Processo nº 0001122-04.2025.8.16.0179
ID: 312096848
Tribunal: TJPR
Órgão: Vara de Registros Públicos e Corregedoria do Foro Extrajudicial de Curitiba
Classe: DúVIDA
Nº Processo: 0001122-04.2025.8.16.0179
Data de Disponibilização:
01/07/2025
Polo Passivo:
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - FORO CENTRAL DE CURITIBA VARA DE REGISTROS PÚBLICOS E CORREGEDORIA DO FORO EXTRAJUDICIAL DE CURITIBA - PROJUDI Rua M…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - FORO CENTRAL DE CURITIBA VARA DE REGISTROS PÚBLICOS E CORREGEDORIA DO FORO EXTRAJUDICIAL DE CURITIBA - PROJUDI Rua Mauá, 920 - 11º andar - Alto da Glória - Curitiba/PR - CEP: 80.030-901 - Fone: (41)3210-7799 - E-mail: ctba-45vj-s@tjpr.jus.br Autos nº. 0001122-04.2025.8.16.0179 Processo: 0001122-04.2025.8.16.0179 Classe Processual: Dúvida Assunto Principal: Tabelionatos, Registros, Cartórios Valor da Causa: R$0,01 Requerente(s): CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA 3ª CIRCUNSCRIÇÃO DE CURITIBA representado(a) por THAÍS HELENA OLIVEIRA CARVAJAL MENDES Interessado(s): SENTENÇA Trata-se de suscitação de dúvida formulada pela Sra. Registradora do 3° Registro de Imóveis de Curitiba em face de solicitação do suscitado José Manuel Justo da Silva em razão da diligência registral n° 1868/2025 oriunda da prenotação n° 277.505, na qual foi mantida a impossibilidade de registro do título apresentado. Segundo consta dos autos, inicialmente foi prenotada escritura pública de inventário e partilha lavrada no 7° Tabelionato de Notas de Curitiba referente ao imóvel de matrícula n° 6.786 sob n° 275.117, sendo emitida diligência que já indicava a impossibilidade de registro do título enquanto perdurasse restrições de indisponibilidade em nome dos herdeiros renunciantes. Novamente prenotado o título, foi reiterada a diligência registral anterior, sendo então protocolado pedido de reconsideração com suscitação de dúvida pelo interessado visando questionar as exigências formuladas. Sustenta a Sra. Registradora que a impossibilidade do registro do título teve como fundamento a existência de ordem judicial de indisponibilidade de direitos e bens na CNIB em nome dos renunciantes, atingindo todos os seus direitos reais atuais e futuros, com a finalidade de evitar a transmissão de bens e direitos pelo atingido pela ordem de indisponibilidade. Esclarece que, conquanto não tenha ocorrido a transmissão da herança, em razão da renúncia formulada pelos herdeiros, é inegável que, no momento do óbito de seus genitores nasceu o direito à renúncia ou à aceitação da herança, sobre o qual a ordem de indisponibilidade operou seus efeitos, o que implicou no óbice ao registro pretendido até o cancelamento das mesmas. Pondera que a indisponibilidade não recai somente sobre o patrimônio físico do herdeiro, mas inclusive sobre o seu direito sobre ele, do qual a renúncia à herança faz parte. Assim, existindo o direito à renúncia, eventual ordem de indisponibilidade opera efeitos, justificando a exigência apresentada. Concluiu que a matéria deve ser levada ao conhecimento do MM. Juízo que determinou a indisponibilidade de seus direitos a fim de possibilite então o registro do título. Por fim, no tocante ao item 2 da diligência registral, sustentou a desnecessidade de apresentação de tradução juramentada do assento de casamento dos inventariados por estarem em língua portuguesa e do mencionado documento consultar a respeito do regime de bens adotado. Informou que a própria Registradora reconhece ser desnecessária a tradução juramentada do documento estrangeiro em língua portuguesa, nos termos do Art. 493, § 2°, do CNFE. Porém, não há como se dispensar a apresentação de documento expedido pelo consulado ou outro documento oficial certificando o regime de bens adotado no casamento dos autores da herança, ocorrido em Portugal. Isto porque a averbação do regime de bens é medida necessária à luz do princípio da continuidade, tendo em vista a necessidade de se refletir no fólio real a comunicabilidade do bem no âmbito conjugal, sobretudo diante dos efeitos sucessórios decorrentes. Assim, uma vez que nada consta no assento de casamento apostilado acerca do regime de bens, necessária a apresentação de documento expedido pelo Consulado ou outro documento oficial válido a respeito do regime de bens adotado. Foram juntados documentos (mov. 1.1 a 1.40). Por fim, instado a se manifestar o Ministério Público opinou pela procedência da dúvida, com a manutenção das exigências apresentadas pela Sra. Registradora (mov. 9). Relatados. Decido. A Lei 8.935/94, em seu art. 30, inc. XIII, define como dever do notário e do oficial de registro encaminhar “ao juízo competente as dúvidas levantadas pelos interessados”, definição esta que foi reproduzida no art. 192, inc. XIII da Lei estadual 14.277/03 (Código de Organização Judiciária do Paraná). Referido procedimento de dúvida, regrado pelos arts. 198 e seguintes da Lei 6.015/73, é conceituado por LAMANA PAIVA como um “mecanismo que serve para verificar a correção – ou não – das exigências formuladas pelo Registrador, ou para que o mesmo seja autorizado a proceder a um ato registral, quando a parte não apresente condição de atendê-las”[1]. Trata-se, assim, de instrumento administrativo cuja finalidade precípua é obter a manifestação do Juízo Corregedor acerca da divergência de entendimentos e exigências entre o registrador ou notário e o interessado no registro ou lavratura do ato. A natureza administrativa do procedimento, segundo LAMANA PAIVA, não admite “discussões de alta indagação para o deslinde de questões complexas”[2], as quais, a partir da iniciativa do interessado, poderão ser manejadas perante o órgão competente do Judiciário. Cumpre observar que o procedimento de dúvida tem objeto certo, qual seja, o exame da regularidade a exigência do registrador combatida pelo interessado. Portanto, outros elementos que não integram o questionamento inicial não têm qualquer influência para a análise da correção do procedimento adotado, já que a natureza do procedimento tem como objetivo a análise da legalidade ou não da qualificação realizada pelo registrador. A dúvida, segundo Luiz Guilherme Loureiro (Registros Públicos – Teoria e Prática, 2017, p. 653), “é o procedimento administrativo por meio do qual o apresentante de um título registral, não se conformando com as exigências formuladas pelo registrador ou com a decisão que desde logo negue o registro, requer ao juiz competente para que este, após proceder à requalificação do documento, determine que este tenha acesso ao fólio real”. Busca-se dirimir o dissenso entre o apresentante do título e o oficial estritamente quanto as questões - já existentes - relativas à registrabilidade, de modo que não cabe dilação probatória. Ressalte-se que apesar de o art. 201 da lei 6.015/1973 autorizar a realização de diligências na fase que antecede a sentença, estas são feitas em caráter restrito, com finalidade exclusivamente esclarecedora. Ainda no tocante à dúvida, nos termos do art. 198 da Lei 6.015/73: "Havendo exigência a ser satisfeita, o oficial indicá-la-á por escrito. Não se conformando o apresentante com a exigência do oficial, ou não podendo satisfazer, será o título, a seu requerimento e com a declaração de dúvida, remetido ao juízo competente para dirimi-la [...] ". Sabe-se que na esfera registral os documentos submetidos ao registrador devem reunir os requisitos exigidos pelas normas legais para que possam ser registrados (princípio da legalidade), cujo exame é realizado por meio da qualificação por parte do registrador. É necessário que o título seja válido e perfeito. Isto porque o sistema registral é complexo, tendo o Brasil adotado o modelo do Título-Modo, tornando a atividade do registrador extremamente técnica, na medida em que precisa coordenar três princípios fundamentais, a saber: disponibilidade, continuidade e especialização que, entre tantos outros, são de extremo rigor formal. Assim, por meio do exame de qualificação, o registrador faz o controle da legalidade do título a ele submetido a exame, independente da natureza do título, a fim de que seja possibilitado o seu ingresso no fólio real. Como conceituado pelo Desembargador Ricardo Dip (Sobre a qualificação no Registro de Imóveis, 1991, p. 12): "Diz-se qualificação registral (imobiliária) o juízo prudencial, positivo ou negativo, da potência de um título em ordem a sua inscrição predial, importando no império de seu registro ou de sua irregistração”. Ressalte-se que a análise dos títulos apresentados considera apenas as informações já existentes na matrícula, em homenagem ao princípio da concentração. Entender ao contrário significaria abandonar o sistema de fólio real adotado pela sistemática registral brasileira, que tem justamente como fundamento a concentração dos atos na matrícula imobiliária. Dito isso, nota-se que a devolutiva apresentada pela Sra. Registradora possui dois fundamentos: a) a impossibilidade de registro da escritura pública de inventário em razão da existência de indisponibilidade de bens em nome dos renunciantes Vitor Justo da Silva e Lilian Luzia Moreira da Silva, o que impediria o seu registro; b) a apresentação de via original ou cópia autenticada da certidão de casamento estrangeiro, devidamente apostilada e acompanhada de tradução, além do registro nos Títulos e Documentos, bem como documento expedido pelo Consulado certificando o regime de bens adotado e forma de comunicação dos bens. E, da análise dos autos, tem-se assistir razão à Sra. Registradora. Explica-se. A indisponibilidade de bens é medida constritiva destinada a impedir que o proprietário devedor se desfaça de seu patrimônio, a fim de assegurar a satisfação de obrigações creditícias existentes em face de seus credores, nas quais figura ou como devedor ou como responsável patrimonial. É regulamentado pelo Provimento n° 39/2014 com alterações promovidas pelo Provimento n° 142/2023, posteriormente compiladas no Código Nacional de Normas do Foro Extrajudicial, cuja finalidade é “a recepção e divulgação, aos usuários do sistema, das ordens de indisponibilidade que atinjam patrimônio imobiliário indistinto, assim como direitos sobre imóveis indistintos, e a recepção de comunicações de levantamento das ordens de indisponibilidades nela cadastradas”. Conforme compilado na decisão [CSMSP - APELAÇÃO CÍVEL: 1001772-70.2020.8.26.0263; de 22/11/2021], a indisponibilidade é considerada pela doutrina da seguinte forma: (a) representa uma "inalienabilidade de bens, que pode provir das mais diversas causas", diz Valmir Pontes (Registro de Imóveis, São Paulo: Saraiva, 1982, p. 179); (b) constitui uma "forma especial de inalienabilidade e de impenhorabilidade", segundo Walter Ceneviva ( Lei dos Registros Publicos Comentada, 20a ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 625, n. 671); (c) implica "a restrição ao poder de dispor da coisa, impedindo-se sua alienação ou oneração por qualquer forma", conforme o ensinamento de Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza (Noções Fundamentais de Direito Registral e Notarial, São Paulo: Saraiva, 2011, p. 109); (d) "impede apenas a alienação, mas não equivale à penhora e não acarreta necessariamente a expropriação do bem", no dizer de Francisco Eduardo Loureiro (in José Manuel de Arruda Alvim Neto et alii (coord.), Lei de Registros Publicos comentada, Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 1.291); (e) "afeta os atributos da propriedade, perdendo o proprietário o poder de disposição, de modo que, para alienar ou onerar o bem é necessário o prévio cancelamento da indisponibilidade", ensina Ana Paula P. L. Almada (in Registros Públicos, Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2020, p. 444); e (f) possui natureza "evidentemente acautelatória, pois visa assegurar o resultado prático de não dispor do imóvel enquanto persistir a situação jurídica que autoriza a indisponibilidade de bens", na opinião de Vitor Frederico Kümpel e Carla Modina Ferrari (Tratado Notarial e Registral Ofício de Registro de Imóveis, São Paulo: YK Editora, 2020, p. 2.843-2.843). (g) Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza (op. cit., p. 109-110) ainda faz a seguinte precisão: "Não obstante a inalienabilidade e a indisponibilidade signifiquem restrição ao poder de dispor da coisa, usualmente tem-se utilizado o termo inalienabilidade para as restrições decorrentes de atos de vontade, enquanto o termo indisponibilidade tem sido usado para se referir às restrições impostas pela lei, ou em razão de atos administrativos ou jurisdicionais. Diferença relevante assenta na finalidade: enquanto nos atos de vontade o que se busca atingir com a restrição é a proteção do beneficiário da cláusula (daquele que fica impedido de dispor), nos demais atos o objetivo, em regra, é dar efetividade a decisões administrativas e jurisdicionais, em desfavor de quem tenha alcançado seu poder de disposição." Conclui o Corregedor Geral de Justiça do TJSP que: “Estabelecido, assim, que a indisponibilidade é proibição ao poder de dispor, com finalidade acautelatória, resta por determinar o seu efetivo alcance no caso concreto”. No caso, inquestionável que os herdeiros renunciantes Vitor Justo Silva e Lilian Luzia Moreira da Silva (mov. 1.3 e 1.6) possuem ordens de indisponibilidade de bens em seu nome. Segundo prevê o Código Civil (Art. 1.784) “aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”. Pelo princípio da saisine, a propriedade dos bens se transmite desde logo aos herdeiros, independentemente de qualquer ato do herdeiro, tratando-se de uma ficção jurídica. Portanto, com a morte há a transmissão automática dos bens. É por tal motivo, inclusive, que se admite a penhora de direitos que, com a morte, ingressam no patrimônio do devedor, ainda que em termos registrais não estejam em seu nome: “mesmo que não seja possível o registro junto ao Serviço Registral competente, tais direitos já se encontram no patrimônio jurídico do executado, podendo ser objeto de penhora. A falta de regularização apenas afeta a efetividade da constrição perante terceiros, não atingindo sua validade entre as partes” (TJSP, AI 2146717-20.2018.8.26.0000; 30.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Maria Lúcia Pizzotti, j. 21.11.2018). Por sua vez, a renúncia à herança constitui ato de repúdio por parte do herdeiro, tratando-se de ato solene em que obrigatoriamente o renunciante deixa expresso o seu desejo de abdicar dos bens recebidos na sucessão, por meio de escritura pública ou por termo nos autos judiciais. Nesse contexto, respeitadas as compreensões diversas, incabível o lançamento de registro retirando o bem imóvel da propriedade do renunciante, devidamente recebido por herança, eis que o seu patrimônio está gravado com a ordem de indisponibilidade, visando justamente a impedir a disposição patrimonial (ainda que futura). Ainda nesse sentido, colacionam-se os seguintes julgados, inclusive recente acórdão proferido pelo TJMG: Ementa: DIREITO REGISTRAL. APELAÇÃO CÍVEL. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA. INVENTÁRIO E PARTILHA EXTRAJUDICIAL. RENÚNCIA À HERANÇA. INDISPONIBILIDADE DE BENS EM NOME DO HERDEIRO RENUNCIANTE. LEGITIMIDADE DA EXIGÊNCIA CARTORÁRIA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação cível interposta por Nadir Bianquine Guimarães Arantes contra sentença da 7ª Vara Cível da Comarca de Uberlândia/MG, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis e manteve a recusa ao registro da Escritura Pública de Inventário e Partilha dos espólios de Antônia Bianchini Guimarães e João Hilário Guimarães, bem como da Escritura Pública de Renúncia de Herança firmada pela herdeira Anivanda Bianquine Guimarães Silva, em razão da existência de ordem de indisponibilidade de bens em nome da renunciante. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em definir se é possível o registro de escritura pública de inventário e partilha que contém renúncia à herança por herdeiro atingido por ordem de indisponibilidade de bens, sem o cancelamento prévio dessa restrição. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O art. 14, §1º, do Provimento nº 39/2014 do CNJ impõe a consulta prévia à Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) e condiciona o registro de atos que envolvam imóveis à inexistência de ordem de indisponibilidade em nome das partes. 4. A existência de ordem de indisponibilidade de bens impede o registro de escritura pública de inventário e partilha com renúncia de herdeiro atingido por essa restrição. 5. O oficial registrador deve observar os preceitos legais e regulamentares, estando impedido de proceder ao registro enquanto perdurar a restrição, sob pena de responsabilização. 6. A pretensão de afastar os efeitos da ordem de indisponibilidade por meio de argumentação sobre a retroatividade da renúncia e a ausência de titularidade do bem pela renunciante não encontra respaldo normativo para ex cepcionar a regra expressa do Provimento nº 39/2014. 7. A jurisprudência do TJMG confirma a legitimidade da exigência cartorária de cancelamento da indisponibilidade antes do registro, mesmo em hipóteses de renúncia à herança. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. A existência de ordem de indisponibilidade de bens em nome de herdeiro que renuncia à herança impede o registro da escritura pública de inventário e partilha enquanto não cancelada a restrição. 2. O Provimento nº 39/2014 do CNJ tem força normativa para impor limitações ao registro, prevalecendo sobre argumentos sucessórios no âmbito da dúvida registral. 3. O oficial registrador deve observar estritamente os comandos legais e regulamentares, não lhe cabendo juízo de valor sobre eventual conflito entre norma infralegal e dispositivos do Código Civil. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.24.503111-7/001, Relator(a): Des.(a) Alexandre Victor de Carvalho , 21ª Câmara Cível Especializada, julgamento em 04/06/2025, publicação da súmula em 09/06/2025) EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA. REGISTRO DE ESCRITURA PÚBLICA DE INVENTÁRIO E PARTILHA. RENÚNCIA A HERANÇA. INDISPONIBILIDADE DE BENS DO HERDEIRO RENUNCIANTE. ARTIGO 14, §1º, DO PROVIMENTO Nº 39/CNJ/2014. RECURSO DESPROVIDO. - O artigo 14, §1º, do Provimento nº 39, do CNJ, dispõe que a indisponibilidade de bens constante da base de dados da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens - CNIB poderá ter como consequência a impossibilidade de registro do direito no Registro de Imóveis, enquanto vigente a restrição. - A existência de indisponibilidade de bens e direitos de herdeiro renunciante, 'in casu', impõe óbice ao registro da Escritura Pública de Inventário e Partilha, mostrando-se correta a exigência feita pelo Oficial do Registro Imobiliário. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.24.001186-6/001, Relator(a): Des.(a) Moacyr Lobato , 21ª Câmara Cível Especializada, julgamento em 21/03/2024, publicação da súmula em 21/03/2024) APELAÇÃO CÍVEL. PROCEDIMENTO DE SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA. CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS. REGISTRO. ESCRITURA PÚBLICA DE INVENTÁRIO E PARTILHA. RENUNCIA A HERANÇA. EXISTÊNCIA DE INDISPONIBILIDADE DE BENS. ART. 14, §1º DO PROVIMENTO 39/CNJ/2014. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO “IN CASU”. - Necessária a observância aos princípios da administração pública pelos notários e oficiais de registro, no exercício da função pública (art. 37 da CF/88), dentre eles o da legalidade, podendo somente praticar os atos administrativos mediante prévia autorização legal (legalidade em sentido positivo/reserva legal) e nos limites estabelecidos pela legalidade. - A existência de indisponibilidade de bens e direitos de herdeiros renunciantes, impede o registro da Escritura Pública de Inventário e Partilha, sendo necessário o cancelamento através da CNIB, conforme dispõe o artigo 14, §1º do provimento 39/CNJ/2014. (TJMG. Recurso Administrativo nº 1.0000.20.065347-5/001, Comarca de Belo Horizonte, Relator Des. Belizário de Lacerda, julgado em 17/03/2021 e publicado em 23/03/2021). A justificativa para o não registro, como constante deste último acórdão, transcrevendo parecer da Procuradoria Geral de Justiça: “"No caso em análise, a renúncia de direitos hereditários foi feita perante o Tabelionato de Notas e obviamente não será averbada na matrícula do imóvel no registro imobiliário, sendo apenas registrado o formal de partilha. Assim, eventuais credores dos herdeiros renunciantes dificilmente terão conhecimento das renúncias, não podendo então habilitarem seus créditos perante o Juízo do inventário, a fim de aceitarem a herança em nome dos renunciantes, conforme permite o art. 1.813 do Código Civil, in litteris: "Quando o herdeiro prejudicar os seus credores, renunciando à herança, poderão eles, com autorização do juiz, aceitá-la em nome do renunciante". A decisão recorrida informa que consta da CNIB que os lançamentos de indisponibilidades de bens e direitos são originários de processos em trâmite em diversas Varas, inclusive em Comarca de outro Estado, o que denota ainda mais a dificuldade dos credores de tomarem contato com a situação em tela. Frise-se que tal importa em vulneração do princípio da publicidade, dado que, como dissemos, o ato de renúncia dos direitos hereditários não é objeto de registro/averbação na matrícula do imóvel, não havendo qualquer possibilidade de conhecimento público das referidas renúncias, prejudicando-se assim a habilitação de eventuais credores, já que os bens serão registrados no cartório de imóveis diretamente em nome dos demais herdeiros." E, na apelação cível decorrente de dúvida julgada anteriormente por este Juízo (autos n. 0000008-35.2022.8.16.0179): Apelação Cível. REGISTROS PÚBLICOS. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA. ESCRITURA PÚBLICA DE INVENTÁRIO E PARTILHA. RENÚNCIA A HERANÇA. EXISTÊNCIA DE INDISPONIBILIDADE DE BENS. ART. 14, § 1º DO PROVIMENTO 39/CNJ/2014. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Da leitura atenta da parte final do artigo 14, § 1º do provimento 39/CNJ/2014, constata-se que há expressa previsão quanto a possibilidade de recusa do registro do direito, no Registro de Imóveis, enquanto vigente a restrição de indisponibilidade de bens. Além disso, nos termos do art. 1.784 do Código Civil, com a abertura da sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários, ou seja, na data do falecimento do pai da apelante, a herança já se encontram no patrimônio jurídico dos herdeiros. Assim sendo, tem-se que as indisponibilidades da renunciante é óbice para o registro da escritura de inventário e partilha de bens acompanhada de escritura pública de renúncia de herança. (TJPR - 18ª Câmara Cível - 0000008-35.2022.8.16.0179 - Curitiba - Rel.: DESEMBARGADOR MARCELO GOBBO DALLA DEA - J. 03.10.2022) Do voto, extrai-se: “Além disso, no que tange a alegação de que, se a herdeira renuncia a herança, o bem não passa a compor o seu patrimônio, daí porque eventual ordem de indisponibilidade não pode atingir esse bem, não merece prosperar. Isso porque, nos termos do art. 1.784 do Código Civil, com a abertura da sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários, ou seja, na data do falecimento do pai da apelante, a herança já se encontram no patrimônio jurídico dos herdeiros. Nesse contexto, pondera-se que, eventuais direitos sobre patrimônio herdado, passa a integrar, desde logo, o conteúdo patrimonial do respectivo sucessor. Por conta desse efeito, o referido bem se torna parte do patrimônio do herdado desde então, independentemente de aceitação, renúncia ou ato registral, sendo que o último se apresenta apenas como requisito necessário para garantir a publicidade da sucessão e viabilizar futuros atos de alienação”. Não se desconhece o previsto no Art. 1.804 do Código Civil e as razões invocadas pelo suscitado. Ocorre que, como já consignado acima, com a morte há transmissão da propriedade e que eventuais credores do herdeiro renunciante, como o presente, dificilmente terão conhecimento da renúncia, já que não existirá publicidade e nem podendo habilitar seus créditos a fim de aceitarem a herança em nome do renunciante. Frise-se, por fim, que a existência da indisponibilidade não obsta a lavratura do título translativo de propriedade. De fato, a existência de restrições reais sobre o imóvel não engessa o seu trânsito contratual, isto é, não impede a sua negociação em título público ou particular. Isso pois, vigorando a autonomia da vontade nos negócios jurídicos, é possível ao comprador querer adquirir imóvel com restrições, assumindo para si tais ônus até a realização do registro. É comum que, na prática, isso ocorra, inclusive, bastando ao tabelião consignar no ato notarial que o comprador foi devidamente advertido sobre a situação jurídica do imóvel. O registro do título, no entanto, depende do prévio cancelamento das ordens de indisponibilidades existentes, sob pena de insegurança jurídica na utilização do sistema registral em prejuízo aos eventuais credores do alienante do imóvel. Por fim, com relação ao item 2 da diligência registral, especificamente no tocante à tradução juramentada, a própria Sra. Registradora entendeu que o item 2 restou devidamente cumprido, estando ausente apenas o cumprimento do item 2.1. E também neste ponto melhor razão não assiste ao suscitado. Veja-se que o registrador imobiliário está adstrito ao princípio da legalidade, sendo que a qualificação registral apenas materializa tal princípio. Tratando-se de escritura translativa de direitos reais sobre imóveis, necessário se adequar às exigências legais e normativas previstas para a espécie, a exemplo da necessidade de se consignar o regime de bens dos nubentes, conforme art. 215, inc. III do CC e art. 675, inc. V do Código de Normas do Foro Extrajudicial. A menção ao regime de bens vigente no matrimônio do alienante/adquirente de bem imóvel é importante dada a repercussão patrimonial sobre o bem negociado, que pode vir a compor ou desintegrar a esfera de bens de apenas um dos nubentes ou a comunhão de patrimônio do casal. As exigências legais acima, portanto, devem ser observadas, eis que as relações negociais sobre bens imóveis situados no Brasil são regidas, a rigor, pela lei local, nos termos do art. 8, caput da LINDB. Mesmo que o casamento tenha sido celebrado no estrangeiro, é necessário que as regras do regime de bens do nubente que adquire bem em território nacional seja estipulado na escritura e demonstrado tanto ao tabelião quanto ao registrador de imóveis, eis que, uma vez registrada a propriedade em nome do nubente, será preciso conhecer se o imóvel integra seu patrimônio exclusivo ou se comunica com o patrimônio do cônjuge. Eventual ordem de penhora recebida pelo registrador imobiliário, por exemplo, será qualificada de acordo com o regime de bens do cônjuge proprietário, não podendo a constrição recair sobre bem exclusivo de um dos cônjuges para a quitação de dívida do outro, sob pena de ofensa aos princípios da disponibilidade e da continuidade. Daí porque prevê o Art. 167 da Lei de Registros Públicos que: Art. 167 - No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos: (...) II - a averbação: (...) 1) das convenções antenupciais e do regime de bens diversos do legal, nos registros referentes a imóveis ou a direitos reais pertencentes a qualquer dos cônjuges, inclusive os adquiridos posteriormente ao casamento Logo, o fato de o título apresentado a registro não consignar, expressamente, o regime de bens e os seus efeitos, inviabiliza o registro, devendo ser apresentado documento competente para comprovar a situação legal do regime de bens adotado e a forma de comunicação dos bens entre Joaquim Alberto da Silva e Maria Isaura Justo. Frise-se que a existência e a validade do casamento não é questionada. O ordenamento brasileiro reconhece tal situação jurídica ocorrida no estrangeiro. No entanto, considerando a eficácia erga omnes do registro imobiliário e a oponibilidade das informações registradas perante terceiros, necessário que o regime de bens do estrangeiro seja devidamente conhecido pelas autoridades brasileiras e, ainda, que o casamento seja devidamente registrado para que os efeitos patrimoniais perante terceiros sejam produzidos – fato este último devidamente existente, mas sem a menção ao regime de bens (mov. 1.22). Dispositivo Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE com fundamento no Art. 487, inc. I, do Código de Processo Civil a dúvida suscitada, mantendo-se incólume a devolutiva formulada pela Sra. Registradora do 3° Registro de Imóveis de Curitiba, conforme acima fundamentado. Habilite-se o procurador do suscitado (mov. 1.24). Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Custas pela suscitada, na forma do art. 207 da Lei 6.015/73. Com o trânsito em julgado, intime-se o Registrador para as anotações necessários no livro protocolo e demais providências. Oportunamente, arquivem-se. Curitiba, 27 de junho de 2025. Rodrigo Domingos Peluso Junior Juiz de Direito
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