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Silmario Brito De Sousa x Azul Linhas Aereas Brasileiras S.A. e outros

ID: 335647114

Tribunal: TJPI Órgão: 10ª Vara Cível da Comarca de Teresina Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL Nº Processo: 0802815-87.2024.8.18.0140

Data de Disponibilização: 28/07/2025

Polo Ativo:

SILMARIO BRITO DE SOUSA

Polo Passivo:

AZUL LINHAS AEREAS BRASILEIRAS S.A. KONTIK FRANSTUR VIAGENS E TURISMO LTDA

Intimação

Advogados:

ELLEN CRISTINA GONCALVES PIRES

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MARCOS ANTONIO CARDOSO DE SOUZA

OAB/PI XXXXXX Desbloquear

FLAVIO IGEL

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PIAUÍ 10ª Vara Cível da Comarca de Teresina Praça Edgard Nogueira, s/n, Fórum Cível e Criminal, 4º Andar, Cabral, TERESINA - PI - CEP: 64000-830 PROCESSO Nº: 0802815-87.… PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PIAUÍ 10ª Vara Cível da Comarca de Teresina Praça Edgard Nogueira, s/n, Fórum Cível e Criminal, 4º Andar, Cabral, TERESINA - PI - CEP: 64000-830 PROCESSO Nº: 0802815-87.2024.8.18.0140 CLASSE: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) ASSUNTO(S): [Indenização por Dano Material, Repetição do Indébito] AUTOR: SILMARIO BRITO DE SOUSA REU: KONTIK FRANSTUR VIAGENS E TURISMO LTDA, AZUL LINHAS AEREAS BRASILEIRAS S.A. SENTENÇA Nº 0945/2025 1. RELATÓRIO Trata-se de Ação de Reembolso de Valor Pago em Passagens Aéreas com Indenização ajuizada por SILMARIO BRITO DE SOUSA em face de KONTIK FRANSTUR VIAGENS E TURISMO LTDA (ZUPPER VIAGENS) e AZUL LINHAS AEREAS BRASILEIRAS S.A., todos suficientemente individualizados na peça de ingresso. O Autor narra que adquiriu passagens aéreas, por intermédio da empresa Zupper (Kontik Franstur Viagens e Turismo Ltda), para os trechos Teresina – Rio de Janeiro (ida em 20 de outubro de 2023) e Rio de Janeiro – Teresina (volta em 25 de outubro de 2023), em voos operados pela AZUL LINHAS AEREAS BRASILEIRAS S.A., totalizando a quantia de R$ 1.768,42. Informa que, em 18 de outubro de 2023, foi acometido por uma doença grave infectocontagiosa, o que o levou a ser internado no Hospital Santa Maria de 19 de outubro de 2023 a 27 de outubro de 2023, conforme laudos médicos e prontuários hospitalares (IDs 51642680-51642682). Em razão de sua condição de saúde impeditiva, alega ter preenchido formulários no site da Zupper nos dias 19 e 25 de outubro de 2023, solicitando o cancelamento das passagens, mas não obteve nenhum protocolo ou retorno imediato. Diante da ausência de solução extrajudicial pelos canais diretos, em 01 de dezembro de 2023, buscou o site Reclame Aqui. Relata que a Zupper inicialmente informou que a isenção de multa por motivo de saúde seria analisada pela companhia aérea, mas exigiu sucessivamente um relatório de internação sem assinatura médica, depois o prontuário completo, e por fim, um laudo médico específico atestando a doença infectocontagiosa. Mesmo após o envio de toda a documentação comprobatória, a Azul, por meio da Zupper, negou a isenção de multas, informando que o cancelamento seguiria as regras tarifárias. Para a surpresa do autor, foi aplicada uma taxa de no-show (não embarque), resultando em um reembolso parcial de apenas R$ 615,39, correspondente a aproximadamente 35% do valor pago, com retenção de R$ 1.153,03, e a aplicação de multa de R$ 1.000,00 (R$ 500,00 ida + R$ 500,00 volta). Argumenta que não havia cláusula contratual específica sobre reembolso em caso de força maior e que o aviso de cancelamento foi feito com antecedência. Requereu a designação de audiência de conciliação, a concessão da inversão do ônus da prova e, no mérito, a restituição integral do valor das passagens não utilizadas, além da condenação das Requeridas ao pagamento de indenização por danos morais. Deferiu-se a gratuidade da justiça e designou-se a audiência de conciliação (ID 52093469). Contudo, restou infrutífera (ID 57874011). A KONTIK FRANSTUR VIAGENS E TURISMO LTDA apresentou contestação (ID 57779114), alegando, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva. No mérito, sustenta a improcedência dos pedidos, afirmando que o autor não comprovou ter solicitado o cancelamento tempestivamente e que a Azul negou a isenção da multa devido ao no-show. Alega que o Autor optou por uma tarifa promocional com penalidades em caso de não comparecimento e que, de todo modo, a Azul disponibilizou um crédito parcial. Impugnou o dano material, afirmando que o único valor cobrado diretamente pela Kontik foi a taxa de serviço de R$ 153,03, e que o dano moral não se configurou, tratando-se de mero aborrecimento sem comprovação de abalo excepcional, ou, subsidiariamente, que o valor pleiteado é excessivo. Defende, ainda, a não inversão do ônus da prova, pois não haveria verossimilhança nas alegações do Autor nem hipossuficiência. Em sede de réplica à contestação, a parte autora impugna a tese de defesa e ratifica os demais termos e pedidos de sua petição inicial (ID 69358656). O autor requereu o julgamento antecipado da lide, alegando a revelia da AZUL LINHAS AEREAS BRASILEIRAS S.A., uma vez que a citação da referida Ré havia sido entregue em 20 de fevereiro de 2025 e, segundo seu cálculo, o prazo para contestação teria se encerrado em 17 de março de 2025, sem a apresentação de defesa. Argumentou a ocorrência de confissão ficta, a desnecessidade de dilação probatória e a violação do princípio da razoável duração do processo. Aos 24 de março de 2025, a AZUL LINHAS AEREAS BRASILEIRAS S.A. apresentou contestação (ID 72883845), na qual preliminarmente, alegou ilegitimidade passiva. No mérito, defendeu a aplicação do Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA), em detrimento do Código de Defesa do Consumidor, com base na especificidade da lei e nas alterações promovidas pela Lei nº 14.034/2020, que introduziu o Art. 251-A do CBA, condicionando a indenização por dano extrapatrimonial à demonstração da efetiva ocorrência do prejuízo e de sua extensão. Sustenta que o reembolso integral seria indevido, pois o Autor estava ciente das regras tarifárias no momento da compra e não cumpriu as condições para cancelamento sem taxas (24h após a compra e 7 dias antes do embarque). Argumentou que a doença do Autor não possui nexo causal com a conduta da Ré e que os danos materiais e morais não foram comprovados, sendo os alegados aborrecimentos meros dissabores do cotidiano, pugnando pela improcedência dos pedidos. O Autor, por sua vez, impugna a tese de defesa e ratifica os demais termos e pedidos de sua petição inicial (ID 72917218). Certificou-se nos autos que a contestação da AZUL LINHAS AÉREAS foi apresentada no prazo legal. É o relatório. Decido. 2. FUNDAMENTAÇÃO O tema em discussão pode ser apreciado antecipadamente por revelar situação que não necessita de produção de prova testemunhal, pericial ou depoimento pessoal das partes em audiência, porque a questão de mérito se reveste delineada nas provas documentais da inicial e da defesa (art. 355, I, do CPC). 2.1. DA TEMPESTIVIDADE DA CONTESTAÇÃO DA AZUL LINHAS AEREAS BRASILEIRAS S.A. A parte Autora, em sua petição de ID 72502852 e na impugnação de ID 72917218, alegou a intempestividade da peça defensiva apresentada pela AZUL LINHAS AEREAS BRASILEIRAS S.A. (ID 72883845), argumentando que o prazo para contestação teria se encerrado em 17 de março de 2025, e a manifestação da Ré foi protocolada apenas em 24 de março de 2025. Contudo, conforme expressamente certificado nos autos pela Secretaria (ID 74853691), a contestação da AZUL LINHAS AEREAS BRASILEIRAS S.A. foi apresentada no prazo legal. A certidão de ID 74853691, emitida por servidor judicial, possui fé pública e atesta a regularidade da apresentação da defesa da referida Ré. Dessa forma, não há que se falar em revelia da AZUL LINHAS AEREAS BRASILEIRAS S.A., sendo sua peça defensiva devidamente conhecida e considerada para a análise do mérito da demanda. A controvérsia sobre a tempestividade foi dirimida pela certidão cartorária, que prevalece sobre as alegações da parte Autora nesse ponto. Assim, todos os argumentos e provas apresentados pela AZUL LINHAS AEREAS BRASILEIRAS S.A. em sua manifestação serão devidamente apreciados. Inicialmente analisarei as preliminares. 2.2. DA ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE PASSIVA As Requeridas, KONTIK FRANSTUR VIAGENS E TURISMO LTDA e AZUL LINHAS AEREAS BRASILEIRAS S.A., arguiram, preliminarmente, suas ilegitimidades passivas. A KONTIK FRANSTUR VIAGENS E TURISMO LTDA sustentou que atuou apenas como mera intermediadora da venda das passagens aéreas, sendo a AZUL LINHAS AEREAS BRASILEIRAS S.A. a única responsável pela prestação dos serviços e pelas políticas de cancelamento e reembolso. Por sua vez, a AZUL LINHAS AEREAS BRASILEIRAS S.A. alegou ilegitimidade passiva, aduzindo que o Autor adquiriu as passagens pela Kontik (Zupper), de modo que qualquer questão de reembolso deveria ser tratada diretamente com a agência intermediadora, não tendo a Azul participado da negociação inicial. As preliminares arguidas não merecem acolhimento. Conforme será detalhadamente exposto nos tópicos subsequentes, a relação jurídica estabelecida entre as partes é de consumo, regida pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990). No âmbito consumerista, a responsabilidade dos fornecedores que integram a cadeia de produção e comercialização de serviços é solidária, nos termos dos artigos 7º, parágrafo único, e 25, § 1º, do CDC. A agência de turismo, ao intermediar a venda de passagens aéreas, e a companhia aérea, como transportadora e definidora das regras tarifárias, são partes integrantes dessa cadeia de fornecimento e, portanto, respondem solidariamente pelos danos causados ao consumidor. A alegação de mera intermediação não exime a KONTIK FRANSTUR VIAGENS E TURISMO LTDA de sua responsabilidade, uma vez que atuou como preposta ou representante autônoma da companhia aérea, vinculando-se à responsabilidade pelos atos praticados na oferta do serviço, conforme o art. 34 do CDC. Do mesmo modo, a Lei nº 11.771/2008, que dispõe sobre a Política Nacional de Turismo, em seu art. 27, define a agência de turismo como pessoa jurídica que exerce a atividade econômica de intermediação remunerada entre fornecedores e consumidores de serviços turísticos ou os fornece diretamente, o que apenas corrobora sua posição na cadeia de consumo e sua sujeição às normas consumeristas. A AZUL LINHAS AEREAS BRASILEIRAS S.A., como fornecedora final do serviço de transporte, não pode se eximir da responsabilidade sob o argumento de que a contratação se deu por intermédio da agência, pois o consumidor estabelece uma relação com toda a cadeia de fornecimento, e não apenas com um de seus elos isoladamente. Diante do exposto, rejeito as preliminares de ilegitimidade passiva arguidas por KONTIK FRANSTUR VIAGENS E TURISMO LTDA e AZUL LINHAS AEREAS BRASILEIRAS S.A., e passo à análise do mérito. 2.3. DA RELAÇÃO DE CONSUMO E DA APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR De início, é imperativo analisar a natureza jurídica da relação estabelecida entre as partes. O Autor enquadra-se na definição de consumidor, nos termos do caput do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), por ser o destinatário final do serviço de transporte aéreo. As Requeridas, KONTIK FRANSTUR VIAGENS E TURISMO LTDA e AZUL LINHAS AEREAS BRASILEIRAS S.A., por sua vez, qualificam-se como fornecedoras, conforme o caput e § 2º do art. 3º do mesmo diploma legal, uma vez que desenvolvem atividades de prestação de serviços no mercado de consumo, mediante remuneração. O serviço de venda e intermediação de passagens aéreas e o próprio transporte aéreo são, indubitavelmente, atividades fornecidas no mercado de consumo, caracterizando a relação como consumerista. A argumentação da AZUL LINHAS AEREAS BRASILEIRAS S.A. e da KONTIK FRANSTUR VIAGENS E TURISMO LTDA, buscando afastar a aplicação do CDC em favor do Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA), não prospera. Embora o CBA (Lei nº 7.565/86) seja uma legislação específica para o setor aéreo, e a Lei nº 14.034/2020 tenha introduzido o art. 251-A, o Código de Defesa do Consumidor possui natureza de norma geral e principiológica que tutela os direitos dos consumidores em todas as relações de consumo, inclusive as de transporte. A teoria do diálogo das fontes, amplamente aceita pela doutrina e pela jurisprudência, preceitua que, em relações consumeristas, as normas do CDC e as normas específicas devem ser aplicadas de forma coordenada e complementar, buscando sempre a solução mais favorável ao consumidor, que é a parte vulnerável da relação. Não há revogação tácita do CDC pelo CBA, tampouco incompatibilidade que impeça a aplicação de ambos os diplomas. O CDC atua como um sistema protetivo que se soma às demais legislações, aplicando-se de forma prevalente nos aspectos que visam garantir a defesa e a reparação dos direitos do consumidor, especialmente em casos de falha na prestação de serviço. Sobre o assunto, verifico que o STJ entende que, após a entrada em vigor da Lei nº 8.078/90, a responsabilidade civil das companhias aéreas em decorrência da má prestação de serviços não é mais regulada pelo Código Brasileiro de Aeronáutica. Nesse sentido, veja-se jurisprudência atual: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRANSPORTE AÉREO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. ATRASO NO VOO E EXTRAVIO DE BAGAGEM. REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. APLICAÇÃO. DECISÃO MANTIDA. 1. Sendo a relação entre as partes regida pelo Código de Defesa do Consumidor, a jurisprudência deste STJ entende que "a responsabilidade civil das companhias aéreas em decorrência da má prestação de serviços, após a entrada em vigor da Lei 8.078/90, não é mais regulada pela Convenção de Varsóvia e suas posteriores modificações (Convenção de Haia e Convenção de Montreal), ou pelo Código Brasileiro de Aeronáutica, subordinando-se, portanto, ao Código Consumerista" ( AgRg no AREsp n. 582.541/RS, Relator Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 23/10/2014, DJe 24/11/2014). 2. Incidência da Súmula n. 83/STJ. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ - AgRg no AREsp: 661046 RJ 2015/0027690-4, Relator: Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, Data de Julgamento: 17/09/2015, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/09/2015) A Lei nº 11.771/2008, que dispõe sobre a Política Nacional de Turismo, também citada pela Requerida Kontik, em seu art. 27, define a agência de turismo como pessoa jurídica que exerce a atividade econômica de intermediação remunerada entre fornecedores e consumidores de serviços turísticos ou os fornece diretamente. Tal dispositivo não exclui, mas reafirma a posição da agência na cadeia de consumo, sujeitando-a às disposições do CDC. 2.4. DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DAS REQUERIDAS As Requeridas, KONTIK FRANSTUR VIAGENS E TURISMO LTDA (agência de turismo) e AZUL LINHAS AEREAS BRASILEIRAS S.A. (companhia aérea), integram a cadeia de fornecimento de serviços, caracterizando a responsabilidade solidária pelos danos causados ao consumidor. O parágrafo único do art. 7º do Código de Defesa do Consumidor é taxativo ao estabelecer que tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo. Complementarmente, o art. 25, § 1º, do CDC reafirma que havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas Seções anteriores. A argumentação da KONTIK FRANSTUR VIAGENS E TURISMO LTDA de que seria mera intermediadora, e da AZUL LINHAS AEREAS BRASILEIRAS S.A. de que o serviço foi contratado via agência, visando afastar a solidariedade, não se sustenta. O consumidor, ao adquirir um serviço turístico complexo como uma passagem aérea, não estabelece uma relação isolada com cada elo da cadeia, mas sim com o conjunto de fornecedores que se apresentam para ofertar o produto ou serviço. A agência de turismo, ao intermediar a venda, atua como preposta ou representante autônoma da companhia aérea, vinculando-se à responsabilidade pelos atos praticados na oferta do serviço, nos termos do art. 34 do CDC, que expressamente dispõe: O fornecedor de produtos ou serviços é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos. Mesmo que a KONTIK FRANSTUR VIAGENS E TURISMO LTDA alegue que sua função se limitava à intermediação e à emissão do bilhete, a falha na comunicação tempestiva do cancelamento, a ausência de um canal eficiente para o consumidor em situação de urgência e a dificuldade em resolver a questão extrajudicialmente contribuíram para o agravamento da situação do Autor. Do mesmo modo, a AZUL LINHAS AEREAS BRASILEIRAS S.A., como transportadora, detentora das regras tarifárias e responsável pela execução do voo, é a fornecedora final do serviço, não podendo se eximir da responsabilidade pelos danos decorrentes da recusa de reembolso integral ou da aplicação de multas abusivas. É fundamental reiterar que a responsabilidade dos fornecedores, no âmbito do direito do consumidor, é objetiva, conforme preceitua o art. 14 do CDC. Isso significa que a reparação dos danos independe da existência de culpa, bastando a comprovação do nexo de causalidade entre a conduta (ou omissão) do fornecedor e o dano sofrido pelo consumidor. As excludentes de responsabilidade previstas no § 3º do art. 14 do CDC (culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, ou caso fortuito/força maior) devem ser analisadas com rigor. No presente caso, a alegação de culpa exclusiva do Autor por não comunicar tempestivamente o cancelamento é rebatida pela prova de que o Autor estava em internação hospitalar por doença grave e que tentou o contato via formulário do site da agência, método de comunicação disponibilizado pelas próprias rés. A doença que impediu o embarque, embora caracterize força maior para o consumidor, não exclui a responsabilidade do fornecedor em relação à adequada gestão do contrato e à flexibilização das regras tarifárias em situações excepcionais, conforme será analisado adiante. 2.5. DA FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO, VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO E ABUSIVIDADE DA COBRANÇA A análise dos fatos revela uma clara falha na prestação dos serviços por parte das Requeridas, em diversos aspectos. Primeiramente, houve falha no dever de informação e no suporte ao consumidor. O Autor narra que tentou o cancelamento por meio de formulários no site da Zupper, sem a geração de protocolo ou contato imediato. Apenas após a reclamação no site Reclame Aqui, em 01 de dezembro de 2023, mais de um mês após a data do voo de ida (20/10/2023), foi que as empresas responderam (ID 51642688). Essa demora e a burocracia excessiva para o cancelamento, exigindo sucessivos documentos (relatório médico sem assinatura, prontuário, laudo médico específico), demonstraram uma evidente falta de canais de comunicação eficazes e de sensibilidade para lidar com uma situação de urgência médica. Sobre o tema, o art. 6º, III, do CDC impõe ao fornecedor o dever de informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem. A ausência de um procedimento claro e acessível para o cancelamento em casos de força maior, especialmente considerando a doença grave do consumidor, configura violação desse dever. Em segundo lugar, a recusa de reembolso integral e a aplicação de multa abusiva são manifestamente contrárias às normas consumeristas e regulatórias. O Autor comprovou, por meio de laudos e prontuários médicos (ID 51642680-51642682), que estava internado por uma doença infectocontagiosa durante o período de sua viagem. Tal situação configura motivo de força maior, que impossibilitou o embarque. A insistência das Requeridas em aplicar a taxa de no-show, que se refere à ausência do passageiro sem aviso prévio, revela uma conduta desproporcional e abusiva, especialmente porque o Autor buscou, desde 19/10/2023, comunicar a impossibilidade de viajar pelos canais disponibilizados. A Portaria nº 676/GC-5/2000 da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), em seu art. 7º, § 1º, estabelece que se o reembolso for decorrente de uma conveniência do passageiro, sem que tenha havido qualquer modificação nas condições contratadas por parte do transportador, poderá ser descontada uma taxa de serviço correspondente a 10% do saldo reembolsável ou o equivalente, em moeda corrente nacional, a US$ 25.00, convertidos à taxa de câmbio vigente na data do pedido do reembolso, o que for menor. Embora esta disposição trate de conveniência do passageiro, a interpretação sistemática do ordenamento jurídico, em uma relação de consumo, aponta para a abusividade de retenções desproporcionais em casos de força maior. A aplicação de uma multa de R$ 1.000,00 sobre um valor total de passagem de R$ 1.768,42, correspondendo a aproximadamente 56,5%, e o reembolso de apenas 35% do valor, vai muito além dos limites da razoabilidade e do que seria permitido mesmo em casos de mera desistência. Ademais, o art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor declara nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade. A imposição de uma multa de no-show em uma situação de internação médica emergencial, aliada à dificuldade de comunicação e à recusa em flexibilizar as regras contratuais, configura flagrante desvantagem exagerada ao consumidor e afronta o princípio da boa-fé objetiva, que deve permear as relações contratuais. O fato de o Autor ter adquirido uma tarifa LIGHT, conforme alegado pelas rés, não justifica a retenção abusiva em uma situação de força maior, pois o consumidor não pode ser compelido a arcar com penalidades onerosas por um evento imprevisível e inevitável. 2.6. DOS DANOS MATERIAIS O Autor busca a restituição integral do valor das passagens aéreas, no montante de R$ 1.768,42. As provas documentais (ID 51643405) confirmam o valor total pago pelas passagens. As rés retiveram R$ 1.153,03, alegando a aplicação da multa de no-show no valor de R$ 1.000,00 e a não restituição da taxa de serviço da Zupper, de R$ 153,03. Conforme amplamente fundamentado, a aplicação da multa de no-show em caso de impossibilidade de embarque por doença grave e devidamente comunicada, ainda que com atraso na resposta das rés, é abusiva. A atitude do consumidor de buscar o cancelamento, mesmo diante das dificuldades impostas pelas empresas e em situação de internação, afasta a caracterização de "no-show" como mera ausência injustificada. O reembolso parcial efetuado não foi suficiente para compensar o valor integral pago pelo consumidor. A retenção de aproximadamente 65% do valor da passagem é excessiva e desproporcional, violando o equilíbrio contratual e o dever de boa-fé. Mesmo sob a égide da Portaria ANAC nº 676/GC-5/2000, o limite de 10% de taxa de serviço é aplicável para cancelamento por conveniência do passageiro. No caso de força maior, a retenção de valores deve ser mínima ou inexistente, considerando a ausência de culpa do consumidor. Portanto, o valor a ser restituído ao Autor a título de danos materiais é o integral da passagem, R$ 1.768,42, uma vez que a retenção foi indevida e abusiva. Nesse sentido, colaciono jurisprudência: APELAÇÃO CÍVEL. RELAÇÃO DE CONSUMO. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANO MATERIAL E MORAL. CANCELAMENTO DE PASSAGEM AÉREA PELO CONSUMIDOR EM RAZÃO DA OCORRÊNCIA DE FORÇA MAIOR . COMPROVAÇÃO DE ACOMETIMENTO DA PARTE AUTORA POR DOENÇA. NEGATIVA DA COMPANHIA AÉREA NA DEVOLUÇÃO DO VALOR DAS PASSAGENS. DANOS MATERIAIS E MORAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL . IRRESIGNAÇÃO DA COMPANHIA AÉREA. 1- A controvérsia cinge-se à legalidade da retenção do valor das passagens e se de tal conduta originou danos extrapatrimoniais. 2- Negativa da ré quanto a devolução integral dos valores que restou incontroversa, justificando a companhia aérea que as passagens foram adquiridas em valor promocional que não permite reembolso. 3- Atestado médico juntado que comprova o acometimento de doença severa, necessitando de acompanhando médico assíduo e uso de medicação controlada, justificando o cancelamento da viagem pela requerente . 4- Abusividade da conduta da ré, uma vez que configura renúncia ao direito do consumidor e torna ineficaz a sua opção pelo reembolso dos valores pagos. Aplicação do artigo 51, incisos I e II do CDC. 5- Demostrado nos autos motivo de força maior, fazem jus os autores à restituição integral dos valores pagos. 6- Dano moral configurado . 7- Negativa indevida da ré na devolução dos valores que configura violação a direitos da personalidade. Verba no valor de R$ 4.000,00 que se mostra adequada às circunstâncias do caso concreto e dentro dos parâmetros da razoabilidade e proporcionalidade. 8- Majoração dos honorários advocatícios em grau recursal . RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJ-RJ - APELAÇÃO: 01508982220208190001 202200109404, Relator.: Des(a). JOÃO BATISTA DAMASCENO, Data de Julgamento: 09/03/2022, QUINTA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 24ª CÂMARA CÍVEL), Data de Publicação: 17/03/2022). TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL. CANCELAMENTO DE PASSAGENS AÉREAS. MOTIVAÇÃO PELO GRAVE ESTADO DE SAÚDE DA CONSUMIDORA. FORÇA MAIOR . RECONHECIMENTO. REEMBOLSO DE VALORES. VIOLAÇÃO DO DIREITO DE INFORMAÇÃO. DANOS MORAIS . RECONHECIDOS. Ação de indenização. Sentença de improcedência. Recurso dos autores . Primeiro, determino a devolução dos valores dos bilhetes aéreos. Viagem internacional para o trecho São Paulo – Veneza. Situação em que, na véspera da viagem, a autora apresentou problema de saúde com internação por pneumonia e Gripe H1N1. Passageira portadora de leucemia linfoide crônica . Cancelamento que não teve origem numa desistência imotivada, mas por grave quadro clínico que a impossibilitou de viajar. Abusividade no percentual de perda do valor das passagens. Não se vislumbrou justificativa econômica para retenção de todo o valor pago pela viagem. Caberia à prestadora demonstrar os danos decorrentes do cancelamento realizado pelos consumidores, a fim de justificar multa demasiadamente elevada . Pode-se concluir que aquela disposição cria um mecanismo de multa compensatória sem equilíbrio. Não se propõe uma justa composição dos prejuízos. Incidência do artigo 51, IV do CDC. Interpretação do § 3º do artigo 740 do Código Civil e no artigo 3º da Resolução 400 da ANAC . E segundo, reconheço a existência de danos morais passíveis de reparação. A prova dos autos revelou que os autores vivenciaram situação de intensa frustração. Os consumidores ficaram privados de quantia relevante, num momento em que estava acometida por grave estado de saúde, além do longo período de tentativa de resolução do imbróglio. No caso concreto, a companhia ré descumpriu sua obrigação contratual, situação esta que extrapolou o mero dissabor cotidiano . O reembolso das passagens somente restou garantido por meio de ação judicial. Ação julgada procedente em segundo grau. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ-SP - Apelação Cível: 1128449-47.2023.8.26 .0100 São Paulo, Relator.: Alexandre David Malfatti, Data de Julgamento: 23/04/2024, 12ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 23/04/2024). Apelação - Responsabilidade civil – Ação de indenização por danos materiais e morais – Ilegitimidade "ad causam" afastada - Relação de consumo - Responsabilidade da requerida que é de caráter objetivo e solidária, nos termos do art. 7º e art. 25, § 1º, ambos do Código de Defesa do Consumidor, aplicável no caso vertente – Transporte aéreo – Pacote de viagem - Cancelamento por motivo de doença – Recusa à restituição da totalidade dos valores pagos pelas passagens aéreas - Caso fortuito que caracteriza justa causa para a rescisão contratual e exclui a cláusula penal – Restituição dos valores pagos pelas passagens aéreas que deve ser integral – Autoras que também fazem jus à indenização por danos morais – Recurso provido. (TJ-SP - AC: 10013130620188260565 SP 1001313-06 .2018.8.26.0565, Relator.: Thiago de Siqueira, Data de Julgamento: 20/03/2019, 14ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 20/03/2019). 2.7. DOS DANOS MORAIS Os fatos narrados e comprovados nos autos demonstram que a situação vivenciada pelo Autor ultrapassou o mero aborrecimento ou dissabor cotidiano, configurando verdadeiro dano moral indenizável. O Autor, em um momento de extrema vulnerabilidade, internado por uma doença grave e sob uso de medicamentos, teve que enfrentar a angústia e a frustração de tentar resolver o problema do cancelamento das passagens, sem obter o suporte adequado e com a recusa injustificada das requeridas em proceder ao reembolso integral. A peregrinação para obter os documentos exigidos, as sucessivas negativas das empresas mesmo após a apresentação de provas robustas de sua condição de saúde, e a persistência na cobrança de uma multa indevida, agravaram significativamente seu sofrimento em um período já delicado de sua vida. A falta de empatia e a burocracia excessiva, somadas à demora na resolução do problema, contribuíram para intensificar a dor, a angústia e o sentimento de impotência do consumidor. Reconhecida a obrigação de indenizar, surge a árdua tarefa de avaliação pecuniária do dano moral, em face da inexistência de dispositivos legais que estabeleçam critérios objetivos. A doutrina e a jurisprudência, a fim de guiar o julgador, estabeleceram uma série de circunstâncias a serem observadas quando da avaliação do quantum devido, dentre os quais a natureza compensatória e sancionatória da indenização, considerando ainda as condições financeiras de cada parte. Em relação ao caráter compensatório, o valor da indenização deve suprimir, ainda que de forma imperfeita, a dor, angústia e sofrimento suportados. Atendendo à sua função sancionatória, deve servir como reprimenda, a fim de que, por meio de sanção patrimonial, sirva como desestímulo à prática com igual desídia no futuro. E, considerando as condições financeiras de cada parte, deve-se evitar o enriquecimento ilícito. Assim, considerando a grande reprovação do fato em debate, entendo que a quantia de R$ 2.000,00 mostra-se no âmbito da razoabilidade, sendo suficiente para configurar sanção patrimonial à empresa ré, além de promover reparação equitativa para o abalo moral sofrido sem, contudo, implicar enriquecimento ilícito da promovente. 3. DISPOSITIVO Diante de todo o exposto, bem como em atenção aos princípios da boa-fé objetiva, da equidade e da dignidade da pessoa humana, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial para: a) CONDENAR solidariamente as requeridas a restituição de danos materiais do valor integral de R$ 1.768,42, referente às passagens aéreas, compensando-se com o valor devolvido a parte demandante, que deve ser corrigido monetariamente a partir da data do efetivo depósito / transferência / disponibilização do respectivo valor na conta da parte autora, tudo a ser verificado em eventual cumprimento de sentença; b) condenar às rés ao pagamento de indenização por danos morais no valor deR$ 2.000,00, sobre o qual deverá incidir juros moratórios de 1% ao mês a partir da citação, e correção monetária a partir do arbitramento (data da prolação da sentença), nos termos da súmula 362 do STJ. Em observância ao Provimento Conjunto nº 06/2009 do E. TJ/PI, que determina a aplicação, no âmbito do Poder Judiciário do Estado do Piauí, da Tabela de correção monetária adotada na Justiça Federal, a correção monetária acima estipulada deve observar o índice de atualização das sentenças condenatórias em geral da Justiça Federal, isto é, o IPCA-E/IBGE, atentando-se à vedação de cumulação com a Selic. Ou seja, se o juros de mora corresponderem à taxa Selic, o IPCA-E deixa de ser aplicado como indexador de correção monetária a partir da incidência da Selic. No caso, por se tratar de devedor não enquadrado como Fazenda Pública, relativamente aos juros de mora, aplica-se a Selic (art. 406 do Código Civil), que deve incidir de forma simples a partir do termo inicial dos juros de mora até o mês anterior ao pagamento, e 1% no mês do pagamento. Diante da sucumbência, condeno as requeridas, solidariamente, ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor total da condenação, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil. Transitada em julgado a presente sentença, e cumpridas as formalidades legais, arquivem-se os autos, com as devidas baixas e anotações. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. TERESINA-PI, datado eletronicamente. Juiz(a) de Direito da 10ª Vara Cível da Comarca de Teresina

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