Ministério Público Do Estado Do Paraná x Ronaldo Pereira
ID: 307244393
Tribunal: TJPR
Órgão: Vara Criminal de Barbosa Ferraz
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 0000296-71.2025.8.16.0051
Data de Disponibilização:
25/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANTONIO SERGIO RIGONATO JUNIOR
OAB/PR XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DE BARBOSA FERRAZ VARA CRIMINAL DE BARBOSA FERRAZ - PROJUDI Rua Marechal Deodoro, Nº 320 - Centro - Barbosa Ferraz/PR - CEP: 86.960-000 - Fone: (44) 3259-…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DE BARBOSA FERRAZ VARA CRIMINAL DE BARBOSA FERRAZ - PROJUDI Rua Marechal Deodoro, Nº 320 - Centro - Barbosa Ferraz/PR - CEP: 86.960-000 - Fone: (44) 3259-6120 - Celular: (44) 3259-6121 - E-mail: bf-ju-ecr@tjpr.jus.br SENTENÇA Processo: 0000296-71.2025.8.16.0051 Classe Processual: Ação Penal - Procedimento Ordinário Assunto Principal: Incêndio Data da Infração: 11/03/2025 Autor(s): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ Vítima(s): JOSIANE GODINHO DA ROCHA Réu(s): RONALDO PEREIRA 1. RELATÓRIO O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por intermédio de seu órgão em exercício neste Juízo, no uso de suas atribuições constitucionais e legais, com base nos autos de Inquérito Policial, ofereceu denúncia em face de RONALDO PEREIRA, brasileiro, nascido em 10/01/1986 (com 39 anos de idade à época dos fatos), filho de Josefa Bezerra da Silva e Agenor Pereira, portador da carteira de identidade n. 10.088.875-0 SSP /PR e inscrito no CPF/MF sob n. 056.652.449-02, natural de Barbosa Ferraz/PR, atualmente recolhido na Cadeia Pública de Engenheiro Beltrão/PR, atribuindo-lhe a prática dos crimes tipificados no artigo 147, §1º e artigo 250, §1°, alínea “a”, do Código Penal, ambos do Código Penal, na forma do artigo 69 do mesmo Diploma Legal, em razão dos seguintes fatos, assim narrados na denúncia (seq. 31.1): “1º ATO DELITUOSO No dia 11 de março de 2025, por volta das 17h, no interior da residência localizada na Rua Pernambuco, n. 180 - Centro, nesta cidade e comarca de Barbosa Ferraz/PR, o denunciado RONALDO PEREIRA, agindo dolosamente, por razões da condição do sexo feminino, ameaçou, por palavras, de causar mal injusto e grave contra a vítima Josiane Godinho da Rocha, sua companheira, ao proferir-lhe os seguintes dizeres: “vou por fogo na sua casa, vou por fogo onde você vive” (sic), “você vai morrer queimada” (sic), “eu vou queimar vocês tudo junto” (sic), causando fundado receio na vítima de que as ameaças viessem a se concretizar, conforme áudios juntados aos movs. 6.1/2. 2º ATO DELITUOSO Nas mesmas condições de dia e local do primeiro ato delituoso acima imputado, o denunciado RONALDO PEREIRA, agindo dolosamente, iniciou a execução do crime de incêndio, ao colocar fogo na cozinha da residência da vítima, expondo a perigo a vida e a integridade física de sua companheira Josiane Godinho da Rocha e do seu filho G.G.P, com 13 anos de idade, somente não consumando o crime de incêndio por força de circunstâncias alheias à sua vontade, visto que a vitima conseguiu conter o fogo causado pelo denunciado, jogando água nas chamas e ligando para a Polícia Militar, conforme consta no boletim de ocorrência do mov. 1.12, imagens da residência dos movs. 1.15/18 e vídeo da residência do mov. 1.20 dos autos.” O denunciado foi preso em flagrante delito (seq. 1.4), sendo a prisão convertida em preventiva à seq. 23.1. A denúncia foi recebida em 19/03/2025 (seq. 39.1). Citado pessoalmente (seq. 59.1), o acusado apresentou resposta à acusação, por intermédio de defensor dativo (seq. 67.1). Não sendo verificadas quaisquer causas legais que ensejem a rejeição da denúncia ou que autorizem a absolvição sumária, designou-se audiência de instrução e julgamento (seq. 73/75). No ato, realizou-se a oitiva da vítima J. G. D. R., da testemunha Jonathan Maicon Ortiz da Silva e, ao final, interrogou-se o acusado Ronaldo Pereira (seq. 101). O Ministério Público, em sede de alegações finais (seq. 109.1), pugnou pela condenação do acusado às sanções do 147, §1º e 250, §1º, alínea “a”, ambos do Código Penal, com observância dos artigos 5º e 7º, incisos I e II, da Lei nº. 11.340/06. A Defesa, por sua vez, em sede de alegações finais (seq. 112.1), requereu: 1) A absolvição do acusado RONALDO PEREIRA da imputação prevista no artigo 250, §1º, alínea “a”, do Código Penal, com base na ausência de dolo específico, falta de perigo concreto e insuficiência de provas para configuração do crime de incêndio, nos termos do artigo 386, incisos III, V e VII, do Código de Processo Penal; 2) A absolvição quanto ao crime de ameaça, previsto no artigo 147 do Código Penal, pela atipicidade material da conduta, considerando a ausência de idoneidade real da suposta ameaça em incutir temor sério e fundado na vítima, nos termos do artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal; 3) Subsidiariamente, caso não acolhido o pedido absolutório quanto ao crime de incêndio, que seja reconhecida a desclassificação da conduta para o delito do artigo 132 do Código Penal (perigo para a vida ou saúde de outrem), com aplicação de pena alternativa compatível com a realidade social e pessoal do acusado; 4) Ainda subsidiariamente, em caso de eventual condenação, que se reconheça: · A atenuante da embriaguez voluntária, nos termos do artigo 65, III, “c”, do Código Penal; · A primariedade, ausência de antecedentes e o bom comportamento processual do acusado como circunstâncias judiciais favoráveis, nos termos do artigo 59 do Código Penal; · A possibilidade de aplicação de pena restritiva de direitos ou a concessão do sursis (suspensão condicional da pena), conforme os artigos 43 e 77 do Código Penal. 5) A gratuidade da justiça ao réu, conforme já exposto; 6) Seja concedida a possibilidade de recorrer em liberdade. 7) Por fim requer a condenação do Estado do Paraná a suportar com honorários advocatícios pelos serviços prestados e nomeação por ora aceita por este defensor (mov. 65.1, em 16/04/2025), honorários a serem arbitrados por Vossa Excelência tomando por parâmetro a tabela de honorários da advocacia dativa, instituída pela Resolução Conjunta nº 06/2024-PGE/SEFA. Os autos, então, vieram-me conclusos. É, em síntese, o relatório. Passo a fundamentar e decidir. Presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, e não havendo nulidades a sanar, considerando a tramitação imaculada do feito, com observância do devido processo legal e plena garantia do contraditório e da ampla defesa, passo a enfrentar o mérito. Nos tópicos que seguem, serão expostos os elementos de prova referentes à materialidade dos crimes apurados, assim como destacados os pontos mais relevantes do conjunto probatório referente à autoria atribuída ao acusado. Entretanto, inicialmente, para facilitação da exposição, cumpre realizar a transcrição livre dos depoimentos testemunhais e do interrogatório do réu, uma vez que pertinentes a todos os fatos apurados e fundamentam a conclusão jurisdicional do caso. A vítima J. G. D. R., ao ser ouvida em juízo, disse que: foi há três meses; aconteceu que o Ronaldo chegou em casa, estava um pouco alterado, pediu para levar na casa de um amigo dele, mas não quis, aí ele pegou óleo queimado, que usava para acender o fogão à lenha, espalhou pela casa e enxarcou um papel higiênico, colocou em cima do fogão, acendeu, fechou a porta e tentou por fogo, mas viu à tempo e apagou; ele queria a chave do carro, mas já tinha escondido, pois imaginou que ele fosse querer pedir, ai ele deu três socos no carro e saiu; ele saiu de casa, mandou mensagens ameaçando, então ligou para a polícia; na hora ele tentou colocar fogo e depois que ele saiu, ele mandou uma mensagem no celular, falando que iria por fogo na casa; a ameaça foi após ele tentar colocar fogo; ele falou que iria voltar e falou do fogo; 19 anos casados no papel, moraram juntos 2 anos antes de casar e namoraram 2 anos antes, então estão juntos há 23 anos; em todo esse tempo ele nunca teria demonstrado nenhum comportamento violento, ele é uma excelente pessoa, os vizinhos adoram ele, ele é trabalhador, quando os vizinhos precisam dele, ele vai na hora atender; ele saia 5h30 de casa e chegava 19h, trabalhando em Campo Mourão e Maringá, nunca apresentou esse tipo de comportamento; ele é muito carinhoso com o filho dele também; ele é usuário de crack; já auxiliou ele em tratamentos, ele realizava tratamento em Campo Mourão, numa clínica chamada AME, ele tomava medicamento, tinha psicólogo, psiquiatra; às vezes ele tomava o medicamento, às vezes não, acredita que isso prejudicava no tratamento; não foi levar ele, pois ele estava alterado e sentiu medo, e não deixou ele usar o carro pelo mesmo motivo, ele havia bebido, como iria deixar ele usar?; não chegou sair de casa; não teve nenhum ferimento, inclusive, acredita que ele não queria que ele fizesse nenhum mal para si e nem para o Gabriel, não queria que ele fosse preso, não quer que ele seja condenado, na verdade, acha que ele teve um tipo de surto, pois ele não estava bem naquele dia, não estava comendo direito, não estava dormindo direito, acredita que foi algo emocional; foi um fato isolado, algo que nunca havia acontecido; foi algo que nunca tinha acontecido e acredita que nunca mais vai acontecer; acredita que ele estava embriagado, se ele usou droga não sabe; ele jogou meio litro de óleo pela casa, ele espalhou pela cozinha e pela sala, encharcou um papel higiênico e acendeu; conseguiu apagar na hora, foi fácil, jogou na pia; pegou o papel pegando fogo e jogou na pia, não chegou espalhar; ele saiu logo em seguida, não se recorda se ele ficou ali, mas acredita que ele logo saiu; possuem um filho, de 13 anos, ele viu tudo, estava na casa; tinha pedido a medida protetiva, então não teve contato com ele, está vendo ele agora; não era frequente que ele usava droga e bebida, era mais final de semana, quando recebia; ele ficou 6 meses internado, mas nessa época não tinha psicólogo e psiquiatra, nem remédio, era só tentado cortar mesmo; ele ficou um tempo sem usar, mas depois voltou usar; acredita que ele foi uns 3 meses no AME; esse ano acho que foram 3 vezes, voltava lá cada 2 meses só, não era todo mês; ele nunca lhe agrediu, nem o filho. A testemunha e Policial Militar Jonathan Maicon Ortiz da Silva, compromissada, ao ser ouvido em juízo, disse que: é bem recente, lembra claramente; a vítima entrou em contato pelo telefone da viatura, passou a relatar que seu convivente estaria lhe ameaçando na residência, teria chegado bastante embriagado e já teria tentado colocar fogo na residência, então ela solicitou à equipe no local; foram até a casa dela rapidamente, em contato com ela passou a relatar que poucos momentos antes, o Ronaldo teria chegado na residência embriagado, solicitou para ela que o acompanhasse até uma biqueira para comprar drogas; aliás, ele pediu para que ela emprestasse a chave do carro, para que ele fosse adquirir drogas, mas ela negou, tendo ele se mostrado bastante agressivo, começando jogar panelas do fogão no chão, nos móveis da residência, inclusive, tem bastante fotos da situação que ficou a residência, e posterior a isso, a esse momento de fúria, ele pegou um rolo de papel higiênico e tentou colocar fogo no fogão; observa-se que atrás do fogão, existe uma cortina persiana de pano, e por pouco ela não pegou fogo, segundo a Josiane; poderia ter evoluído para algo pior, pois a residência é de madeira, mas a Josiane agiu rápido, conseguiu tirar o rolo de papel higiênico do fogão e jogou na pia, ligando a torneira, e conseguindo cessar as chamas; logo após esse momento, o Ronaldo teria solicitado as chaves do carro novamente, tendo ela negado, ele foi até o carro e, segundo ela, deu alguns socos do lado do motorista, mas não logrou êxito em abrir o carro que estava trancado, tendo se retirado do local a pé; a Josiane ainda relatou para equipe que ele teria ameaçado ela, falado que iria matar ela, juntamento com o filho do casal que estava no local; segundo palavras do Ronaldo, ele iria colocar fogo na residência com os 2 juntos e acabou proferindo bastante palavras de baixo calão, ofendendo a moral da solicitante; após se retirar do loca, ele continuou enviando mensagens ofendendo a integridade da vítima, bem como proferindo mais ameaças de morte pelo aplicativo WhatsApp; ela chegou a mostrar para a equipe alguns áudios dele a ameaçando e xingando, de posse dessas informações, devido a gravidade do fato, a equipe realizou buscas para localizar ele e, a princípio, não lograram êxito em localiza-lo; mais tarde, acabaram localizando ele e o abordaram em frente ao Bar do Cunhado, mais na parte central da cidade, na Avenida Paraná com cruzamento com a Rua Marechal Deodoro; ele estava bastante embriagado, bastante agressivo, sendo necessário uso de algemas para preservar a integridade dele mesmo e da equipem, sendo efetuada voz de prisão e ele foi encaminhado, junto da vítima, à Delegacia, para providências; mesmo dentro da viatura e algemado, ele apresentava bastante agressividade, começou bater sua cabeça no acrílico da viatura bastante vezes, acredita até que o Soldado Galvão gravou um vídeo dessa situação; a vítima mostrou para a equipe alguns áudios do Ronaldo; eram áudios do dia mesmo, logo após sair do local; ele não era conhecido da equipe, até o momento não o conhecia; a vítima não apresentava ferimento, ela alegou que ele não chegou a agredir ela, só causou os danos na residência e a gravidade se deu em razão das ameaças e a tentativa de incêndio no local, o que assustou bastante ela; ela relatou que ele tem problema com drogas há um tempo, mas dessa vez foi um pouco mais grave, tendo ele apresentado esses sinais de agressividade, mas não alegou em nenhum momento que ele teria agredido ela; foram na residência, sim, depois foram atrás dele; o fogo estava contido, não teve necessidade de bombeiro, ela agiu rápido e conseguiu jogar o rolo de papel higiênico na pia e conter o fogo; na casa tinha bastante sujeira, ele jogou as panelas com comida no chão, tinha gordura nos móveis da cozinha, mas dano ao patrimônio não havia, não; quando abordaram o Ronaldo era perceptível que ele estava embriagado, odor etílico bem presente, agressividade, fala desconexa, bem perceptível a embriagues; era só agressividade e o odor etílico, mas não tinha confusão mental, não; ele sabia o que tinha feito, ele ainda alegou no momento; ele não chegou falar nada que ameaçou ela, ficaram sabendo desses fatos por parte do relato da vítima. O réu Ronaldo Pereira, ao ser interrogado em juízo, relatou que: só lembra que estava bêbado, bem alterado, foi para casa e queria sair, pediu para sua esposa te levar no lugar, tem essa lembrança, mas não tem lembrança de ter cometido tanta coisa assim; durante o dia estava jogando sinuca e bebendo cachaça no bar da rodoviária, até de noite, ai chegou em casa e queria sair de novo; acha que era terça-feira, lá pelas 17h; começou beber na segunda-feira, nem foi trabalhar na terça, emendou tudo, ficou bebendo; não recorda-se de estar alterado e ter colocado fogo, ficou até surpreso; foi ter noção que tinha feito uma cagada depois que estava preso já; lembra-se da polícia lhe abordando no Bar do Cunhado; não estava tão alterado, ao ponto de arrumar problema com a polícia, colaborou com eles; trabalhou na segunda até às 17h, foi para casa e saiu, e só retornou só nesse momento que pediu o carro; gostaria de falar que estava arrependido, não tinha intenção de machucar sua esposa, sua família, sempre tentou fazer de tudo para ajuda-los; coloca a culpa na cachaça, não sabe se é cabível falar isso, mas estava muito alterado. Essa é toda a prova oral colhida durante a instrução. Diante pluralidade de crimes, passa-se ao exame individualizado de cada conduta supostamente praticada pelo acusado, de modo a facilitar a intelecção da decisão. 2.1. Do crime de ameaça – 1º fato narrado na denúncia Dispõe a denúncia, em seu primeiro fato, que o acusado RONALDO PEREIRA, no dia 11 de março de 2025, por volta das 17h, no interior da residência localizada na Rua Pernambuco, n. 180, nesta cidade de Barbosa Ferraz/PR, teria, dolosamente e por razões da condição do sexo feminino, ameaçado a vítima J. G. D. R., sua companheira, de causar-lhe mal injusto e grave, proferindo-lhe os seguintes dizeres: “vou por fogo na sua casa”, “vou por fogo onde você vive”, “você vai morrer queimada”, “eu vou queimar vocês tudo junto”. As ameaças teriam sido proferidas verbalmente e, também, por meio de áudios enviados pelo aplicativo WhatsApp, conforme documentação constante nos autos. A conduta atribuída ao acusado amolda-se ao delito previsto no art. 147, §1º, do Código Penal, que assim dispõe: “Art. 147 – Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave: Penas - detenção, de um a seis meses, ou multa. § 1º Se o crime é cometido contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 1º do art. 121-A deste Código, aplica-se a pena em dobro.” Nos termos do tipo penal, configura-se o crime de ameaça quando alguém ameaça outrem, por palavra, escrito ou gesto, de causar-lhe mal injusto e grave, sendo desnecessário que o agente tenha efetivamente condições de concretizar a ameaça, bastando que ela seja idônea a incutir fundado temor na vítima. O §1º do artigo 147 do Código Penal estabelece causas de aumento e modalidades qualificadas, como o cometimento do delito em razão da condição do sexo feminino e no contexto de violência doméstica e familiar. A materialidade do delito encontra-se evidencia pelo boletim de ocorrência (seq. 1.12), declaração da vítima (seq. 1.23/1.24) e, especialmente, pelos áudios encaminhados pelo acusado à vítima, constantes da seq. 6 dos autos, cujo conteúdo revela expressamente as ameaças de morte e de incêndio, com expressões como “você vai morrer queimada” e “vou queimar vocês tudo junto”. A autoria, por sua vez, decorre do conjunto probatório produzido sob o crivo do contraditório, especialmente da prova oral colhida em juízo. Durante audiência de instrução e julgamento, a vítima J. G. D. R. afirmou com clareza que, após o acusado ter tentado atear fogo na residência, passou a receber, por meio do aplicativo de mensagens, diversos áudios com ofensas e ameaças de morte. Embora tenha declarado que não deseja a condenação do acusado, tampouco sua prisão, e que pretende retomar a convivência conjugal após sua soltura, manteve de forma firme e coerente sua versão dos fatos, atribuindo a ele a prática das ameaças. Ademais, o teor dos áudios enviados pelo réu, acostados aos autos na seq. 6, é inequívoco quanto ao conteúdo ameaçador. Na gravação, o acusado afirma de forma clara e objetiva: “(...)demônio, se você não sai dai, você vai morrer queimada; (...) eu vou queimar vocês tudo junto.” “(...) pode chamar o guarda mirim, quem você quiser chamar; (...) tá muito cedo para dormir, mas a noite você vai dormir e vai para o capeta que te carregue, desgraça.” Vale esclarecer, neste ínterim, que, em crimes praticados no contexto de violência doméstica, é de se dar especial atenção às palavras da vítima, até mesmo pela situação de vulnerabilidade em que elas comumente se encontram. Neste sentido, não havendo, nos autos, qualquer contradição ou elementos que a desabonem, não há como se questionar a credibilidade da versão por ela apresentada. Com efeito, não há qualquer prova a comprometer o relato da vítima, tanto em investigação quanto em instrução, os quais revelam-se harmônicos e vão corroborados pelas demais provas e elementos de informação constantes dos autos. Neste sentido, eis o entendimento do TJPR: APELAÇÃO CRIME. AMEAÇA. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PLEITO BUSCANDO A ABSOLVIÇÃO PELA ATIPICIDADE DA CONDUTA E/OU INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. INVIABILIDADE. DELITO CONFIGURADO. PALAVRA DA VÍTIMA EM CONSONÂNCIA COM O ACERVO PROCESSUAL. PEDIDO DE AFASTAMENTO DA LEI MARIA DA PENHA. DELITO QUE OCORREU EM FACE DE RELAÇÕES DOMÉSTICAS. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (TJPR - 1ª C. Criminal - 0020047-46.2017.8.16.0044 - Apucarana - Rel.: Desembargador Macedo Pacheco - J. 12.09.2019) (negritei) (TJ-PR - APL: 00200474620178160044 PR 0020047-46.2017.8.16.0044 (Acórdão), Relator: Desembargador Macedo Pacheco, Data de Julgamento: 12/09/2019, 1ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 13/09/2019) APELAÇÃO CRIME. AMEAÇAS EM ÂMBITO DOMÉSTICO. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. NÃO ACOLHIMENTO. PALAVRA DA VÍTIMA AMPARADA NO CONJUNTO PROBATÓRIO. PROVA SUFICIENTE PARA FORMAR CONVICÇÃO DE CONDENAÇÃO. TEMOR DA VÍTIMA EVIDENCIADO. DESOBEDIÊNCIA. CONDUTA ATÍPICA POR DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA NO ÂMBITO DA LEI MARIA DA PENHA. SANÇÃO PRÓPRIA. ABSOLVIÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO (TJPR - 1ª C. Criminal - 0066811-54.2015.8.16.0014 - Londrina - Rel.: Juiz Naor R. de Macedo Neto - J. 30.01.2020) (TJ-PR - APL: 00668115420158160014 PR 0066811-54.2015.8.16.0014 (Acórdão), Relator: Juiz Naor R. de Macedo Neto, Data de Julgamento: 30/01/2020, 1ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 20/02/2020) Corroborando o relato da vítima, o policial militar Jonathan Maicon Ortiz da Silva, responsável pelo atendimento da ocorrência, ainda que não tenha presenciado diretamente o momento das ameaças, declarou em juízo que a vítima se encontrava visivelmente abalada e amedrontada, relatando com riqueza de detalhes os atos do acusado, inclusive apresentando os áudios com as ameaças. Mencionou, ainda, que a residência apresentava grande desordem, com utensílios jogados, óleo de cozinha espalhado e indícios do intento incendiário. Acrescente-se que a vítima, após o ocorrido, requisitou medidas protetivas de urgência, as quais permaneceram vigentes por quase 3 meses, mesmo com o acusado preso, circunstância que reforça o temor por ela experimentado em decorrência das ameaças recebidas. Assim, não há dúvidas de que a conduta imputada ao réu se amolda perfeitamente à descrição do tipo penal, eis que ele proferiu ameaça contra a vítima. Notadamente, resta configurado também o elemento subjetivo do crime de ameaça, qual seja, o dolo, tendo em vista que o agente agiu impelido de inequívoca vontade, com a intenção específica de amedrontar, intimidar, em tom de seriedade, uma vez que a ameaçou dizendo que iria lhe cortar. Salienta-se, neste diapasão, que por se tratar de elemento subjetivo do agente, de cunho íntimo, é certo que sua verificação deve ser dar pelos aspectos externos da conduta praticada. No caso dos autos, é evidente a intenção de ameaçar pelo simples teor das palavras proferidas, bem como o contexto apresentado nos autos. Diante disso, sobressalta a importância da garantia do princípio do livre convencimento motivado do juiz, na medida em que se faz de grande relevância a devida fundamentação do decreto decisório, à luz das provas colhidas. Para tanto, cabe ao juiz analisar as circunstâncias fáticas e o relato apresentado pelas vítimas e testemunhas, a fim de verificar a consonância entre os elementos probatórios, bem como a veracidade das versões apresentadas pelas partes. Por fim, há que se ressaltar que, embora a denúncia tenha imputado que as ameaças foram proferidas antes da tentativa de incêndio, a instrução processual demonstrou, de forma inequívoca, que tais ameaças ocorreram após a referida tentativa. Todavia, tal constatação não afasta a tipicidade do delito, pois as ameaças ocorreram no mesmo contexto fático e motivacional, sendo, inclusive, ainda mais graves por terem sido proferidas após o acusado já haver demonstrado disposição concreta de causar dano à integridade física e à vida da vítima e de seu filho, sem ter obtido êxito naquele momento. Em verdade, o fato de as ameaças terem ocorrido posteriormente à tentativa de incêndio evidencia a persistência e a escalada da conduta violenta do acusado, reforçando o fundado temor experimentado pela vítima e a periculosidade da conduta. O acionamento imediato da polícia, a entrega dos áudios com o conteúdo ameaçador e o requerimento de medidas protetivas reforçam a credibilidade do relato e confirmam que a vítima temeu, com razão, pela própria vida e pela de seu filho. Dessa forma, resta claro e inequívoco que o acusado realmente praticou o crime que lhe foi imputado, eis que os elementos probatórios colhidos durante a instrução criminal e na fase investigativa se coadunam no sentido de que ele ofendeu a integridade psíquica da vítima com ameaça de causar-lhe mal injusto grave. Das teses defensivas No que tange à tese absolutória sustentada pela Defesa do acusado em sede de alegações finais, tem-se que, como exposto na fundamentação, é incabível a absolvição, porque amplamente comprovada a ameaça praticada pelo acusado contra a vítima, não sendo o caso de absolvição por insuficiência de provas, de aplicação do in dubio pro reo. Da mesma maneira, a tese de atipicidade da conduta não merece prosperar. Com efeito, a alegação de que se tratariam de palavras impensadas, ditas em momento de descontrole, não encontra respaldo na prova produzida. Os áudios encaminhados à vítima possuem conteúdo concreto, repetido e violento, proferido após tentativa de incêndio, contexto que evidentemente aumenta o potencial intimidativo das ameaças. A versão da vítima é harmônica, corroborada pela atuação da polícia militar e pela existência de pedido de medidas protetivas. O argumento defensivo, portanto, não se sustenta diante do conjunto probatório robusto que atesta a configuração do delito em questão. Questões atinentes à dosimetria da pena e ao direito de recorrer em liberdade serão analisadas no momento oportuno. Das agravantes/atenuantes Inexistem circunstâncias atenuantes previstas no artigo 65, do CP. Por outro lado, verifica-se presente a agravante decorrente da relação doméstica em detrimento da ex-companheira. Esclareço, no ponto, que a agravante “com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica” não é elementar do tipo penal violado, ou seja, do descumprimento de ordem emanada do Poder Judiciário, imposta para proteção da vítima que se sente atemorizada. Sobre o tema, é o entendimento do TJPR: APELAÇÃO CRIMINAL – DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA (24-A DA LEI. 11.340/2006) – RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO – NO MÉRITO, PUGNA PELA READEQUAÇÃO DA SEGUNDA FASE DA DOSIMETRIA – POSSIBILIDADE – PLEITO DE APLICAÇÃO DA AGRAVANTE GENÉRICA DO ARTIGO 61, INCISO II, ALÍNEA “F”, DO CÓDIGO PENAL PARA O CRIME PREVISTO NO ARTIGO 24-A DA LEI MARIA DA PENHA - POSSIBILIDADE - NÃO CARACTERIZA BIS IN IDEM A INCIDÊNCIA DA AGRAVANTE – PUGNA PELA SUBSTITUIÇÃO DO REGIME ABERTO PARA SEMIABERTO – PROVIDO – RÉU REINCIDENTE – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJPR - 1ª Câmara Criminal - 0003005-50.2022.8.16.0030 - Foz do Iguaçu - Rel.: SUBSTITUTO BENJAMIM ACACIO DE MOURA E COSTA - J. 22.07.2023 - destaquei) APELAÇÃO CRIMINAL. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA E CRIME DE PERSEGUIÇÃO (ARTIGO 24-A DA LEI 11.340/06 E DO ART. 147- A, § 1º, II DO CÓDIGO PENAL, EM CONFORMIDADE COM A LEI 11.340/06). SENTENÇA CONDENATÓRIA. INSURGÊNCIA DA DEFESA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA (ART. 65, III, D, CP), ESTA JÁ APLICADA NA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. RECURSO NÃO CONHECIDO NESTE PONTO. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE DOLO. CRIME DE STALKING. CRIME FORMAL QUE NÃO EXIGE A INTIMIDAÇÃO DA VÍTIMA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOSIMETRIA PENAL. PRETENDIDO AFASTAMENTO DA AGRAVANTE PREVISTA NO ART. 61, INCISO II, ALÍNEA “F”, DO CÓDIGO PENAL. “BIS IN IDEM” NÃO CARACTERIZADO. CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO CONSTITUI ELEMENTAR DO TIPO PENAL. DANO MORAL PRESUMIDO, IN RE IPSA. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA OBSERVADOS.CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E NA PARTE CONHECIDA, NÃO PROVIDO. (TJPR - 1ª Câmara Criminal - 0003467-94.2022.8.16.0098 - Jacarezinho - Rel.: SUBSTITUTA RENATA ESTORILHO BAGANHA - J. 11.11.2023 - destaquei) Das causas de aumento/diminuição de pena Inexistem causas de diminuição de pena a serem consideradas. Do contrário, presente o aumento de pena prevista no §1º, do artigo 147, do Código Penal. 2.2. Do crime de incêndio tentado – 2º fato Conforme narrado na denúncia, no dia 11 de março de 2025, por volta das 17 horas, no interior da residência situada na Rua Pernambuco, n. 180, nesta cidade de Barbosa Ferraz/PR, o acusado RONALDO PEREIRA, de forma dolosa, iniciou a execução do crime de incêndio ao espalhar óleo de cozinha pela cozinha e pela sala da casa onde residia com sua companheira, JOSIANE GODINHO DA ROCHA, e o filho dela, menor de idade, e em seguida acender um rolo de papel higiênico, que colocou sobre o fogão. O incêndio somente não se consumou por circunstâncias alheias à sua vontade, pois a vítima conseguiu conter as chamas ao jogar o papel aceso na pia e ligar a torneira. A conduta expôs a perigo concreto a integridade física dos moradores, bem como o imóvel, cuja estrutura é predominantemente de madeira. A conduta imputada ao réu amolda-se ao delito tipificado no artigo 250, §1º, alínea "a", do Código Penal, na forma tentada, nos termos do artigo 14, inciso II, do Código Penal, in verbis: “Art. 250 - Causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem: Penas - reclusão, de três a seis anos, e multa. § 1° - As penas aumentam-se de um terço: II - se o incêndio é: a) - em casa habitada ou destinada a habitação.” “Art. 14 - Diz-se o crime: (...) Tentativa II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.” Para a caracterização do crime é mister que a ação acarrete perigo concreto e comum, quer para a vida ou integridade corpórea das pessoas (número indeterminado) quer para o seu patrimônio. Tratando de crime de perigo e formal, não é necessário que o incêndio efetivamente atinja a vida, a integridade física ou patrimônio de terceiros, bastando à existência de um risco concreto de sua ocorrência (Cf. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – Parte Especial. vol. 3. São Paulo: 2004, p. 164). Por sua vez, a tentativa configura-se quando, iniciado o ato executório, o resultado não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. É o que ocorreu na hipótese em análise, em que o acusado ateou fogo de forma voluntária, e só não obteve êxito na consumação do crime porque a vítima agiu rapidamente para impedir a propagação das chamas. A materialidade do delito encontra-se demonstrada pelo auto de prisão em flagrante (seq. 1.4), boletim de ocorrência (seq. 1.12), fotografias (seqs. 1.15 a 18), vídeos (seqs. 1.20 e 121), relatório da Autoridade Policial (seq. 5.1), bem como pelos depoimentos colhidos e demais elementos coligidos aos autos, tanto na fase extrajudicial quanto na fase judicial. Ressalta-se, no ponto, que as imagens evidenciam que havia óleo de cozinha espalhado pelo chão e móveis, em quantidade considerável, criando ambiente propício para combustão, sobretudo em razão de tratar-se de imóvel com estrutura predominantemente em madeira. A autoria, por sua vez, deve ser analisada a partir do conjunto probatório colhido nos autos, especialmente a prova oral produzida em juízo, a qual, desde logo, revela-se suficiente para a formação do juízo condenatório. A vítima J. G. D. R., quando ouvida em juízo, relatou que o acusado chegou alterado em casa, pediu para ser levado até um local onde, segundo ela, ele pretendia adquirir drogas, e, diante da negativa, começou a agir de maneira agressiva. Espalhou óleo de cozinha pela residência e ateou fogo a um rolo de papel higiênico, colocando-o sobre o fogão aceso. Disse que, ao perceber a tentativa de incêndio, retirou o papel com as mãos e o apagou na pia, impedindo que as chamas se alastrassem. Confirmou, ainda, que o imóvel é de madeira e que, por pouco, o fogo não se espalhou. O filho da vítima, menor de idade, estava presente no momento dos fatos. Nesse ponto, ressalta-se que, considerando que os crimes de incêndio são praticados majoritariamente na clandestinidade, a palavra coerente e harmônica da vítima, bem como a ausência de motivos que indiquem a existência de falsa imputação, cotejada com o restante do conjunto probatório, é aceita para legitimar uma sentença condenatória. Assim sendo, a palavra da vítima possui especial relevância, até porque, como se sabe à saciedade, nos crimes praticados no ambiente familiar, dificilmente há testemunhas presenciais, senão os próprios envolvidos. No caso em tela, como visto, a vítima manteve relatos coerentes e harmônicos nas oportunidades em que falou sobre o ocorrido, indicando o acusado como autor do fato, mostrando-se abstratas as ponderações do réu acerca da não credibilidade do pronunciamento da vítima. Ademais, inexiste qualquer indício a justificar conclusão no sentido de que as declarações da vítima e a atuação da polícia tenham ocorrido com o propósito de prejuízo gratuito ao acusado. A propósito, consignem-se os seguintes julgados deste Tribunal de Justiça: “APELAÇÃO CRIMINAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. (...) 2) CRIME DE INCÊNDIO MAJORADO. ART. 250, §1º, INC. II, ALÍNEA A, DO CÓDIGO PENAL (FATO 03). DEPOIMENTO DAS VÍTIMAS INDICANDO QUE O RÉU FOI O RESPONSÁVEL POR INCENDIAR A RESIDÊNCIA. TAMBÉM NOS DELITOS DE INCÊNDIO, PORQUE COSTUMEIRAMENTE PRATICADOS NA CLANDESTINIDADE, A PALAVRA DA VÍTIMA RECEBE ESPECIAL VALORAÇÃO. INCÊNDIO QUE ENCONTRA INSOFISMÁVEL AUTORIA EM DECORRÊNCIA DAS INFRAÇÕES ANTERIORES, ESPECIALMENTE A DE AMEAÇA, CONCRETIZADA. LAUDO PERICIAL CONCLUSIVO NA INDICAÇÃO DE QUE O INCÊNDIO FOI CAUSADO POR AÇÃO HUMANA. VERSÃO EXCULPANTE APRESENTADA PELA DEFESA QUE NÃO ENCONTRA AMPARO NO CONTEXTO PROBATÓRIO. (...) RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO” – (TJPR - 2ª Câmara Criminal - 0002132-10.2021.8.16.0087 – Rel.: DESEMBARGADOR JOSCELITO GIOVANI CE - J. 02.05.2023 - destaquei) “apelações CRIMINAIS. DELITOS PREVISTOS NOS ARTS. 250, §1º, INCISO II, ALÍNEA ‘A’, 129, CAPUT, E 147, CAPUT, TODOS DO CÓDIGO PENAL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. (...) 1) PLEITO DE ABSOLVIÇÃO EM RELAÇÃO AOS CRIMES DE AMEAÇA, INCÊNDIO E LESÃO CORPORAL. IMPOSSIBILIDADE. AUTORIA E OCORRÊNCIA DELITIVAS COMPROVADAS. PALAVRA DA VÍTIMA CORROBORADA PELOS DEMAIS ELEMENTOS PROBATÓRIOS CONSTANTES NOS AUTOS. (...) MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO” – (TJPR - 2ª Câmara Criminal - 0013621-26.2018.8.16.0030 - Rel.: DESEMBARGADORA PRISCILLA PLACHA SÁ – J. 27.11.2022 - destaquei) Corroborando o relato da vítima, o policial militar Jonathan Maicon Ortiz da Silva, embora não tenha presenciado os fatos, relatou que esteve na residência logo após o ocorrido e verificou o local bastante revirado, com óleo espalhado pela cozinha e sala, além de um rolo de papel higiênico queimado, conforme se vê das fotografias e do vídeo anexados aos autos. Declarou que a residência é de madeira, o que aumentava o risco de o fogo se alastrar rapidamente, e que a vítima, visivelmente abalada, informou ter conseguido conter o incêndio antes de maiores danos. Por outro lado, a negativa de autoria apresentada pelo acusado em juízo – no sentido de que não se recordava do ocorrido por estar embriagado – não encontra amparo no conjunto probatório e mostra-se isolada frente à prova dos autos. Essa alegação, além de genérica, não se coaduna com os demais depoimentos, tampouco com os elementos materiais do processo. Em verdade, considerando o robusto conjunto probatório formado, constata-se que a negativa de autoria apresentada pelo réu destoa da coerência das demais provas colhidas nos autos. Revela-se, assim, como expediente meramente defensivo, desprovido de respaldo probatório e incapaz de afastar os elementos objetivos e subjetivos que evidenciam sua responsabilidade penal pelo fato imputado. Sua postura processual, nesse ponto, deve ser interpretada como estratégia de defesa, não como indicativo de inocência. Diante disso, sobressalta a importância da garantia do princípio do livre convencimento motivado do juiz, na medida em que se faz de grande relevância a devida fundamentação do decreto decisório, à luz das provas colhidas. Para tanto, cabe ao juiz analisar as circunstâncias fáticas e o relato apresentado pelas vítimas e testemunhas, a fim de verificar a consonância entre os elementos probatórios, bem como a veracidade das versões apresentadas pelas partes. Tem-se, portanto, que o conjunto probatório formado após a instrução criminal leva à conclusão única de que o acusado praticou o delito de incêndio, sendo, assim, imperiosa a prolação do decreto condenatório. Teses defensivas No que tange às teses absolutórias sustentada pela Defesa, tem-se que, como exposto na fundamentação, é incabível a absolvição. Ao contrário do que alega a Defesa, resta amplamente comprovado nos autos que o acusado cometeu o crime de incêndio, o que restou elucidado provas colidas durante todo processo. Não há que se falar, portanto, na falta de provas da autoria, na aplicação do in dubio pro reo ou, ainda, em qualquer modalidade de absolvição por insuficiência de provas ou por não ter concorrido para a ação penal. Da mesma maneira, o argumento de falta de perigo concreto não prospera, pois o fogo foi iniciado em ambiente interno, com combustível (óleo) espalhado, em imóvel de madeira, com pessoas presentes. O simples fato de o fogo ter sido contido rapidamente não retira o risco criado — ao contrário, a pronta intervenção da vítima apenas impediu que o perigo se consumasse. O perigo era real e iminente. Quanto à alegação de embriaguez como causa de diminuição de culpabilidade, como visto, esta não se aplica ao caso. A embriaguez foi voluntária e não teve o condão de comprometer a consciência ou autodeterminação do réu. O comportamento subsequente — ameaças reiteradas por mensagem — confirma sua capacidade de entendimento e vontade. Ademais, é cediço que o estado de embriaguez voluntária não tem o condão de afastar, sob qualquer viés, a responsabilidade criminal. Por evidente, é defeso ao Magistrado considerar atípica ou inculpável a conduta daquele que consome bebida alcoólica espontaneamente – exatamente como no caso dos autos, inexistindo quaisquer alegações demonstradas em provas alusivas a suposto estado de embriaguez patológica ou acidental –, legitimando o seu comportamento sob a singela alegação de que os efeitos do álcool excluiriam o dolo. Tampouco se prestaria sua suposta embriaguez, aliás, para afastar sua culpabilidade penal, nos termos do artigo 28, inciso II, do Código Penal. Conquanto a presença de álcool e drogas no organismo, como se sabe, provoque efetivas alterações comportamentais, tal fato não afasta, sob qualquer aspecto, a tipicidade do comportamento do acusado, que voluntariamente ateou fogo na casa em que residia com sua irmã e seu cunhado. Neste sentido: Neste sentido: APELAÇÃO CRIME - ARTIGOS 163 § ÚNICO, INCISO I (DANO QUALIFICADO), 250, CAPUT (INCÊNDIO) E 129 , CAPUT (LESÃO CORPORAL) NA FORMA DO ART. 69 (CONCURSO MATERIAL) – ALEGAÇÃO DE INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA – NÃO ACOLHIMENTO – DEPOIMENTOS DAS VÍTIMAS E DOS POLICIAIS UNÂNIMES – VERSÃO APRESENTADA PELO APELANTE TOTALMENTE DIVORCIADA DO CONTEXTO – CONDENAÇÃO QUE DEVE SER MANTIDA – RÉU QUE CONFESSOU TER INGERIDO BEBIDA ALCOÓLICA - ALEGAÇÃO DE QUE FAZ JUS À EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE EM DECORRÊNCIA DE EMBRIAGUEZ - NÃO ACOLHIMENTO - EMBRIAGUEZ VOLUNTÁRIA QUE NÃO AFASTA A RESPONSABILIDADE PENAL. APLICAÇÃO DA TEORIA DA ACTIO LIBERA IN CAUSA. ARTIGO 28, INCISO II, DO CÓDIGO PENAL – RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJPR - 2ª C. Criminal - 0002474-54.2018.8.16.0013 - Curitiba - Rel.: Desembargador José Carlos Dalacqua - J. 11.04.2019 - destaquei) APELAÇÃO CRIME. INCÊNDIO. ART. 250, §1º, INC. II, "A", DO CÓDIGO PENAL. PRETENSÃO DE REVOLVIMENTO PROBATÓRIO DOS FATOS IMPUTADOS. AFASTAMENTO. AUTORIA E MATERIALIDADE BEM DELINEADAS. CONDENAÇÃO QUE SE MANTÉM. DOSIMETRIA DA PENA PROVAS INDENES A DEMONSTRAR O DOLO DO AGENTE EM CAUSAR INCÊNDIO, EXPONDO A PERIGO A VIDA, A INTEGRIDADE FÍSICA OU O PATRIMÔNIO DE OUTREM. NA DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. RECURSO DESPROVIDO. Para a configuração do delito do artigo 250 do CP é necessário que o ato do agente tenha eficiência para causar o incêndio e, também, que a coisa queimada esteja em local onde possa haver difusão e consequentemente perigo à vida, à integridade física ou ao patrimônio. No caso concreto, em atenta análise das provas dos autos, verifica-se que o ora réu de modo doloso, e com ampla consciência do que fazia, causou incêndio em casa destinada à habitação, expondo a perigo a vida, a integridade física e o patrimônio da vítima e dos seus vizinhos, o que ficou demonstrado de modo inequívoco e a toda evidência nos autos, havendo inequívoca exposição a perigo do patrimônio e até mesmo da vida do perímetro urbano e em região habitada por outros moradores . (TJPR - 2ª C.Criminal - AC - 1741684-7 - Curitiba - Rel.: Laertes Ferreira Gomes - Unânime - J. 17.05.2018 - destaquei) Desta forma, não há que se falar em ausência de dolo. Por fim, a tese de desclassificação para o art. 132 do Código Penal também deve ser afastada. Com efeito, o tipo penal previsto no art. 132 do Código Penal exige a demonstração de uma conduta que exponha concretamente a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente, sem a exigência de um meio específico para a produção desse risco. Trata-se de tipo penal subsidiário, aplicável quando a conduta não se amolda a tipos penais mais específicos ou qualificados. No caso dos autos, o comportamento do acusado transcendeu a simples exposição ao perigo: ele não apenas criou um risco abstrato à integridade alheia, mas utilizou-se de meio específico – o fogo – com clara intenção de provocar incêndio, o que caracteriza o delito do art. 250 do Código Penal, ainda que em sua forma tentada. A escolha consciente de utilizar fogo como instrumento da conduta retira qualquer possibilidade de enquadramento no art. 132 do Código Penal, pois esse dispositivo não abarca hipóteses em que há emprego de meios idôneos e especialmente perigosos, como o fogo, para provocar dano ou pânico. Trata-se, ademais, de crime de perigo concreto qualificado pelo meio empregado e pelo local da ação (casa habitada), com dolo direto na deflagração do incêndio. Portanto, não se está diante de mera exposição negligente ou eventual da vítima ao risco, mas sim da início de execução de um crime de incêndio doloso, frustrado por circunstância alheia à vontade do agente. Portanto, não há falar em desclassificação da conduta. O fato praticado pelo réu encontra perfeita subsunção ao delito de incêndio na forma tentada, previsto no art. 250, §1º, alínea “a”, c/c art. 14, II, do Código Penal, devendo ser repelida a pretensão defensiva de substituição da capitulação penal. No mais, questões atinentes à dosimetria da pena serão analisadas no momento oportuno. Das agravantes/atenuantes Ausente circunstâncias agravantes/atenuantes. Das causas de aumento/diminuição de pena Conforme se observa dos autos o imóvel incendiado era empregado como moradia, motivo pelo qual presente o aumento de pena previsto no §1º, inciso II, alínea “a”, do artigo 250, do Código Penal. De outra sorte, presente causa de diminuição da pena prevista no parágrafo único do artigo 14, II, Código Penal. Neste ponto, convém ressaltar que, embora o Ministério Público, nas alegações finais, tenha sustentado a condenação do réu pela forma consumada do crime de incêndio, alegando que a criação do perigo já configura o delito, esse entendimento não pode prevalecer neste caso, por uma razão essencial: a própria denúncia imputou ao acusado o crime na forma tentada. Da leitura da denúncia, observa-se que na descrição do delito imputado à acusado consta que o “somente não consumando o crime de incêndio por força de circunstâncias alheias à sua vontade”, pelo que se conclui que na verdade houve apenas a tentativa de cometimento do delito de incêndio. E, em que pese na capitulação do crime ter constado apenas que o acusado cometeu o delito previsto no artigo 250, parágrafo 1º, inciso II, alínea ‘a’ do Código Penal, pela descrição dos fatos, observa-se que o crime se deu na modalidade tentada. Assim, tendo em vista que o acusado se defende da descrição dos fatos e não da capitulação jurídica dada a eles, no caso é de se reconhecer a aplicabilidade, na terceira fase da aplicação da pena, da causa de diminuição da pena prevista no parágrafo único do artigo 14, II, Código Penal, por força do princípio da correlação entre acusação e sentença. Do concurso de crimes Verifica-se que, mediante 2 ações, o réu praticou 2 crimes distintos, incidindo, portanto, a regra do concurso material, previsto no artigo 69 do CP, que implica na adoção do sistema do cúmulo material das penas. Da adequação típica Desta forma, tem-se que, no plano da adequação típica, as condutas praticadas pelo acusado se amoldam aos tipos penais previstos no artigo 147, §1º (fato 1) e artigo 250, inc. II, alínea “a” (fato 2) c/c art. 14, II, do Código Penal, ambos do Código Penal. Outrossim, tem-se que o acusado é penalmente imputável e agiu dolosamente, sem estar acobertado por qualquer causa excludente de ilicitude ou de culpabilidade, tonando-se imperioso o decreto condenatório. 3. DISPOSITIVO Diante do exposto e considerando o que mais dos autos consta, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva deduzida da denúncia para o fim de CONDENAR o réu RONALDO PEREIRA já qualificado, como incurso nas sanções penais previstas no artigo 147, §1º (fato 1) e artigo 250, inc. II, alínea “a” (fato 2) c/c art. 14, II, todos do Código Penal, na forma do artigo 69 do mesmo Código. 4. DOSIMETRIA DA PENA Seguindo o critério trifásico preconizado pelo artigo 68 do Código Penal, tendo por norte o comando do artigo 5°, inciso XLVI, da Constituição Federal, bem como os princípios da necessidade e suficiência para reprovação e prevenção do crime (artigo 59 do Código Penal), passo a dosar a pena a ser aplicada ao condenado. 4.1. Do crime de ameaça – 1º fato 1) DA PENA-BASE Analisadas as circunstâncias judiciais enumeradas no artigo 59 do Código Penal, verifica-se que: a) a culpabilidade, compreendida como o juízo de reprovação da conduta praticada, ultrapassa os limites da normalidade do tipo, pelo que deverá influenciar na aplicação da reprimenda. Como se observa dos autos, o acusado, mesmo após iniciar uma tentativa de incêndio na residência onde estavam sua companheira e o filho dela, persistiu em ameaçar a vítima com palavras de morte e destruição, demonstrando consciência do ato ilícito e insensibilidade quanto às consequências de seus atos. A ameaça foi deliberada, reiterada e direcionada a quem acabara de sofrer violência anterior, o que agrava a censurabilidade da conduta. b) o réu não ostenta maus antecedentes, conforme certidão de seq. 102.1, não registrando contra si condenações transitadas em julgado; c) não existem nos autos elementos suficientes à aferição de sua personalidade, o que impede sua valoração; d) não foram colhidos dados bastantes acerca de sua conduta social, que também deixo de valorar; e) o motivo não foi devidamente esclarecido, nada havendo então a ser valorado; f) as circunstâncias do crime, são anormais à espécie. Com efeito, o crime foi praticado na presença do filho do casal de apenas 13 anos de idade. Tal circunstância exacerba o caráter intimidador da ameaça, pois não apenas a vítima foi diretamente atingida, mas também o menor foi exposto a ambiente de instabilidade, medo e risco emocional. g) as consequências do delito, são normais ao tipo penal; h) o comportamento da vítima não contribuiu para o evento. À vista das circunstâncias analisadas acima individualmente, havendo duas desfavoráveis ao réu (culpabilidade e consequências do crime), as quais apresentam maior desfavor, e tendo em conta a pena privativa de liberdade abstratamente cominada para o delito em questão (1 a 6 meses), fixo a pena-base em 2 (dois) meses e 10 (dez) de detenção, pena que entendo suficiente e necessária para prevenção e reprovação do crime. 2) DA PENA PROVISÓRIA Inexiste circunstância atenuante. Presente, no entanto, a agravante prevista no art. 61, inciso II, alínea “f”, do Código Penal (prevalecendo-se de relações domésticas e com violência contra a mulher na forma da lei específica), por ter sido praticado contra a sua companheira. Assim, AGRAVO a pena anteriormente dosada em 1/6, fixando a pena provisória em 2 (dois) meses e 21 (vinte e um) dias de detenção. 3) DA PENA DEFINITIVA Inexistem causas de diminuição ou de aumento a serem valoradas, razão pela qual fixo a pena definitivamente em 2 (dois) meses e 21 (vinte e um) dias de detenção. Importante salientar que, com relação às penas aplicáveis no presente caso (art. 59, inciso I, do CP), imperiosa a aplicação da pena privativa de liberdade, pois, a despeito de cominada, alternativamente, no preceito secundário do tipo penal, com a pena de multa, além da vedação legal, entendo aquela mais adequada à gravidade dos fatos, pois trata-se de prática ocorrida no contexto de violência contra a mulher na forma da Lei n. 11.340/2006. 4.2. Do crime de incêndio majorado – 2º fato DA PENA-BASE Analisadas as circunstâncias judiciais enumeradas no artigo 59 do Código Penal, verifica-se que: a) a culpabilidade, compreendida como o juízo de reprovação da conduta praticada, ultrapassa os limites da normalidade do tipo, pelo que deverá influenciar na aplicação da reprimenda. Consoante seus próprios relatos, o réu encontrava-se em estado de embriaguez intensa, após ter ingerido bebidas alcoólicas continuamente desde o dia anterior, sem retornar para casa e ausentando-se do trabalho, comportamento que demonstra completo descontrole pessoal e negligência quanto às suas responsabilidades familiares e sociais. No momento em que retornou à residência, visivelmente alterado, como também relataram as testemunhas, solicitou o veículo à sua companheira e diante da negativa — justificada pelo estado etílico em que se encontrava —, o acusado reagiu com violência deliberada, iniciando uma tentativa de incêndio no próprio lar, com sua companheira e o filho menor de idade presentes. b) o réu não ostenta maus antecedentes, conforme certidão de seq. 102.1, não registrando contra si condenações transitadas em julgado; c) não existem nos autos elementos suficientes à aferição de sua personalidade, o que impede sua valoração; d) não foram colhidos dados bastantes acerca de sua conduta social, que também deixo de valorar; e) o motivo não foi devidamente esclarecido, nada havendo então a ser valorado; f) as circunstâncias do crime, são anormais à espécie. Com efeito, o crime foi praticado na presença do filho do casal de apenas 13 anos de idade. Tal circunstância exacerba o caráter intimidador da ameaça, pois não apenas a vítima foi diretamente atingida, mas também o menor foi exposto a ambiente de instabilidade, medo e risco emocional. g) as consequências do delito, são normais ao tipo penal; h) o comportamento da vítima não contribuiu para o evento. À vista das circunstâncias analisadas acima individualmente, havendo duas desfavoráveis ao réu (culpabilidade e consequências do crime), as quais apresentam maior desfavor, e tendo em conta a pena privativa de liberdade abstratamente cominada para o delito em questão (3 a 6 anos de reclusão), fixo a pena-base em 4 (quatro) anos de reclusão, que entendo suficiente e necessária à prevenção e reprovação do crime. DA PENA PROVISÓRIA Não existem circunstâncias atenuantes ou agravantes a serem consideradas, pelo que mantenho a pena intermediária em 4 (quatro) anos de reclusão, DA PENA DEFINITIVA Confirme registrado na fundamentação, no tocando ao presente crime, impõe-se a aplicação da causa especial de aumento de pena, prevista no §1º, inciso II, alínea “a”, do artigo 250 do CP, na fração de 1/3, uma vez que o delito foi praticado em casa habitada, circunstância devidamente comprovada nos autos. A residência onde ocorreram os fatos era o lar da vítima e de seu filho menor, local em que ambos se encontravam no momento da conduta, o que justifica a incidência da majorante legal. Por outro lado, como visto, o crime não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do réu, pois a vítima interveio rapidamente, apagando o foco inicial de incêndio. Assim, reconheceu-se a forma tentada do delito, nos termos do art. 14, inciso II, do Código Penal, o que autoriza a redução da pena entre 1/3 e 2/3. No caso concreto, considerando que o acusado realizou todos os atos executórios, inclusive ateando efetivamente fogo ao material inflamável (rolo de papel higiênico), apenas não logrando êxito na propagação das chamas por ação da vítima, entende-se adequada a redução na fração mínima de 1/3, por refletir o estágio avançado da execução e a proximidade da consumação. Diante disso, promove-se o aumento da pena em 1/3 pela causa de aumento (casa habitada) e, na sequência, a redução de 1/3 pela tentativa, compensando-se os efeitos das frações. Portanto, mantém-se a pena provisória como definitiva, qual seja, 4 (quatro) anos de reclusão, DA PENA DE MULTA Considerando as circunstâncias do art. 59 do Código Penal, sem descurar da proporcionalidade necessária com a pena privativa de liberdade já fixada, entendo por fixar a pena de multa em 48 (quarenta e oito) dias-multa, cada um no equivalente a 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo nacional vigente à época do fato delituoso, nos termos do art. 49 do Código Penal. Sobre o tema: APELAÇÃO CRIME. POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO (ART. 12 DA LEI Nº 10.826/03). CONDENAÇÃO. PLEITO ABSOLUTÓRIO. ALEGADA INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. NÃO ACOLHIMENTO. DECLARAÇÕES TESTEMUNHAIS DE POLICIAIS MILITARES.CREDIBILIDADE. CONJUNTO PROBATÓRIO IDÔNEO E SUFICIENTE. READEQUAÇÃO, DE OFÍCIO, DA PENA DE MULTA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. RECURSO DESPROVIDO, COM REDUÇÃO, DE OFÍCIO, DA PENA DE MULTA, Apelação Criminal nº 1.629.167-5 2COM EXPEDIÇÃO DE MANDADO DE PRISÃO OPORTUNAMENTE.1. (...) .2. A fixação da pena de multa pode, por questão de equidade, pautar-se pela gravidade inerente a cada crime, revelada pela pena privativa de liberdade correspondente. Tem-se como razoável e proporcional referendar a fixação de até um dia-multa (respeitado o mínimo de 10) para cada mês de condenação. Assim, a um réu condenado a um ano de detenção ou reclusão, seria cominada uma pena de multa cumulativa de 12 dias-multa; àquele condenado a 2 anos, 24 dias- multa; a 3 anos, 36 dias-multa e assim sucessivamente. (TJPR - 2ª C.Criminal - AC - 1629167-5 - Foz do Iguaçu - Rel.: José Mauricio Pinto de Almeida - Unânime - J. 06.04.2017) (grifo não original) Do concurso material de crimes – art. 67 do CP O acusado praticou os delitos em concurso material, motivo pelo qual se aplica a regra do artigo 69, do Código Penal, cumulando-se as penas dos fatos delituosos cometidos. Assim sendo, somando-se as penas cominadas ao crime de ameaça, ao crime de incêndio majorado, tem-se uma PENA FINAL DE em 4 (quatro) anos de reclusão e 2 (dois) meses e 21 (vinte e um) dias de detenção; e 48 (quarenta e oito) dias-multa. Regime de cumprimento da pena Em observância ao disposto no artigo 33 do Código Penal, levando em conta o quantum de pena aplicada, bem a existência de circunstâncias judiciais negativas, e ainda a detração, fixo o regime ABERTO para início de cumprimento da pena privativa de liberdade. Da detração penal (art. 387, §2º, CPP): Reconheço a detração determinada pelo artigo 387, §2º, do CPP, eis que o sentenciado encontra-se preso há 105 dias. Substituição de pena por restritivas de direitos e Suspensão condicional da pena No presente caso, não se mostra cabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, nos termos do art. 44, III, do Código Penal, pois, embora preenchidos os requisitos formais, as circunstâncias do crime, marcadas por violência doméstica e ameaça à integridade física de familiares, revelam maior grau de reprovabilidade, incompatível com a medida de benesse legal, razão pela qual deve ser afastada também essa possibilidade. Incide, ainda, a vedação da súmula n. 588 do STJ. Ademais, diante do montante de pena aplicado, não se verifica a possibilidade de concessão da suspensão condicional da pena (sursis), prevista no art. 77 do Código Penal, Do direito de recorrer em liberdade (art. 387, parágrafo único, CPP): No que concerne à prisão preventiva do acusado, embora altamente reprovável a conduta praticada pelo acusado, especialmente diante da gravidade concreta dos fatos, que envolveram tentativa de incêndio em residência habitada e ameaças proferidas em contexto de violência doméstica e familiar, a situação comporta imediata reavaliação. Dispõe o artigo 316 do Código de Processo Penal: “Art. 316. O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão preventiva se, no correr da investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem como novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.” Conforme se extrai do dispositivo legal, uma vez alterado o contexto fático-jurídico que embasou a decretação da prisão preventiva, é dever do magistrado reavaliar sua pertinência, revogando-a sempre que não mais subsistirem seus fundamentos. Essa diretriz também decorre do artigo 321 do CPP, que impõe ao Juízo o dever de conceder liberdade provisória quando ausentes os requisitos que autorizem a manutenção da medida extrema, podendo, se necessário, aplicar medidas cautelares diversas da prisão, nos moldes do artigo 319 do mesmo diploma. Trata-se, pois, de providência submetida à cláusula rebus sic stantibus, sendo possível e recomendável sua revisão diante de nova moldura jurídica que desautorize a permanência da segregação. No caso concreto, embora a conduta perpetrada pelo acusado seja de inegável gravidade, marcada por risco efetivo à integridade física de sua companheira e do filho menor, o regime de cumprimento da pena fixado nesta sentença foi o aberto, com a imposição de condições compatíveis com a liberdade supervisionada. Sendo assim, a execução da pena em regime aberto é, por sua própria natureza, incompatível com a permanência do réu em cárcere cautelar. A manutenção da prisão preventiva implicaria em antecipação indevida e desproporcional da pena, contrariando os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, previstos no art. 282, §6º, do Código de Processo Penal. Ressalte-se, ainda, que não houve qualquer fato superveniente que justifique a prorrogação da segregação cautelar após o julgamento do mérito, tampouco elementos que indiquem risco concreto à instrução criminal, à ordem pública ou à aplicação da lei penal que não possam ser enfrentados por meio das medidas próprias do regime fixado. Desse modo, a gravidade dos fatos já foi valorada no momento da fixação da pena, inclusive com repercussão na sua dosimetria, e não pode, por si só, justificar a perpetuação da prisão provisória, especialmente em face da opção pelo regime mais brando de cumprimento. Diante do exposto, e com fundamento no art. 316 do Código de Processo Penal, REVOGO a prisão preventiva do acusado, sem prejuízo de nova decretação, caso sobrevenham fundamentos que a justifiquem. Expeça-se, com urgência, o competente alvará de soltura, colocando-se o réu em liberdade, se por outro motivo não estiver preso. Do valor mínimo de reparação dos danos Nos termos do art. 387, inciso IV, do CPP, “O juiz, ao proferir sentença condenatória: IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido;”. Nesse compasso, consigno que o STJ, em recurso repetitivo e, por conseguinte, precedente obrigatório, fixou a tese de que não há necessidade de especificação da quantia e, ademais, que o dano ocorre in re ipsa, isto é, independentemente de instrução probatória. Confira-se: TESE: Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de instrução probatória. (STJ. REsp 1675874/MS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/02/2018, DJe 08/03/2018) Observe-se que o fundamento para o dano moral, portanto, é a própria violação à integridade física e moral da vítima, corolário da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1°, III), ou seja, decorre da constatação de que houve violência contra a mulher na forma da Lei Maria da Penha, ocorrendo, pois, in re ipsa, prescindindo-se de qualquer demonstração de prejuízo. Portanto, delimitada a ocorrência de infrações penais neste contexto, de rigor a condenação do acusado ao pagamento de danos morais. Deste modo, considerando as circunstâncias do caso em comento, especialmente o abalado emocional provocado à vítima, reputo como adequada e razoável a fixação de indenização no valor de dois mil reais em favor da vítima. Por tais razões, condeno a parte ré ao pagamento de indenização por danos morais à vítima no valor de R$ 2.000,00. 5. Disposições Finais - Condeno o réu ao pagamento das custas e despesas processuais (art. 804 do CPP). - Após o trânsito em julgado, tomem-se as seguintes providências: a) Expeçam-se as guias necessárias em relação às custas e despesas processuais; b) Intime-se o acusado para que, no prazo de 10 (dez) dias, efetue o pagamento. Caso não efetuado o pagamento, após infrutífera intimação ou decurso para pagamento após regular intimação, deverá ser comunicada ao órgão competente para a promoção da execução (art. 879, do CN); c) Oficie-se ao Tribunal Regional Eleitoral deste Estado, comunicando a condenação do réu, com sua devida identificação, para cumprimento do quanto disposto nos artigos 71, parágrafo 2º, do Código Eleitoral c/c 15, III, da Constituição Federal; d) Expeça-se guia de recolhimento. Em seguida, autue-se a Execução da Pena, se for o caso; f) Cumpram-se as demais disposições do Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Paraná; Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Notifique-se as vítimas acerca da presente decisão, nos termos do art. 201, §2º do CPP e do art. 21, da Lei n. 11.340/2006. No mais, considerando a nomeação de advogado dativo para a defesa da parte ré, em razão da ausência de Defensoria Pública devidamente constituída nesta Comarca, arbitro honorários advocatícios em favor do advogado DR. ANTONIO SERGIO RIGONATO JUNIOR -OAB/PR 49.444, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a ser arcado pelo Estado do Paraná, o que faço com fundamento no item 1.2 da tabela anexa à Resolução Conjunta n. 15/2019-PGE/SEFA, considerando a atuação total no feito e o tempo de tramitação do feito. A presente sentença, assinada digitalmente, servirá como certidão para a cobrança dos honorários advocatícios, ressalvado eventual segredo de justiça. Barbosa Ferraz, data da assinatura digital William George Nichele Figueroa Magistrado
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