (ID. Num. 92846831). No dia 21 de julho de 2023, ocorreu audiência de saneamento e organização (ID. Num. 95299723). No ID 95789657, a autora apresentou prova documental, afirmando ter juntado fotos de satélite que permitem analisar a cobertura vegetal da Fazenda Pioneira e da área vizinha referente ao ano de 2010, demonstrando devastação em 2014 e imagens da área de pasto em 2020. Por fim, requereu prova pericial, apresentando quesitos a serem respondidos pela perícia. No ID. Num. 99522218, o ITERPA anexou cópia do processo administrativo nº 2021/716539-ITERPA, de apuração do cumprimento de cláusulas resolutivas pertencentes à Companhia Siderúrgica do Pará – COSIPAR (ID. Num. 99522232). Informou ainda o pagamento dos foros e laudêmios dos imóveis objeto da lide. No ID. Num. 103673911, a Prefeitura Municipal apresentou relatório socioeconômico dos ocupantes do imóvel objeto da demanda, elaborado pela Secretaria Municipal de Assistência Social, Proteção e Assuntos Comunitários – SEASPAC. No ID. Num. 104773764, a ADEPARÁ forneceu a relação dos cadastrados na área objeto dos autos — Fazenda Pioneira — que possuem rebanhos e semoventes, situada no distrito e município de Marabá/PA, sob a matrícula nº 18046. No ID. Num. 104999384, foi realizada inspeção judicial, conforme Termo de Inspeção, que registrou, entre outras informações fornecidas pela ASTRAP, a presença de aproximadamente 150 famílias na área, todas associadas à entidade. Constatou-se a existência de uma escola municipal com capacidade para 65 alunos. A inspeção verificou baixa atividade agrícola na área, restrita a pequenas produções de subsistência, como banana e milho. Os requeridos informaram que a área ocupada corresponde a cerca de 900 alqueires, inicialmente divididos em lotes de 5 alqueires por família. Relataram também que não são os ocupantes originários do imóvel e que, ao assumirem a posse, as reservas da fazenda já não existiam. Foram inspecionadas duas propriedades. Na primeira, identificou-se uma pequena plantação de banana e pastagem, sendo informado pelo requerido que, por não possuir gado, arrendava a pastagem a terceiros. Na segunda propriedade, com área de 31 alqueires, foram observados uma casa de alvenaria, um curral, uma obra em andamento para construção de galpão e um açude, além de atividades de pecuária de corte e leiteira. Durante a inspeção, foi identificado um caminhão transportando bovinos oriundos da Fazenda Pioneira. No ID. Num. 105069415, a requerente apresentou imagens de satélite da área do imóvel, com o intuito de demonstrar a devastação ambiental entre 2006 e 2020, bem como a autoria desta. Foi apresentada ainda, no ID. Num. 105069416, a relação dos requeridos que possuem CAR em conflito com o da empresa autora. A ASTRAP apresentou, no ID. Num. 105157693, cadastro atualizado das famílias que possuem parcelas de lotes rurais no PA Pioneira, com nome completo dos associados, CPF, identidade e o tamanho de suas parcelas, em 26/11/2023. Em 29/11/2024, foi realizada audiência de instrução e julgamento, conforme termo ao ID. Num. 105207519. O Sr. PEDRO ALVES DA COSTA JUNIOR, testemunha do autor, declarou em juízo que é técnico em agrimensura e prestava serviços esporádicos à empresa autora. Informou ter realizado medições na Fazenda em 2015, época em que ainda havia remanescentes de eucalipto e mata. Em visita à área em 2023, constatou devastação quase total (mídia ID. Num. 105210298). Afirmou também a sobreposição de diversos CARs sobre o CAR da COSIPAR, mencionando que da área de reserva legal restam apenas fragmentos, atualmente ocupados por famílias e pasto (ID. Num. 105210299). Por sua vez, o Sr. JOÃO CARVALHO DA COSTA, testemunha do requerido, informou que reside a cerca de 4 km da área. Relatou que a área em litígio é usada para a produção de arroz, feijão, mandioca, milho e criação de gado. Declarou que a ocupação é composta por pequenos e médios produtores. Sobre o plantio de eucalipto pela empresa, disse não ter informações precisas, mas afirmou que havia remanescentes de eucalipto quando os ocupantes chegaram. Mencionou que o ITERPA realizou reuniões na área. O Sr. LUIS COSTA SILVA, testemunha dos requeridos, afirmou que havia uma serraria na área e que o ITERPA esteve no local para cadastrar algumas pessoas. Informou que os ocupantes produzem alimentos como banana, mandioca e milho. Relatou que a COSIPAR extraía eucalipto da área e que, posteriormente, os ocupantes venderam o eucalipto para a empresa a fim de viabilizar o preparo do solo para plantio. Foi designada a continuação da audiência de instrução e julgamento para o dia 13/04/2024. Ao ID. Num. 110948956, a autora solicitou a substituição da testemunha arrolada. Ao ID. Num. 111064861, em continuidade à audiência de instrução e julgamento, foi ouvida a testemunha do autor, Sr. Raimundo Oliveira Barbosa, que declarou não saber a localização da Fazenda Pioneira, pois trabalhava em outro setor da COSIPAR como lojista. Informou que, no ano 2000, a empresa mantinha um viveiro de mudas na Fazenda Pioneira, com movimentação constante, gerida por uma equipe dedicada ao viveiro e ao transporte de mudas, que ele visualizava apenas no distrito industrial. Além disso, o magistrado decidiu pela inexistência de conexão entre a ação de anulação de aforamento, ajuizada pelo Estado do Pará, e a presente ação possessória, promovida pela COSIPAR. A Promotoria de Justiça Ambiental enviou ofícios e espelhos dos procedimentos referentes à Fazenda Pioneira ao longo dos anos (ID. Num. 111670901). O MPF informou que foi identificado o processo JF-MBA-1002878- 46.2020.4.01.3901-IP, no qual foi reconhecida a incompetência da Justiça Federal, sendo os autos remetidos à Justiça Estadual da Comarca de Marabá/PA. Sobreveio despacho intimando as partes para informar se tinham interesse em mais alguma produção de provas (ID. Num. 114573395). A Defensoria Pública nada requereu quanto à produção de provas (ID. Num. 115622977). A ASTRAP (Associação de Trabalhadores PA Pioneira) requereu a juntada de dois documentos como provas: a Declaração do ITERPA do processo administrativo nº 2014/441853 e a Certidão de inteiro teor da Matrícula 18.046 do imóvel, em que consta, na averbação 31, o cancelamento da matrícula pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará (ID. Num. 115791956; ID. Num. 115791957; ID. Num. 115791958). Por sua vez, a parte autora requereu que a DECA fosse oficiada para informar acerca da perícia técnica realizada em 02 de maio de 2024 pelo Centro de Perícias Científicas Renato Chaves, com o objetivo de constatar os danos materiais e ambientais na área denominada Fazenda Pioneira. Requereu também que a SEMAS fosse oficiada para informar se houve emissão de licença para extração de madeira naquele perímetro e quais providências foram tomadas. Sobreveio laudo de perícia realizado pelo CPC Renato Chaves, que concluiu tratar-se de uma área que sofreu esbulho possessório intenso, com extração, furto e transporte ilegal de madeira de eucalipto, além de danos ambientais na Reserva Legal, RPPN, áreas de APP e outras. Foi estimado um prejuízo de R$ 73.154.826,00 referente à implantação e receita esperada do projeto de reflorestamento (ID. Num. 123505279). Ao ID. Num. 123607453, o juízo declarou encerrada a instrução processual e determinou a intimação das partes para apresentação das alegações finais. Ao ID. Num. 124640042, a autora requereu a juntada do processo nº 9935, que trata de fiscalização realizada pela SEMAS, na qual foram identificados crimes ambientais praticados na Fazenda Pioneira, como extração ilegal de madeira sem licença ou autorização prévia da autoridade ambiental competente. A ASTRAP requereu a juntada, como prova da ilegitimidade da parte autora para pleitear direitos na presente ação possessória, da publicação no Diário Oficial do Estado nº 35.297, às fls. 46, em que o ITERPA cancelou os títulos de aforamento que abrangem a área (ID. Num. 124835945; ID. Num. 124643789). A parte autora apresentou alegações finais ao ID. Num. 127586618, sustentando que a empresa sempre exerceu a posse legítima da Fazenda Pioneira, desenvolvendo atividades produtivas de reflorestamento e produção de carvão vegetal. Relata que a primeira invasão ocorreu em 2000, tendo sido obtida liminar para reintegração, mas que novas invasões se sucederam. A autora detalha os danos causados pelas ocupações, incluindo destruição de instalações, perda de produção e impedimento de atividades econômicas. Defende que cumpria a função social da propriedade, gerando empregos e promovendo reflorestamento. Reitera que a posse foi tomada de forma violenta, e que a ação visa apenas recuperar o que lhe é de direito, razão pela qual requer a procedência da ação com a reintegração da posse. Após, a Defensoria Pública ao ID. Num. 129502052, apresentou alegações finais reiterando que a área pertence ao Estado do Pará, sendo apenas aforada à COSIPAR, sem transferência regular de domínio. Destaca-se que os foros e laudêmios não foram pagos por anos e que a empresa desmatou castanhais em desacordo com os termos contratuais, configurando desvio de finalidade. Argumenta-se que a autora utilizou a área por mais de uma década antes de regularizar a matrícula e que tentou se valer de bem público para garantir dívidas particulares. Reforça-se a tese de domínio público e a ausência de posse legítima da autora, pugnando pela improcedência da ação. Em seguida, os requeridos ao ID. Num. 129846429, apresentaram alegações finais reiterando que a autora abandonou a área, conforme constatado por vistoria do ITERPA, e que a matrícula foi cancelada. Sustenta-se que a COSIPAR realizou grandes empréstimos utilizando a área como garantia, mesmo se tratando de imóvel público. Além disso, aponta que a empresa foi responsável por desmatamentos ilegais, contrariando os termos dos títulos de aforamento. Alega-se que a função social da propriedade é cumprida pelos atuais ocupantes, que residem e produzem na área há mais de 10 anos, e que não se trata de disputa sobre domínio, mas sim de legítima posse pelos trabalhadores. Por fim, o Ministério Público apresentou parecer final no ID. Num. 131714474, pela extinção do processo com resolução de mérito, julgando-se procedente o pedido de reintegração de posse pleiteada pelos autores, em razão de que estão satisfeitos os requisitos que autorizam e legitimam a proteção possessória para a área rural do imóvel Fazenda Pioneira. As custas foram finalizadas (ID. Num. 134629044). Vieram os autos conclusos. É o relatório necessário. Passo a decidir, nos termos do art. 93, IX, da CR/88. 2. FUNDAMENTAÇÃO Compulsando os autos, assevera-se que a causa encontra-se madura para julgamento, na forma do artigo 354 e 355, inciso II, do Código de Processo Civil, e em que pese a questão de mérito versada nos autos ser de fato e de direito, não houve requerimento de provas, nem tampouco, há necessidade da produção de outras e nem existem vícios e/ou obstáculos que impeçam a análise do mérito. 2.1. DAS PRELIMINARES Antes de adentrar ao mérito da presente demanda, cumpre proceder à análise das preliminares suscitadas pelas partes, em estrita observância ao princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV, da Constituição Federal) e ao disposto no artigo 485, inciso IV, do Código de Processo Civil, que impõe ao julgador o exame das condições da ação e dos pressupostos processuais antes de qualquer decisão de mérito. Tal medida visa garantir a regularidade formal do processo, assegurando às partes o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, LV, da CF), bem como a adequada prestação jurisdicional. 2.1.1. DA (I)LEGITIMIDADE PROCESSUAL DA PARTE AUTORA Os requeridos suscitaram preliminar de ilegitimidade ativa da Companhia Siderúrgica do Pará – COSIPAR, sob o fundamento de que a área objeto da lide constituiria bem de domínio público estadual, por estar vinculada a títulos de aforamento não resgatados, o que afastaria a posse legítima e, por conseguinte, a legitimidade da autora para propor a presente ação possessória. Contudo, tal preliminar não merece acolhimento. Explico. Nos termos do artigo 17 do Código de Processo Civil, a legitimidade ad causam se configura quando a parte autora é titular do interesse jurídico que se busca tutelar por meio do provimento jurisdicional. No caso específico das ações possessórias, a tutela jurisdicional visa proteger a posse, independentemente da titularidade do domínio. Assim, é suficiente que a parte autora demonstre o exercício da posse com os requisitos previstos no artigo 1.210 do Código Civil e nos artigos 560 e seguintes do Código de Processo Civil: posse mansa, pacífica e com ânimo de dona. Portanto, a discussão acerca do domínio do imóvel é irrelevante para a análise da legitimidade ativa nas ações possessórias. A jurisprudência é pacífica no sentido de que a propriedade não é objeto de análise nesse tipo de ação, bastando à parte autora a demonstração do exercício legítimo da posse anterior ao alegado esbulho. Conforme dispõe o artigo 1.196 do Código Civil, possuidor é aquele que exerce, de fato, algum dos poderes inerentes à propriedade, razão pela qual, em sendo detentora da posse direta ou indireta, a parte autora possui legitimidade para propor ação possessória diante de ameaça ou turbação. Nesse sentido é a pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO POSSESSÓRIA C/C COMINATÓRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NÃO CONHECEU DO RECURSO ESPECIAL. IRRESIGNAÇÃO RECURSAL DOS RÉUS. 1. Rever a conclusão do Tribunal de origem, no sentido de que ficou comprovada a posse do autor e a turbação efetivada pelos réus, exige a incursão na seara probatória dos autos, o que não é permitido nesta instância especial, nos termos da Súmula 7 do STJ.1.1. Não há que se confundir decisão contrária aos interesses da parte e negativa de prestação jurisdicional, inexistindo na espécie qualquer violação ao disposto no art. 489 do CPC. Precedentes. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, em ação possessória não se discute a titularidade do imóvel, sendo inviável discutir a propriedade. Incidência da Súmula 83/STJ 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no REsp n. 2.099.572/AM, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 8/4/2024, DJe de 11/4/2024) – Grifo Nosso. No presente caso, observa-se que a parte autora instruiu a petição inicial com documentos aptos a comprovar a posse pretérita sobre o imóvel denominado Fazenda Pioneira, bem como a alegação de esbulho possessório praticado pelos requeridos. No tocante à alegação de que a área seria bem público estadual, tal argumento revela-se irrelevante para o deslinde da presente demanda possessória, pois a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admite expressamente a proteção possessória em favor de particular que exerce posse sobre bem público dominical, quando ausente destinação pública específica. Soma-se a isto o fato de que, no caso em epígrafe, não restar demonstrado que o imóvel seja público ou que haja interesse público específico sobre a área. O ITERPA, órgão estadual competente, manifestou-se nos autos apenas para prestar informações técnicas (ID. Num. 15084047), reservando-se quanto a eventual ingresso na lide, mas, mesmo após a instrução do feito, não demonstrou interesse em intervir, limitando-se a apresentar contribuições técnicas. Assim, considera-se cabível a concessão de proteção possessória aos ocupantes de bens públicos que tenham lhe dado uma função social quando se dá entre particulares, vejamos: RECURSO ESPECIAL. POSSE. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. BEM PÚBLICO DOMINICAL . LITÍGIO ENTRE PARTICULARES. INTERDITO POSSESSÓRIO. POSSIBILIDADE. FUNÇÃO SOCIAL . OCORRÊNCIA. 1. Na ocupação de bem público, duas situações devem ter tratamentos distintos: i) aquela em que o particular invade imóvel público e almeja proteção possessória ou indenização/retenção em face do ente estatal e ii) as contendas possessórias entre particulares no tocante a imóvel situado em terras públicas. 2 . A posse deve ser protegida como um fim em si mesma, exercendo o particular o poder fático sobre a res e garantindo sua função social, sendo que o critério para aferir se há posse ou detenção não é o estrutural e sim o funcional. É a afetação do bem a uma finalidade pública que dirá se pode ou não ser objeto de atos possessórias por um particular. 3. A jurisprudência do STJ é sedimentada no sentido de que o particular tem apenas detenção em relação ao Poder Público, não se cogitando de proteção possessória. 4. É possível o manejo de interditos possessórios em litígio entre particulares sobre bem público dominical, pois entre ambos a disputa será relativa à posse. 5. À luz do texto constitucional e da inteligência do novo Código Civil, a função social é base normativa para a solução dos conflitos atinentes à posse, dando-se efetividade ao bem comum, com escopo nos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana . 6. Nos bens do patrimônio disponível do Estado (dominicais), despojados de destinação pública, permite-se a proteção possessória pelos ocupantes da terra pública que venham a lhe dar função social. 7. A ocupação por particular de um bem público abandonado/desafetado - isto é, sem destinação ao uso público em geral ou a uma atividade administrativa -, confere justamente a função social da qual o bem está carente em sua essência . 8. A exegese que reconhece a posse nos bens dominicais deve ser conciliada com a regra que veda o reconhecimento da usucapião nos bens públicos (STF, Súm 340; CF, arts. 183, § 3º; e 192; CC, art. 102); um dos efeitos jurídicos da posse - a usucapião - será limitado, devendo ser mantido, no entanto, a possibilidade de invocação dos interditos possessórios pelo particular . 9. Recurso especial não provido. (STJ - REsp: 1296964 DF 2011/0292082-2, Relator.: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 18/10/2016, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/12/2016 IP vol. 102 p . 209). Dessa forma, a proteção possessória não implica reconhecimento da propriedade em favor do particular, tampouco descaracteriza o domínio público do bem, mas apenas assegura a tutela da posse fática exercida legitimamente, como forma de garantir princípios constitucionais. Noutras palavras, deve-se observância, “à Jurisprudência consolidada daquele Tribunal [STJ], segundo a qual são cabíveis os interditos possessórios quando o conflito se dá entre particulares, ainda que o imóvel ostente natureza pública” (TJPA, Apelação Cível N° 0007239-54.2007.814.0028, 1ª Turma de Direito Privado, Relator Desembargadora Maria Filomena de Almeida Buarque, DJe: 17/07/2019.). Com efeito, na ação de reintegração/manutenção de posse disputada entre particulares sobre terra pública, havendo indícios de que as partes exercem ou já exerceram posse sobre o imóvel, a análise do pleito possessório deve-se pautar na aferição da melhor posse. (Nesse sentido: TJ-PA-AR: 00021731120158140000 BELÉM, Relator: EZILDA PASTANA MUTRAN, Data de Julgamento: 22/10/1019, SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO, Data de Publicação: 24/10/2019; e, TJ-PA-AI:000250138201658140000 BELÉM, Relator: LUZIA NADJA GUIMARAES NASCIMENTO, Data de Julgamento: 13/04/2015, 5º CAMARA CIVEL ISOLADA, Data de Publicação: 13/04/2015.). Portanto, tratando-se de litígio possessório entre particulares, no qual resta afastada a preliminar de ilegitimidade ativa. Diante disso, REJEITO a preliminar de ilegitimidade arguida pelos requeridos. 2.1.2. DA INÉPCIA DA INICIAL Os requeridos suscitam, ainda, a preliminar de inépcia da petição inicial, ao argumento de que a exordial não atenderia aos requisitos legais essenciais, especialmente quanto à exposição dos fatos e à delimitação dos pedidos formulados. Todavia, tal alegação não merece acolhimento. Explico. Nos termos do artigo 319 do Código de Processo Civil, a petição inicial deve conter a exposição dos fatos e fundamentos jurídicos do pedido, além da formulação do pedido com suas respectivas especificações. O artigo 330, § 1º, do mesmo diploma legal estabelece as hipóteses em que a petição inicial será reputada inepta, notadamente quando lhe faltar causa de pedir ou pedido, quando as afirmações forem ininteligíveis ou contraditórias entre si, ou ainda quando da narração dos fatos não decorra logicamente a conclusão. No caso concreto, constata-se que a parte autora expôs de maneira clara, coerente e inteligível os fatos que embasam a presente ação possessória, narrando o exercício da posse legítima sobre a área denominada Fazenda Pioneira, a ocorrência do esbulho possessório por parte de terceiros e o consequente prejuízo pela perda da posse. A petição inicial veio instruída com documentação suficiente à delimitação do objeto litigioso, incluindo matrícula, memorial descritivo e planta georreferenciada do imóvel, além de formular pedido expresso de reintegração de posse, cumulando-se com os consectários legais cabíveis. Ressalte-se que, nas ações possessórias em que há ocupação por número indeterminado ou indeterminável de pessoas, a ausência de completa individualização dos réus não compromete a regularidade formal da inicial. O artigo 554, § 1º, do Código de Processo Civil expressamente autoriza, nessa hipótese, a citação pessoal dos ocupantes identificados e a citação por edital daqueles que não forem individualizados. Nesse sentido, entende-se que a ausência de identificação precisa dos ocupantes da área, em ações possessórias coletivas, não configura inépcia da petição inicial, sendo suficiente a delimitação do imóvel e a descrição sumária do esbulho para viabilizar a propositura da demanda, admitindo-se a posterior identificação dos réus no curso do processo. Ademais, a eventual necessidade de complementação ou individualização dos réus pode ser suprida mediante diligência judicial no curso do feito, não sendo obstáculo à admissibilidade da demanda. Dessa forma, ausentes quaisquer vícios que comprometam a compreensão da causa de pedir, dos pedidos formulados ou o exercício do contraditório, não há que se falar em inépcia da petição inicial. Logo, REJEITO a preliminar de inépcia da petição inicial arguida pelos requeridos. 2.2. DO MÉRITO Superadas as questões preliminares e estando o feito em termos para julgamento, passo à análise do mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Verifico que estão presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, não havendo nulidades ou óbices que impeçam o exame de fundo da controvérsia posta em juízo. Assim, compete ao juízo apreciar o pedido, com base nas provas constantes dos autos e na legislação aplicável. 2.2.1. DOS LIMITES DAS AÇÕES POSSESSÓRIAS – NATUREZA POSSESSÓRIA DA DEMANDA E INADMISSIBILIDADE DE DISCUSSÕES DOMINIAIS A autora ingressou com ação de reintegração de posse contra os requeridos, visando obter a restituição do imóvel rural descritos na exordial que teria sido objeto de esbulho possessório praticado pelos réus. A presente ação é de reintegração de posse, fundada no direito possessório autônomo, com esteio nos artigos 560 e seguintes do Código de Processo Civil. O objeto da demanda, portanto, não é o domínio do bem, mas sim a proteção da posse, enquanto situação de fato tutelada pelo ordenamento jurídico brasileiro. Para tanto, nos termos do art. 1.196 do CC/02, deve o possuidor comprovar o exercício da posse sobre o imóvel, assim caracterizada pelo exercício de fato, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade. É pacífico na doutrina e na jurisprudência que a ação possessória não se presta à discussão sobre a propriedade ou qualquer outra questão dominial. A posse, enquanto instituto autônomo, tem proteção jurídica independentemente de quem seja o titular do direito real de propriedade. Como bem leciona Caio Mário da Silva Pereira, a "posse é, por si só, um bem jurídico tutelado, independentemente do direito de propriedade. O possuidor tem ação contra o esbulhador, mesmo que este seja o legítimo proprietário, pois o ordenamento jurídico não admite que se faça justiça com as próprias mãos.” (Instituições de Direito Civil, Vol. III) Nesse sentido, estabelece o artigo 1.210, §2º, do Código Civil que "o possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, e reintegrado no caso de esbulho. Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade ou de outro direito sobre a coisa.” Assim, a proteção possessória deferida ao possuidor encontra respaldo no legislação infraconstitucional ao prever o direito de ser mantido na posse em caso de turbação, restituído na posse em caso de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado. Assim, não cabe às partes adentrarem em matérias próprias de ação petitória. Uma vez que, apesar de revestidas de conteúdo jurídico ou político, são absolutamente irrelevantes para o deslinde da presente controvérsia, que se restringe à verificação da posse anterior do autor, da ocorrência do esbulho, da perda da posse e do prazo do ajuizamento da demanda, nos termos do art. 561 do CPC. O Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente afastado esse tipo de alegação, como se vê: As ações possessórias têm por finalidade a tutela da posse, sendo descabida a análise do domínio ou da função social da propriedade. Alegações relativas à propriedade devem ser discutidas por meio da via petitória adequada, e não em ação possessória. (STJ, REsp 1.077.595/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 22/06/2009) O Tribunal de Justiça do Estado do Pará também já se manifestou nesse sentido: É irrelevante, em ação possessória, a discussão sobre a titularidade do domínio ou eventual interesse social da ocupação, sendo suficientes a comprovação da posse legítima, do esbulho e da perda da posse. (TJPA, Ap Cível nº 0003500-85.2018.8.14.0401, Rel. Desa. Maria de Nazaré Silva Gouveia dos Santos, j. 14/02/2023) Conforme acima explanado, é pacífico o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Pará de que as ações possessórias discutem unicamente o elemento da posse, não se cuidando esses institutos de qualquer discussão acerca da propriedade, de forma que, questionamentos sobre o cumprimento da função social da propriedade são oportunos exclusivamente em demandas que versem sobre desapropriação para fins de reforma agrária, e não em ações possessórias (TJ-PA-APL: 00072385920078140028 BELÉM, Relator: DIRACY NUNES ALVES, Data de Julgamento: 15/01/2015, 5ª CÂMARA CIVEL ISOLADA, Data de Publicação: 21/01/2015). No mesmo sentido, cita-se: “as ações possessórias devem se restringir ao fato ‘posse’, não havendo de se fundamentar no ‘domínio’, o qual deve ser objeto dos processos reivindicatórios” (TJAP – Apelação nº 0001513-87.2015.8.03.0011, Relator Desembargador João Lages, julgado 18/10/2018.). Quer dizer, as ações possessórias, como ocorre no caso em tela, não tem a finalidade de discutir a propriedade do bem, matéria reservada às reivindicatórias/petitórias. Assim, ficam afastadas quaisquer alegações referentes à propriedade suscitadas pelas partes. 2.2.2. DOS LIMITES DA ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO: DA AUSÊNCIA DE COMPETÊNCIA PARA PROMOVER REFORMA AGRÁRIA Cumpre ainda ressaltar que o Poder Judiciário, ao julgar ações possessórias, atua nos limites estritos que lhe são conferidos pela Constituição Federal e pela legislação infraconstitucional, não sendo órgão competente para implementar políticas públicas de reforma agrária, tampouco para suprir a atuação de entes administrativos responsáveis por tais medidas. A alegação de função social da propriedade, ausência de destinação produtiva da terra ou mesmo eventual situação de vulnerabilidade social dos ocupantes não pode servir de escusa para o esbulho possessório, tampouco transforma o Judiciário em substituto da política agrária do Estado. Quer dizer, a atribuição para promover desapropriações por interesse social para fins de reforma agrária compete exclusivamente ao Poder Executivo Federal, por meio do INCRA, nos termos dos arts. 184 e 186 da Constituição da República. Além do mais, é garantido a todos o direito de propriedade (art. 5º, XXII, da CF/88) de tal forma que ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF/88) e, salvo exceções constitucionais, eventual perda desse direito implica, inexoravelmente, na correspondente contrapartida indenizatória (art. 5º, XXIV; art. 182, §3º e art. 184, ‘caput’, da CF/88). Desse modo, a perda da propriedade rural por descumprimento de sua função social só se justifica no âmbito da reforma agrária, que é medida atribuída com exclusividade à União (art. 184 da Constituição Federal – CF/88), e não ao Estado. Conforme assentado pelo Supremo Tribunal Federal: “A função social da propriedade é cláusula constitucional dirigida à atuação do Estado, especialmente no âmbito das políticas públicas de reforma agrária, não podendo ser invocada por particulares para justificar a invasão de imóvel alheio, especialmente quando há proteção possessória reconhecida judicialmente.” (STF, ARE 797.405 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 10/09/2014) Nessa mesma linha, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu: “A função social da propriedade não pode servir de justificativa para a prática de esbulho, sendo incabível ao Poder Judiciário substituir-se ao Executivo na execução de políticas públicas fundiárias.” (STJ, REsp 1.257.026/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 17/04/2012) Logo, não se está a refutar a importância dos movimentos sociais, mas apenas reconhecendo que “o princípio da função social não enseja a prática da auto-tutela”. (TJMG, AgI n. 2.0000.00.518899-2/000, Relator Des. Renato Martins Jacob, Dje: 01/02/2006). Dessa forma, eventual irregularidade na destinação da terra deve ser objeto de apuração pelos órgãos competentes, não cabendo ao Judiciário reconhecer uma espécie de "reforma agrária judicial", especialmente quando isso implicaria convalidação de posse injusta, obtida mediante esbulho. Assim, exige-se, para as ações possessória, apenas a demonstração do preenchimento dos requisitos previstos no art. 561 do CPC/15. Conforme é o entendimento pacífico do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Pará: (...) Na ação de reintegração de posse é desnecessária a comprovação da função social da propriedade, uma vez que a reforma agrária é responsabilidade da União, respeitando a devida indenização ao proprietário e que somente é considerada legal a entrada de ocupantes no imóvel após a imissão de posse deferida. (TJPA, Apelação Cível N° 0007239-54.2007.814.0028, 1ª Turma de Direito Privado, Relator Desembargadora Maria Filomena de Almeida Buarque, DJe: 17/07/2019. No mesmo sentido: TJPA - Apelação Cível: 0005087-34.2011.8.14.0028, 1ª Turma de Direito Privado, Relatora: Maria do Ceo Maciel Coutinho. DJe: 08/05/2019) (Grifo nosso). Estabelecidos os limites da controvérsia possessória, passa-se à análise dos requisitos da possessória. 2.2.3. DA TUTELA POSSESSÓRIA Os autores ingressaram com ação de reintegração de posse contra os requeridos, visando obter a restituição do imóvel rural descrito na exordial que teria sido objeto de esbulho possessório praticado pelos réus, os quais teriam invadido o imóvel rural denominado Fazenda Pioneira localizada no Município de Marabá/PA, com a área registrada de 4.837,0852 ha (quatro mil, oitocentos e trinta e sete hectares, oito ares e cinquenta e dois centiares), sob o número de matrícula 1.8046, folha 001, livro ficha n.º 002, lavrada no 1º Tabelionato de Notas e Registro de Imóveis de Marabá (ID. Num. 10218994). Os requisitos para concessão da proteção possessória estão previstos nos artigos 560 e 561 do Código de Processo Civil, vejamos: “Art. 560. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado em caso de esbulho”. “Art. 561. Incumbe ao autor provar: I - a sua posse; II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; III - a data da turbação ou do esbulho; IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a perda da posse, na ação de reintegração”. Destaca-se que a posse se caracteriza por ser o poder de fato exercido por alguém sobre um bem material, corpóreo. O Código Civil trata no artigo 1.196 do conceito de possuidor, in verbis: Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade. O doutrinador Flávio Tartuce, em sua obra “Manual de Direito Civil –Volume Único, 8ª Edição, Editora Método”, aduz que é forçoso concluir que o CC/2002, a exemplo do seu antecessor, adotou parcialmente a teoria objetivista de Ihering, pelo que consta do seu art. 1.196 (...). Percebe-se que pelo conceito objetivo adotado pelo comando legal a posse pode ser desdobrada em direta e indireta. Em suma, não há necessariamente domínio material na posse, podendo essa decorrer de mero exercício de direito. Como primeira ilustração, no caso de contrato de locação, as duas partes envolvidas são possuidoras. O locatário é possuidor direto, tendo a coisa consigo. O locador proprietário é possuidor indireto, pelos direitos que decorrem do domínio (Grifo nosso). Assim, tal posse deve ser pacífica, contínua e com ânimo de dona, como exigido pelo artigo 1.208 do Código Civil, in verbis: Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade. Nesse aspecto, Huberto Theodor Júnior de forma majestosa leciona (in Curso de Direito Processual Civil, Vol. II - 2017: p. 102) que o fundamento filosófico da posse é, em resumo, o respeito à personalidade humana, aliado ao princípio social que não permite a ninguém fazer justiça por suas próprias mãos. Estando uma coisa sob a atuação material da pessoa, esta deve ser respeitada, como personalidade racional, de modo a não poder uma outra pessoa, fora da justiça, obrigar aquela a abrir mão da coisa possuída. Daí a proteção provisória ao fato da posse, sem cogitar preliminarmente do direito em que ela se estriba. (Grifo Nosso). Assim, conforme visto acima, é parte legítima para figurar no polo ativo de ação de reintegração de posse, o proprietário, possuidor indireto que tenha sido esbulhado de sua posse, por terceiro. Nesse sentido a jurisprudência: “EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - REINTEGRAÇÃO DE POSSE - LIMINAR - JUÍZO POSSESSÓRIO - ALEGAÇÃO DE DIREITO REAL - IRRELEVÂNCIA - POSSUIDOR INDIRETO - ESBULHO CAUSADO POR DETENTOR - PERMISSÃO DA USUFRUTUÁRIA - USUFRUTO EXTINTO - TUTELA POSSESSÓRIA. A ação de reintegração de posse tem por objeto a tutela da posse, sendo irrelevante, a princípio, a discussão acerca da titularidade de direito real sobre a coisa. O proprietário de imóvel, na condição de possuidor indireto do bem, possui direito à tutela de sua posse em decorrência de esbulho causado por pessoa que ocupava o imóvel por permissão da falecida usufrutuária. A concessão de liminar possessória encontra-se condicionado ao atendimento dos requisitos legais dispostos no art. 927 do CPC”. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0382.13.000903-0/001, Relator(a): Des.(a) Pedro Bernardes, 9ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 28/01/2014, publicação da súmula em 03/02/2014) (Grifo nosso). “PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. (...). CONSTITUTO POSSESSÓRIO. ESCRITURA PÚBLICA. POSSE INDIRETA. CARACTERIZAÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (...). Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, é cabível o ajuizamento de ação possessória pela posse indireta exercida pelo autor, decorrente da inserção de cláusula "constituti" na escritura pública de compra e venda de bem imóvel. Precedentes. (...). (REsp 1147826/PR, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 17/09/2019, DJe 20/09/2019). (Grifo nosso). Desta forma, no caso em tela, consta-se dos autos que a autora exerceu a posse mansa e pacífica sobre o imóvel objeto da demanda – a Fazenda Pioneira, situada na zona rural de Marabá/PA – desde meados da década de 1990, com início comprovado de atividades produtivas de reflorestamento com plantio de eucalipto, construção de galpões, estruturas de manejo e instalação de trabalhadores até a perda da posse a partir de 2007 em razão do esbulho possessório causado pelos requeridos. Nesse âmbito, vejamos: Extrai-se das provas colhidas que a autora adquiriu a propriedade do imóvel em meados da década de 1990, quando deu início a plantação de eucalipto sendo que, a partir do ano de 1997, iniciou a produção de carvão vegetal no interior do imóvel objeto dos autos, usando madeira dos primeiros plantios, conforme confirmado pelo representante legal da autora, Sr. LUIS EDUARDO MARIANO MONTEIRO, ouvido em sede de audiência judicial de justificação prévia realizada em 29 de janeiro de 2020 (ID. Num. 15213142/ 15213143), o qual afirmou que na área: “uma parte era mata nativa e uma parte era eucalipto (...) atualmente não tem mais nenhuma árvore plantada (...) a gente vê de longe um pouquinho da área de reserva (...) e hoje tem é capim (...) ali é uma área que foi comprada no fim da década de 80 e início da década de 90 (...) a COSIPAR tinha permissão de derrubar parte da área”. Ato contínuo, quando indagado, afirmou que a área comprada por volta do ano de 1989 e a plantação de eucalipto teria iniciado em torno do início da década de 90. Ainda relatou que não tem mais acesso algum a área, isto é, após o último esbulho, ocorrido no período de 2011, não possui mais qualquer ato de posse sobre o imóvel, apesar de continuar pagando os impostos legais incidentes sobre a área. Antes da última invasão (2011), o representa relata que a empresa estava em pleno funcionamento. As afirmações do representante da autora são ratificadas pela testemunha ouvida ainda em audiência de Justificação Prévia, Sr. GERALDO SILVEIRA DINIZ, engenheiro florestal das áreas (ID. Num. 15213146/15213148/15213151), o qual depôs que: “em 2007 foi a primeira vez que adentraram lá né?, aí (...) foi-se expedido lá a reintegração de posse da empresa, demorou, mas foi feita (...) foi reintegrado (...) lá para 2009, 2010 ou 2011 saiu. Aí depois disso que teve e foi mais gente para lá, eu acredito que não foi o mesmo pessoal não, são outros (...) a segunda foi a partir de 2012, que perdura até nos dias de hoje. (...) a empresa adquiriu a fazenda a fazenda para plantar floresta para abastecer de carvão vegetal a unidade fabril (...) tinha uns mil quinhentos e cinquenta hectares de eucalipto plantados já, quando houve a invasão, eles tinha uma central de carbonização já plantada que fazia seis mil metros de carvão por mês, eles cortavam as áreas que se permitia, a gente conduzia plantação para produzir mais, onde não tinha mais condição de produzir madeira a gente plantava tudo de novo, isso foi interrompido com as invasões e continuo porque quando houve a reintegração e tentou voltar lá daí há pouco o pessoal invadiu de novo (...) a empresa era ambientalmente correta, inclusive a empresa passou pra União quatro hectares de floresta que nós chamava de RPPN, que foi totalmente danificada (...) pelos ocupantes (...) tinha uma área de reserva legal que foi toda dizimada também, inclusive com fogo (...) tinha todas as reservas legais, tudo certinho. (...) A empresa tinha sede com casa sede, tinha pastagem lá que criava gado, tinha curral, eram oitenta funcionários próprios da empresa, registrados com carteira e mais ou menos cento e cinquenta funcionários de terceiros também registrados com carteira assinada, tudo certinho (...) a casa sede foi totalmente desmanchada, ela nem existe mais (...) até o tijolo da casa levaram (...) a madeira de eucalipto que tinha (...) quinhentos a quinhentos cinquenta mil metros cúbicos de madeira de eucalipto foram subtraídos e mandado embora, não tem mais eucalipto lá hoje”. A testemunha afirmou, expressamente, que a fazenda tinha plantação de eucalipto realizada pela autora e que a partir de 2007 a empresa não exerce, em sua plenitude, atos de posse no interior do imóvel. O requerido, ocupante da área, Sr. ADALTO DE OLIVEIRA MONTEIRO foi ouvido na qualidade de informante em audiência de Justificação Prévia (ID. Num. 15213152/ 15213154/ 15213155), o qual afirmou que, no final do ano de 2014, comprou de um ocupante anterior uma parcela da área pelo valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) e que até aquele momento (ano de 2020) existiam 170 famílias no interior da área. Inclusive, relata que comprou a área, mas como medo da COSIPAR retomá-la por meio de uma reintegração de posse e que parte da área ainda tinha plantação de eucalipto quando adquiriu, mas naquele momento não existia mais. Inclusive, de forma categórica, destacou saber que estava adquirindo uma área fruto de invasão. Complementou ainda que muitos dos ocupantes anteriores e responsáveis pelas invasões, não estão mais na área, de modo que, os atuais ocupantes são pessoas que compraram lotes daqueles. Em audiência de instrução e julgamento (1ª parte) no dia 29 de novembro de 2023 (ID. Num. 105210298/105210299), foi ouvida a testemunha Sr. PEDRO COSTA SILVA, o qual relatou que esteve na área entre os anos de 2014 e 2015, o qual afirmou ter observado que naquele período já existia ocupação na área, mas ainda era possível ver plantação de eucalipto e área remanescente de reserva. Dessa forma, afirmou que fez o acompanhamento ano a ano, via satélite, de modo que, naquele ano (2023), não mais era possível ver eucalipto ou área remanescente de reserva, apenas pasto. Por fim, confirmou que a fazenda pioneira foi adquirida pela empresa autora para cultivo de eucalipto para fornecimento de carvão. Também ouvidos em sede de audiência de instrução e julgamento, as testemunhas JOÃO CARVALHO DA COSTA (ID. Num. 105210301/105210305) e LUIS COSTA SILVA (ID. Num. 105210307/105210312/105210313), confirmaram a existência de invasão no interior do imóvel, apesar de não conseguirem precisar a data, bem como da plantação de eucalipto realizada pela autora para fins de produção de carvão. Além disso, informaram que desde quando têm conhecimento a autora já era a proprietária e posseira da área. Em audiência de instrução e julgamento (3ª parte) no dia 13 de março de 2024, foi ouvido a testemunha Sr. RAIMUNDO OLIVEIRA BARBOSA, o que afirmou que começou a trabalhar empresa COSIPAR no ano de 2000, a qual exercia naquele período a posse sobre o imóvel objeto dos autos, de modo que, a empresa detinha um viveiro de mudas de eucalipto e que notava constante movimentação de pessoas levando mudas para da empresa COSIPAR para a Fazenda Pioneira Destaca-se que foi realizada inspeção Judicial em 22/11/2023 (ID. Num. 104999384), na qual ficou constatado que não há mais área de reserva e nem cultivo de eucalipto na área, além disso, as pessoas que se encontram lá, não fazem parte dos "ocupantes originários". Além disso, evidenciou uso fragmentado da área, ausência de cultivo relevante e indícios de degradação ambiental, incompatíveis com a função social. Desse modo, mesmo que houvesse alguma exploração parcial da terra, não há qualquer justo título, nem posse prolongada com ânimo de dono por parte dos requiridos. Logo, restou amplamente comprovado nos autos que a autora detinha a posse mansa e pacífica do imóvel há décadas, exercendo atividades produtivas consistentes no plantio de eucalipto, conservação ambiental e uso da terra de forma contínua. Tal situação foi confirmada pelas provas documentais (matrícula nº 18.046 e documentação técnica (ID. Num. 10218994); fotografias e imagens de satélite (ID. Num. 95789657 e s.s); laudo da Polícia Científica (ID 123505278); Inspeção judicial realizada em 22/11/2023 (ID. Num. 104999384); georreferenciamento da área (Id. 10218995), com as coordenadas geográficas, mapas topográficos e memorial descritivo, individualizando a área do litígio (ID. Num. 10218996/ 10218995/ 10218999) e testemunhais colhidas em audiências acima destacados, as quais comprovam o exercício efetivo da posse pela autora, inclusive com utilização da área para fins econômicos, conforme laudos e fotografias juntadas aos autos. Quer dizer, o autor mantinha toda documentação do imóvel, além das exigida pelas autoridades para propriedade rural, tinham funcionários e exerciam a atividade no interior do imóvel. Assim, restou comprovada a posse pelo autor. As provas documentais e testemunhais colhidas confirmam a ocorrência do esbulho pelos requeridos no imóvel rural denominado Fazenda Pioneira. Isto é, as testemunhas, em seus depoimentos pessoais, conforme acima mencionados, confirmam o esbulho possessório no interior do imóvel objeto dos autos. Ademais, em momento algum, os requeridos negam o esbulho possessório, e mais do que isso, confirmam o esbulho possessório, conforme se verifica em contestação e alegações finais. A inspeção judicial evidenciou uso fragmentado da área, ausência de cultivo relevante e indícios de degradação ambiental, incompatíveis com a função social. Além disso, mesmo que houvesse alguma exploração parcial da terra, não há qualquer justo título, nem posse prolongada com ânimo de dono por parte dos réus, o que inviabiliza eventual pretensão de usucapião. Importante destacar ainda que, no presente caso, restou demonstrado que os requeridos ingressaram no imóvel objeto da lide de forma clandestina, sem qualquer autorização do legítimo possuidor ou proprietário, configurando esbulho possessório, nos termos do art. 1.210, § 1º, do Código Civil. É certo que a posse de má-fé, fruto de invasão ou esbulho, não encontra amparo no ordenamento jurídico, sendo incapaz de gerar efeitos jurídicos válidos. O simples decurso do tempo não convalida uma situação inicialmente ilegítima. Tal entendimento encontra respaldo direto no art. 1.208 do Código Civil. Isto é, atos possessórios clandestinos ou violentos não se convalidam automaticamente com o tempo, nem geram expectativa de usucapião ou proteção possessória. A posse que se origina do esbulho é viciada desde a origem e, portanto, não é tutelável. Desse modo, a posse advinda de esbulho, invasão ou clandestinidade é de má-fé e não pode ser tutelada pelo ordenamento jurídico, tampouco ensejar proteção possessória ou aquisição por usucapião. O tempo não tem o condão de convalidar a ilegalidade. Assim, restou comprovado o esbulho possessório pelos requeridos. Pelos depoimentos colhidos, no ano de 2007, confirma-se que a parte autora teve sua posse esbulhada. Assim, comprovado a data do esbulho. Conforme acima já explanado, a perda da posse dos autores se deu a partir do ano de 2007, após sucessivas invasões na área, conforme alegado pela autora e confirmado pelas provas produzidas nos autos. Portanto, restou-se comprovada que a autora exercia a posse do imóvel, bem como a ocorrência do esbulho possessório com a parte da posse da autora sobre o imóvel. Por todo exposto, conclui-se que, no caso em tela, ficou verificado que a autora exercia a posse na área objeto do litígio, tendo sido totalmente inviabilizada pela ocupação dos requeridos, evidencia a presença dos requisitos legais, quais sejam, o exercício da posse anterior, a ocorrência do esbulho praticado pelos demandados, e a perda da posse, justificando, senão impondo, a proteção jurisdicional possessória. 2.2.4. DAS PERDAS E DANOS A autora requereu, em sua petição inicial, a condenação dos réus ao pagamento de indenização por perdas e danos, sob alegação de prejuízos materiais decorrentes do esbulho possessório praticado na área objeto da lide. De fato, os autos evidenciam que houve esbulho possessório, bem como danos significativos à propriedade — incluindo degradação ambiental, destruição de benfeitorias e exploração indevida de recursos naturais. Contudo, durante a instrução processual, não foi possível identificar com precisão os autores diretos desses danos, tampouco demonstrar que os atuais réus foram os responsáveis por sua prática, conforme se extrai dos depoimentos colhidos. Constata-se, inclusive, que os primeiros invasores alienaram parcelas da área a terceiros, situação que dificulta ou mesmo inviabiliza a identificação da cadeia de responsabilidade pelos prejuízos apontados. Trata-se, portanto, de litígio envolvendo sucessões informais de posse, nas quais a responsabilização por danos requer comprovação individualizada de conduta lesiva, o que não foi atendido pela parte autora. Assim, ausente prova contundente do nexo de causalidade entre a conduta dos réus identificados e os danos sofridos pela autora, impõe-se o indeferimento do pedido de perdas e danos, nos termos do artigo 373, inciso I, do Código de Processo Civil. Dessa forma, INDEFIRO o pedido de indenização por perdas e danos, considerando que o dano material e o vínculo direto entre este e a atuação dos réus devem ser demonstrados de forma inequívoca, o que não se verificou nos presentes autos, notadamente pelos depoimentos colhidos em sede judicial. 3. DISPOSITIVO Assim sendo, com esteio no art. 5º, XXII e LIV da Constituição Federal de 1988, c/c arts. 1.196 e 1.210 do Código Civil e 561, I do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado na presente ação de reintegração de posse, COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, nos termos do art. 487, I do CPC/15. Com efeito: I. DETERMINO a reintegração da autora, COMPANHIA SIDERURGICA DO PARÁ – COSIPAR, na posse do imóvel rural denominado FAZENDA PIONEIRA, localizada no Município de Marabá/PA, com a área registrada de 4.837,0852 ha (quatro mil, oitocentos e trinta e sete hectares, oito ares e cinquenta e dois centiares), sob o número de matrícula 1.8046, folha 001, livro ficha n.º 002, lavrada no 1º Tabelionato de Notas e Registro de Imóveis de Marabá, conforme matrícula de ID. Num. 10218994 e peças técnicas e documentos constantes dos autos ao ID. Num. 10218995/10218996/10218999/95789674/95789677, nos termos delineados acima; II. INDEFIRO o pedido de condenação por perdas e danos, nos termos da fundamentação supra, diante da ausência de demonstração do nexo de causalidade entre os danos apontados e a conduta dos réus, conforme fundamentação supra; III. Quanto à sucumbência, reconheço que a autora sucumbiu apenas em parcela mínima do pedido, qual seja, a indenização por perdas e danos, que foi rejeitada, enquanto o pedido principal de reintegração de posse foi integralmente acolhido. Nos termos do art. 86, parágrafo único, do CPC, a sucumbência parcial em pedido acessório não afasta a condenação dos réus ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios. Assim, CONDENO os réus ao pagamento das custas e honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §2º, do CPC/15; IV. No caso em tela, considerando a instituição da Comissão de Soluções Fundiárias do Poder Judiciário do Estado do Pará, por meio da Portaria n.º 3525/2023-GP. de 23 de agosto de 2023, com atuação voltada para soluções consensuais dos conflitos fundiários de natureza coletiva, rurais e urbanas, de modo a evitar o uso de força pública no cumprimento de mandados de reintegração de posse ou despejo e restabelecer o diálogo entre as partes, autoridades e demais interessados, bem como, a fim de atender os termos do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 828, no qual determinou-se a adoção de um regime de transição para a retomada da execução de desocupação coletiva e despejos suspensas pela referida ação, como ocorre no caso em tela, SUSPENDO o cumprimento de mandado de reintegração de posse das áreas objeto da lide, por ora. Por fim, DETERMINO: I. INTIMEM-SE as partes, a Defensoria Pública e o Ministério Público, nos termos da lei; II. Após o trânsito em julgado e, em não havendo pendências a serem cumpridas, CERTIFIQUE-SE e ARQUIVEM-SE os autos com baixa na distribuição. P.R.I. Cumpra-se. Servirá esta, mediante cópia, como MANDADO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE/ MANDADO DE INTIMAÇÃO/ OFÍCIO/ EDITAL, nos termos do Provimento nº 11/2009-CJRMB, Diário da Justiça nº 4294, de 11/03/2009, no que couber. Marabá/PA, data consta na assinatura eletrônica. Amarildo José Mazutti Juiz de Direito Titular da Vara Agrária da Comarca de Marabá
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