Processo nº 0001351-61.2025.8.16.0179
ID: 298971976
Tribunal: TJPR
Órgão: Vara de Registros Públicos e Corregedoria do Foro Extrajudicial de Curitiba
Classe: DúVIDA
Nº Processo: 0001351-61.2025.8.16.0179
Data de Disponibilização:
16/06/2025
Polo Passivo:
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - FORO CENTRAL DE CURITIBA VARA DE REGISTROS PÚBLICOS E CORREGEDORIA DO FORO EXTRAJUDICIAL DE CURITIBA - PROJUDI Rua M…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - FORO CENTRAL DE CURITIBA VARA DE REGISTROS PÚBLICOS E CORREGEDORIA DO FORO EXTRAJUDICIAL DE CURITIBA - PROJUDI Rua Mauá, 920 - 11º andar - Alto da Glória - Curitiba/PR - CEP: 80.030-901 - Fone: (41)3210-7799 - E-mail: ctba-45vj-s@tjpr.jus.br Autos nº. 0001351-61.2025.8.16.0179 Processo: 0001351-61.2025.8.16.0179 Classe Processual: Dúvida Assunto Principal: Tabelionatos, Registros, Cartórios Valor da Causa: R$0,01 Requerente(s): CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA 1ª CIRCUNSCRIÇÃO DE CURITIBA representado(a) por LUIS FLAVIO FIDELIS GONÇALVES Interessado(s): SENTENÇA Trata-se de suscitação de dúvida apresentada pelo Sr. Registrador do 1° Registro de Imóveis de Curitiba em atenção à solicitação do suscitado Antonio Carlos Antunes Corrêa, referente à diligência registral n° 3810/2025 (protocolo n° 319.860 de 10/03/2025). Esclarece que foi apresentado o instrumento particular de terceira alteração do contrato social firmado em 16 de janeiro de 2025 e registrado no 3° Registro de Títulos e Documentos e Registro Civil de Pessoas Jurídicas de Curitiba/PR por meio da qual houve integralização de capital social da pessoa jurídica “Antunes Correa Gestão e Participações SS Ltda.”, referente a imóveis matriculados perante a serventia. Narra, no entanto, que o registro restou obstado em razão da devolutiva apresentada por meio da qual se entendeu ser necessária a apresentação de escritura pública para integralização do capital social pretendida. Sustenta, em síntese, que não se aplica ao caso o disposto no Art. 64 da Lei n° 8.934/94 uma vez que tal dispositivo trata de empresários individuais e de sociedades mercantis, não se aplicando quando se tratar de sociedade simples, sem caráter mercantil, cujos registros ocorrem perante o Registro Civil das Pessoas Jurídicas. Desta feita, afirma que a certidão apresentada (emitida pelo RCPJ) não se enquadra na hipótese específica prevista no artigo 64 da Lei n° 8.934/94, que criou como documento substitutivo da escritura pública a certidão da Junta Comercial, o que não ocorre no presente caso. Com a inicial foram juntados documentos (mov. 1.2 a 1.8). No mov. 6 foi apresentada manifestação pelo suscitado. Sustentou que está sendo gravemente prejudicado por negativa de averbação por parte do Sr. Registrador do 1° Registro de Imóveis de Curitiba/PR. Juntou documentos (mov. 6.2 a 6.5). No mov. 8 foram juntados documentos pelo 1° Serviço de Registro de Imóveis. Por fim, instado a se manifestar, o Ministério Público opinou pela improcedência da dúvida, afastando-se a exigência registral (mov. 11). Relatados. Decido. A Lei 8.935/94, em seu art. 30, inc. XIII, define como dever do notário e do oficial de registro encaminhar “ao juízo competente as dúvidas levantadas pelos interessados”, definição esta que foi reproduzida no art. 192, inc. XIII da Lei estadual 14.277/03 (Código de Organização Judiciária do Paraná). Referido procedimento de dúvida, regrado pelos arts. 198 e seguintes da Lei 6.015/73, é conceituado por LAMANA PAIVA como um “mecanismo que serve para verificar a correção – ou não – das exigências formuladas pelo Registrador, ou para que o mesmo seja autorizado a proceder a um ato registral, quando a parte não apresente condição de atendê-las”[1]. Trata-se, assim, de instrumento administrativo cuja finalidade precípua é obter a manifestação do Juízo Corregedor acerca da divergência de entendimentos e exigências entre o registrador ou notário e o interessado no registro ou lavratura do ato. A natureza administrativa do procedimento, segundo LAMANA PAIVA, não admite “discussões de alta indagação para o deslinde de questões complexas”[2], as quais, a partir da iniciativa do interessado, poderão ser manejadas perante o órgão competente do Judiciário. Cumpre observar que o procedimento de dúvida tem objeto certo, qual seja, o exame da regularidade a exigência do registrador combatida pelo interessado. Portanto, outros elementos que não integram o questionamento inicial não têm qualquer influência para a análise da correção do procedimento adotado, já que a natureza do procedimento tem como objetivo a análise da legalidade ou não da qualificação realizada pelo registrador. A dúvida, segundo Luiz Guilherme Loureiro (Registros Públicos – Teoria e Prática, 2017, p. 653), “é o procedimento administrativo por meio do qual o apresentante de um título registral, não se conformando com as exigências formuladas pelo registrador ou com a decisão que desde logo negue o registro, requer ao juiz competente para que este, após proceder à requalificação do documento, determine que este tenha acesso ao fólio real”. Busca-se dirimir o dissenso entre o apresentante do título e o oficial estritamente quanto as questões - já existentes - relativas à registrabilidade, de modo que não cabe dilação probatória. Ressalte-se que apesar de o art. 201 da lei 6.015/1973 autorizar a realização de diligências na fase que antecede a sentença, estas são feitas em caráter restrito, com finalidade exclusivamente esclarecedora. Ainda no tocante à dúvida, nos termos do art. 198 da Lei 6.015/73: "Havendo exigência a ser satisfeita, o oficial indicá-la-á por escrito. Não se conformando o apresentante com a exigência do oficial, ou não podendo satisfazer, será o título, a seu requerimento e com a declaração de dúvida, remetido ao juízo competente para dirimi-la [...] ". Sabe-se que na esfera registral os documentos submetidos ao registrador devem reunir os requisitos exigidos pelas normas legais para que possam ser registrados (princípio da legalidade), cujo exame é realizado por meio da qualificação por parte do registrador. É necessário que o título seja válido e perfeito. Isto porque o sistema registral é complexo, tendo o Brasil adotado o modelo do Título-Modo, tornando a atividade do registrador extremamente técnica, na medida em que precisa coordenar três princípios fundamentais, a saber: disponibilidade, continuidade e especialização que, entre tantos outros, são de extremo rigor formal. Assim, por meio do exame de qualificação, o registrador faz o controle da legalidade do título a ele submetido a exame, independente da natureza do título, a fim de que seja possibilitado o seu ingresso no fólio real. Como conceituado pelo Desembargador Ricardo Dip (Sobre a qualificação no Registro de Imóveis, 1991, p. 12): "Diz-se qualificação registral (imobiliária) o juízo prudencial, positivo ou negativo, da potência de um título em ordem a sua inscrição predial, importando no império de seu registro ou de sua irregistração”. Ressalte-se que a análise dos títulos apresentados considera apenas as informações já existentes na matrícula, em homenagem ao princípio da concentração. Entender ao contrário significaria abandonar o sistema de fólio real adotado pela sistemática registral brasileira, que tem justamente como fundamento a concentração dos atos na matrícula imobiliária. Do mesmo modo, vale ressaltar que os títulos judiciais também se submetem à qualificação registral, limitando-se, entretanto, à análise de elementos extrínsecos e formais do título, já que o registrador não tem poder para revisar decisão judicial e mitigar coisa julgada material/formal. De acordo com o Desembargador José Renato Nalini, em decisão de Apelação Cível (31881-0/1, TJSP) “Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental". Nesse sentido, a jurisprudência administrativa do Conselho Superior da Magistratura de São Paulo: “Registro de imóveis – Carta de Arrematação – Título judicial que não escapa à qualificação registral – Forma derivada de aquisição de propriedade – Desqualificação por ofensa ao princípio da continuidade – Cancelamento objetivado, com a finalidade de possibilitar a inscrição do título, que não comporta exame na via administrativa – Dúvida julgada procedente – Recurso não provido.” (Corregedor Geral da Justiça e Relator GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO, Apelação nº 1061979-44.2017.8.26.0100). (destaquei) "Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove a incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental" (Ap. Cível nº 31881-0/1) Em que pese a inexistência de previsão no Código de Normas do Foro Extrajudicial do Paraná, é esta, também, a orientação das Normas de Serviço do Extrajudicial de São Paulo: “119. Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais.” Contudo, em que pesem os argumentos apresentados pelo Sr. Registrador, tem-se que assiste razão à suscitada. Melhor explicando. Em primeiro lugar, é necessário consignar que não se vislumbra qualquer ocorrência de ilegalidade da exigência apresentada pelo Sr. Registrador e nem comprometimento do “direito à ampla defesa e contraditório” do suscitado. Como já dito anteriormente, a dúvida tem por objetivo a requalificação do documento apresentado a registro; no caso, o instrumento particular de terceira alteração do contrato social firmado em 16 de janeiro de 2025 e devidamente registrado em registro de títulos e documentos e registro civil de pessoas jurídicas. Ressalte-se que o registrador, profissional do direito e dotado de fé pública, possui independência em relação ao Estado, com o qual não mantém qualquer relação de subordinação hierárquica, devendo, antes de tudo, respeitar o princípio da legalidade estrita. E a legalidade em matéria registral aplica-se a todo procedimento registral, especialmente no “exame de qualificação”, por meio da qual o registrador faz o controle da legalidade do título submetido a registro, devendo obediência unicamente à lei. Assim, inserida em sua competência exclusiva de qualificação registral e inexistindo flagrante ilegalidade, não há que se falar em qualquer irregularidade na apreciação/qualificação do título a ele submetido a análise. Nesse sentido: ““A qualificação deve exercitar-se de modo independente sem o que não haveria verdadeiro Juízo Prudencial: o registrador não é mero executor de ordens superiores concretas a respeito de um registro; é, ao invés, o juiz de sua efetivação”. Como bem ressalta o ilustre Des. Ricardo Dip (https://arisp.wordpress.com/wp-content/uploads/2008/06/007-dip-qualificacao-registral.pdf): “(...) Diz-se ainda personalíssima a decisão qualificadora, impedindo-se sua delegação (até mesmo, ao cabo e em regra, enquanto decisão derradeira numa dada instância, a escreventes, auxiliares, como quer que se denominem, prepostos dos registradores) e a consulta de subalternação ao juízo prévio de superiores hierárquicos (quando os haja) ou corregedores mediante coordenação (Morell, 258; Hernández Gil, 150; Chico y Ortiz, III, 67). (...) Não há verdadeira prudência enquanto consciência – sem liberdade, porque a consciência certa é a norma subjetiva do agir (o que indica, saliente-se, a existência de uma outra norma para o agível, norma objetiva e fundante), e, impondo a lei um juízo do registrador acerca da aptidão inscritiva de um título (Scotti, I, 593, 594), não o faz executor subordinado a ordens singulares superiores, mas juiz, independente e responsável (ao menos, sempre moralmente, da registração hic et nunc de determinado título (Morell, 258; Chico y Ortiz, III, 65, 66)”. De acordo com a nota de diligência registral n° 3810/2025, foi negado registro ao título sob a justificativa, em síntese, da necessidade de integralização por meio de escritura pública, não se aplicando ao caso o disposto no Art. 64 da Lei n° 8.934/94 uma vez que tal artigo não pode ser aplicado para as sociedades registradas no Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas – RCPJ, porque se trata de norma de exceção, sendo o instrumento hábil para o registro a escritura pública, na forma do Art. 108 do Código Civil. Com efeito, tem-se que, de forma a excepcionar a regra contida no art. 108 do CC, a integralização de imóvel ao capital social da pessoa jurídica pode ser realizada por certidão do contrato social fornecida pela Junta Comercial, dispensando-se a escritura pública, conforme art. 64 da Lei 8934/94, veja-se: 64. A certidão dos atos de constituição e de alteração de empresários individuais e de sociedades mercantis, fornecida pelas juntas comerciais em que foram arquivados, será o documento hábil para a transferência, por transcrição no registro público competente, dos bens com que o subscritor tiver contribuído para a formação ou para o aumento do capital. (Redação dada pela Lei nº 14.195, de 2021) - grifei A questão, portanto, está adstrita à possibilidade da aplicação do citado dispositivo em se tratando de outras pessoas jurídicas (sociedade simples) que não se revestem de caráter mercantil, isto é, de apresentação de certidão de alteração contratual fornecida por registro civil das pessoas jurídicas. De fato, como bem ponderado pelo Sr. Registrador, não existe lei que autorize a transferência de bens imóveis com base em certidões emitidas pelos registros civis de pessoas jurídicas. E, em se tratado de norma de exceção, necessária a interpretação restritiva, não sendo possível o elastecimento para todo e qualquer ato de integralização do capital social. Embora a atividade do registrador se paute no princípio da legalidade, sob outra vertente é possível a aplicação do princípio da instrumentalidade das formas e necessário observar a essência da diferenciação existente entre sociedade simples x empresariais. Conforme ensina LOUREIRO (LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros públicos: teoria e prática. 8ª ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2017. Pg. 799): “A certidão de arquivamento ou inscrição dos atos de constituição e de alteração de sociedades, lavrada pelo órgão competente (Junta Comercial ou Registro Civil de Pessoas jurídicas), é o título apto para a transferência do imóvel à sociedade, por meio de registro no Serviço de Registro de Imóveis competente (aquele em cujo território está situado o imóvel). Na hipótese de o sócio ser promitente comprador do imóvel e o contrato preliminar não prever cláusula de arrependimento e estiver registrado no car tório de registro de imóveis, pode ser transferido à sociedade o direito real de aquisição. Na hipótese de existência de cláusula de arrependimento somente pode ser cedido à sociedade o direito de promitente comprador quando houver quitação integral do preço convencionado. O valor do direito real será determinado pelo preço efetivamente pago no contrato de promessa de compra e venda. A incorporação do direito aquisitivo ao capital, expresso em moeda corrente, é equiparado à cessão do direito do promitente comprador, de forma que, paga a totalidade do preço estipulado, a sociedade, como cessionária do direito real, pode exigir do proprietário (promitente vendedor do imóvel), a lavratura da escritura de compra e venda. Tratando-se de negócio jurídico bilateral, a sociedade já deve estar registrada no Registro competente (Registro Civil das Pessoas jurídicas ou junta Comercial), uma vez que é preciso ter personalidade para adquirir direitos e contrair obrigações. Apenas a pessoa física ou jurídica pode exercer direitos e contrair obrigações, não sendo possível que um ente despersonificado seja proprietário de imóveis, salvo expressa previsão legal”. Para referido Autor, portanto, a certidão de arquivamento dos atos de alteração societária, lavrada pelo órgão competente (in casu, o Registro Civil de Pessoas Jurídicas) seria o título apto para a transferência do imóvel à sociedade, de onde se conclui que há sim exceção ao disposto no Art. 108 do Código Civil. Não se desconhece a existência do precedente citado pelo Sr. Registrador. Ocorre que o caso ali analisado se tratava de sociedade de advogados, diferente de sociedade simples, já que naquela sociedade sequer existe registro no RCPJ. Na referida decisão (Autos n. 1071137-26.2017.8.26.0100), assim restou consignado: “(...) no sentido de que é possível a obtenção pela sociedade simples, que adota o modelo da sociedade limitada, da transferência da propriedade de imóvel utilizado para a formação ou aumento de capital social mediante a apresentação a registro de certidão expedida pelo Registro Civil das Pessoas Jurídicas5. Assim ficou decidido, pois o art. 983 do Código Civil possibilita a constituição de sociedades simples com a adoção da estrutura de um dos tipos de sociedade empresária. Então, a contrario sensu, admitiu-se que fossem aplicadas a essa sociedade simples, que atua como sociedade limitada, as normas relativas ao modelo de sociedade empresária adotado. Assim ficou decidido, pois o art. 983 do Código Civil possibilita a constituição de sociedades simples com a adoção da estrutura de um dos tipos de sociedade empresária. Então, a contrario sensu, admitiu-se que fossem aplicadas a essa sociedade simples, que atua como sociedade limitada, as normas relativas ao modelo de sociedade empresária adotado. Ocorre que, no caso concreto, a hipótese é diversa. Trata-se, em verdade, de sociedade de advogados, que ostenta natureza jurídica de sociedade simples e não exerce atividade empresária. A propósito, cumpre lembrar que o Código Civil diferencia a sociedade simples da sociedade empresária a partir de seu objeto e das pessoas que as constituem. Assim, para que a sociedade seja empresária, é indispensável o caráter mercantil de sua atividade econômica organizada, bem como o registro da pessoa jurídica perante a Junta Comercial. As sociedades simples, em contrapartida, não exercem atividades consideradas próprias de empresário sujeito a registro e tem por objeto a prestação de serviços de natureza intelectual, científica, literária ou artística”. Com efeito, o Código Civil de 2002 trouxe uma nova distinção de sociedades: as sociedades empresárias e sociedades simples. Ambas exercem atividades econômicas, mas diferenciam-se pela natureza da atividade exercida. De acordo com o que ensina Marlon Tomazette (Curso de Direito Empresarial, 2017, p. 373): “As sociedades empresárias exercem atividade própria de empresário (art. 982 do Código Civil de 2002) que esteja sujeito a registro, vale dizer, elas exercem atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços e a lei lhes impõe uma obrigação de registro. De outro lado, seriam sociedades simples aquelas destinadas ao exercício das demais atividades econômicas, como as atividades de natureza intelectual, científica ou artística (art. 966, parágrafo único, do Código Civil de 2002), salvo se constituírem elemento de empresa. Tal classificação se deve ao papel secundário que a organização dos fatores da produção toma em tais atividades, nas quais o caráter pessoal é que predomina, em oposição à atividade do empresário, em que a organização assume papel predominante”. No mais, como bem consignado na referida decisão acima transcrita: “É sabido, no mais, que o exame do título pelo registrador é restrito aos aspectos formais e extrínsecos, à luz dos princípios que norteiam os registros públicos, dentre eles, o da legalidade. Consoante lições de Afrânio de Carvalho, o Oficial tem o dever de proceder o exame da legalidade do título e apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e sua formalização instrumental (in "Registro de Imóveis", editora Forense, 4ª ed.). O exame da legalidade consiste na aceitação para registro somente do título que estiver de acordo com a lei”. Ocorre que a jurisprudência tem possibilitado a integralização com base na certidão em se tratando de pessoa jurídica sujeita a registro perante o cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas, conforme abaixo se observa: REGISTRO DE IMÓVEIS – Conferência de bens – Bens transferidos por um dos sócios para sociedade simples limitada – Óbice ao registro pela não formalização da transferência dos imóveis por escritura – Sentença de procedência da dúvida – Reforma da decisão – Sociedade simples limitada que é regida pelas normas aplicáveis às sociedades empresárias limitadas (art. 983 do CC) – Certidão de alteração de sociedade simples limitada, passada pelo Registro Civil da Pessoa Jurídica, que constitui documento hábil para a transferência de bens imóveis – Inteligência dos artigos 983 do CC e 64 da Lei n.º 8.934/94 – Recurso provido para julgar improcedente a dúvida. (TJSP; Apelação 1031098-21.2016.8.26.0100; Relator (a): Pereira Calças; Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro Central Cível - 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 02/02/2017; Data de Registro: 17/02/2017) DIREITO CIVIL – DIREITO PROCESSUAL CIVIL – APELAÇÃO CÍVEL – PROCEDIMENTO DE SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA REGISTRAL – SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA – REGISTRO DE IMÓVEIS – DILIGÊNCIA REGISTRAL – EXIGÊNCIA DE ESCRITURA PÚBLICA PARA TRANSFERÊNCIA DE BENS IMÓVEIS DOS SÓCIOS PARA INTEGRALIZAÇÃO DO CAPITAL SOCIAL – ART. 108 DA LEI N. 10.406/2002 (CÓDIGO CIVIL) – SOCIEDADE SIMPLES LIMITADA – APLICAÇÃO DAS REGRAS ATINENTES AO TIPO SOCIAL ADOTADO – INTERPRETAÇÃO LÓGICO-SISTEMÁTICA DOS ARTS. 64 DA LEI N. 8.934/94; 983, 1.150 E 1.245 DA LEI N. 10.406/2002 (CÓDIGO CIVIL) E 167 DA LEI N. 6.015/73 – CONTRATO SOCIAL, E SUAS ALTERAÇÕES, QUE DEVEM SER REGISTRADOS NO CARTÓRIO DE REGISTRO CIVIL DE PESSOAS JURÍDICAS, E, NÃO, NA JUNTA COMERCIAL – SOCIEDADE SEM FINS MERCANTIS – INSTRUMENTO SUFICIENTE PARA O REGISTRO DA TRANSFERÊNCIA DA TITULARIDADE DE BEM IMÓVEL DO SÓCIO PARA A EMPRESA COMO INTEGRALIZAÇÃO DO CAPITAL SOCIAL – PRESCINDIBILIDADE DA ESCRITURA PÚBLICA PARA SOCIEDADE SIMPLES QUE ADOTA A FORMA LIMITADA – PRECEDENTE JURISPRUDENCIAL – DÚVIDA IMPROCEDENTE – REFORMA DA SENTENÇA QUE SE IMPÕE – ÔNUS SUCUMBENCIAL – CUSTAS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS – NÃO INCIDÊNCIA – INTELIGÊNCIA DO ART. 207 DA LEI N. 6.015/73 (LEI DE REGISTROS PÚBLICOS) – MAJORAÇÃO QUANTITATIVA – INAPLICABILIDADE DO § 11 DO ART. 85 DA LEI N. 13.105/2015 – AUSÊNCIA DE ESTIPULAÇÃO NA DECISÃO JUDICIAL OBJURGADA – RECURSO – APELAÇÃO CÍVEL – PROVIMENTO. (TJPR. 17ª Câmara Cível. Apelação Cível n. 0014233-07.2022.8.16.0035, Comarca de São José dos Pinhais, Relator Des. Substituto Sérgio Luiz Patitucci, julgada em 09/04/2024 e publicada em 10/04/2024) E, neste último julgado, transcreve-se parte do voto porque essencial ao deslinde do feito: “A integralização do capital social de uma empresa através de bens imóveis se dá com a transferência do patrimônio do sócio para compor o patrimônio da empresa, de modo que não é necessária a escritura pública para a incorporação do bem, pois o próprio instrumento do contrato social ou o instrumento de sua alteração é suficiente a operar a aludida transferência, desde que contenha todos os elementos legalmente exigidos para a lavratura da escritura pública, bem como seu registro na Junta Comercial (no caso de sociedade mercantil) ou no Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas competente (no caso da sociedade simples). Assim, o instrumento do contrato social ou o instrumento de sua alteração, devidamente registrado perante o Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas, no caso da sociedade simples, observados os requisitos legais pertinentes, mostra-se hábil para, junto ao Cartório de Registro de Imóveis competente, documentar formalmente a transferência da titularidade da propriedade da pessoa física para a pessoa jurídica em integralização do capital social, conforme a interpretação conjugada dos arts. 64 da Lei n. 8.934/94, arts. 983, 1.150 e 1.245 da Lei n. 10.406/2002 (Código Civil) e art. 167 da Lei n. 6.015 /73, os quais assim dispõem: (...) Em interpretação lógico-sistemática dos supramencionados dispositivos legais, afigura-se legitimamente plausível admitir, então, que a apresentação do instrumento do contrato social da sociedade simples limitada, ou de sua alteração, registrado no Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas, contendo os requisitos legais pertinentes – além da apresentação dos demais documentos necessários como a escritura pública de outorga uxória do cônjuge do sócio da Apelante e declaração de imunidade de recolhimento de ITBI fornecido pela Municipalidade, a serem examinados pela agente delegada –, mostra-se suficiente para o registro translativo da propriedade de bens imóveis para integralização do capital social”. Portanto, em conclusão, de rigor o afastamento da cautela adotada pelo Sr. Registrador, conforme acima exposto. Por outro lado, deve ser observada a ponderação por ele realizada no item 2.5 das razões de sua dúvida. Isto porque a dispensa da escritura pública no caso concreto não isenta a parte suscitada do cumprimento de demais exigências legais aplicáveis ao registro, em conformidade com o que por ele ponderado, restando afastada apenas a exigência de apresentação de escritura pública. Dispositivo Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE com fundamento no Art. 487, inc. I, do Código de Processo Civil a dúvida suscitada, afastando-se a exigência registral contida na nota n° 3810/2025 (prenotação n° 319.860 de 10/03/2025) do 1° Serviço de Registro de Imóveis de Curitiba/PR, conforme acima fundamentado e observando os parâmetros ali contidos. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Sem custas, na forma do art. 207 da Lei 6.015/73. Com o trânsito em julgado, intime-se o Sr. Registrador para as anotações necessários no livro protocolo e demais providências. Oportunamente, arquivem-se. Curitiba, 12 de junho de 2025. Rodrigo Domingos Peluso Junior Juiz de Direito
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