Ministério Público Do Estado Do Paraná x Flavio Reis
ID: 278362404
Tribunal: TJPR
Órgão: Vara Criminal de Francisco Beltrão
Classe: AçãO PENAL DE COMPETêNCIA DO JúRI
Nº Processo: 0006869-34.2022.8.16.0083
Data de Disponibilização:
26/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
BRUNO ANDRADE DO NASCIMENTO
OAB/PR XXXXXX
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JEFFREY CHIQUINI DA COSTA
OAB/PR XXXXXX
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HENDRIX BARBOSA LAMARQUES
OAB/PR XXXXXX
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ALEXANDRE FRANCO NEVES
OAB/PR XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DE FRANCISCO BELTRÃO VARA CRIMINAL DE FRANCISCO BELTRÃO - PROJUDI Rua Tenente Camargo, 2112 - Centro - Francisco Beltrão/PR - CEP: 85.601-610 - Fone: (46)…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DE FRANCISCO BELTRÃO VARA CRIMINAL DE FRANCISCO BELTRÃO - PROJUDI Rua Tenente Camargo, 2112 - Centro - Francisco Beltrão/PR - CEP: 85.601-610 - Fone: (46)-3905-6705 - E-mail: FB-3VJ-S@tjpr.jus.br Autos nº. 0006869-34.2022.8.16.0083 Processo: 0006869-34.2022.8.16.0083 Classe Processual: Ação Penal de Competência do Júri Assunto Principal: Homicídio Qualificado Data da Infração: 05/11/2022 Autor(s): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ Vítima(s): ESTADO DO PARANÁ JOÃO MARCOS ZATTI Réu(s): FLAVIO REIS PRONÚNCIA 1. RELATÓRIO. O Ministério Público do Estado do Paraná, por meio de seu representante legal, Douta Promotora de Justiça Dra. Silvia Skaetta Nunes Donatti, com base no incluso inquérito policial, ofereceu denúncia (evento 46.1), em desfavor de FLÁVIO REIS, já qualificado nos autos, como incursos nas sanções do artigo 121, § 2º, incisos II e VIII, c/c o artigo 14, II, por duas vezes, ambos do Código Penal, e do artigo 16 da Lei n. 10.826/06, na forma do artigo 69 do Código Penal pela prática da seguinte conduta delituosa: “Primeiro Fato: art. 147 do Código Penal Na data de 05 de novembro de 2022, em horário ainda impreciso nos autos, mas certo que por volta das 06h59min, em via pública localizada na Rodovia PR 483, próximo ao Loteamento Monte Rei, o denunciado FLÁVIO REIS, com consciência e vontade dirigidas para este fim, ameaçou João Marcos de Souza Martins, de causar-lhe mal injusto e grave, por meio de gestos, ao apontar uma arma de fogo para sua cabeça. Em tempo, o delito foi praticado por motivo fútil, visto que, conforme levantado, FLÁVIO REIS praticou a conduta devido ao fato de que o ofendido prestou auxílio à sua convivente, que estava pedindo socorro no momento em que a encontrou. Tais afirmações são corroboradas pelos Termos de Depoimento (mov. 1.4, 1.6, 1.8, 1.10, 1.12, 1.14, 1.16, 1.18, 1.21); pelos Boletins de Ocorrência nº 2022/1148310, 2022/1147861 e 2022/1147804 (mov. 1.27, 1.28 e 1.29); Imagens do veículo de Flávio Reis (mov. 1.32 – 1.36), Auto de Exibição e Apreensão (mov. 1.38) e pelo Relatório da Autoridade Policial (mov. 43.1). Segundo Fato: art. 121, caput, c/c art. 14, II do Código Penal (Tentativa de homicídio simples): Logo após a prática do fato anterior, no momento em que a vítima iniciou os atos para sair do local, o denunciado FLÁVIO REIS, com consciência e vontade e inequívoca intenção de matar, munido de uma arma de fogo não apreendida nos autos, desferiu ao menos três disparos de arma de fogo em direção a João Marcos de Souza Martins, que estava no interior do veículo Vectra GLS, de cor branca, de placas MYN-1703, produzindo perfurações que atingiram a face posterior do automóvel, conforme Laudo de Exame de Constatação n. 112.418/2022 acostado ao mov. 35.2. Em tempo, o delito foi praticado por motivo fútil, visto que, conforme levantado, FLÁVIO REIS praticou a conduta devido ao fato de que o ofendido prestou auxílio à sua convivente, que estava pedindo socorro no momento em que a encontrou. Ainda, FLÁVIO REIS praticou o crime mediante recurso que dificultou a defesa de João Marcos de Souza Martins, vez que efetuou os disparos de arma de fogo de inopino, sendo um ataque inesperado para a vítima, que já estava se retirando do local e sequer imaginava que o denunciado poderia efetuar disparos de arma de fogo contra si. O crime não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do denunciado, por erro de pontaria e porque a vítima conseguiu sair do local conduzindo o veículo. Tais afirmações são corroboradas pelos Termos de Depoimento (mov. 1.4, 1.6, 1.8, 1.10, 1.12, 1.14, 1.16, 1.18, 1.21); pelos Boletins de Ocorrência nº 2022/1148310, 2022/1147861 e 2022/1147804 (mov. 1.27, 1.28 e 1.29); Imagens do veículo de Flávio Reis (mov. 1.32 – 1.36), Auto de Exibição e Apreensão (mov. 1.38); Auto de Constatação e Vistoria de Veículo (mov. 1.39); Termo de Declaração Complementar (mov. 33.1); Auto de Exibição e Apreensão (mov. 33.2); Laudo Pericial 112.418/2022 (mov. 35.2); Laudo Pericial 114.391/2022 (mov. 35.3) e pelo Relatório da Autoridade Policial (mov. 43.1). A denúncia foi recebida na data de 22 de novembro de 2023, instaurando-se assim, a presente ação penal (evento 58.1). O réu foi pessoalmente citado (evento 91.1), e apresentou resposta à acusação (evento 98.1). Saneado o feito, não sendo o caso de absolvição sumária (artigo 397 do CPP), designou-se audiência de instrução e julgamento (evento 108.1). Em audiência de instrução, foi procedida à oitiva de da vítima e de três testemunhas de acusação (eventos 210.1 a 210.4). Ato contínuo, foi homologada a desistência da testemunha Tiago Luis Stocco, conforme requerido pelo Ministério Público e defensor (eventos 211.1). Em ato posterior, o advogado do réu desistiu de todas as testemunhas defensivas, pedido que foi homologado (eventos 246.1). Ao final, foi realizado o interrogatório do acusado (eventos 245.1, 246.1 e 246.2). Na fase do artigo 402 do CPP, as partes não formularam requerimentos. O Ministério Público, por meio de alegações finais escritas, requereu a procedência da denúncia, para fim de PRONUNCIAR o acusado FLÁVIO REIS para submetê-lo a julgamento perante o Tribunal do Júri desta Comarca, pois incurso nas sanções do art. 147 (Fato 01) e art. 121, §2º, II e IV, c/c art. 14, II (Fato 02), todos do CP (evento 317.1). Por sua vez, a Defesa, por meio de memoriais, pleiteou pela improcedência diante das peculiaridades do caso em apreço, eis que não comprovado o teor da Denúncia, devidamente rechaçado pelo conjunto probatório trazido a lume pelo acusado, implicando na Absolvição Sumária. Subsidiariamente, a desclassificação do delito da tentativa de homicídio (2º Fato) para disparo de arma de fogo, previsto no Artigo 15 da Lei 10.826/2003. Subsidiariamente, a desclassificação do delito da tentativa de homicídio (2º Fato) para o crime de dano, previsto no Artigo 163 do Código Penal. Pugna pela absolvição quanto ao crime previsto no Artigo 147 do Código Penal (1º Fato). Por fim pleiteia o afastamento da qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima, previsto no inciso IV do Artigo 121, §2º, do Código Penal (evento 321.1). Certidão Oráculo atualizada juntada aos autos no evento 322.1. Vieram os autos conclusos para sentença. Em síntese é o relatório. Passo a decidir e a fundamentar. 2. FUNDAMENTAÇÃO. 2.1. Considerações iniciais. Trata-se de ação penal pública, objetivando-se apurar a responsabilidade criminal do acusado FLÁVIO REIS, pela prática, em tese, do delito previsto no artigo 147 (Fato 01) e artigo 121, § 2º, incisos II e IV, c/c o artigo 14, II (Fato 02), em concurso material, na forma do artigo 69, todos do Código Penal. Constato que no sumário da culpa foram observados os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, LV, CRFB), não havendo nulidades a sanar nem irregularidades a suprir. Passo à análise do mérito. 2.2. Do crime de homicídio qualificado tentado - artigo 121, caput, c/c artigo 14, inciso II, todos do Código Penal. Da materialidade e da autoria: Como se sabe, nos processos dos crimes de competência do Júri, aqueles dolosos, tentados ou consumados, contra a vida, bem como as infrações conexas, uma vez concluída a instrução processual e apresentadas as alegações finais pelo Ministério Público e pela Defesa do réu, o juiz prolatará decisão, nos termos do artigo 413 e seguintes do Código de Processo Penal. Na decisão de pronúncia é vedada ao juiz a análise aprofundada do mérito da questão, tendo em vista ser atribuição dos integrantes do Conselho de Sentença do Júri Popular, por força do artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea “c”, da Constituição Federal. Não obstante esta vedação, a fundamentação da decisão de pronúncia é indispensável, conforme preceitua o artigo 413 do Código de Processo Penal, bem como o artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal. Em análise da materialidade e indícios de autoria dos delitos supostamente praticados pelo denunciado indicado, há de se ter em mente que nesta fase eventual dúvida milita a favor da sociedade, a quem incumbe, através de seus pares, o julgamento do réu, sendo que somente pode ser suprimido o julgamento pelo Tribunal do Júri diante de prova inequívoca de que o fato não ocorreu, de que não há crime, de que há alguma causa de isenção de pena ou de exclusão do crime, ou ainda, se restar provado que o acusado não é o autor e não participou da infração[1]. Assim, passo à análise dos elementos contidos nos autos. Consubstancia-se a materialidade delitiva através do Termos de Depoimento (eventos 1.4, 1.6, 1.8, 1.10, 1.12, 1.14, 1.16, 1.18, 1.21); Boletins de Ocorrência nº 2022/1148310, 2022/1147861 e 2022/1147804 (eventos 1.27, 1.28 e 1.29); Imagens do veículo de Flávio Reis (eventos 1.32 – 1.36); Auto de Exibição e Apreensão (evento 1.38); Auto de Constatação e Vistoria de Veículo (evento 1.39); Termo de Declaração Complementar (evento 33.1); Auto de Exibição e Apreensão (evento 33.2); Laudo Pericial 112.418/2022 (evento 35.2); Laudo Pericial 114.391/2022 (evento 35.3); pelo Relatório da Autoridade Policial (evento 43.1); Coleta de Padrão (evento 284.1); Inserção no BNPB (eventos 283.1 – 283.3); Laudo de Exame de Eficiência, Constatação e Confronto Balístico (eventos 285.1 e 301.2); Laudo de Perícia Criminal (evento 315.2), bem como os depoimentos e declarações coletadas nas fases policial e judicial. Na mesma senda, vislumbram-se nos autos indícios de autoria, aferidos do conjunto probatório inserto no feito, com destaque à prova testemunhal. Em Juízo, a Vítima João Marcos Zatti, (evento 210.1), relatou que João não conhecia previamente Flávio nem Josiane, e, após encontrar a mulher caída e pedindo socorro em via pública, decidiu ajudá-la, recolhendo seus pertences e se preparando para levá-la à delegacia, quando foi surpreendido por um homem armado que a puxava pelos cabelos e o ameaçava de morte. Ressalta que durante a tentativa de proteger Josiane e impedir os disparos, João segurou a mão do agressor, conseguiu fugir com o carro, em seguida ouviu os tiros, tentou acionar a polícia, mas não teve êxito naquele momento, mas posteriormente conseguiu contatar a policia. Confira-se: Que não conhecia previamente Flávio, tampouco sua ex-companheira, Josiane. Que após sair do Clube Chalé deslocou-se até Renascença para levar uma moça e, no retorno, deparou-se com um acidente nas proximidades do Loteamento Monte Rei, parou o veículo, adentrou o loteamento com a intenção de seguir para casa e encontrou uma mulher caída no matagal, pedindo socorro e gritando. Que ao ser questionada, a mulher afirmou residir em Ampére e alegou ter sido abandonada e vítima de tentativa de atropelamento por seu marido. Que diante da situação, o declarante decidiu prestar socorro, recolheu os pertences da mulher, ajudou-a a entrar no veículo e se preparava para levá-la à Delegacia. Que nesse momento, notou a aproximação de outro veículo, que estacionou mais atrás. Indagada, Josiane disse que achava ser o marido dela. Que declarante aguardou, acreditando que o homem poderia ter se arrependido. Que, no entanto, ao se aproximar, Josiane afirmou que o indivíduo seria policial. Que o homem então se aproximou a pé, abriu a porta do lado do passageiro, onde Josiane estava, e imediatamente apontou uma arma contra a cabeça do declarante, ameaçando matá-lo por três vezes e com uma das mãos, o agressor puxava Josiane pelos cabelos, enquanto com a outra mantinha a arma apontada contra o declarante. Quando conseguiu retirar Josiane do carro, João reagiu, segurando o pulso do agressor e tentando desviar a arma. Josiane tentou fugir correndo, momento em que o agressor tentou prossegui-la. Que o declarante, ainda segurando o pulso e a arma do agressor, teve de soltá-lo em razão da dor causada pelo esforço. Que o veículo estava com a marcha engatada, João arrancou rapidamente, deitando-se no banco do carona, já que a porta permanecia aberta. Que nesse instante, o agressor efetuou disparos que atingiram a parte traseira do veículo aproximadamente três tiros, conforme mencionado. Que a rua em que se encontrava não possuía saída, então o declarante prosseguiu sem saber exatamente para onde ia, parou o carro e tentou, sem sucesso, acionar a polícia. Que após breve espera, retornou e viu Josiane caminhando pela rua principal, enquanto Flávio encontrava-se na esquina, de costas para a rodovia. Que João acelerou, dirigindo em sua direção, e ao se aproximar, desviou para evitar atropelá-lo. Que nesse momento, Flávio disparou novamente contra o veículo. Que o declarante acrescentou que, durante a primeira agressão, tentou impedir os disparos segurando o pulso e a arma de Flávio, mas reconheceu que sua ação só foi suficiente para desviar a mira, sem conseguir impedir o acionamento do gatilho. Que Josiane, bastante suja, com roupas cobertas de terra e calçados espalhados, tentou fugir novamente. Que posteriormente, João recebeu uma ligação de um indivíduo que se apresentou como amigo do agressor, que solicitou que a situação fosse resolvida de maneira mais amena. Em resposta, João afirmou que deixaria a resolução a cargo da justiça. A testemunha de acusação, Adila Zandona, em Juízo (evento 210.2), relatou que a equipe foi acionada por volta das 5h para atender uma ocorrência de disparos de arma de fogo, deslocou-se até o local após saber que envolvia um policial militar, encontrou um homem nervoso e uma mulher embriagada, colheu os relatos, constatou perfurações no veículo, encaminhou os envolvidos à sede da PM. Narra que foram lavrados os documentos, e, após a troca de turno, a equipe seguinte prendeu o suspeito Flávio Reis, companheiro da vítima, sem que fosse realizado confronto balístico com sua arma, pois o material seria enviado à Polícia Civil. Denota-se: Que na data dos fatos exercia a função de adjunta da unidade da Polícia Militar, sendo responsável pela supervisão imediata do policiamento e que por volta das 5h, foi acionada pela central de operações em razão de um chamado relatando disparos de arma de fogo. Que encaminhou uma viatura ao local e, ao tomar ciência de que a ocorrência envolvia um policial militar, solicitou apoio de uma equipe para ir à sede do batalhão, deslocando-se pessoalmente ao endereço informado. Que no local, encontrou um homem visivelmente nervoso e uma mulher com sinais aparentes de embriaguez, odor etílico, fala desconexa e comportamento alterado. Que o homem relatou que havia parado para prestar auxílio à mulher, que se encontrava na via pública, quando um veículo se aproximou. Que desceu um indivíduo armado, que retirou a mulher do interior do automóvel em que ela já se encontrava. Que o homem afirmou ter se afastado do local após perceber que o indivíduo estava armado e, em seguida, ouviu disparos de arma de fogo, e ao verificar que seu veículo apresentava perfurações, acionou a Polícia Militar. Que após a constatação das perfurações, solicitou que ambos os envolvidos se deslocassem à sede da Polícia Militar, onde foram colhidas mais informações, localizou-se um projétil no veículo e foram lavrados o boletim de ocorrência e os demais documentos pertinentes. Que durante a troca de turno, a equipe subsequente deu continuidade à ocorrência e realizou a prisão do suspeito, o policial militar Flávio Reis, companheiro da vítima feminina, identificada posteriormente como Josiane. Que de acordo com o relato de Josiane à equipe, ela e Flávio estavam em um clube de dança próximo ao local dos fatos, onde houve um desentendimento entre ambos e após o incidente, Flávio teria deixado Josiane em um loteamento. Que em seguida, um homem teria parado para prestar auxílio à vítima, momento em que Flávio retornou armado e efetuou os disparos. Que Josiane relatou que seu convivente, identificado por ela como “seu esposo”, era o policial Flávio Reis. Que ela prestou essa informação à guarnição que atendeu à ocorrência e, posteriormente, confirmou os dados. Que a guarnição conhecia Flávio como colega de trabalho. Quanto ao projétil encontrado, informou que não foi feito confronto balístico com a arma de Flávio, pois o procedimento padrão é encaminhar o material à Polícia Civil. Que ela também declarou não possuir informações sobre os desdobramentos posteriores à sua atuação, em razão do término de seu turno. Que Josiane estava visivelmente embriagada, com discurso desorganizado, alternando momentos de respostas com silêncios ou evasivas, mas não apresentava sinais de delírio. A testemunha de acusação, Leandro Segallin, policial militar, em Juízo, (evento 210.3.1), disse que ao iniciar o turno por volta das 7h, a equipe tomou conhecimento de um incidente envolvendo disparos feitos por um policial militar. Conta que ao abordou o veículo suspeito conduzido por Flávio, que inicialmente disse estar sozinho, mas depois confirmou a presença de Josiane, sendo ambos levados à delegacia conforme orientação do delegado, enquanto a arma e a identidade funcional de Flávio foram encontradas posteriormente na casa de seu irmão. Veja: Que o iniciar seu turno de serviço por volta das 7h da manhã, sua equipe tomou conhecimento de um incidente ocorrido na madrugada anterior. Que a informação recebida indicava que um policial militar teria efetuado disparos de arma de fogo em via pública, estando em um veículo Fiat Siena de cor branca. Que a equipe acompanhou a vítima ao local dos fatos, onde foram encontrados e recolhidos estojos de munição para serem anexados ao boletim de ocorrência. Retomado o patrulhamento normal, ao transitarem pela Avenida Porto Alegre, os policiais avistaram um veículo Fiat Siena branco com as iniciais da placa QII, correspondente à descrição do veículo envolvido no incidente. Que a equipe procedeu com a abordagem do veículo em frente a um posto de combustível e o condutor, identificado posteriormente como Flávio, acatou a ordem de parada e desembarcou. Inicialmente, Flávio afirmou estar sozinho, mas, após insistência dos policiais, admitiu a presença de sua namorada, Josiane, que também foi solicitada a desembarcar. Que durante a abordagem, Flávio questionou o motivo do procedimento, informando ser também policial militar. Foi-lhe explicado que a abordagem se devia à semelhança do seu veículo com o descrito na ocorrência da madrugada. Que foi realizada uma busca no interior do veículo, não sendo encontrado nenhum item ilícito ou irregular. Que indagaram sobre sua identificação funcional de policial militar e sobre sua arma, Flávio informou não portar a funcional e que a arma estaria na residência de seu irmão. Que o adjunto foi acionado e compareceu ao local, entrando em contato com o delegado de plantão que havia recebido os boletins sobre o incidente. Que seguindo orientação do delegado, Flávio foi encaminhado à delegacia para prestar esclarecimentos. Que ele colaborou com o procedimento, sendo transportado no banco traseiro da viatura policial sem o uso de algemas. Que o veículo de Flávio foi conduzido à delegacia pelo parceiro de Segalin, Soldado Correia, tendo Josiane como passageira. Que em data posterior, foi cumprido um mandado de busca e apreensão na residência do irmão de Flávio, onde a arma de fogo e, possivelmente, a identidade funcional de Flávio foram localizadas. Que Josiane estava no veículo com Flávio no momento da abordagem, ocorrida por volta das 9h da manhã, e que ela demonstrou descontentamento com a demora do procedimento. Que não tem conhecimento do horário em que Josiane prestou declarações na Delegacia. O informante, Fabio Reis, irmão do réu, em Juízo (evento 210.4), relatou que soube dos fatos por telefone na manhã de sábado, quando Josiane pediu ajuda para sair da delegacia, e relatou que Flávio, que estava em sua casa, saiu após ser informado, ligando duas horas depois para dizer que havia sido detido. Relata ainda que na segunda-feira, houve busca em sua residência, onde foi apreendida uma pistola registrada em seu nome e objetos pessoais de Flávio, que não morava com ele, mas o visitava com Josiane, com quem mantinha um relacionamento, e que, segundo Fábio, admitiu ter bebido e discutido com ela, mas negou ter efetuado disparos ou conhecer João Marcos. Constata-se: Que tomou conhecimento dos fatos na manhã de sábado, por volta das 9h ou 11h, mas não recorda o horário exato, por meio de uma ligação telefônica. Que a namorada de seu irmão Flávio, Josiane, teria ligado para a esposa de Fábio pedindo para ser buscada na delegacia. Que naquele momento, Flávio Reis encontrava-se na residência de Fábio e ao ser informado da solicitação de Josiane, Flávio saiu da casa de Fábio. Que cerca de duas horas depois, Flávio ligou para Fábio, informando que estava na delegacia e que havia sido detido. Fábio informou que, na segunda-feira seguinte aos fatos, foi cumprido um mandado de busca e apreensão em sua residência. Que durante a busca, foram encontrados objetos pessoais de Flávio, como a carteira, e foi apreendida uma pistola pertencente a Fábio, a qual ele afirma ser registrado e regularizado. Que nenhuma arma de fogo pertencente a Flávio se encontrava em sua residência. Esclarece que Flávio Reis não residia com ele, morando na cidade de Realeza. Que Flávio e Josiane estavam em sua casa na sexta-feira a passeio, pernoitariam no local após saírem juntos à noite. Que Fábio e sua esposa retornaram para casa mais cedo, enquanto Flávio e Josiane permaneceram fora sendo que Flávio chegou à residência de Fábio em horário incerto durante a noite ou madrugada. Que Fábio menciona que Josiane era namorada de Flávio há aproximadamente um ano e que residiam juntos. Que Josiane teria comentado com sua esposa que havia bebido muito, não se lembrava bem dos acontecimentos e que a polícia a levara para a delegacia. Que sobre a versão de Flávio, Fábio Reis afirma que seu irmão admitiu ter bebido em excesso e que houve um desentendimento com Josiane no carro, mas sempre negou ter efetuado disparos de arma de fogo. Que Fábio acredita que Flávio não conhecia a suposta vítima, João Marcos, e afirma que Flávio nunca mencionou ter ameaçado essa pessoa ou apresentou um motivo pelo qual João Marcos o acusaria de ser o autor dos disparos. Por sua vez, o réu FLAVIO REIS, em juízo (evento 245.1), relatou que. Veja: Que em uma discussão com sua então namorada, Josiane de Oliveira, motivada por ciúmes, ocorrida em um estabelecimento denominado "chalé", por volta das 6h da manhã. Que após a discussão, Josiane deixou o local, tomando rumo ignorado pelo declarante, que presumiu ser em direção à área central da cidade. Que pouco tempo depois, aproximadamente 10 a 15 minutos, Flávio saiu do estabelecimento e, ao dirigir em direção ao centro, avistou Josiane. Que notou que um indivíduo, posteriormente identificado como João Marcos, estava tentando colocá-la dentro de um veículo modelo Vectra. Que por ser policial e por acreditar que João Marcos estaria se aproveitando do estado de embriaguez de Josiane, realizou uma abordagem e confessa que estava armado e que apontou a arma para João Marcos, identificando-se como policial e ordenando que ele soltasse Josiane. Que afastou Josiane de perto de João Marcos e mandado este ir embora e nesse momento, João Marcos tentou retirar a arma de fogo de sua mão. Que conseguiu evitar a ação, reiterou a ordem para que João Marcos se retirasse e este entrou em seu veículo, saindo cantando pneu. Que enquanto Flávio conversava com Josiane, tentando convencê-la a ir embora, percebeu que João Marcos estava retornando com o veículo em alta velocidade na direção deles. Que o veículo passou por eles, parou brevemente e engatou marcha à ré, aproximando-se novamente. Que ficou apavorado e efetuou disparos de arma de fogo em direção ao chão com o intuito de dissuadir João Marcos, que se aproximava de ré. Que admite que alguns projéteis provavelmente atingiram o veículo devido à aproximação, mas nega veementemente ter mirado em João Marcos ou nos vidros do carro, ou ter tido a intenção de atingi-lo. Que os disparos foram um último recurso diante da ameaça percebida. Que após os disparos, João Marcos se evadiu do local. Que a Josiane recusou-se a ir embora com Flávio Reis, em razão da discussão anterior, e o declarante então a deixou no local e foi embora. Que cerca de duas horas depois, Josiane entrou em contato telefônico diversas vezes, pedindo que ele a buscasse nas proximidades do batalhão policial. Que após insistência, Flávio foi buscá-la e no trajeto de retorno, o veículo de Flávio foi abordado por uma viatura da Polícia Militar, sendo ele informado sobre o interesse da autoridade policial em ouvi-lo e, em seguida, conduzido à delegacia. Que ingeriu bebida alcoólica na ocasião e sugere que João Marcos também poderia estar embriagado, dada a sua conduta agressiva e aparente falta de receio diante de um policial armado. Que não teve intenção de matar ou ferir João Marcos que teve oportunidades anteriores e que agiu apenas para se defender. Que se afastou de Josiane cerca de quatro a cinco meses após o ocorrido. Pois bem. Diante de todos os depoimentos acima colacionados, tem-se que permanecem hígidos os indícios da existência da autoria que recaem sobre o denunciado FLAVIO REIS. Da análise dos depoimentos, denota-se que há indícios suficientes de que o acusado, com consciência, vontade e inequívoca utilizando-se de uma arma de fogo, desferiu diversos disparos contra a vítima que estava no interior de seu veículo. Sendo que três desses disparos atingiram o carro e de acordo com o Boletim (evento 1.28) foram encontrados 5 (cinco) estojos de calibre .380, bem como um projetil que foi retirado do carro da vítima. Diante da dinâmica dos fatos, a vítima teria parado para socorrer uma mulher, que posteriormente viria a ser retirada do carro da vítima pelo acusado, e desencadearia os fatos. A vítima relata que teria abordado a mulher pois ela estava caída no meio da rua e que o acusado teria em momento anterior diante de uma briga de casal, tentado atropelá-la. Assim, a vítima, ao tentar ajudar essa mulher, foi abordada e ameaçada pelo acusado que estaria com arma em punho, e diante disso arrancou com o seu carro, sofrendo os primeiros disparos. Ao tentar fugir do local, a vítima se depara com uma rua sem saída e retorna pelo mesmo local onde os fatos haviam ocorrido, visualizando o acusado, que ao passar por ele, efetua novamente outros disparos. Convém esclarecer que a vítima presta suas declarações de maneira harmônica e em consonância com os relatos dos castrenses que atenderam a ocorrência. O acusado, em Juízo, confessa os disparos de arma de fogo, bem como assumiu a propriedade da arma de fogo. Alegando tê-los efetuados para repelir injusta agressão. Assim, as circunstâncias dos autos não permitem afastar, de plano e de forma inequívoca, a presença de animus necandi, razão pela qual a questão deve ser submetida à apreciação do Conselho de Sentença. Nesse sentido, já decidiu o e. Tribunal de Justiça do Paraná: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – HOMICÍDIO SIMPLES TENTADO – MANIFESTAÇÃO DA PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA PELA DECLARAÇÃO, DE OFÍCIO, DA NULIDADE DA DECISÃO DIANTE DA AUSÊNCIA DE PROVA DA MATERIALIDADE - NÃO ACOLHIMENTO - MATERIALIDADE DO CRIME COMPROVADA ATRAVÉS DE PRONTUÁRIO MÉDICO E PELA PROVA TESTEMUNHAL - INTELIGÊNCIA DO ART. 167, DO CPP - PROVAS COLHIDAS NO INQUÉRITO POLICIAL E EM JUÍZO SUFICIENTES PARA LEGITIMAR O JÚRI POPULAR - EXEGESE DO ART. 413, DO CPP - PLEITO DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA –TESE DE LEGÍTIMA DEFESA NÃO COMPROVADA DE FORMA CABAL - DÚVIDA A SER DIRIMIDA PELOS JURADOS - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.1. A Decisão de Pronúncia exige que o Juiz, motivadamente, indique tão somente a presença de indícios de autoria e a prova da materialidade do delito, em observância aos termos do art. 408, caput, do Código de Processo Penal.2. Nos termos do art. 413, do Código de Processo Penal, é suficiente para a Pronúncia que o julgador se convença, nos casos de delitos dolosos contra a vida, da existência do crime e de indícios de sua autoria, incumbindo ao Tribunal do Júri, dirimir eventuais dúvidas e decidir o mérito da causa (art. 5º, XXXVIII, "d", da Constituição Federal). (TJPR - 1ª C.Criminal - 0004046-62.2016.8.16.0030 - Foz do Iguaçu - Rel.: DESEMBARGADOR ANTONIO LOYOLA VIEIRA - J. 11.04.2021) (grifei). Conclui-se, portanto, que no caso de FLÁVIO REIS impõe-se a sua pronúncia por tudo que está narrado na exordial acusatória oferecida pelo Ministério Público do Estado do Paraná, de modo que há indícios de sua autoria no delito em questão. Ademais, insta esclarecer que a pronúncia nada mais é que um juízo de admissibilidade da acusação. Nesta fase processual, somente pode ser suprimido o julgamento pelo Tribunal do Júri diante de prova inequívoca de que o fato não ocorreu, de que não há crime, ou como já dito antes, que há alguma causa de isenção de pena ou de exclusão do crime, ou ainda, no caso de restar provado que o acusado não é o autor e ou não participou da infração[2], não sendo quaisquer destas hipóteses, por ora, evidenciada do conjunto probatório que integra os autos. Dessa forma, embora a Defesa do acusado alegue que este agiu em legítima defesa, tal alegação não deve prosperar, eis que esta não se mostra clara no arcabouço probatório dos autos, como requer esta fase processual para um decreto absolutório sumário, nos termos do artigo 415 do Código de Processo Penal. Pelo contrário, as provas coligidas no caderno processual demonstram que permanecem hígidos os indícios da existência de animus necandi na conduta do acusado. Registre-se que em ambos os momentos em que a vítima presta seu depoimento, deixa claro que, no instante em que arranca com o carro, o acusado de plano já efetua os primeiros disparos em direção ao carro. Em que pese o argumento da defesa de que, em um segundo momento, a vítima teria jogado o carro contra o acusado, o qual, então, para se defender, efetuou os disparos. Portanto, em que pese os respeitáveis argumentos deduzidos pela defesa, a tese de legítima defesa alegada pelo acusado não se apresenta, até o momento, acompanhada de elementos probatórios firmes quanto à presença dos requisitos legais exigidos pelo art. 25 do CP, especialmente quanto à atualidade da agressão e à proporcionalidade dos meios empregados, não sendo possível, assim, o reconhecimento da excludente de forma inequívoca. Sabe-se que a aplicação da absolvição sumária prevista no artigo 415, inciso IV, do Código de Processo Penal, está condicionada à prova inequívoca de que o acusado agiu sob o manto de alguma excludente de ilicitude ou eximente de culpabilidade. O Juiz monocrático ao absolver sumariamente o acusado não estará consagrando a dúvida a seu favor, mas sim, afirmando sua inocência, dispensando assim, a convocação do povo para julgamento. Ademais, para a configuração dessa excludente é necessário analisar os meios empregados e a proporcionalidade da reação utilizada para repelir a suposta agressão. Veja-se que a versão do acusado prestada em fase investigativa não resta respaldada de modo inequívoco, surgindo dúvidas quanto à real ocorrência da excludente da legítima defesa por ele alegada. É cediço na Jurisprudência: APELAÇÃO CRIME - HOMICÍDIO SIMPLES CONSUMADO E TENTADO (CP, ART. 121, CAPUT, E CP, ART. 121, CAPUT C/C ARTIGO 14, INCISO II) - ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA - RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - INEXISTÊNCIA DE PROVA CABAL ACERCA DA LEGÍTIMA DEFESA - MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA DEMONSTRADOS - DECISÃO REFORMADA PARA SUBMETER O ACUSADO A JULGAMENTO PERANTE O TRIBUNAL DO JÚRI - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJPR - 1ª C. Criminal - AC - 1742875-2 - Toledo - Rel.: Desembargador Clayton Camargo - Unânime - J. 08.02.2018). (TJ-PR - APL: 17428752 PR 1742875-2 (Acórdão), Relator: Desembargador Clayton Camargo, Data de Julgamento: 08/02/2018, 1ª Câmara Criminal, Data de Publicação: DJ: 2204 21/02/2018). (Grifo nosso). Ademais, também não há que se falar, nesta fase do procedimento, em desclassificação eis que não há nos autos suporte probatório necessário para a prolação depara o delito de lesão corporal, uma sentença desclassificatória na forma do artigo 419 do CPP. Isso porque, a doutrina e jurisprudência são uníssonas em definir que o Juiz somente desclassificará a infração penal, cuja denúncia foi recebida como crime doloso contra a vida, em caso de cristalina certeza quanto à ocorrência de crime diverso daqueles de competência do Tribunal do Júri, o que não ocorre na hipótese em exame. Nesta fase processual descabe discussão sobre a vontade inicial dos agentes, devendo a matéria ser apreciada detalhadamente pelo Conselho de Sentença. Assim, no caso, há fortes elementos capazes de sustentar a tese acusatória de que o réu, no mínimo assumiu o risco de matar a vítima ao disparar diversas vezes no veículo que a vítima estava. Nesse diapasão, não há o que se falar em desclassificação para o delito de arma de fogo, bem como, para o delito de dano, conforme alegação da defesa. Logo, não se mostrando prudente e razoável, nesta fase processual, aceitar a alegação de que o réu agiu com ausência de animus necandi. Sendo assim, é a favor da sociedade que se resolvem, nesta fase, as eventuais incertezas propiciadas pela prova. Há inversão da regra in dubio pro reo para in dubio pro societate. Por isso não há necessidade, absolutamente, daquele convencimento que se exige para o decreto condenatório, devendo o caso ser submetido à análise do Tribunal do Júri, sob pena de usurpação da sua competência. E, por fim, patenteada a conexão das infrações penais capituladas na peça incoativa, competirá ao Tribunal do Júri deliberar acerca do delito conexo estampado no art. 147 do Código Penal, consoante o disposto no art. 78 do Código de Processo Penal. Aliás, o Superior Tribunal de Justiça já afirmou que “a Constituição Federal determinou ao Tribunal do Júri a competência para julgar os crimes dolosos contra a vida e os delitos a eles conexos, conferindo-lhe a soberania de seus vereditos.” (AgRg no HC n. 754.464/RJ, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 24/4/2023, DJe de 26/4/2023). Importante salientar que, de igual forma, se encontram presentes indícios de autoria e prova da materialidade do delito conexo, pelos mesmos elementos de provas mencionados acima. Portanto, em face do contido neste caderno processual, a decisão pela pronúncia do réu é medida que se impõe no caso em tela, devendo o caso ser devidamente apreciado pelo Tribunal do Júri, seu juiz natural que, inclusive, poderá absolver o acusado. 2.3. Das Qualificadoras do Motivo Fútil e Recurso que Dificulte a Defesa do Ofendido – artigo 121, § 2º, incisos II e IV do Código Penal. O agente ministerial em sua exordial acusatória classificou as intituladas qualificadoras devido aos seguintes fatos: “[...] o delito foi praticado por motivo fútil, visto que, conforme levantado, FLÁVIO REIS praticou a conduta devido ao fato de que o ofendido prestou auxílio à sua convivente, que estava pedindo socorro no momento em que a encontrou. [...] “. E “[...] mediante recurso que dificultou a defesa de João Marcos de Souza Martins, vez que efetuou os disparos de arma de fogo de inopino, sendo um ataque inesperado para a vítima, que já estava se retirando do local [...]”. Esta magistrada entende que as qualificadoras previstas nos incisos II e IV, do § 2º, do artigo 121, do Código Penal, indicadas na exordial pelo Ministério Público, devem ser mantidas em razão de haver indícios de que o crime foi praticado por motivo fútil e com outro recurso que dificulte a defesa do ofendido. Da leitura do processo e de acordo com os depoimentos colhidos, extraem-se fortes indícios de que o acusado praticou a conduta delitiva em virtude de que a vítima teria socorrido sua convivente, que estaria caída em via pública, motivo esse insignificante e desproporcional para ocorrência do crime, configurando, assim, o motivo fútil. Nessa toada, o acusado confessa o uso da arma de fogo, e pela dinâmica narrada o acusado teria por dois momentos atirado em direção da vítima, atingindo o seu veículo, conforme depoimento em juízo a vítima relata que ao arrancar com o carro o acusado disparou os primeiros tiros. Ademais, diante deste quadro, eventual afastamento da qualificadora ou consunção entre os delitos perfaz questões que devem ser dirimidas pelos jurados. É certo que as qualificadoras só podem ser excluídas de plano quando se revelaram manifestamente improcedentes. Outrossim, não há como se afastar tais circunstâncias nesse momento processual, pois "somente se admite a exclusão de qualificadoras quando manifestamente improcedentes ou descabidas, sob pena de afronta à soberania do Júri.” (STJ, AgRg no AREsp 1848420/AM, Rel. Ministro Olindo Menezes (desembargador convocado do TRF 1ª Região) - Sexta Turma - Julgado em 15/02/2022, DJe 21/02/2022). Nesse sentido, é farta e uníssona a jurisprudência, consoante se vê do seguintes julgados: PRONÚNCIA. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO (ART. 16, CAPUT, LEI N.° 10.826/2003) E HOMICÍDIO QUALIFICADO (ART. 121, § 2.º, INCISOS II E VIII, DO CP). RECURSO DA DEFESA. 1) ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. LEGÍTIMA DEFESA. INOCORRÊNCIA. REQUISITOS DA EXCLUDENTE DE ILICITUDE NÃO COMPROVADOS DE FORMA INCONTESTE. QUESTÕES A SEREM ANALISADAS E DECIDIDAS PELO TRIBUNAL DO JÚRI. 2) [...]. 3) PLEITO SUBSIDIÁRIO DE AFASTAMENTO DA QUALIFICADORA DE CRIME PRATICADO MEDIANTE EMPREGO DE ARMA DE FOGO. INVIABILIDADE. CIRCUNSTÂNCIA QUALIFICADORA QUE, NO CASO, NÃO SE MOSTRA MANIFESTAMENTE DESCABIDA. 4) [...]. 5) PRETENSÕES DE RECONHECIMENTO DA CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA, FIXAÇÃO DE REGIME BRANDO E SUBSTITUIÇÃO PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITO. NÃO CONHECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME NA PRONÚNCIA. MATÉRIAS DE COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DO JUIZ PRESIDENTE DO COLEGIADO DO JÚRI, EM CASO DE EVENTUAL CONDENAÇÃO. 6) [...]. O Júri Popular é o juiz natural dos crimes dolosos contra a vida, consumados ou tentados. O recurso em sentido estrito permite que o Tribunal de Justiça altere a decisão de pronúncia. Isto, tão somente quando verificável manifesto equívoco ou evidente contrariedade ao ordenamento jurídico – circunstâncias ausentes do presente caso. (Grifei) E Direito penal. Recurso em sentido estrito. Homicídio qualificado. Motivo torpe. Recurso que dificultou a defesa da vítima. Princípio da consunção. Competência do tribunal do júri. Recurso não provido. I. [...]. III. Razões de decidir 3. Quanto ao recurso que dificultou a defesa da vítima (art. 121, § 2º, inciso IV, do CP), a prova testemunhal e os elementos de prova indicam que, em tese, a vítima estaria embriagada e teria sido surpreendida pelo réu, diminuindo sua capacidade de defesa. A questão deve ser examinada pelo Conselho de Sentença. 4. [...] 5. O princípio da consunção possui aplicabilidade quando um crime configura-se meio necessário e imprescindível para a consumação do crime fim. [...]. IV. Dispositivo e Tese 6. Recurso em sentido estrito não provido. Mantidas as qualificadoras de motivo torpe e recurso que dificultou a defesa da vítima, bem como a aplicação do princípio da consunção entre os delitos de fraude processual e ocultação de cadáver. Tese de julgamento: 1. “As qualificadoras devem ser decotadas quando manifestamente improcedentes. 2. O princípio da consunção entre os crimes de ocultação de cadáver e de fraude processual deve ser, mediante valoração da prova, pelo Tribunal do Júri, dentro de sua absoluta competência”. Dispositivos relevantes citados: CP, art. 121, § 2º, incisos I e IV.Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no REsp n. 1.737.292/GO, Rel. Min. Rogerio Schietti, 6ª T., DJe 25/9/2018; TJPR - 1ª Câmara Criminal - 0024024-82.2021.8.16.0019 - Ponta Grossa - Rel.: Des. Adalberto Jorge Xisto Pereira - J. 04.02.2023; STJ, AgRg no AREsp n. 2.540.663/SC, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 16/4/2024, DJe de 23/4/2024) (TJPR - 1ª Câmara Criminal - 0000770-28.2024.8.16.0164 - Teixeira Soares - Rel.: DESEMBARGADOR GAMALIEL SEME SCAFF - J. 06.02.2025) (Grifei). Ainda “PRONÚNCIA – TENTATIVA DE HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO.I. DESPRONÚNCIA OU DESCLASSIFICAÇÃO PARA LESÃO CORPORAL – INVIABILIDADE – INDÍCIOS DE AUTORIA E DE ANIMUS NECANDI – APRECIAÇÃO AFETA AO CONSELHO DE SENTENÇA. Comprovada a materialidade do delito imputado e presentes indícios suficientes de autoria, impõe-se a pronúncia do acusado, competindo ao Tribunal do Júri valorar o elemento subjetivo norteador da conduta do agente e solver os conflitos probatórios. II. QUALIFICADORAS (MOTIVO FÚTIL E EMPREGO DE FOGO) – EXCLUSÃO INADMISSÍVEL – IMPROCEDÊNCIA (MANIFESTA) NÃO CONSTATADA. Circunstâncias qualificadoras do homicídio só podem ser afastadas da pronúncia quando claramente inexistentes; encontrando suporte mínimo no material probatório, devem ser levadas a exame dos Jurados. III. JUSTIÇA GRATUITA – VIA IMPRÓPRIA – COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA EXECUÇÃO. Incumbe ao Juízo da execução examinar, em face de alegada hipossuficiência econômica do réu, o pleito de gratuidade da justiça. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO.” (TJPR - 1ª C.Criminal - 0001421-49.2012.8.16.0045 - Arapongas - Rel.: DESEMBARGADOR TELMO CHEREM - J. 07.05.2022 - (Grifei) Por oportuno, cumpre salientar que no procedimento do júri o pronunciamento do acusado pelo Juiz está adstrito a existência, ainda que mínima, de indícios que venham a se enquadrar nos tipos penais preconizados pela legislação pertinente. A inobservância da referida presença resultaria em omissão da Autoridade Judiciária, a qual deixaria de cumprir as determinações legais atinentes à espécie e que, por sua vez, nesta fase, figura como Juízo de admissibilidade e não de julgamento, cujas atribuições competem ao Conselho de Sentença formado quando da Sessão de Julgamento no Tribunal do Júri. 3. DISPOSITIVO. Ante o exposto, com fundamento no artigo 413 do Código de Processo Penal, admitindo integralmente a acusação, PRONUNCIO o denunciado FLÁVIO REIS, qualificado nos autos, pela prática do crime previsto no artigo 121, § 2º, incisos II e IV, c/c artigo 14, II, e do artigo 147 ambos do Código Penal., para que seja submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri na ocasião oportuna. 4. Da prisão preventiva: Por entender que permanecem hígidos todos os motivos que ensejaram a prisão preventiva do pronunciado FLÁVIO REIS (evento 122.1), não tendo havido qualquer modificação fática que justifique alteração, mantenho a prisão preventiva. Ressalto que a manutenção da prisão cautelar encontra fundamento na garantia da ordem pública. Conforme exposto na decisão que decretou a prisão preventiva, o crime imputado ao réu é de alta gravidade, devendo ser punido e coibido com veemência, eis que, em tese, o delito fora cometido por motivo fútil e com recurso que dificulte a defesa do ofendido, nos termos já explicitados na presente decisão de pronúncia. Dessa forma, da análise dos autos, verifico que ainda subsistem os motivos que motivaram o decreto da medida cautelar, não se fazendo presente nenhuma circunstância que fosse suficiente para alterar o entendimento anteriormente exarado, já que a situação fática na qual decretada a prisão preventiva persiste. Persistindo os pressupostos ensejadores da manutenção da prisão preventiva anteriormente decretada em desfavor do pronunciado, concluo que deve ser mantida a custódia cautelar preventiva, pois considero que permanecem presentes os requisitos autorizadores de sua prisão, qual seja, a garantia da ordem pública. Assim, resta evidenciada que a aplicação de qualquer uma das medidas cautelares estabelecidas no artigo 319 do Código de Processo Penal, revelam-se insuficientes em face da conduta do pronunciado e, particularmente, pela ausência de mecanismos de fiscalização. Isso posto, mantenho a prisão preventiva anteriormente decretada em desfavor do pronunciado FLÁVIO REIS. 5. Preclusa a decisão, dê-se vista dos autos às partes na forma do artigo 422 do Código de Processo Penal. 6. Cumpram-se as disposições do Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça, no que forem aplicáveis. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Francisco Beltrão/PR, datado e assinado digitalmente Janaina Monique Zanellato Albino Sinhorini Juíza de Direito 4 [1] RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICA- DO - NULIDADE POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO NO TOCANTE AS QUALIFICADORAS - INOCORRÊNCIA - JULGAMENTO A SER REALIZADO PELO TRIBUNAL DO JÚRI - ANIMUS NECANDI NÃO AFASTADO ESTREME DE DÚVIDAS - PRONÚNCIA MANTIDA - QUALIFICADORAS DE MOTIVO FÚTIL E RECURSO QUE IMPOSSIBILITOU A DEFESA DA VÍTIMA - EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS SUFICIENTES PARA A SUA MANUTENÇÃO - RECURSO DESPROVIDO. 1. Não há falta de fundamentação, quando o julgador, de forma sóbria e comedida, demonstra seu convencimento acerca das qualificadoras. 2. Não havendo prova segura da alegada ausência de animus necandi, deve a causa ser submetida à apreciação do Tribunal do Júri.3. As qualificadoras só podem ser afastadas, nesta fase processual, quando manifestamente improcedentes. (TJPR - 1ª C.Criminal - RSE - 1122803-8 - Guaíra - Rel.: Campos Marques - Unânime - - J. 17.10.2013). RECORRENTE: IVO MARCIANO RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ RELATOR: DES. MIGUEL KFOURI NETORECURSO EM SENTIDO ESTRITO. TENTATIVA DE HOMICÍDIO (ART. 121, C.C. 14, INC. II, AMBOS DO CP). PRONÚNCIA. RECURSO DA DEFESA. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA PELO RECONHECIMENTO DA LEGÍTIMA DEFESA.IMPROCEDÊNCIA. REQUISITOS DA EXCLUDENTE NÃO DEMONSTRADOS DE FORMA INDENE DE DÚVIDAS. PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA LESÕES CORPORAIS. IMPOSSIBILIDADE. INDÍCIO DE QUE O RÉU AGIU COM ANIMUS NECANDI. AGRESSÕES PROFERIDAS EM REGIÃO VITAL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI PARA DIRIMIR AS QUESTÕES. RECURSO DESPROVIDO. I - RELATÓRIO (TJPR - 1ª C.Criminal - RSE - 1117426-8 - Nova Londrina - Rel.: Miguel Kfouri Neto - Unânime - - J. 10.10.2013). [2] Para a pronúncia, segundo dispõe ao artigo 413 do Código de Processo Penal, é necessária a prova da existência do crime, o que, diga-se, é induvidosa na espécie, e indícios suficientes da autoria, ou seja, "elementos probatórios que indiquem a probabilidade de ter o acusado praticado o crime" (Julio Fabbrini Mirabete, CPP Interpretado, 11a edição, Editora Altas, página 1.084).
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