Processo nº 0812607-92.2024.8.15.2001
ID: 323586116
Tribunal: TJPB
Órgão: 9ª Vara Cível da Capital
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0812607-92.2024.8.15.2001
Data de Disponibilização:
14/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ISABELLE PETRA MARQUES PEREIRA LIMA
OAB/AL XXXXXX
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9A VARA CÍVEL DE JOÃO PESSOA PROCESSO:0812607-92.2024.8.15.2001. SENTENÇA AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATO BANCÁRIO, REPETIÇÃO DO INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CARTÃO DE CRÉDITO C…
9A VARA CÍVEL DE JOÃO PESSOA PROCESSO:0812607-92.2024.8.15.2001. SENTENÇA AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATO BANCÁRIO, REPETIÇÃO DO INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. PERÍCIA GRAFOTÉCNICA. HOMOLOGADO O LAUDO PERICIAL. ASSINATURA SAIU DO PRÓPRIO PUNHO DA AUTORA. AUTENTICIDADE DA CONTRATAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE NULIDADE DO CONTRATO. INEXISTÊNCIA DE ILICITUDE. INCABÍVEL RECONHECIMENTO DA REPETIÇÃO DO INDÉBITO. CONTRATO DEVIDAMENTE CELEBRADO. RELAÇÃO JURÍDICA HÍGIDA. DANOS MORAIS. INCABÍVEIS. PLEITO RECONVENCIONAL BUSCANDO DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS CASO FOSSE JULGADA PROCEDENTE A AÇÃO PRINCIPAL. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO PRINCIPAL. PERDA DO OBJETO DA RECONVENÇÃO. EXTINÇÃO COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. Tese de julgamento: - Nos contratos bancários de trato sucessivo, o prazo prescricional para ações de repetição de indébito conta-se a partir do último desconto indevido, afastando-se prescrição e decadência enquanto persistirem os descontos. - Perícia grafotécnica que atesta a autenticidade da assinatura presume válida a contratação, inexistindo ilicitude ou falha na prestação do serviço. - Inexistente a contratação irregular, não há dano moral a ser indenizado nem devolução de valores. - Prejudica-se a reconvenção de restituição, por perda do objeto, na hipótese de improcedência da ação principal. Vistos, etc. Trata-se de AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATO BANCÁRIO, REPETIÇÃO DO INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, proposta por SEVERINA MARIA DA SILVA VIEIRA, em face de BANCO BMG S.A., ambas as partes devidamente qualificadas, pelas razões de fato e direito expostas na exordial. A parte autora ajuizou a presente demanda alegando que, ao consultar seu extrato previdenciário, identificou a existência de contrato de cartão de crédito consignado vinculado ao benefício nº 155.813.001-0, firmado junto ao Banco BMG S/A, sob o nº 11827742, com inclusão em 01/06/2018, limite de R$ 1.100,00 e descontos mensais no valor de R$ 46,85. Sustenta, contudo, que jamais contratou ou autorizou a emissão de tal cartão, tampouco anuiu com os referidos descontos. Afirma que a ausência de informações e de prévia autorização caracteriza falha na prestação do serviço e prática abusiva, ensejando violação à intimidade, privacidade e aos seus dados pessoais. Relata, ainda, que os descontos indevidos vêm comprometendo sua renda mensal, gerando-lhe prejuízos materiais e transtornos de ordem moral, agravados pela frustração em resolver administrativamente a situação junto à instituição financeira, o que motivou a judicialização do conflito. Requer gratuidade de justiça e a devida citação do promovido. Postula pela procedência total da ação, declarando a inexistência do débito e condenando a promovida à restituição do indébito, determinando o reembolso à parte autora de todo o valor que a instituição financeira auferiu com o contrato bancário, além disso, que indenize a autora por danos morais, no importe de R$20.000,00. Por fim, que arque com as custas e honorários advocatícios sucumbenciais. Deferida gratuidade de justiça (ID 86986698). Citado, o promovido apresentou Contestação com Reconvenção ao ID 88570196, arguindo como prejudiciais de mérito a prescrição e decadência. No mérito, defendeu a regularidade da contratação do cartão de crédito consignado, afirmando que a parte autora celebrou voluntariamente o contrato em 12/10/2015, com recebimento de R$ 1.063,00 via transferência bancária. Alegou que os descontos realizados são legítimos, correspondentes ao pagamento mínimo da fatura, previsto na modalidade contratada, e que a contratação observou todos os requisitos legais, não havendo qualquer vício ou irregularidade. Em sede de Reconvenção, pleiteou a condenação da parte autora à devolução do valor recebido, em caso de procedência dos pedidos iniciais, ou a compensação do montante no valor da condenação, a fim de evitar enriquecimento sem causa. Impugnação apresentada ao ID 89783186. Intimadas para especificarem provas, a parte autora requereu perícia grafotécnica. Nomeado perito. Laudo pericial apresentado ao ID 113122790. Intimadas para se manifestarem acerca do Laudo, a autora apresentou quesitos complementares e a promovida não se manifestou. Resposta aos quesitos (ID 115268424). Vieram-me os autos conclusos. É o relatório. DECIDO. FUNDAMENTAÇÃO QUESTÃO PENDENTE - HOMOLOGAÇÃO DO LAUDO PERICIAL Verifica-se dos autos que, regularmente intimadas, as partes foram cientificadas acerca do teor do laudo pericial. A parte promovida permaneceu silente e a parte autora, por sua vez, apresentou quesitos complementares, os quais foram devidamente respondidos pelo perito responsável. Posteriormente, contudo, requereu a anulação do laudo e a nomeação de novo perito, sem, contudo, apresentar fundamentos jurídicos e técnicos plausíveis que pudessem infirmar a idoneidade, tecnicidade e imparcialidade do trabalho apresentado. O laudo pericial, constante do referido ID 113122790, encontra-se devidamente fundamentado, com respostas claras e fundamentação técnica adequada, demonstrando a aptidão e conhecimento do expert nomeado pelo Juízo, além de inexistir qualquer vício ou mácula que desabone sua credibilidade. Assim, tendo em vista a coerência e plausibilidade demonstrada no Laudo pericial acostado aos autos, homologo os cálculos apresentados no ID 113122790. PREJUDICIAIS DE MÉRITO PRESCRIÇÃO Alega a parte promovida que a pretensão do autor está prescrita, uma vez que a data do primeiro desconto realizado é 10/12/017. Contudo a ação foi distribuída no dia 11/03/2024, passando do prescricional trienal. Quanto à modalidade contratual no caso em comento, aplica-se o prazo prescricional quinquenal previsto no art. 27, do Código de Defesa do Consumidor, contado a partir da última parcela do contrato objeto da demanda, ou seja, a data do último desconto realizado no benefício da parte requerente – que, neste caso, ainda não foi cessado. Ademais, por se tratar de relação contratual de trato sucessivo, o prazo prescricional para ajuizamento da ação renova-se mês a mês, de modo que inexiste prescrição nesse caso. Nesse sentido, tem-se entendimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça da Paraíba: Poder Judiciário Tribunal de Justiça da Paraíba Des. João Alves da Silva APELAÇÃO Nº 0801182-51.2021.8.15.0521 ORIGEM: Juízo da Vara Única de Alagoinha RELATOR: Desembargador João Alves da Silva APELANTE: Banco BMG S.A. (Adv. Fernando Moreira Drummond Teixeira) APELADO: Genilda Silva de Melo Lima (Adv. Vinícius Queiroz de Souza) APELAÇÃO. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO. REJEIÇÃO. PREJUDICIAIS DE DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO. REJEIÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. CONSUMIDOR QUE DESEJAVA CONTRAIR EMPRÉSTIMO CONSIGNADO E CONTRATOU MÚTUO EM CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. DÉBITO MENSAL DO PAGAMENTO MÍNIMO. RESTANTE A SER PAGO MENSALMENTE VIA FATURA. AUSÊNCIA DE INFORMAÇÕES CLARAS SOBRE TAL PROCEDIMENTO. DESVANTAGEM EXAGERADA PARA O CONSUMIDOR. ABUSIVIDADE DO CONTRATO. ILICITUDE DA AVENÇA. DEVOLUÇÃO DO QUE FORA PAGO IRREGULARMENTE. MÁ-FÉ CARACTERIZADA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. INDENIZAÇÃO QUE NÃO SE REVELA EXCESSIVA. REDUÇÃO DOS HONORÁRIOS. AUSÊNCIA DE RAZÃO PLAUSÍVEL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO DO RECURSO. - A preliminar de não conhecimento do recurso não merece acolhida. É que embora extenso e muitas vezes genérico, o recurso consegue atacar de forma efetiva a sentença, de maneira que não resta caracterizada a infração ao princípio da dialeticidade. Assim, rejeito a preliminar. - No que toca à prejudicial de prescrição, creio que não deve prosperar. É que o “a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, em se tratando de pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos, por falta de contratação de empréstimo com a instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo prescricional do art. 27 do CDC. 2. O termo inicial do prazo prescricional da pretensão de repetição do indébito relativo a desconto de benefício previdenciário é a data do último desconto indevido" (AgInt no AREsp n. 1.720.909/MS, Relator Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 26/10/2020, DJe 24/11/2020). No caso, segundo consta dos autos, no momento do ajuizamento da ação os descontos continuavam a ser realizados, de forma que não há como se acolher a alegação de prescrição. Ainda que o termo inaugural fosse a data do contrato, mesmo assim não haveria a prescrição, eis que o pacto fora firmado em 04/02/2017 e a ação ajuizada em 23/08/2021, antes, portanto, do prazo quinquenal do art. 27, do CDC. - Igual raciocínio se aplica à decadência, na medida em que “a data do vencimento da última prestação, em contrato de empréstimo consignado feito através de cartão de crédito, deve ser considerada como termo inicial na contagem do prazo decadencial, por tratar-se de relação jurídica de trato sucessivo” (TJMG - Apelação Cível 1.0000.20.598604-5/001, Relator(a): Des.(a) Maurílio Gabriel , 15ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 02/07/2021, publicação da súmula em 12/07/2021). - “Configura prática abusiva o empréstimo vinculado a cartão de crédito consignado cujos descontos ocorrem no valor mínimo, acarretando evolução desproporcional no débito, impossibilitando sua quitação”. (TJ-RO - RI: 70299894720178220001 RO 7029989-47.2017.822.0001, Data de Julgamento: 12/08/2019) - Não se revelando excessivo o valor da indenização, a manutenção da quantia arbitrada é medida que se impõe. - No que se refere à data de corte para o cancelamento do empréstimo, não há dificuldades em cumprimento da medida, eis que gozando a empresa de sistema informatizado, não há dificuldades em cumprir a determinação o mais rápido possível, desde que haja, evidentemente, vontade de fazê-lo. Quanto aos honorários advocatícios, não enxergo razões para sua redução, eis que compatíveis com o trabalho realizado, conforme dispõe o art. 85, § 2º, do CPC. VISTOS, relatados e discutidos estes autos, em que figuram como partes as acima nominadas. ACORDA a Quarta Câmara Especializada Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, rejeitar a preliminar, as prejudiciais e negar provimento ao recurso , integrando a decisão a certidão de julgamento constante dos autos. (0801182-51.2021.8.15.0521, Rel. Des. João Alves da Silva, APELAÇÃO CÍVEL, 4ª Câmara Cível, juntado em 11/05/2022). Dessa forma, rejeito a prejudicial de mérito de prescrição. DECADÊNCIA No que se refere à prejudicial de mérito de decadência, a parte promovida alega que o prazo decadencial para pleitear a anulação do negócio jurídico seria de quatro anos, nos termos do art. 178 do Código Civil, contando-se a partir da celebração do contrato, de modo que a suposta inércia da parte autora ensejaria a extinção do direito de ação. Contudo, tal argumentação não prospera no presente caso. Isso porque, tratando-se de relação jurídica de trato sucessivo, em que os descontos vêm sendo realizados de forma contínua e sucessiva no benefício previdenciário da parte autora, o termo inicial para contagem do prazo decadencial deve ser considerado a partir do último desconto efetuado, e não da data da contratação. Consoante entendimento jurisprudencial: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C NULIDADE CONTRATUAL E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO – PRESCRIÇÃO AFASTADA – DECADÊNCIA REJEITADA – TRATO SUCESSIVO – CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO – JUROS REMUNERATÓRIOS –AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE – COMPATIBILIDADE COM A MÉDIA DE MERCADO – IMPROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO – SENTENÇA REFORMADA – RECURSO PROVIDO. A prescrição aplicável ao caso é a quinquenal, prevista do Código de Defesa do Consumidor, cuja obrigação é de trato sucessivo, sendo o seu termo inicial a data correspondente ao vencimento da última parcela do empréstimo. Prescrição rejeitada. Da mesma forma, não configurada a decadência, porquanto o caso é de obrigação de trato sucessivo, já que há renovação automática do pacto ao longo do tempo, por meio dos descontos realizados mensalmente . No caso em que estipulada expressamente a taxa de juros e inexistindo abusividade nos juros remuneratórios, uma vez verificada a compatibilidade com a média indicada pelo BACEN para a espécie, há que se manter aquele percentual contratado. (TJ-MT 10127519520208110041 MT, Relator.: ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Data de Julgamento: 09/03/2022, Terceira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 11/03/2022). No caso concreto, os descontos impugnados ainda permanecem em curso, razão pela qual não se há falar em decadência do direito de ação. Não havendo o implemento do prazo legal, resta afastada a alegação de decadência. Dessa forma, rejeito a prejudicial de mérito de decadência. MÉRITO No caso em exame, a controvérsia central reside na alegação da parte autora de que jamais firmou contrato de cartão de crédito consignado junto ao Banco BMG S/A, sendo surpreendida com descontos mensais realizados em seu benefício previdenciário, originados de relação jurídica que afirma desconhecer. Fundamenta seus pedidos na suposta ausência de manifestação de vontade, requerendo, ao final, a declaração de nulidade do contrato, a restituição em dobro dos valores descontados e a indenização por danos morais. Nesse contexto, não há dúvidas de que são aplicáveis as regras insculpidas no Código de Defesa do Consumidor aos serviços prestados pelas instituições financeiras, por expressa previsão contida no parágrafo 2º do art. 3º do referido diploma legal, o qual enquadra expressamente a atividade bancária, financeira e de crédito como fornecedor. Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, editou a súmula 297, in verbis: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”, encerrando, desta forma, qualquer discussão sobre o assunto. De todo modo, deve-se lembrar que tal premissa não importa no acolhimento irrestrito da versão do consumidor, sendo sempre necessária a análise das peculiaridades do caso concreto a fim de se verificar qual a medida de justiça adequada à hipótese. Oportuno destacar, ainda, que a facilitação da defesa dos direitos do consumidor por meio da inversão do ônus probante, na forma prevista pelo referido dispositivo legal, não implica em exoneração irrestrita do encargo probatório, a teor do art. 373, I, do CPC, isto é, ao Autor caberá demonstrar, ainda que minimamente, o fundo do direito pleiteado. Vejamos: Art. 373. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; O Código de Defesa do Consumidor, dentre as normas que resguardam o interesse dos consumidores contra os abusos praticados pelos fornecedores, estabelece o princípio da boa-fé objetiva, definida como uma regra de conduta, como um dever das partes de agir conforme certos parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de se estabelecer o equilíbrio das relações de consumo. É incontroverso nos autos que a existência dos descontos está devidamente comprovada por meio do extrato previdenciário juntado pela própria parte autora. Por outro lado, o banco réu apresentou instrumento contratual contendo assinatura atribuída à parte autora e comprovante de transferência dos valores correspondentes à operação (ID 88571616), sustentando a licitude do negócio jurídico celebrado. Ante a alegação de fraude e impugnação da autenticidade da assinatura aposta no instrumento contratual, foi determinada a realização de perícia grafotécnica, oportunizando-se às partes a apresentação de quesitos e assistentes técnicos. Da análise detida do laudo grafotécnico, constata-se que o expert procedeu à comparação entre a assinatura aposta no contrato objeto da demanda e os padrões gráficos colhidos da própria autora. A perito, de maneira minuciosa, expôs suas conclusões de forma clara, destacando que não foram identificados indícios de adulteração, imitação ou falsificação, sendo plenamente compatível a assinatura do contrato com os padrões gráficos da autora. Vejamos: Ressalte-se que eventuais quesitos complementares apresentados pela parte autora foram igualmente respondidos, não tendo sido identificada qualquer inconsistência apta a infirmar o resultado do laudo. Ainda que a autora tenha, posteriormente, pleiteado a anulação do laudo pericial e a nomeação de novo perito, não logrou êxito em demonstrar vícios técnicos ou imparcialidade do perito nomeado, limitando-se a manifestações genéricas, destituídas de qualquer substrato concreto. Importante ressaltar que a prova pericial goza de presunção de veracidade e credibilidade, sobretudo quando, como no presente caso, não é contrariada por elementos idôneos. No tocante à distribuição do ônus da prova, ainda que se reconheça a vulnerabilidade da parte consumidora, certo é que, uma vez realizada a prova pericial que atesta a autenticidade da assinatura, a tese de fraude resta fragilizada. Não se trata aqui de mera inversão do ônus da prova, mas sim da apreciação do conjunto probatório, cabendo ao autor, mesmo sob a égide do CDC, apresentar indícios mínimos de que não anuiu com a contratação, o que não se verifica nos autos diante da robustez do laudo técnico. No presente caso, importa destacar que, nos termos do art. 373 do Código de Processo Civil, compete à parte autora o ônus de comprovar os fatos constitutivos de seu direito, ou seja, demonstrar a inexistência da relação contratual impugnada e a ausência de anuência para a contratação do cartão de crédito consignado. Ao réu, por sua vez, incumbe provar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito alegado pelo autor, como a efetiva celebração do contrato. Ademais, o instrumento contratual acostado pela instituição financeira encontra-se devidamente formalizado, contendo as principais condições do negócio jurídico, especialmente o valor contratado, os encargos incidentes e a autorização para desconto em benefício previdenciário. A juntada do comprovante de transferência bancária em favor da parte autora, correspondente ao valor do empréstimo, reforça a tese defensiva, corroborando a regularidade do negócio celebrado. Portanto, não tendo a parte autora logrado êxito em elidir a autenticidade da assinatura apontada pela perícia, impõe-se o reconhecimento da regularidade do contrato. A jurisprudência pátria é firme no sentido de que, uma vez reconhecida a autenticidade da assinatura pela perícia, presume-se válida a contratação, não se podendo imputar à instituição financeira a prática de ato ilícito ou falha na prestação do serviço. Veja-se, a propósito, os seguintes julgados: DIREITO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE CONTRATUAL. CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. PERÍCIA GRAFOTÉCNICA . I. CASO EM EXAME: A autora alega descontos em seu benefício previdenciário, referentes a um empréstimo consignado, e impugna a contratação. O banco réu defende a regularidade da contratação, apresentando documentos que comprovam a assinatura do contrato e a liberação de valores em conta da autora. A ação foi julgada improcedente, após a realização de perícia grafotécnica que indicou a legitimidade das assinaturas . II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO: (i) Analisar ocorrência de nulidade da sentença por ter sido a perícia realizada em cópia, e não no documento original. (ii) Verificar a validade da contratação do empréstimo consignado. (iii) Pleito de afastamento da multa de litigância de má-fé . III. RAZÕES DE DECIDIR: (i) Perícia grafotécnica que comprovou que a assinatura partiu do punho da autora. Desnecessária a apresentação da via original. Resolução CMN Nº 4 .476/2016. Art. 425, VI, CPC. Precedentes . A cópia digitalizada do documento possui o mesmo valor do documento original. (ii) Instituição financeira que trouxe aos autos elementos suficientes a comprovar a existência e regularidade do negócio jurídico celebrado entre as partes. Depósito realizado em conta legítima de titularidade da autora. Fraude não configurada . (iii) Aplicação de multa por litigância de má-fé mantida. Autora que conhecia o débito e sua origem e buscou alterar a verdade dos fatos para obter vantagem que sabia indevida. IV. DISPOSITIVO: Nega-se provimento ao recurso. (TJ-SP - Apelação Cível: 10051234020228260438 Penápolis, Relator.: Paulo Toledo, Data de Julgamento: 16/12/2024, Núcleo de Justiça 4.0 em Segundo Grau – Turma III (Direito Privado 2), Data de Publicação: 16/12/2024). APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E MATERIAL C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER. DESCONTOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ALEGAÇÃO DE NÃO CONTRATAÇÃO . SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. DOCUMENTAÇÃO QUE EVIDENCIA A EXISTÊNCIA DA CONTRATAÇÃO PELA PARTE AUTORA. PERÍCIA GRAFOTÉCNICA ATESTOU A LEGITIMIDADE DA ASSINATURA APOSTA EM CONTRATO. LICITUDE DOS DESCONTOS RECONHECIDA . CONFIGURADA A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. CONDENAÇÃO DEVIDA. EXIGIBILIDADE MESMO DIANTE DA GRATUIDADE JUDICIÁRIA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO . SENTENÇA MANTIDA. 1. Cinge-se a controvérsia ao exame do acerto ou do desacerto da sentença que julgou improcedentes os pedidos elencados na exordial e condenou a parte autora às penas por litigância de má-fé sem suspender a exigibilidade do débito, em razão da gratuidade judiciária. 2 . Extrai-se que a parte autora relata que em consulta ao extrato de seu benefício previdenciário (Pensão por Morte) tomou conhecimento da existência de um desconto mensal no valor de R$ 48,39 (quarenta e oito reais e trinta e nove centavos), sob a rubrica ¿Contrib. Anapps.¿, o qual sustenta desconhecer. 3 . Na situação em tela, a parte requerida se desincumbiu do ônus que lhe cabia, uma vez que juntou ficha de inscrição e termo de autorização dos descontos devidamente assinados pela autora, consoante documentos de fls. 52/56. Ademais, o juízo de piso determinou a realização de perícia grafotécnica, a qual concluiu que: ¿as assinaturas contestadas em contrato apresentado partiram do punho caligráfico do (a) senhor (a) Rita de Cássia de Vasconcelos.", laudo pericial de fls . 280/295. 4. No caso dos autos, percebe-se claramente que a autora alterou a verdade dos fatos que, de maneira inequívoca, são de seu conhecimento, conforme demonstrado pelos documentos acostados pelo promovido, o que restou comprovado com a apresentação do contrato devidamente assinado com assinatura da autora, bem como a demonstração em laudo pericial que a referida firma partiu do punho escritor da promovente. 5 . Ademais, é imperioso mencionar que o fato de a apelante ser beneficiária da gratuidade processual não afasta a obrigação imposta na sentença, pois o benefício da justiça gratuita não é impedimento legal para a imposição de pena por litigância de má-fé, como se depreende do CPC, art. 98, § 4º: "A concessão de gratuidade não afasta o dever de o beneficiário pagar, ao final, as multas processuais que lhe sejam impostas". 6. Recurso conhecido e desprovido . Sentença mantida. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, em que figuram as partes acima referidas, ACORDAM os Senhores Desembargadores da 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade, em conhecer do recurso apresentado para, no mérito, NEGAR-LHE PROVIMENTO, tudo nos termos do voto do Desembargador Relator, observadas as disposições de ofício. Fortaleza/CE, 25 de junho de 2024. DESEMBARGADOR FRANCISCO BEZERRA CAVALCANTE Relator. (TJ-CE - Apelação Cível: 00508500920208060101 Itapipoca, Relator.: FRANCISCO BEZERRA CAVALCANTE, Data de Julgamento: 25/06/2024, 4ª Câmara Direito Privado, Data de Publicação: 25/06/2024). No caso, ausente prova de fraude, má-fé ou falha no serviço bancário, não se verifica ilegalidade nos descontos realizados, nem tampouco fundamento para a declaração de nulidade do contrato ou devolução dos valores pagos. Por consequência, igualmente inexiste o alegado dano moral, pois inexiste ato ilícito apto a ensejar reparação, sendo certo que o mero aborrecimento decorrente do desconhecimento inicial do negócio não se reveste da gravidade necessária para configurar dano extrapatrimonial. Portanto, à luz das provas carreadas aos autos, especialmente da prova pericial técnica e idônea, concluo que a contratação efetivamente ocorreu, sendo legítimos os descontos realizados e, por conseguinte, improcedentes os pedidos de declaração de nulidade do contrato e restituição de valores. DANOS MORAIS O dano moral se verifica quando houver violação aos direitos da personalidade, não se confundindo com meros transtornos que a pessoa pode sofrer no seu dia a dia, posto que o mero dissabor não pode ser alçado ao patamar do dano moral, mas somente aquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições ou angústias no espírito de quem ela se dirige. No presente caso, não se vislumbra ofensa moral ao promovente, visto que a relação jurídica foi comprovada, bem como o dever de pagamento, não implicando, assim, no dano moral. Contudo, cumpre destacar que a jurisprudência pátria tem entendido que, em situações onde há cobranças indevidas, principalmente de valores descontados diretamente de contracheques ou benefícios previdenciários, há sim a possibilidade de reconhecimento do dano moral presumido (in re ipsa). Isto ocorre pelo fato de que descontos indevidos em proventos de aposentados ou pensionistas podem comprometer sua subsistência e lhes causar profundo abalo emocional, independentemente da comprovação de sofrimento psicológico. No entanto, no caso em tela, a documentação acostada demonstra que houve anuência do promovente quanto à contratação do serviço, descaracterizando, assim, o desconto como ato ilícito, sendo incabível a indenização pretendida. Nesse sentido, vejamos entendimento jurisprudencial: CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. Ação declaratória cumulada com indenização por dano moral e repetição do indébito julgada improcedente, com consequente apelo da autora. Descontos em benefício previdenciário a título de reserva de margem consignável para cartão de crédito – RMC . Contratação demonstrada pelo banco. Autorização para desconto em benefício previdenciário comprovada. Utilização do produto. Descontos pertinentes . Não ocorrência de dano moral. Sentença mantida. Apelação não provida. (TJ-SP - Apelação Cível: 1000972-40 .2022.8.26.0435 Pedreira, Relator.: JAIRO BRAZIL, Data de Julgamento: 24/04/2024, 15ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 24/04/2024). Insubsistente, assim, o pleito de reparação por danos morais. RECONVENÇÃO No presente feito, o Banco BMG S.A., em sede de reconvenção, formulou pedido para que, na hipótese de procedência dos pedidos iniciais, ou seja, caso fosse declarada a nulidade do contrato de cartão de crédito consignado e determinada a restituição dos valores descontados do benefício previdenciário da autora, fosse a demandante condenada à devolução dos valores por ela recebidos, bem como requerida a compensação de eventuais quantias devidas, tudo com o intuito de evitar o enriquecimento sem causa da parte autora. Entretanto, diante do desfecho da presente demanda, na qual se reconheceu, a partir da análise conjunta do conjunto probatório e, sobretudo, da prova pericial grafotécnica, a regularidade e a autenticidade da contratação, resta evidente que não há valores a serem restituídos nem se verifica a ocorrência de enriquecimento ilícito. Isso porque restou comprovado que o contrato foi firmado validamente pela autora, sendo legítimos os descontos realizados no benefício previdenciário, nos exatos termos pactuados, o que afasta qualquer presunção de ilicitude ou de recebimento indevido de valores. Assim, a pretensão deduzida em reconvenção estava estritamente condicionada ao acolhimento dos pedidos formulados na ação principal, ou seja, à hipótese de reconhecimento judicial da inexistência da contratação e consequente condenação do réu à restituição de valores. Como a improcedência da demanda principal afasta a ocorrência do alegado enriquecimento sem causa e a restituição de qualquer quantia, esvazia-se, de forma superveniente, o objeto do pedido reconvencional. Assim a jurisprudência tem entendido: APELAÇÃO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. PLANO DE BENEFÍCIOS FUNERÁRIOS. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS . AÇÃO PRINCIPAL JULGADA IMPROCEDENTE. RECONVENÇÃO JULGADA PREJUDICADA EM QUE A PARTE RÉ-RECONVINTE DEDUZIU PEDIDO EXCLUSIVAMENTE VINCULADO AO ACOLHIMENTO DO PEDIDO PRINCIPAL. RECONVENÇÃO PREJUDICADA. PERDA SUPERVENIENTE DO OBJETO DA RECONVENÇÃO . PLEITO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS NA RECONVENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. PRECEDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO . RECURSO IMPROVIDO. No caso em julgamento, o exame e acolhimento da reconvenção estava condicionado à procedência do pedido principal. Todavia, havendo a improcedência da ação principal, tornou-se prejudicado o acolhimento do pedido reconvencional pela superveniente perda de objeto, com sua extinção sem resolução do mérito. por isso, nesse caso, não há que se falar em sucumbência da autora-reconvinte . Precedente deste Tribunal de Justiça de São Paulo. (TJ-SP - AC: 10205349320198260482 SP 1020534-93.2019.8 .26.0482, Relator.: Adilson de Araujo, Data de Julgamento: 09/03/2021, 31ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 09/03/2021). Portanto, diante da ausência dos pressupostos de fato necessários ao exame do pedido reconvencional, deve-se reconhecer a perda superveniente do objeto da reconvenção, tornando prejudicada a apreciação de seu mérito. DISPOSITIVO AÇÃO PRINCIPAL: Ante o exposto, nos termos do art. 487, I, do CPC, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na ação principal, proposta por SEVERINA MARIA DA SILVA VIEIRA em face de BANCO BMG S.A. Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §2º, do CPC, observada a suspensão da exigibilidade em razão da gratuidade de justiça concedida. PLEITO RECONVENCIONAL: Em consequência, julgo EXTINTA A RECONVENÇÃO, nos termos do art. 485, VI, do CPC, por perda superveniente do objeto, nos moldes acima delineados. Com fulcro no §10º do art. 85 do CPC, condeno, com base no princípio da causalidade, o promovido em custas e honorários advocatícios, estes arbitrados no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) por equidade, na forma do artigo 85 § 8º do CPC e do TEMA 1.076/STJ, observada a suspensão da exigibilidade em razão da gratuidade de justiça concedida. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. JOÃO PESSOA, datado pelo sistema. ADRIANA BARRETO LOSSIO DE SOUZA Juíza de Direito
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