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Roseli Dos Reis x Águas Do Rio 4 Spe S.A

ID: 296005564

Tribunal: TJRJ Órgão: 10º Núcleo de Justiça 4.0 - Prestadoras de Serviços Públicos Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 0840883-94.2024.8.19.0038

Data de Disponibilização: 11/06/2025

Polo Ativo:

ROSELI DOS REIS

Polo Passivo:

ÁGUAS DO RIO 4 SPE S.A

Sentença

Advogados:

RAFAEL BITTENCOURT LICURCI DE OLIVEIRA

OAB/RJ XXXXXX Desbloquear

LUZIANNE PEREIRA DA SILVA

OAB/RJ XXXXXX Desbloquear

Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Justiça 4.0 10º Núcleo de Justiça 4.0 - Prestadoras de Serviços Públicos SENTENÇA Processo: 0840883-94.2024.8.19.0038 Classe: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7)… Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Justiça 4.0 10º Núcleo de Justiça 4.0 - Prestadoras de Serviços Públicos SENTENÇA Processo: 0840883-94.2024.8.19.0038 Classe: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) AUTOR: ROSELI DOS REIS RÉU: ÁGUAS DO RIO 4 SPE S.A ROSELI DOS REIS ajuíza ação de Obrigação de Fazer c/c Indenização por Danos Morais com pedido de Tutela de Urgência em face de ÁGUAS DO RIO 4 SPE S.A., na qual requer em tutela de urgência que a ré restabeleça o fornecimento de água em sua residência; ao final, a confirmação dos efeitos da tutela; a condenação da ré no abatimento do total de dias sem o devido fornecimento de água, apurados em cumprimento de sentença, visto que até a data da distribuição já somam 33 dias; a condenação da ré para reparar corretamente o quintal da residência da autora, devido ao buraco aberto pela equipe e que não foi fechado direito; e a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$20.000,00 (vinte mil reais). Alega a autora que é cliente da ré sob a matrícula n.º nº 401063557-5, hidrômetro nº A97S469287. Aduz que embora tenha a informação na fatura de que há hidrômetro na residência, não há hidrômetro instalado na unidade. Afirma que a ré A ré, esteve na residência da autora no final do mês de janeiro/2024 para proceder com a instalação do hidrômetro. Informa que não ficou acompanhando o trabalho, pois estava se recuperando de uma cirurgia. Sustenta que no dia 11/04/2024, constatou que havia um buraco na calçada, que estava vazando água do cano deixando-a oca. Informa que entrou em contato com a ré que realizou o conserto do vazamento da água e concretaram a calçada. Aduz que no interior da residência precisaram quebrar uma parte do quintal da autora para trocar de um cano que trincou devido a obra externa, entretanto, cobriram o buraco apenas com terra. Sustenta que no dia 08/05/2024 a autora percebeu que não estava caindo água, mas achou que se tratava de alguma interrupção geral. Afirma que questionou aos seus vizinhos e todos estavam com o fornecimento normal, razão pela qual em 23/05/2024 entrou em contato com a ré. Aduz que voltou a fazer contato com a ré nos dias 27/05, 29/05, 03/06, 05/06 e 07/06. Aduz que no dia 05/06 fez reclamação contra a ré no consumidor.gov nº 2024.06/00009270795, ainda sem resposta. E no dia 07/06, abriu uma reclamação junto a AGENERSA, protocolo nº 2024008451. Afirma que no dia 05/06 solicitou a ré um caminhão pipa, entretanto, teve como resposta que não seria possível devido a um débito em aberto. Decisão do index 130860650 deferindo a gratuidade de justiça, deferindo a tutela requerida e remetendo os autos ao Juízo 4.0. Petição da parte ré no index 133909810 informando o cumprimento da tutela de urgência. A ré apresenta resposta no index 134943252, e, preliminarmente, argui a incompetência do juízo. No mérito, em síntese, sustenta que o fornecimento de água está em perfeito estado. Afirma que não suspendeu o fornecimento do serviço de forma dolosa, posto que no período compreendido (maio/2024) e aduzido pela parte autora, a ré estava efetuando manutenção da rede. Aduz que emitiu comunicado sobre a interrupção no seu site no dia 27/05/2024 e 05/06/2024. Sustenta a aplicação da Súmula 193 do TJRJ. Anexa telas internas e fotos sobre o reparo. Defende a ausência de dano moral indenizável e se insurge contra a possibilidade de inversão do ônus da prova. Réplica no index 160611100. Despacho do index 176097996 para as partes se manifestarem em provas e apontarem o ponto controvertido da lide. Petição da ré no index 177771416 informando que não possui mais provas a produzir. Petição da autora no index 178513377 informando que não possui mais provas a produzir. É O RELATÓRIO. DECIDO. O processo encontra-se maduro para decisão, posto que, não há necessidade de outras provas a serem produzidas em audiência, mister, portanto, aplicar o artigo 355, I, do Código de Processo Civil, cabendo o julgamento de plano da presente. No que diz respeito a preliminar de incompetência do juízo, não merece acolhimento. A ré sustenta que o caso em tela não pode ser dirimido sem a realização de prova pericial, não sendo possível a produção de provas de forma a afastar a alegada falha na prestação do serviço no rito escolhido pelo Autor. Alega que a demanda foi ajuizada em sede de Juizado Especial Cível. Ocorre que a presente ação foi ajuizada em juízo comum, sendo remetido os autos ao Núcleo de Justiça 4.0. Destaca-se que oportunizado à parte ré a manifestação quanto a tramitação em juízo digital, não houve oposição quanto a tramitação do feito neste 10º Núcleo de Justiça 4.0. Portanto, rejeito a preliminar de incompetência. Trata-se de ação na qual a autora alega que o serviço de abastecimento de água não está sendo prestado de forma contínua e eficiente, vindo a suportar danos indenizáveis. Além disso, a parte autora requer o reparo do seu quintal após intervenção da ré. Em sua defesa a ré alega que o abastecimento de água da unidade está ativo, não fazendo jus a autora a qualquer tipo de indenização. Afirma, ainda, já ter ocorrido o reparo. A controvérsia da presente ação versa sobre a regularidade do serviço prestado pela ré e se há danos indenizáveis. A relação jurídica entre as partes é de consumo, já que estão presentes os requisitos subjetivos (consumidor e fornecedor – artigos 2º e 3º da Lei 8078/90) e objetivos (produto e serviço – §§ 1º e 2º do artigo 3º, do mesmo diploma legal) de tal relação. Nos termos do art. 37, §6º, da CF/1988, a concessionária de serviço público está submetida à responsabilidade civil objetiva, assim existindo nexo de causalidade entre a sua omissão/atitude ilícita e o dano suportado, é devida a sua reparação. Dessa forma, responde a concessionária ré, independentemente da existência de culpa, e, como prestadora de serviço, é dela o ônus da prova de que o serviço foi prestado corretamente. Dispõe ainda o artigo 14, do CDC, que: "O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos." Portanto, consagrada a responsabilidade objetiva, fundada na Teoria do Risco do Empreendimento, responde a ré independentemente da existência de culpa e somente pode ser afastada mediante comprovação da existência de uma das causas excludentes do nexo causal, o que não ocorreu no caso dos autos, sendo certo que o consumidor deve comprovar o dano sofrido. No caso dos autos, a ré argumenta que inexiste desabastecimento de água na unidade, estando o fornecimento ativo. Afirma, ainda, que no período questionado pela autora ocorreram manutenções no sistema de abastecimento que foram devidamente comunicadas aos consumidores. Para tanto, a ré apresenta apenas três prints (comunicado emitido no site da concessionária no dia 27/05/2024 e 05/06/2024 e telas de cadastro da unidade da autora, informação sobre reparo na calçada) no bojo da contestação. Imperioso ressaltar que a parte autora afirma ter sido privada do abastecimento de água em 08/05/2024, ou seja, bem antes da suposta manutenção da ré. Pontuo que oportunizado a ré a produzir outras provas, informou o seu desinteresse no index 177771416, por entender que as provas apresentadas na contestação são suficientes. Impende destacar que a ré não impugnou os protocolos informados pela autora na inicial, tampouco juntou aos autos as telas do seu sistema interno acerca das reclamações/solicitações dos usuários do serviço, especificamente da matrícula n.º 401063557-5. Em se tratando de demanda de responsabilidade por fato do serviço, amparada no art. 14 do CDC a jurisprudência reconhece a inversão do ônus da prova independentemente de decisão do magistrado, não se aplicando, assim, o art. 6º, inciso VIII, do CDC: STJ - REsp nº 1306167 / RS – Relator: Min. Luis Felipe Salomão – Julgado em 03/12/2013) e STJ - AREsp: 2524337, Relator: Ministro Herman Benjamin, julgado em 30/04/2024. É de se observar que de acordo com o art. 22, do CDC, in verbis: “os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes e seguros e, quanto aos essenciais, contínuos”. Neste contexto, cabia a ré ter demonstrado a regular prestação do serviço ou postulado pela produção de prova hábil a comprovar suas assertivas, especialmente quanto ao fornecimento regular de água para o imóvel no período reclamado na inicial, mas não o fez. Veja-se que não há nos autos um único documento que comprove tais alegações. Impende destacar que a ré tem melhores condições de comprovar os fatos alegados, pois tratando-se de provas que se encontram sob o seu domínio. Por isso, caberia a ela provar, ao menos minimamente, em observância à Teoria da Carga Dinâmica da Prova, os fatos alegados. Pontuo que quanto à facilitação de defesa do consumidor em juízo (CDC, art. 6º, VIII), somente se pode rechaçar a alegação de defeito na prestação do serviço quando demasiadamente genérica, ou quando não estiver ao alcance da ré a contraprova. Tal, porém, não é o caso dos autos. Ademais, não restou comprovada hipótese de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros a fim de afastar o dever de indenizar da ré. Assim, se torna verossímil a narrativa autoral, em razão de a ré não ter comprovado fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da autora, na forma do art.373, II, do CPC. Neste sentido: “APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ÁGUA. SERVIÇO ESSENCIAL. INTERRUPÇÃO. DEMORA NO RESTABELECIMENTO. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. DANO MORAL CONFIGURADO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA QUE SE AFASTA. REQUERIMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS EM RAZÃO DA INTERRUPÇÃO DO SERVIÇO DE FORNECIMENTO DE ÁGUA CONDOMÍNIO EM QUE RESIDE O AUTOR. LEGITIMIDADE DO AUTOR PARA, DE FORMA INDIVIDUAL, POSTULAR REPARAÇÃO POR DANO MORAL PELA FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. CINGE-SE A CONTROVÉRSIA DOS AUTOS EM VERIFICAR SE PODE OU NÃO SER A CONCESSIONARIA SER RESPONSABILIZADA PELO DESABASTECIMENTO DO SERVIÇO DE ÁGUA NA RESIDÊNCIA DO APELADO. CUIDA-SE DE MATÉRIA AFETA AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR POR FORÇA DO ART. 22. A RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR É OBJETIVA, FUNDADA NA TEORIA DO RISCO DO EMPREENDIMENTO, NOS TERMOS DO ART. 14 DO CDC. DO ACERVO PROBATÓRIO ACOSTADO AOS AUTOS PERCEBE-SE QUE O DESABASTECIMENTO DO SERVIÇO RESTOU COMPROVADO E QUE, DIFERENTE O ALEGADO PELO RECORRENTE, NÃO FOI BREVE, MAS DUROU CERCA DE TRINTA DIAS. IMPERATIVO SE RECONHECER QUE RESTOU CONFIGURADA A FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. DANO MORAL CONFIGURADO. VERBA INDENIZATÓRIA FIXADA EM R$ 6.000,00 QUE NÃO MERECE REPARO, ENCONTRANDO-SE EM CONSONÂNCIA COM OUTROS CASOS ANÁLOGOS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.” (TJRJ - 0838160-53.2023.8.19.0001 – APELAÇÃO - DES(A). HELDA LIMA MEIRELES - JULGAMENTO: 27/05/2024 - SEGUNDA CAMARA DE DIREITO PRIVADO - ANTIGA 3ª CÂMARA CÍVEL) “APELAÇÃO CÍVEL. OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZATÓRIA. FORNECIMENTO DE ÁGUA - SAAE/VR. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO POR DUAS SEMANAS NO MÊS DE JANEIRO DE 2017, MANTENDO-SE INTERMITENTE AINDA NOS MESES DE FEVEREIRO E JUNHO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. ALEGAÇÕES DE 'ROMPIMENTO NA REDE' QUE NÃO TÊM O CONDÃO DE AFASTAR A RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR. RISCO DA ATIVIDADE. DEVER DO RÉU EM ADOTAR PROVIDÊNCIAS EFICAZES PARA FAZER CHEGAR AOS CONSUMIDORES SERVIÇO ESSENCIAL. DESPROVIMENTO DO RECURSO. MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA.” (TJR - 0022254-65.2017.8.19.0066 – APELAÇÃO - DES(A). CARLOS AZEREDO DE ARAÚJO - JULGAMENTO: 06/07/2023 - DECIMA QUARTA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 9ª CÂMARA CÍVEL) “APELAÇÃO CIVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ÁGUAS DO RIO. FORNECIMENTO INTERMITENTE. CONCESSIONÁRIA QUE AFIRMA QUE A REGIÃO É ABASTECIDA DE FORMA INTERMITENTE, RECOMENDANDO O ARMAZENAMENTO DE ÁGUA EM CISTERNAS OU RESERVATÓRIOS. AUTORA ALEGA QUE FICOU 10 (DEZ) DIAS SEM O FORNECIMENTO DE ÁGUA. JUNTADA DE PROTOCOLOS DE ATENDIMENTO E DAS CONTAS ADIMPLIDAS. SERVIÇO ESSENCIAL. VISITA TÉCNICA QUE CONSTATOU A INEXISTÊNCIA DE DESABASTECIMENTO, ENTRETANTO FORNECEU CARRO PIPA NA TENTATIVA DE ENCHER O RESERVATÓRIO DA UNIDADE. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DEVER DE INDENIZAR PELOS DANOS MORAIS. APLICAÇÃO DO ENUNCIADO DA SÚMULA 192/TJRJ. VERBA COMPENSATÓRIA QUE MERECE AJUSTE, PASSANDO-A PARA O MONTANTE DE R$3.500,00 (TRÊS MIL E QUINHENTOS REAIS). PROVIMENTO PARCIAL DO APELO.” (TJRJ - 0019272-06.2022.8.19.0001 – APELAÇÃO - DES(A). SERGIO RICARDO DE ARRUDA FERNANDES - JULGAMENTO: 16/03/2023 - DECIMA CAMARA DE DIREITO PRIVADO - ANTIGA 1ª CÂMARA CÍVEL). Contudo, com relação ao pedido de reparar corretamente o quintal da residência da autora, devido ao buraco aberto pela equipe, como informado pela autora na réplica, no dia 13/06/24 por volta das 14h, compareceu na residência da autora uma equipe da ré que realizou o reparo e no dia seguinte outra equipe concretou o serviço. Isto é, a ré procedeu com o reparo do quintal após a distribuição da ação. A perda do objeto de uma ação acontece em razão da superveniência da falta de interesse processual, seja porque o seu autor já obteve a satisfação de sua pretensão, não necessitando mais da intervenção do Estado-Juiz, seja porque a prestação jurisdicional já não lhe será mais útil, ante a modificação das condições de fato e de direito que motivaram o pedido, conforme se observa quanto ao pedido de regularização do cadastro. No caso dos autos, pretendia a autora que a ré fosse compelida judicialmente à proceder com o reparo. Entretanto, ocorrendo o reconhecimento de forma administrativa do erro perpetuado pela ré e realização do conserto, imperioso a verificação de perda superveniente do objeto. Assim, no caso sub judice, há que se observar o disposto no art. 493 do CPC, in verbis: “Art. 493. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão. Parágrafo único. Se constatar de ofício o fato novo, o juiz ouvirá as partes sobre ele antes de decidir.” Isto porque, "O interesse do autor deve existir no momento em que a sentença é proferida. Se desapareceu antes, a ação deve ser rejeitada (JTJ 153/9, JTA 106/391), de ofício e a qualquer tempo (TSTJ - 3ª Turma, RESP 23.563 - RJ-AgReg, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 19.8.97, negaram provimento, v.u. DJU 15.9.97, p. 44.372). No mesmo sentido: RP 33/239, com comentários de Gelson Amaro de Souza, e parecer de Nelson Nery Jr. Em RP 42/200. V, mais extensamente, art. 462, nota 3).” Com relação ao pedido de abatimento das faturas referente aos dias sem abastecimento de água, entendo devido. Observo no index 123899510 que a fatura com referência do mês 05/2024 foi faturada considerando a tarifa mínima. Contudo, a autora ficou sem abastecimento de água até 13/06/2024, conforme informação de index 160611100. Neste ponto, em relação à cobrança da tarifa mínima, convém salientar que a estrutura de remuneração e cobrança dos serviços públicos de saneamento básico tem previsão no art.30, incisos III e IV, da Lei Federal n.º 11.445/2007, in verbis: “Art. 30. Observado o disposto no art. 29 desta Lei, a estrutura de remuneração e cobrança dos serviços públicos de saneamento básico poderá levar em consideração os seguintes fatores: (...) III- quantidade mínima de consumo ou de utilização do serviço, visando à garantia de objetivos sociais, como a preservação da saúde pública, o adequado atendimento dos usuários de menor renda e a proteção do meio ambiente; IV- custo mínimo necessário para disponibilidade do serviço em quantidade e qualidade adequadas;” Ocorre que, a autora logrou em demonstrar que estava sem fornecimento do serviço. Sendo certo que, em momento algum a ré impugnou os documentos que denotam contato com a concessionária por meio do aplicativo de mensagem Whatsapp de index 123896697. Imperioso destacar que em um desses atendimentos, em 23/05/2024, o preposto da concessionária aduz que “não existe manutenção para sua região no nosso sistema” A suspensão se prolongou até a data de 13/06/2024, ocasião em que ré também procedeu ao reparo do quintal da autora. Desta feita, há no presente caso evidente falha da prestação do serviço, não sendo devido pelo autor o valor da disponibilidade dos serviços entre os dias 08/05 a 13/06/2024, visto que neste período o serviço não foi efetivamente prestado. No que diz respeito aos danos morais, entendo serem devidos. Os dissabores experimentados pela autora ultrapassaram a esfera do mero aborrecimento, por ter ficado com o abastecimento de água irregular, desde 08/05/2024, considerando que o serviço é essencial à vida em sociedade, sendo restabelecido apenas após decisão judicial (index 130860650). Vale salientar que a simples intermitência do abastecimento não se traduz em falha na prestação do serviço, porém, no caso sub judice, a autora alega ter ficado sem o fornecimento de água regular por vários dias, sem justificativa plausível apresentada nos autos e com suas faturas de consumo quitadas, restando demonstrado que houve um lapso temporal qualificado. Logo, inaplicável ao caso o Verbete Sumular n.º 193 do TJRJ. Todavia, aplicável ao caso o Verbete Sumular n.º 192 do TJRJ, in verbis: “A indevida interrupção na prestação de serviços essenciais de água, energia elétrica, telefone e gás configura dano moral.” A ré na qualidade de concessionária que presta serviço público de extrema relevância, deve sempre buscar o aperfeiçoamento em sua prestação, sendo certo que deve prestar seus serviços de forma adequada, eficiente, segura e de forma contínua, por se tratar de serviço essencial, conforme previsto no art. 22 do Código de Defesa do Consumidor. Nos casos de descumprimento, total ou parcial das suas obrigações, são compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, consoante o parágrafo único do referido artigo. Assim, presentes os elementos indispensáveis à responsabilidade, patente o dever de indenizar a autora pelos danos morais perpetrados. Com efeito, não resta dúvida o seu cabimento, em razão da intranquilidade, do constrangimento, da aflição e da angústia vividos pela autora por ter ficado vários dias com intermitência no fornecimento de água, sem justificativa plausível, e com suas faturas de consumo quitadas. O dano moral não existe somente na lesão à imagem, mas também quando se viola a privacidade, a intimidade e o sentimento de tranquilidade. Neste sentido: “APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA C/C TUTELA DE URGÊNCIA. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO ESSENCIAL. ÁGUA E ESGOTO. RELAÇÃO DE CONSUMO. VERBETE Nº 254 DA SÚMULA DESTE TRIBUNAL ESTADUAL. EXORDIAL QUE NARRA DESABASTECIMENTO POR PELO MENOS 16 (DEZESSEIS) DIAS EM DEZEMBRO DE 2018, BEM COMO NOVO DESABASTECIMENTO DE MEADOS DE JANEIRO, QUE PERDUROU PELO MENOS ATÉ A DATA DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO. DECISÃO EM TUTELA DE URGÊNCIA QUE DETERMINOU O RESTABELECIMENTO DO FORNECIMENTO DE ÁGUA NO PRAZO DE 24 HORAS, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA DE R$ 200,00 (DUZENTOS REAIS), LIMITADA A R$ 2.000,00 (DOIS MIL REAIS). SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA, "PARA CONDENAR AS RÉS, SOLIDARIAMENTE, NO PAGAMENTO DE R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS) A TÍTULO DE DANO MORAL, CORRIGIDO PELOS ÍNDICES DO TJ-RJ DO ARBITRAMENTO E ACRESCIDO DE JUROS DE 1% AO MÊS, A PARTIR DA CITAÇÃO", CONDENANDO-AS AINDA "NA REGULARIZAÇÃO DO SISTEMA DE ÁGUA E ESGOTO DA RESIDÊNCIA DOS AUTORES EM ATÉ 90 DIAS, COM APRESENTAÇÃO NOS AUTOS DE PLANO DE OBRAS E PREVISÃO DE TÉRMINO, JUSTIFICADO, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA DE R$ 200,00, COM O TETO FIXADO EM R$ 10.000,00, A PRINCÍPIO, SEM PREJUÍZO DA MULTA FIXADA EM TUTELA E DE NOVA ANÁLISE DA AQUI FIXADA". IRRESIGNAÇÃO EXCLUSIVA DA 1ª RÉ, AFIRMANDO A REGULARIDADE DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO E A NÃO CONFIGURAÇÃO DE DANO MORAL. PERÍCIA JUDICIAL CONCLUSIVA, REALIZADA EM 2022, QUE CONSTATOU QUE NÃO OCORRIA ABASTECIMENTO DE ÁGUA, SENDO NECESSÁRIA A "IMPLANTAÇÃO DE BOMBAS DE RECALQUE OU NOVA REDE" PARA A REGULARIZAÇÃO DO FORNECIMENTO. AUSÊNCIA ABSOLUTA DE PROVA DA REGULARIDADE DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. REQUERIDAS QUE NÃO SE DESINCUMBIRAM DO ÔNUS DE DEMONSTRAR A EXISTÊNCIA DE FATO IMPEDITIVO, MODIFICATIVO OU EXTINTIVO DO DIREITO DOS AUTORES, NOS TERMOS DO ART. 373, II, DO CPC, OU DE EXCLUDENTE DE SUA RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANO MORAL IN RE IPSA, ANTE A AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO ESSENCIAL POR LONGO PERÍODO. CRITÉRIO BIFÁSICO PARA A QUANTIFICAÇÃO DO DANO MORAL. VERBA INDENIZATÓRIA EXTRAPATRIMONIAL ARBITRADA EM SENTENÇA EM OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. PRECEDENTES. POSTULANTES CASADOS, EQUIVALENDO A CIFRA ALCANÇADA A R$ 5.000,00 (CINCO MIL REAIS) PARA CADA UM. INCIDÊNCIA DO VERBETE Nº 343 DA SÚMULA DESTA CORTE ESTADUAL, ("[A] VERBA INDENIZATÓRIA DO DANO MORAL SOMENTE SERÁ MODIFICADA SE NÃO ATENDIDOS PELA SENTENÇA OS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE NA FIXAÇÃO DO VALOR DA CONDENAÇÃO"). MANUTENÇÃO INTEGRAL DO DECISIUM APELADO. CABIMENTO DE HONORÁRIOS RECURSAIS, EX VI DO ART. 85, §11, DO CPC. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO APELO.” (TJRJ - 0003196-76.2019.8.19.0205 – APELAÇÃO DES(A). RENATA SILVARES FRANÇA FADEL - JULGAMENTO: 26/10/2023 - DECIMA SEGUNDA CAMARA DE DIREITO PRIVADO) “ACORDÃO APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. ÁGUAS DO RIO 1 SPE S.A. MUNICIPIO DE DUAS BARRAS. DESABASTECIMENTO DE ÁGUA. REPARO EMERGÊNCIA NA REDE DE ABASTECIMENTO. INÍCIO DA INTERRUPÇÃO DO SERVIÇO ESSENCIAL, QUE SE DEU EM 22/11/2021 E PERDUROU POR MAIS DE SETE DIAS. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DANO MORAL DEVIDAMENTE RECONHECIDO. 1- RELAÇÃO DE CONSUMO, OCUPANDO A PARTE AUTORA A POSIÇÃO DE CONSUMIDOR, DESTINATÁRIO FINAL DO SERVIÇO DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA E A RÉ, A POSIÇÃO DE FORNECEDORA DESTE SERVIÇO, CONFIGURANDO A HIPÓTESE DO ART. 3º, § 2º DO CDC. 2- A RESPONSABILIDADE É OBJETIVA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO, À LUZ DO ART. 14 DO CDC, PODENDO SER AFASTADA PELA CULPA EXCLUSIVA DO CONSUMIDOR, DE TERCEIRO OU FORTUITO EXTERNO. 3- AUTOR, DESDE O DIA 22/11/2021, ESTÁ SEM A PRESTAÇÃO DO SERVIÇO ESSENCIAL DE ÁGUA, EM RAZÃO DE OBRAS DE MANUTENÇÃO NA REDE DE DISTRIBUIÇÃO, TENDO A FALTA DE SERVIÇO ESSENCIAL PERDURADO POR VÁRIOS DIAS. 4- SENTENÇA QUE ACERTADAMENTE RECONHECEU A FALHA NO SERVIÇO PRESTADO E CONDENOU A RÉ AO PAGAMENTO DA QUANTIA DE R$ 2.000,00 (DOIS MIL REAIS) A TÍTULO DE INDENIZAÇÃO PELOS DANOS. 5- RECURSO QUE VISA MAJORAÇÃO DO VALOR DO DANO MORAL E HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. 6- A JURISPRUDÊNCIA DESTE TRIBUNAL TEM ASSENTADO O ENTENDIMENTO DE QUE AO JUIZ COMPETE ESTIMAR O VALOR DA INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL, ADOTANDO OS CRITÉRIOS DA PRUDÊNCIA E DO BOM SENSU, LEVANDO-SE EM CONSIDERAÇÃO QUE O QUANTUM ARBITRADO REPRESENTA UM VALOR SIMBÓLICO. 7- APESAR DE SER POSSÍVEL A INTERRUPÇÃO DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PARA A REALIZAÇÃO DE REPAROS NA REDE DE DISTRIBUIÇÃO, CONFORME DISPÕE O ARTIGO 40, INCISO, II, DA LEI Nº 11.445/2007, QUE ESTABELECE AS DIRETRIZES NACIONAIS PARA O SANEAMENTO BÁSICO. TODAVIA, A SITUAÇÃO ULTRAPASSOU OS LIMITES DO ACEITÁVEL, NA MEDIDA EM QUE, ALÉM DE NÃO RESPEITAR OS PRAZOS PARA REGULARIZAR O FORNECIMENTO DO SERVIÇO, NÃO HÁ COMPROVAÇÃO INEQUÍVOCA DE ADOÇÃO DE MEDIDAS PARA MINORAR OS PREJUÍZOS SUPORTADOS PELO AUTOR, QUE FICOU SEM O ABASTECIMENTO DE ÁGUA POR LONGOS PERÍODOS. 8- A ÁGUA CARACTERIZA-SE COMO SERVIÇO ESSENCIAL QUE DISPENSA MAIORES DILAÇÕES SOBRE OS DANOS GERADOS COM A SUA INTERRUPÇÃO, POR CRIAR RISCOS À SAÚDE, TRANSTORNOS E ABORRECIMENTOS, SENDO CERTO QUE A PARTE AUTORA FICOU PRIVADA DO SERVIÇO PÚBLICO POR MAIS DE UMA SEMANA, EM RAZÃO DE DESABASTECIMENTO, ELEMENTO QUE REVELA O CABIMENTO DE UMA INDENIZAÇÃO MAIS EXPRESSIVA. 9- QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO EM R$2.000,00 (DOIS MIL REAIS) FICOU UM POUCO TÍMIDO, MERECENDO SER DE FATO MAJORADO PARA A QUANTIA DE R$5.000,00 (CINCO MIL REAIS) QUE MELHOR ATENDE AO ASPECTO PUNITIVO EDUCATIVO DA INDENIZAÇÃO, ALÉM DE ESTAR DE ACORDO COM O ENTENDIMENTO FIXADO POR ESTA CORTE EM CASOS SEMELHANTES. 10- HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA MAJORADOS PARA O PERCENTUAL DE 15% (QUINZE POR CENTO), CONSIDERANDO O ESFORÇO DO PATRONO QUE ELABOROU A INICIAL, RÉPLICA, MANIFESTOU-SE EM PROVAS, PARTICIPOU DA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO, ELABOROU O RECURSO DE APELAÇÃO E CONSIDERANDO AINDA QUE O VALOR DA CONDENAÇÃO NÃO É TÃO EXPRESSIVO ASSIM. 11- PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO.” (TJRJ - 0001308-74.2021.8.19.0020 – APELAÇÃO - DES(A). TERESA DE ANDRADE CASTRO NEVES - JULGAMENTO: 19/10/2023 - DECIMA TERCEIRA CAMARA DE DIREITO PRIVADO - ANTIGA 22ª CÂMARA CÍVEL) Ressalte-se, ainda, que a compensação por danos morais, em uma sociedade de consumo de massa, há de ser considerada não só sob um aspecto meramente ressarcitório, mas também sob o ângulo preventivo-pedagógico, visando chamar a atenção para que os fatos lesivos não tornem a ocorrer. Portanto, consolidada a ocorrência dos danos morais, passa-se à sua quantificação. No que concerne ao arbitramento do dano moral, com o objetivo de fixar um valor que seja suficiente para reparar o dano de forma mais completa possível, sem importar em enriquecimento sem causa por parte do ofendido, deve o quantum debeaturser fixado de forma proporcional, moderada, razoável, compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado, a capacidade econômica do causador do dano e as condições sociais, dentre outras circunstâncias relevantes. Logo, ainda que se possa deduzir o quantum do dano moral utilizando-se de critérios objetivos oriundos dos próprios casos concretos, não são raras as situações em que a reparabilidade do dano moral coloca o julgador em uma "zona cinzenta", na qual a presença de critérios objetivos é insuficiente ou nula para o estabelecimento justo do dano moral. Esta "zona cinzenta", por sua vez, enseja, necessariamente, ao magistrado, a utilização de sua discricionariedade, fundada em conceitos de equidade, bem comum e garantia da ordem pública como um todo. O ordenamento jurídico confere essa capacidade ao julgador. Com efeito, é o que versa o artigo 5° da Lei de Introdução ao Código Civil, segundo o qual o juiz, atenderá aos fins sociais a que a lei se dirige, e às exigências do bem comum. Assim, a quantificação do dano moral, alicerçada em critérios objetivos é limitada a cada caso apresentado ao magistrado. Na medida em que estes critérios objetivos se vão diminuindo, aprofunda-se a necessidade do uso da discricionariedade do julgador que, não podendo fugir à prestação do ofício jurisdicional, tampouco pode conferir à parte uma possibilidade de locupletar-se. Todavia, o critério subjetivo, não pode ser marginalizado, mesmo diante de sua enorme dificuldade de averiguação. Inclusive, porque nada obsta à ocorrência da conjugação de ambos os critérios, subjetivo e objetivo, temperando-se, assim, o dano moral. É certo que ocorrendo tal hipótese, a percepção do quantum seria tarefa de menor complexidade discricionária ao magistrado, que teria em mãos dois parâmetros e não apenas um, para qualificar e quantificar sua incidência. Logo, é a conjugação desses critérios subjetivos e objetivos que resulta em pertinente quantificação do quantum condizente com os princípios sociais da lei e do bem comum. Fixo o montante indenizatório em R$5.000,00 (cinco mil reais), em observância ao princípio da razoabilidade e atendendo à extensão dos danos sofridos pela autora. Há que se observar a aplicação do disposto na Súmula n.º 326 do STJ: "Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica em sucumbência recíproca.” Ante o exposto, JULGO EXTINTOo processo, sem exame do mérito, com fulcro no art. 485, VI do CPC, por inexistência da condição de ação do interesse processual superveniente do pedido de reparar corretamente o quintal da residência da autora, devido ao buraco aberto pela equipe da concessionária; JULGO PROCEDENTES EM PARTE OS PEDIDOSpara confirmar a tutela deferida e condenar a ré no abatimento do total de dias sem o devido fornecimento de água; e condenar a ré no pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), corrigido a partir da sentença, em respeito às Súmulas 97 do TJRJ e 362 do STJ, acrescido de juros moratórios a partir da citação. Juros moratórios e correção monetária na forma da Lei nº 14.905/2024, a saber: correção monetária pelo IPCA e juros moratórios pela taxa SELIC. Considerando a Sumula 326 do STJ, condeno a ré em custas judiciais, taxa judiciária, honorários periciais e honorários advocatícios que fixo em 10% (dez por cento) do valor da causa. P.I. , 10 de junho de 2025. VANIA MARA NASCIMENTO GONCALVES Juiz Titular

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Derenice Da Silva Bernardo x Cedae e outros

ID: 277562993

Tribunal: TJRJ Órgão: 7ª Vara Cível da Regional de Campo Grande Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 0826401-62.2023.8.19.0205

Data de Disponibilização: 23/05/2025

Polo Ativo:

DERENICE DA SILVA BERNARDO

Polo Passivo:

CEDAE F.AB. ZONA OESTE S.A. RIO+ SANEAMENTO BL3 S.A

Sentença

Advogados:

GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO

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WALTER COUBE LANGSDORFF NETO

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ULLYANA MAIA DA SILVA DA GAMA

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RODRIGO MAGALHAES ROMANO

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LEONARDO FERREIRA LOFFLER

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SARAH SILVEIRA DE ANDRADE RAMALHO

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Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Comarca da Capital - Regional de Campo Grande 7ª Vara Cível da Regional de Campo Grande Rua Carlos da Silva Costa, 141, Bloco 01 - 6º Andar, Campo Grande,… Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Comarca da Capital - Regional de Campo Grande 7ª Vara Cível da Regional de Campo Grande Rua Carlos da Silva Costa, 141, Bloco 01 - 6º Andar, Campo Grande, RIO DE JANEIRO - RJ - CEP: 23050-230 SENTENÇA Processo: 0826401-62.2023.8.19.0205 Classe: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) AUTOR: DERENICE DA SILVA BERNARDO RÉU: CEDAE, F.AB. ZONA OESTE S.A., RIO+ SANEAMENTO BL3 S.A DERENICE DA SILVA BERNARDO ajuizou a presente ação de responsabilidade civil contra COMPANHIA ESTADUAL DE ÁGUAS E ESGOTOS – CEDAE, F.A.B ZONA OESTE S/A - Zona Oeste Mais Saneamento e RIO+ SANEAMENTO BL3 S.A. Narra a inicial que a autora possui matrícula nº 1675975-7 e que, desde que reside no local, nunca teve serviço de esgotamento sanitário fornecido pelas rés ou por qualquer outra empresa, uma vez que os efluentes são despejados in natura nas galerias de águas pluviais. Sustentou que, há mais de dez anos, as rés, apesar de nunca terem prestado integralmente o serviço de esgotamento sanitário, realizam a cobrança da tarifa de esgoto. Asseverou que, por não concordar com a cobrança da tarifa de esgoto, a autora se dirigiu até a agência da ré e solicitou o cancelamento, uma vez que, apesar de contratado, o serviço inexiste. Argumentou que o pedido da autora restou sem êxito, ante a afirmação da ré de se tratar de cobrança devida. Requereu, ao final, a condenação das rés, de forma solidária, a restituírem em dobro o valor cobrado e pago a título de tarifa de esgoto, observando o prazo prescricional decenal; que as rés sejam condenadas a realizar a suspensão da cobrança da tarifa de esgoto até que passem a prestar efetivamente o serviço; subsidiariamente, acaso se considere haver prestação de serviço e não poluição, que as rés sejam condenadas a realizar a suspensão da cobrança integral da tarifa de esgoto e passem a cobrar proporcionalmente ao serviço realizado até a realização integral de todas as etapas do esgotamento sanitário; seja a ré condenada a devolver, na proporção de 75% ou 50%, os valores pagos referentes à tarifa de esgotamento sanitário, observando a prescrição aplicável ao caso em tela. A inicial encontra-se devidamente instruída. Decisão de Id. 70995271, na qual foi deferida a gratuidade de justiça. Contestação da ré F.A.B ZONA OESTE S/A, constante do Id. 76694103. Arguiu, preliminarmente, a decadência. Outrossim, sustentou que há de se separar os períodos de devolução referentes a cada concessionária, no tocante às contas que entende como indevidas pela cobrança de 100% a título de esgoto, sob pena de enriquecimento sem causa em detrimento desta concessionária, que assumiu em maio de 2012 a concessão dos serviços de esgotamento sanitário e gestão comercial, passando a operar efetivamente em setembro de 2013, com a emissão das contas. Dessa forma, mencionou que o limite temporal para valores, em caso de possível e remota chance de prosperar o pleito da parte autora, limita-se ao período de setembro até o final da presente ação, uma vez que os valores anteriores a essa data foram recebidos pela CEDAE a título de tarifa de esgoto. Pugnou pela inépcia da inicial, tendo em vista a ausência de qualquer comprovante de pagamento das faturas encaminhadas antes do ano de 2018, o que comprova que o serviço de esgotamento não foi pago pela autora. Além disso, salientou que a autora confessa que seus efluentes sanitários são coletados e transportados pela rede do sistema de esgotamento sanitário. Pontuou a empresa ré que a todos os bens imóveis do logradouro é disponibilizada a rede de esgotamento, conforme previsto em lei nacional (Marco do Saneamento Básico), não havendo que se falar em inexistência de prestação de serviço. Ao final, asseverou que pensar em contrário na apuração do tempo de prestação de serviço a ser devolvido significa enriquecimento ilícito, caracterizando duplamente a previsão do art. 884 do Código Civil: uma por considerar ilegal a cobrança de tarifa de esgoto mesmo quando é efetuada uma ou mais etapas do ciclo de saneamento; e outra por determinar devolução em período superior à efetiva entrada da ré na prestação do serviço de esgotamento sanitário. Requereu, ao final, a improcedência total dos pedidos. Contestação da ré RIO+ SANEAMENTO BL 3 S.A. (“RIO+” ou “CONCESSIONÁRIA”), constante do Id. 76780299. Sustentou que a prestação do serviço de esgotamento, assim como as providências de faturamento e cobrança por tal serviço, não fazem parte do escopo do Contrato de Concessão firmado pela Ré na área do imóvel do usuário. Arguiu, preliminarmente, a ilegitimidade passiva da RIO+ e requereu a extinção da ação, sem resolução do mérito. Caso, porventura, assim não se entenda, requereu que, no mérito, seja reconhecida sua total ausência de responsabilidade, tendo em vista que as providências de cobrança, dentre outras, não fazem parte do escopo do contrato de concessão firmado com o poder concedente na área do imóvel do usuário, sendo tais providências de responsabilidade da Zona Oeste Mais, ora segunda Ré. Ao final, requereu que seja reconhecida sua ilegitimidade passiva e que os pedidos iniciais sejam julgados totalmente improcedentes, diante da total ausência de provas que demonstrem o fato constitutivo. Contestação da ré COMPANHIA ESTADUAL DE ÁGUAS E ESGOTOS – CEDAE, no Id. 76971227. Arguiu preliminarmente a ilegitimidade passiva da ré, nos termos do contrato de concessão firmado entre o Município do Rio de Janeiro e a FAB ZONA OESTE S/A, tendo em vista que não é responsável pelo serviço de esgotamento sanitário nas matrículas vinculadas à AP5, desde 2007. Pontuou que a detentora da concessão é a empresa ZONA OESTE MAIS SANEAMENTO, e que a CEDAE apenas abastece, mas não cobra ou faz a parte comercial sobre água (ex.: leitura, faturamento, cobranças, negativações etc.), muito menos presta o serviço de esgoto. Relatou que, desde agosto de 2013, toda a gestão comercial, bem como o serviço de esgoto da referida área, foi transferida pelo Município do RJ à FOZ ÁGUAS DO BRASIL 5 (Zona Oeste Mais Saneamento). Sustentou que, caso se entenda pela devolução dos valores, o prazo prescricional que deverá ser observado é o de três anos. Aduziu que o serviço de esgoto é prestado ao autor por meio do sistema unitário, que coleta e transporta o esgoto, fato incontroverso, eis que admitido na própria inicial. Portanto, prestadas as etapas de coleta e transporte, é aplicável ao caso o entendimento do C. STJ (tema 565). Asseverou que, ainda que não sejam executadas todas as fases que compõem o serviço de esgotamento sanitário (coleta, transporte, tratamento e destinação final), ou que sejam utilizadas as galerias de águas pluviais para a prestação do serviço (sistema unitário), é legítima a cobrança da tarifa de esgoto, inclusive a cobrança integral. Ao final, requereu que seja acolhida a preliminar arguida, para que seja reconhecida a ilegitimidade passiva da CEDAE, julgando improcedentes os pedidos em face da ora contestante, eis que esta não é a responsável pela prestação do serviço de esgoto e pela cobrança da tarifa respectiva. Subsidiariamente, caso não seja acolhida a preliminar, requereu que os pleitos autorais sejam julgados integralmente improcedentes. Manifestação da parte autora em réplica e provas, no Id. 77839573. Despacho de Id. 140984903, no qual foram homologados os honorários periciais. Outrossim, foi determinado que, em face da gratuidade de justiça, os honorários serão devidos ao final pela parte sucumbente. Laudo pericial nos Ids 165241642 a 165243955. Manifestação da ré F.AB Zona Oeste S/A sobre o laudo pericial constante no Id. 170161452; manifestação da autora no Id. 170936840; manifestação da ré CEDAE constante no Id. 173869962; e manifestação da ré Rio+ Saneamento BL 3 S.A constante no Id. 175385104. É O RELATÓRIO. DECIDO. De início, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva arguida pelas rés CEDAE e RIO+ SANEAMENTO, eis que a autora, em suas assertivas, atribui às partes rés os fatos tratados na inicial, e isto é o que basta para que figurem no polo passivo. Ademais, são titulares, em abstrato, da relação controvertida deduzida em juízo, com fundamento na teoria da asserção, sendo a pertinência das alegações matéria a ser analisada juntamente com o mérito do processo. Rejeita-se, igualmente, a alegação de decadência suscitada pela ré F.A.B ZONA OESTE S/A, tendo em vista que, no caso, aplica-se o prazo prescricional de 10 (dez) anos, nos termos do artigo 205 do Código Civil. Nesse sentido, veja-se expressivo aresto deste Colegiado: APELAÇÃO CÍVEL. TARIFA DE ESGOTO. FASES DO SERVIÇO. MATÉRIA PACIFICADA PELO C. STJ. RÉ NÃO PRESTA UMA DAS FASES. LEGITIMIDADE DA COBRANÇA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO PARA JULGAR IMPROCEDENTES OS PEDIDOS AUTORAIS. 1. Afasta-se a preliminar de ilegitimidade da CEDAE para figurar no polo passivo desta ação, na medida em que o ‘Termo de Reconhecimento Recíproco de Direitos e Obrigações’ firmados entre aquela e o Município do Rio de Janeiro não é oponível aos consumidores, nem afasta a sua responsabilidade, já que efetivamente compõe a cadeia de consumo, nos termos do artigo 7º, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor. 2. Prescrição aplicável ao caso que é decenal, nos termos da jurisprudência do C. STJ, fixada pelo julgamento do REsp nº 1.113.403/RJ.3. O C. Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do REsp. nº 1.339.313/RJ, selecionado como paradigma da matéria nele tratada, fixou tese segundo a qual "a legislação que rege a matéria dá suporte para a cobrança da tarifa de esgoto mesmo ausente o tratamento final dos dejetos, principalmente porque não estabelece que o serviço público de esgotamento sanitário somente existirá quando todas as etapas forem efetivadas, tampouco proíbe a cobrança da tarifa pela prestação de uma só ou de algumas dessas atividades." 4. É, portanto, legal a cobrança da tarifa de esgoto, desde que cumprida ao menos uma etapa do serviço, conforme a Tese nº 565. 5. O logradouro onde se localiza o imóvel do autor dispõe de rede de coleta de esgotos sanitários e galeria de águas pluviais. 6. Assim, mesmo que a área não possua estação de tratamento de esgoto e o efluente acabe por ser lançado em córregos, rios ou valões da região, é legítima a cobrança da tarifa de esgoto, pois prestada, ao menos, uma das etapas de tratamento. 7. Recurso provido em parte. (Apelação 0115270-16.2013.8.19.0001 - Des. GILBERTO CLÓVIS FARIAS MATOS - Julgamento: 09/03/2021 - DÉCIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL). Superada a preliminar, passa-se à análise do mérito. Cuida a demanda de ação de responsabilidade civil, na qual a parte autora requer a suspensão da cobrança da tarifa de esgoto ou, alternativamente, a cobrança proporcional ao serviço efetivamente prestado até a realização integral de todas as etapas do esgotamento sanitário, bem como a devolução em dobro dos valores cobrados, em razão de as rés nunca terem prestado integralmente o serviço de esgotamento sanitário. Destaca-se que o art. 22 do CDC não deixa qualquer dúvida quanto à natureza consumerista da relação jurídica em questão. Ressalte-se que o CDC abrange todas as relações de consumo, ou seja, aquelas entre consumidor e fornecedor ou prestador de serviços, seja este uma sociedade empresarial comum, uma sociedade de economia mista ou uma empresa pública. Nesse sentido, aplicável o entendimento esposado no enunciado de súmula nº 254 deste Tribunal de Justiça. Outrossim, a responsabilidade do fornecedor de serviço é descrita no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. O réu é prestador de serviços, devendo-lhe ser aplicado a Teoria do Risco do Empreendimento, segundo a qual todo aquele que exerce uma atividade, oferecendo seus serviços à sociedade, responde pela sua qualidade e segurança, responsabilizando-se objetivamente por eventuais falhas. No que se refere à questão das cobranças para tratamento do esgotamento sanitário é possível aferir a existência de julgamento sólido no Superior Tribunal de Justiça no sentido de considerar lícita a cobrança da tarifa de esgoto, mesmo nos casos em que apenas uma das etapas de tal serviço estiver sendo cumprida. Desta forma, somente seria possível a esta Corte Estadual contrariar o entendimento do STJ caso fosse constatada alguma peculiaridade fática capaz de afastar o presente caso daquele julgado pelo STJ em sede de recurso repetitivo. Voltando os olhos para o caso concreto, observa-se que a perícia realizada nos autos constatou que as fases de captação, transporte e destinação final dos dejetos líquidos de esgoto, assim como as etapas de tratamento e destinação final dos dejetos sólidos de esgoto, estão sendo cumpridas (Id. 165243955): 6 - CONCLUSÃO No entendimento deste Perito, após a vistoria realizada no local e a análise documental acostada ao processo, é certo afirmar que: I. O imóvel é equivalente a duas economias residenciais composta por três imóveis. II. A Ré realiza para o imóvel da Autora as etapas de captação, transporte e destinação final para os dejetos líquidos de esgoto, assim como as etapas de tratamento e destinação final para os dejetos sólidos de esgoto. III. As cobranças são realizadas pela ré referentes ao esgotamento sanitário para três economias de forma equivocada, uma vez que são apenas duas economias residenciais no local. Logo, verifica-se a realização de etapas do esgotamento a ensejar a aplicação do entendimento firmado no REsp 1339313 / RJ julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, razão pela qual, lícita a cobrança de forma integral da tarifa de esgoto. Assim, considera-se legítima a sua cobrança em sua integralidade, não havendo que se falar em devolução dos valores cobrados à título de tarifa de esgotamento sanitário. Neste sentido, convém transcrever o acórdão do STJ, que julgou a questão da tarifa de esgotos em sede de recurso repetitivo, mesmo nos casos em que apenas uma das etapas de tal serviço estiver sendo cumprida. Confira-se: Recurso Repetitivo (Tema: 565). Processo: REsp 1339313 / RJ. RECURSO ESPECIAL. 2012/0059311-7. Relator(a): Ministro BENEDITO GONÇALVES (1142). Órgão Julgador: S1 - PRIMEIRA SEÇÃO. Data do Julgamento: 12/06/2013. Data da Publicação/Fonte: DJe 21/10/2013. Ementa: ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. SERVIÇO DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE COLETA E TRANSPORTE DOS DEJETOS. INEXISTÊNCIA DE REDE DE TRATAMENTO. TARIFA. LEGITIMIDADE DA COBRANÇA. (...) 3. Tal cobrança não é afastada pelo fato de serem utilizadas as galerias de águas pluviais para a prestação do serviço, uma vez que a concessionária não só realiza a manutenção e desobstrução das ligações de esgotoque são conectadas no sistema público de esgotamento, como também trata o lodo nele gerado.4. O tratamento final de efluentes é uma etapa posterior e complementar, de natureza sócio-ambiental, travada entre a concessionária e o Poder Público. 5. A legislação que rege a matéria dá suporte para a cobrança da tarifa de esgoto mesmo ausente o tratamento final dos dejetos, principalmente porque não estabelece que o serviço público de esgotamento sanitário somente existirá quando todas as etapas forem efetivadas, tampouco proíbe a cobrança da tarifa pela prestação de uma só ou de algumas dessas atividades.Precedentes: Resp 1.330.195/RJ, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe 04.02.2013; REsp 1.313.680/RJ, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, Dje 29.06.2012; e REsp 431121/SP, Rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, DJ 07/10/2002. 6. Diante do reconhecimento da legalidade da cobrança, não há o que se falar em devolução de valores pagos indevidamente, restando, portanto, prejudicada a questão atinente ao prazo prescricional aplicável as ações de repetição de indébito de tarifasde água e esgoto. 7. Recurso especial provido, para reconhecer a legalidade da cobrança da tarifa de esgotamento sanitário. Processo submetido ao regime do artigo 543-C do CPC e da Resolução 8/STJ. Grifos apostos. Ainda sobre o tema, convém transcrever algumas ementas colhidas no sítio eletrônico deste Tribunal de Justiça, em que se pode observar o acolhimento do entendimento explicitado pelo Superior Tribunal de Justiça. Confira-se: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. CEDAE. AÇÃO OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C PEDIDO DE TUTELA DE EVIDÊNCIA. ALEGAÇÃO AUTORAL DE ILEGALIDADE DA COBRANÇA DA TARIFA DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. APELO DA RÉ. PROVIMENTO AO RECURSO. I. CASO EM EXAME 1. Recurso de apelação interposto objetivando a reforma da sentença, com a improcedência dos pedidos autorais, no sentido de reconhecer a legalidade da cobrança integral da tarifa de esgoto, tendo em vista o entendimento de que ainda que executada uma única das fases que constituem os serviços de esgoto, será legítima a cobrança da tarifa, inclusive a cobrança integral. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em apurar se ainda que executada uma única das fases que constituem os serviços de esgoto, será legítima a cobrança da tarifa, inclusive a cobrança integral. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Preliminar de ilegitimidade passiva afastada. 4. Em que pese a alegação autoral de que o esgoto proveniente do imóvel é despejado na rede pluvial, tendo como destino à Baía de Sepetiba, sem tratamento, verifica-se que a residência do autor que é provida do sistema unitário. 5. Prestação do serviço de coleta e transporte do esgotamento sanitário. 6. Impossibilidade de cobrança parcial da tarifa de esgoto na proporção do serviço prestado pela concessionária de serviço público. 7. Incidência do Tema nº 565 do STJ na hipótese. Para caracterização do serviço de esgotamento sanitário basta a realização de uma das etapas previstas no art. 9º do Decreto nº 7.217/10. 8. Sentença que merece reforma para que seja julgado improcedente o pleito autoral. IV. DISPOSITIVO 9. Provimento ao recurso. Dispositivos relevantes citados: arts. 2°, 3º e 14 do CDC; art. 3º Lei nº 11.445/07; art. 9º do Decreto nº 7.217/2010; art. 927, III, do CPC. Jurisprudência relevante citada: REsp 1.339.313/RJ - RECURSO ESPECIAL - Ministro BENEDITO GONÇALVES - PRIMEIRA SEÇÃO - DJe 21/10/2013; 0270445-03.2013.8.19.0001 - APELAÇÃO. Des(a). ANTONIO ILOIZIO BARROS BASTOS - Julgamento: 26/03/2024 - DECIMA SEXTA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 4ª CÂMARA CÍVEL; 0032693-38.2019.8.19.0205 - APELAÇÃO. Des(a). MARIA HELENA PINTO MACHADO - Julgamento: 04/08/2021 - DECIMA SEXTA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 4ª CÂMARA CÍVEL; 0026903-39.2020.8.19.0205 - APELAÇÃO. Des(a). MURILO ANDRÉ KIELING CARDONA PEREIRA - Julgamento: 28/09/2022 - VIGESIMA SEGUNDA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 23ª CÂMARA CÍVEL; 0116041-62.2011.8.19.0001 - APELAÇÃO. Des(a). ALCIDES DA FONSECA NETO - Julgamento: 27/08/2020 - QUINTA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 24ª CÂMARA CÍVEL); AgInt no REsp 1816241/RJ, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/09/2020, DJe 30/09/2020; 0033111-05.2021.8.19.0205 - APELAÇÃO. Des(a). CARLOS GUSTAVO VIANNA DIREITO - Julgamento: 25/09/2024 - DECIMA SEXTA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 4ª CÂMARA CÍVEL); TJ-RJ - APL: 02120167720128190001, Relator: Des(a). GUARACI DE CAMPOS VIANNA, Data de Julgamento: 28/05/2019, DÉCIMA NONA CÂMARA CÍVEL. (0031706-65.2020.8.19.0205 - APELAÇÃO. Des(a). CARLOS GUSTAVO VIANNA DIREITO - Julgamento: 12/02/2025 - DECIMA SEXTA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 4ª CÂMARA CÍVEL)) APELAÇÃO CÍVEL. TARIFA DE ESGOTO. ALEGAÇÃO DE QUE O SERVIÇO NÃO É PRESTADO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. APELO DA CONCESSIONÁRIA RÉ. Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, se o serviço público está sendo prestado, ainda que não contemple todas as suas fases, é devida a cobrança da tarifa. A argumentação da Corte Superior é no sentido de que a legislação dá suporte à cobrança, além de não estabelecer que o serviço público de esgotamento sanitário somente exista quando todas as etapas são efetivadas, não proibindo a cobrança da tarifa pela prestação de apenas uma ou algumas dessas atividades. Laudo pericial informa que a administração (manutenção, limpeza, desobstrução, reparos etc.) da rede interna que corta o condomínio é feita pela concessionária ré. Sentença de procedência que se reforma Recurso conhecido e provido, nos termos do voto do Desembargador Relator. (0339580-92.2019.8.19.0001 - APELAÇÃO. Des(a). CHERUBIN HELCIAS SCHWARTZ JÚNIOR - Julgamento: 06/05/2025 - PRIMEIRA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 8ª CÂMARA CÍVEL)) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER C/C INDENIZATÓRIA. TARIFA DE ESGOTO. FASES DO SERVIÇO. MATÉRIA PACIFICADA PELO C. STJ. LEGITIMIDADE DA COBRANÇA. R. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. MANUTENÇÃO. DESPROVIMENTO DO RECURSO. 1. O C. Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do REsp. nº 1.339.313/RJ, selecionado como paradigma da matéria nele tratada, fixou tese segundo a qual "a legislação que rege a matéria dá suporte para a cobrança da tarifa de esgoto mesmo ausente o tratamento final dos dejetos, principalmente porque não estabelece que o serviço público de esgotamento sanitário somente existirá quando todas as etapas forem efetivadas, tampouco proíbe a cobrança da tarifa pela prestação de uma só ou de algumas dessas atividades". 2. É, portanto, legal a cobrança da tarifa de esgoto, desde que cumprida ao menos uma etapa do serviço.3. No caso destes autos, não ficou nenhuma dúvida de que a ré realiza as fases de coleta e transporte de esgoto. 4. Legítima, portanto, a cobrança da tarifa respectiva. 5. Desprovimento do apelo. (0859306-53.2023.8.19.0001 - APELAÇÃO. Des(a). GILBERTO CLÓVIS FARIAS MATOS - Julgamento: 27/03/2025 - DECIMA TERCEIRA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 22ª CÂMARA CÍVEL)) APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO SUMÁRIA C/C DANOS MORAIS E PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. RELAÇÃO DE CONSUMO. SERVIÇO DE ÁGUA E ESGOTO. 1. Cumpre informar que a relação jurídica estabelecida entre as partes se trata de típica relação de consumo, estando presentes os requisitos dos artigos 2º, 3º, § 2º e 22, da Lei 8078/90. Além disso, embora o contrato existente entre as partes seja regido por lei específica, tal fato não inibe a aplicação do CDC, com o qual deve se compatibilizar, para que o consumidor não seja privado dos seus direitos básicos, com garantia de observância de seus princípios norteadores. 2. No caso sob julgamento, questiona a parte autora a cobrança das faturas em consumo acima da média das contas com vencimento no dia 10/05/2015 e 10/06/2015, no valor total de R$ 281,88 e os valores cobrados referente a esgoto domiciliar, alegando o autor não dispor deste serviço. 3. Rejeição da preliminar de ilegitimidade passiva arguida pela Cedae. 4. Dos autos, constata-se a realização de prova pericial, conforme se denota do laudo às fls. 539/555 (indexador 539) e esclarecimentos às fls. 596/602 (indexador 596). 5. Verifica-se que o ilustre perito concluiu que não se pode atribuir à parte autora a responsabilidade pelo defeito constatado no hidrômetro, por seu turno não logrou êxito a demandada (F. AB Zona Oeste S/A) em infirmar as conclusões obtidas na perícia, ônus que lhe cabia em conformidade com o disposto no art. 373, II, do CPC/15. 6. Assim, deve ser mantida a sentença que condenou a ré F. AB Zona Oeste S/A a cancelar os valores cobrados referentes as faturas dos meses de 10/05/2015 e 10/06/2015, regularizando estas contas utilizando com base o histórico de consumo do autor. 7. No que se refere à questão das cobranças para tratamento do esgotamento sanitário é possível aferir a existência de julgamento sólido no Superior Tribunal de Justiça no sentido de considerar lícita a cobrança da tarifa de esgoto, mesmo nos casos em que apenas uma das etapas de tal serviço estiver sendo cumprida. 8. Desta forma, somente seria possível a esta Corte Estadual contrariar o entendimento do STJ caso fosse constatada alguma peculiaridade fática capaz de afastar o presente caso daquele julgado pelo STJ em sede de recurso repetitivo. 9. Voltando os olhos para o caso concreto, observa-se que a perícia realizada no feito positivou que as fases de infraestrutura/instalações operacionais de coleta/transporte através do Ramal Separador são cumpridas. 10. Logo, verifica-se a realização de etapas do esgotamento a ensejar a aplicação do entendimento firmado no REsp 1339313 / RJ julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, razão pela qual, lícita a cobrança de forma integral da tarifa de esgoto e não de 50% conforme determinado na r. sentença. 11. Assim, merece reforma a r. sentença para considerar legítima a sua cobrança em sua integralidade, não havendo que se falar em devolução na forma simples da metade dos valores cobrados à título de tarifa de esgotamento sanitário. 12. Prescrição decenal. 13. Reforma parcial da sentença. DESPROVIMENTO AO RECURSO DO 1º APELANTE (COMPANHIA ESTADUAL DE ÁGUAS E ESGOTOS CEDAE) E DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DO 2º APELANTE F.A.B. ZONA OESTE S.A (FOZ ÁGUAS 5). (0451040-26.2015.8.19.0001 - APELAÇÃO. Des(a). TEREZA CRISTINA SOBRAL BITTENCOURT SAMPAIO - Julgamento: 20/10/2021 - VIGÉSIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL) APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. CEDAE. ALEGAÇÃO DE COBRANÇA INDEVIDA PELO ESGOTAMENTO SANITÁRIO DIANTE DA AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. IRRESIGNAÇÃO DA DEMANDANTE. LAUDO PERICIAL CONCLUSIVO QUANTO À PRESTAÇÃO DO SERVIÇO DAS ETAPAS DE CAPTAÇÃO E TRANSPORTE DOS RESÍDUOS PELA RÉ. ENTENDIMENTO FIRMADO PELO STJ NO JULGAMENTO DO RESP Nº.1.339.313/RJ, SOB O RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS, NO SENTIDO DE SER DEVIDA A COBRANÇA PELO SERVIÇO DE ESGOTO QUANDO O SERVIÇO É PRESTADO PARCIALMENTE, EM PELO MENOS UMA DAS ETAPAS. COBRANÇA DEVIDA, SENDO DESCABIDO O PAGAMENTO PROPORCIONAL. NÃO OCORRÊNCIA DE DISTINGUISHING OU OVERRULING NA HIPÓTESE, RAZÃO PELA QUAL A OBSERVÂNCIA DO DECISUM PROFERIDO PELA CORTE SUPERIOR É OBRIGATÓRIA, SOB PENA DE VIOLAÇÃO DO SISTEMA DE PRECEDENTES. SENTENÇA QUE NÃO MERECE REPARO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (0231538-80.2018.8.19.0001 - APELAÇÃO. Des(a). LUCIA REGINA ESTEVES DE MAGALHAES - Julgamento: 15/02/2022 - DÉCIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL). Ademais, entende-se que a mera disponibilização da rede pública configura a prestação do serviço, sendo legítima a cobrança da tarifa de esgoto. DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO. ESGOTO. COBRANÇA DE TARIFA. UNIDADE NÃO CONECTADA. NOVO MARCO SANITÁRIO (LEI 14.026/2020). DISPONIBILIZAÇÃO DO SERVIÇO. COBRANÇA DEVIDA. IMPOSIÇÃO LEGAL DE CONEXÃO À REDE PÚBLICA. I. Caso em exame: O autor busca afastar a cobrança da tarifa de esgoto ao argumento de não ser prestada nenhuma etapa do serviço, pois despeja seus resíduos em um córrego. Pleiteia a condenação da ré na obrigação de não fazer, na retirada do seu nome dos cadastros restritivos e ao pagamento de indenização por danos morais ante a negativação do seu nome. A sentença julga procedente os pedidos para declarar a inexistência da dívida em relação à tarifa de esgoto e condenar a ré a abster-se de cobrar a tarifa de esgoto, enquanto pelo menos uma fase do serviço de tratamento não for prestada, ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 12.000,00. Apela a ré, aduzindo a legalidade da cobrança da tarifa e a inexistência de danos morais. II. Questão em discussão: Analisar se é devida a cobrança da tarifa de esgoto quando a unidade consumidora não utiliza a rede pública, a ocorrência de danos morais e sua quantificação. III. Razões de decidir: Novo marco legal do saneamento. Obrigação que deixa de ser contratual e passa a ser legal. Conexão obrigatória. Nova forma de tratamento de uso e fornecimento de águas estabelecido pela legislação. Mera disponibilização da rede pública configura prestação do serviço, sendo legítima a cobrança da tarifa de esgoto.Improcedência dos pedidos e inversão da sucumbência. Fixação dos honorários por equidade, pois os pedidos são ilíquidos e a causa possui valor irrisório. Aplicação da tabela da OAB. IV. Dispositivo: Recurso provido. Artigos legais e precedentes: Art. 45 da Lei 11.445/2007. Lei 14.026/2020. Art. 85, §8º e §8º-A do CPC. (0048358-47.2012.8.19.0203 - APELAÇÃO. Des(a). MARIA CELESTE PINTO DE CASTRO JATAHY - Julgamento: 25/09/2024 - DÉCIMA SEXTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 4ª CÂMARA CÍVEL) (0889675-30.2023.8.19.0001 - APELAÇÃO. Des(a). NATACHA NASCIMENTO GOMES TOSTES GONÇALVES DE OLIVEIRA - Julgamento: 20/03/2025 - DECIMA SETIMA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 26ª CÂMARA CÍVEL)) Outrossim, no que tange às cobranças realizadas pela ré referentes ao esgotamento sanitário para três economias de forma equivocada, conforme consta no laudo pericial, destaca-se que, com efeito, a apreciação jurisdicional limita-se ao postulado pela parte, em atenção ao princípio da congruência ou da correlação. Por isso, o juiz, em regra, não pode conhecer questões não suscitadas e não deve decidir senão nos limites em que a ação foi proposta, conforme a dicção dos artigos 141 e 492, caput, do Código de Processo Civil. E, desta forma, não cabe neste processo ao julgador apreciar pedido de tratamento distinto daquele postulado na inicial, sob pena de violação do princípio da congruência, da adstrição ou da correlação, nos quais a sentença deve se limitar a enfrentar as questões suscitadas e discutidas pelas partes durante o processo, evitando pronunciamento extra petita, ultra petita ou citra petita, tendo em vista que a parte autora formulou pedido certo e determinado na inicial, não cabendo interpretação ou alteração pelo magistrado. Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTES OS PEDIDOS, e julgo extinto o feito, com resolução do mérito, na forma do artigo 487, I, do CPC. Condeno o autor ao pagamento das custas, honorários advocatícios e periciais, estes fixados em 10% sobre o valor atribuído à causa, conforme art. 85, § 2º, do CPC, observada a gratuidade de justiça deferidas nos autos. Após o trânsito em julgado, nada sendo requerido, dê-se baixa e arquivem-se os autos, com as cautelas de praxe. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. RIO DE JANEIRO, 22 de maio de 2025. KARLA DA SILVA BARROSO VELLOSO Juiz Titular

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Luiz Rodrigo Benace x F.Ab. Zona Oeste S.A. e outros

ID: 310042436

Tribunal: TJRJ Órgão: 10º Núcleo de Justiça 4.0 - Prestadoras de Serviços Públicos Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 0807633-54.2024.8.19.0205

Data de Disponibilização: 27/06/2025

Polo Ativo:

LUIZ RODRIGO BENACE

Polo Passivo:

F.AB. ZONA OESTE S.A. RIO+ SANEAMENTO BL3 S.A

Sentença

Advogados:

GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO

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LAURO VINICIUS RAMOS RABHA

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GILSETE AREAS DE MORAES

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Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Justiça 4.0 10º Núcleo de Justiça 4.0 - Prestadoras de Serviços Públicos SENTENÇA Processo: 0807633-54.2024.8.19.0205 Classe: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7)… Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Justiça 4.0 10º Núcleo de Justiça 4.0 - Prestadoras de Serviços Públicos SENTENÇA Processo: 0807633-54.2024.8.19.0205 Classe: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) AUTOR: LUIZ RODRIGO BENACE RÉU: RIO+ SANEAMENTO BL3 S.A, F.AB. ZONA OESTE S.A. LUIZ RODRIGO BENACE ajuíza ação de Obrigação de Fazer c/c Indenização por Danos Morais e Materiais com pedido de Tutela de Urgência em face de RIO+ SANEAMENTO BL3 S.A e F.A.B ZONA OESTE SA, na qual requer em tutela de urgência que a ré restabeleça o fornecimento de água em sua residência, bem como que a Ré se abstenha de cobrar qualquer valor enquanto o serviço não for restabelecido, sob pena de multa; ao final, a confirmação dos efeitos da tutela; a indenização do dano material referente ao aluguel de imóvel, no importe de R$ 550,00 mensal, até restabelecimento do serviço; e a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$50.000,00 (cinquenta mil reais). Alega o autor que é cliente da ré referente ao imóvel localizado na Rua São Deogracias, nº 339, casa 7 FDS– Guaratiba, tendo solicitado a transferência de titularidade do serviço de fornecimento de água (matricula 1220279-6). Afirma que em 11/01/2024, a ré trocou o hidrômetro da residência do autor, e desde então, foi interrompido o fornecimento de água. Sustenta que apresentou junto à ré inúmeras reclamações, mas não obteve êxito. Informa que possui um filho de nove meses e sem abastecimento de água restou impossível a permanência no imóvel, sendo necessário realizar a locação de um imóvel próximo a sua residência, pagando aluguel de R$ 550,00. Decisão do index 107492730 indeferindo a tutela requerida. Decisão de index 108350979 reconsiderando a decisão de index 107492730 concedendo a tutela de urgência requerida. Petição da ré F.AB. ZONA OESTE S/A no index 109581815 afirmando que o abastecimento na unidade do autor está regular. Petição do autor no index 110204542 afirmando que a residência permanece sem abastecimento. A ré F.AB. ZONA OESTE S/A apresenta resposta no index 113891153, e, preliminarmente, argui a sua ilegitimidade passiva ad causamalegando que a responsabilidade seria da CEDAE e DA RIO+ SANEAMENTO. No mérito, em síntese, sustenta que o fornecimento de água está em perfeito estado. Afirma que realizou vistoria no imóvel, sendo constatado que havia abastecimento vida rede. Sustenta que o autor recusou o abastecimento via carro pipa, pois a residência estava desabitada. Aduz que não houve comprovação mínima da falha na prestação do serviço, muito menos de qualquer corte na data informada na inicial. Acrescenta que é dever do autor manter reservatório de água. Defende a ausência de danos morais e materiais indenizáveis, haja vista que não foi comprovada qualquer falha no serviço público. A ré RIO+ SANEAMENTO BL 3 S.A. apresenta resposta no index 115450832, e, em síntese, sustenta a ausência de provas acerca do alegado desabastecimento. Defende a ausência de danos morais indenizáveis. Se insurge quanto a possibilidade de inversão do ônus probatório. Réplica no index 127739176. Despacho do index 136485478 para as partes se manifestarem em provas e apontarem o ponto controvertido da lide. Petição da autora no index 142619060 informando que não possui mais provas a produzir. Petição da ré F.AB. ZONA OESTE S/A no index 145326861 informando que não possui mais provas a produzir. Petição da ré RIO+ SANEAMENTO BL 3 S.A. no index 145371500 informando que não possui mais provas a produzir. Petição da parte autora no index 157688482 alegando descumprimento da tutela de urgência. Petição da ré F.AB. ZONA OESTE S/A no index 167948146 informando que não houve descumprimento da decisão e alegando ilegitimidade passiva. Petição da parte ré RIO+ SANEAMENTO BL 3 S.A no index 170465388 informando que a residência está abastecida. Decisão de index 182922735 determinando que as rés cumpram a de cisão no prazo de 24 horas, sob pena de multa diária de R$500,00 (quinhentos reais), limitada a R$5000,00. Petição da parte ré RIO+ SANEAMENTO BL 3 S.A no index 184877846 informando cumprimento da tutela por carro pipa. Petição da parte autora no index 190713167 informando que a residência segue sem abastecimento. É O RELATÓRIO. DECIDO. O processo encontra-se maduro para decisão, posto que, não há necessidade de outras provas a serem produzidas em audiência, mister, portanto, aplicar o artigo 355, I, do Código de Processo Civil, cabendo o julgamento de plano da presente. A preliminar de ilegitimidade passiva não merece acolhimento. Senão vejamos. A legitimidade das partes é matéria atinente às condições da ação, cuja análise é realizada à luz da teoria da asserção, verificando-se em abstrato a relação jurídica enunciada na causa de pedir, sem considerar qualquer juízo de valor. Cumpre observar que, o referido contrato de concessão não pode ser oponível a terceiros com o objetivo de afastar a responsabilidade por falha na prestação de serviço essencial. Sendo certo que independente da fase operacional que a ré atua, esta participa de qualquer modo da cadeia de fornecimento do serviço, atraindo para si a previsão do art. 14, caput da Lei 8.078/90. Neste sentido, segue a jurisprudência deste E. Tribunal de Justiça: “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. FORNECIMENTO DE ÁGUA E ESGOTO. CONSUMO EXCESSIVO. ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE PASSIVA. BRK AMBIENTAL - MACAÉ. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Insurgência recursal do réu em relação a sentença que julgou procedente em parte o pedido, afastando a preliminar de ilegitimidade formulada e reconhecendo a falha na prestação de serviços. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A presente hipótese consiste em analisar se a Apelante possui legitimidade para figurar no polo passivo da lide, eis que não seria a responsável pelo fornecimento de água e pelas tarifas cobradas, respondendo apenas pela gestão comercial, ou seja, emissão de faturas, cobranças e atendimento aos usuários, bem como para averiguar a existência, ou não, de falha na prestação de serviços. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O artigo 7º parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, previu o instituto da responsabilidade solidária entre todos os fornecedores de produtos e serviços que pertençam à mesma cadeia de consumo. 4. Deixou a concessionária de se desincumbir de seu ônus processual previsto no artigo 373, inciso II, do CPC. 5. Não há dúvidas acerca da falha na prestação do serviço a cargo da demandada, por ter imposto ao apelado cobrança completamente indevida e infundada, estando correta a r. sentença ao declarar a nulidade da cobrança, desconstituindo, via de consequência, a exigência de pagamento pelo consumidor da importância cobrada e determinando o refaturamento da cobrança. IV. DISPOSITIVO 6. Recurso desprovido. _______ Dispositivos relevantes citados: Súmula n° 254 do TJRJ e artigo 7º parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor . Jurisprudência relevante citada: 0002363-70.2020.8.19.0028 - Apelação - Des(a). Maria Teresa Pontes Gazineu - Julgamento: 06/04/2022 - Quinta Câmara de Direito Privado (antiga 24ª Câmara Cível).(0813376-28.2023.8.19.0028 - APELAÇÃO. Des(a). MARCOS ANDRE CHUT - Julgamento: 29/04/2025 - VIGESIMA SEGUNDA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 23ª CÂMARA CÍVEL))” Inclusive, verifica-se que a arrecadação do valor da contraprestação do serviço dá-se em conjunto, mediante emissão de único documento de cobrança, conforme se vê no documento de index 106922659 no qual consta indicação de ambas as rés, RIO + SANEAMENTO BL3 S.A e FAB ZONA OESTE S.A. Assim, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva apresentada pela ré. Trata-se de ação na qual o autor alega que o serviço de abastecimento de água não está sendo prestado de forma contínua e eficiente, vindo a suportar danos indenizáveis. Em sua defesa as rés alegam que o abastecimento de água da unidade está ativo, não fazendo jus a parte autora a qualquer tipo de indenização. A controvérsia da presente ação versa sobre a regularidade do serviço prestado pela ré e se há danos indenizáveis. A relação jurídica entre as partes é de consumo, já que estão presentes os requisitos subjetivos (consumidor e fornecedor – artigos 2º e 3º da Lei 8078/90) e objetivos (produto e serviço – §§ 1º e 2º do artigo 3º, do mesmo diploma legal) de tal relação. Nos termos do art. 37, §6º, da CF/1988, a concessionária de serviço público está submetida à responsabilidade civil objetiva, assim existindo nexo de causalidade entre a sua omissão/atitude ilícita e o dano suportado, é devida a sua reparação. Dessa forma, responde a concessionária ré, independentemente da existência de culpa, e, como prestadora de serviço, é dela o ônus da prova de que o serviço foi prestado corretamente. Dispõe ainda o artigo 14, do CDC, que: "O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos." Portanto, consagrada a responsabilidade objetiva, fundada na Teoria do Risco do Empreendimento, responde a ré independentemente da existência de culpa e somente pode ser afastada mediante comprovação da existência de uma das causas excludentes do nexo causal, o que não ocorreu no caso dos autos, sendo certo que o consumidor deve comprovar o dano sofrido. No caso dos autos, a ré argumenta que inexiste desabastecimento de água na unidade, estando o fornecimento ativo e em perfeito estado, juntando, para tanto, prints de seu sistema interno no bojo da contestação. Pontuo que oportunizado a ré a produzir outras provas, informou o seu desinteresse no index 145326861 e 145371500, por entender que as provas apresentadas na contestação são suficientes. Impende destacar que a ré não impugnou os protocolos informados pela autora na inicial, tampouco juntou aos autos as telas do seu sistema interno acerca das reclamações/solicitações dos usuários do serviço. Em se tratando de demanda de responsabilidade por fato do serviço, amparada no art. 14 do CDC a jurisprudência reconhece a inversão do ônus da prova independentemente de decisão do magistrado, não se aplicando, assim, o art. 6º, inciso VIII, do CDC: STJ - REsp nº 1306167 / RS – Relator: Min. Luis Felipe Salomão – Julgado em 03/12/2013 ) e STJ - AREsp: 2524337, Relator: Ministro Herman Benjamin, julgado em 30/04/2024. É de se observar que de acordo com o art. 22, do CDC, in verbis: “os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes e seguros e, quanto aos essenciais, contínuos”. Neste contexto, cabia a ré ter demonstrado a regular prestação do serviço ou postulado pela produção de prova hábil a comprovar suas assertivas, especialmente quanto ao fornecimento regular de água para o imóvel no período reclamado na inicial, mas não o fez. Impende destacar que a ré tem melhores condições de comprovar os fatos alegados, pois tratando-se de provas que se encontram sob o seu domínio. Por isso, caberia a ela provar, ao menos minimamente, em observância à Teoria da Carga Dinâmica da Prova, os fatos alegados. Pontuo que quanto à facilitação de defesa do consumidor em juízo (CDC, art. 6º, VIII), somente se pode rechaçar a alegação de defeito na prestação do serviço quando demasiadamente genérica, ou quando não estiver ao alcance da ré a contraprova. Tal, porém, não é o caso dos autos. No caso, apesar de possivelmente existir abastecimento em rede, discute-se se existe pressão suficiente para que a residência da parte autora seja abastecida de forma eficiente. Inobstante as informações de index 113891154 (pag. 5), no index 110211565 (pag. 04) o autor anexo vistoria realizada pela ré em 02/04/2024 em que o técnico preposto da ré afirma “o mesmo está com abastecimento via rede, porém com zero MCA”. Além do mais, o autor anexou nos index 110303839 imagens demonstrando a ausência de água na sua residência. Entretanto, as rés não impugnaram especificamente a referida prova, assim como deixaram de requerer prova pericial indispensável para aferição da pressão que resolveria a questão acerca da existência ou não de abastecimento de água na residência. Ademais, não restou comprovada hipótese de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros a fim de afastar o dever de indenizar da ré. Assim, se torna verossímil a narrativa autoral, em razão de a ré não ter comprovado fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da autora, na forma do art.373, II, do CPC. Neste sentido: “APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ÁGUA. SERVIÇO ESSENCIAL. INTERRUPÇÃO. DEMORA NO RESTABELECIMENTO. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. DANO MORAL CONFIGURADO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA QUE SE AFASTA. REQUERIMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS EM RAZÃO DA INTERRUPÇÃO DO SERVIÇO DE FORNECIMENTO DE ÁGUA CONDOMÍNIO EM QUE RESIDE O AUTOR. LEGITIMIDADE DO AUTOR PARA, DE FORMA INDIVIDUAL, POSTULAR REPARAÇÃO POR DANO MORAL PELA FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. CINGE-SE A CONTROVÉRSIA DOS AUTOS EM VERIFICAR SE PODE OU NÃO SER A CONCESSIONARIA SER RESPONSABILIZADA PELO DESABASTECIMENTO DO SERVIÇO DE ÁGUA NA RESIDÊNCIA DO APELADO. CUIDA-SE DE MATÉRIA AFETA AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR POR FORÇA DO ART. 22. A RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR É OBJETIVA, FUNDADA NA TEORIA DO RISCO DO EMPREENDIMENTO, NOS TERMOS DO ART. 14 DO CDC. DO ACERVO PROBATÓRIO ACOSTADO AOS AUTOS PERCEBE-SE QUE O DESABASTECIMENTO DO SERVIÇO RESTOU COMPROVADO E QUE, DIFERENTE O ALEGADO PELO RECORRENTE, NÃO FOI BREVE, MAS DUROU CERCA DE TRINTA DIAS. IMPERATIVO SE RECONHECER QUE RESTOU CONFIGURADA A FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. DANO MORAL CONFIGURADO. VERBA INDENIZATÓRIA FIXADA EM R$ 6.000,00 QUE NÃO MERECE REPARO, ENCONTRANDO-SE EM CONSONÂNCIA COM OUTROS CASOS ANÁLOGOS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.” (TJRJ - 0838160-53.2023.8.19.0001 – APELAÇÃO - DES(A). HELDA LIMA MEIRELES - JULGAMENTO: 27/05/2024 - SEGUNDA CAMARA DE DIREITO PRIVADO - ANTIGA 3ª CÂMARA CÍVEL) “APELAÇÃO CÍVEL. OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZATÓRIA. FORNECIMENTO DE ÁGUA - SAAE/VR. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO POR DUAS SEMANAS NO MÊS DE JANEIRO DE 2017, MANTENDO-SE INTERMITENTE AINDA NOS MESES DE FEVEREIRO E JUNHO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. ALEGAÇÕES DE 'ROMPIMENTO NA REDE' QUE NÃO TÊM O CONDÃO DE AFASTAR A RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR. RISCO DA ATIVIDADE. DEVER DO RÉU EM ADOTAR PROVIDÊNCIAS EFICAZES PARA FAZER CHEGAR AOS CONSUMIDORES SERVIÇO ESSENCIAL. DESPROVIMENTO DO RECURSO. MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA.” (TJR - 0022254-65.2017.8.19.0066 – APELAÇÃO - DES(A). CARLOS AZEREDO DE ARAÚJO - JULGAMENTO: 06/07/2023 - DECIMA QUARTA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 9ª CÂMARA CÍVEL) “APELAÇÃO CIVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ÁGUAS DO RIO. FORNECIMENTO INTERMITENTE. CONCESSIONÁRIA QUE AFIRMA QUE A REGIÃO É ABASTECIDA DE FORMA INTERMITENTE, RECOMENDANDO O ARMAZENAMENTO DE ÁGUA EM CISTERNAS OU RESERVATÓRIOS. AUTORA ALEGA QUE FICOU 10 (DEZ) DIAS SEM O FORNECIMENTO DE ÁGUA. JUNTADA DE PROTOCOLOS DE ATENDIMENTO E DAS CONTAS ADIMPLIDAS. SERVIÇO ESSENCIAL. VISITA TÉCNICA QUE CONSTATOU A INEXISTÊNCIA DE DESABASTECIMENTO, ENTRETANTO FORNECEU CARRO PIPA NA TENTATIVA DE ENCHER O RESERVATÓRIO DA UNIDADE. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DEVER DE INDENIZAR PELOS DANOS MORAIS. APLICAÇÃO DO ENUNCIADO DA SÚMULA 192/TJRJ. VERBA COMPENSATÓRIA QUE MERECE AJUSTE, PASSANDO-A PARA O MONTANTE DE R$3.500,00 (TRÊS MIL E QUINHENTOS REAIS). PROVIMENTO PARCIAL DO APELO.” (TJRJ - 0019272-06.2022.8.19.0001 – APELAÇÃO - DES(A). SERGIO RICARDO DE ARRUDA FERNANDES - JULGAMENTO: 16/03/2023 - DECIMA CAMARA DE DIREITO PRIVADO - ANTIGA 1ª CÂMARA CÍVEL) Desta feita, considerando que o autor ficou privado do serviço essencial por culpa da ré, há no presente caso evidente falha da prestação do serviço, não sendo devido pelo autor as faturas posteriores a janeiro/2024 até o cumprimento efetivo da tutela de urgência, visto que no período a que elas se referem o serviço não foi efetivamente prestado em razão da falha da própria concessionária. Neste sentido: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO INDENIZATÓRIA C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER. SERVIÇO DE ÁGUA. HIDRÔMETRO LACRADO NO IMÓVEL. ALEGAÇÃO DE COBRANÇAS SEM A PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. NEGATIVAÇÃO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DA CONCESSIONÁRIA. RÉ QUE AFIRMA A CORRETA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO, CUJA COBRANÇA É REALIZADA PELA TARIFA MÍNIMA. SUSTENTA A NÃO COMPROVAÇÃO DA NEGATIVAÇÃO. EMPRESA QUE NÃO COMPROVOU QUE O SERVIÇO É PRESTADO DE FORMA EFICIENTE, INCLUSIVE, NÃO APRESENTOU PERÍCIA PARA INFORMAR SE O HIDRÔMETRO FUNCIONA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DANO MORAL CONFIGURADO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO DO RECURSO. (0805083-21.2022.8.19.0023 - APELAÇÃO. Des(a). FABIO DUTRA - Julgamento: 28/11/2024 - DECIMA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 1ª CÂMARA CÍVEL)). APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZATÓRIA. NEGATIVAÇÃO INDEVIDA DO NOME DA EMPRESA AUTORA. SERVIÇO DE FORNECIMENTO DE ÁGUAS E ESGOTOS. HIDRÔMETRO LACRADO. COBRANÇA INDEVIDA. AUTOR QUE COMPROVOU MINIMAMENTE SUAS ALEGAÇÕES, NOS TERMOS DO ARTIGO 373, I DO CPC. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. INEXISTÊNCIA DE EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE. TEORIA DO RISCO DO EMPREENDIMENTO. DEVER DE INDENIZAR CARACTERIZADO. VALOR DA INDENIZAÇÃO QUE MERECE REDUÇÃO. PEQUENO REPARO NA SENTENÇA. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO. (0831436-33.2023.8.19.0001 - APELAÇÃO. Des(a). CESAR FELIPE CURY - Julgamento: 30/11/2023 - VIGESIMA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 11ª CÂMARA). No que diz respeito aos danos morais, entendo serem devidos. Os dissabores experimentados pela autora ultrapassaram a esfera do mero aborrecimento, inclusive por ter o autor comprovado que um dos moradores da residência é uma criança que na data do corte do fornecimento possuía menos de um ano de vida (106922670), e por ter ficado com o abastecimento de água irregular desde 11/01/2024, considerando que o serviço é essencial à vida em sociedade, principalmente para cuidados de uma criança, sendo que até o momento há controvérsia acerca do cumprimento da tutela de urgência que determinou o reabastecimento. Vale salientar que a simples intermitência do abastecimento não se traduz em falha na prestação do serviço, porém, no caso sub judice, o autor alega ter ficado sem o fornecimento de água regular por vários dias, sem justificativa plausível apresentada nos autos e com suas faturas de consumo quitadas, restando demonstrado que houve um lapso temporal qualificado. Logo, inaplicável ao caso o Verbete Sumular n.º 193 do TJRJ. Todavia, aplicável ao caso o Verbete Sumular n.º 192 do TJRJ, in verbis: “A indevida interrupção na prestação de serviços essenciais de água, energia elétrica, telefone e gás configura dano moral.” A ré na qualidade de concessionária que presta serviço público de extrema relevância, deve sempre buscar o aperfeiçoamento em sua prestação, sendo certo que deve prestar seus serviços de forma adequada, eficiente, segura e de forma contínua, por se tratar de serviço essencial, conforme previsto no art. 22 do Código de Defesa do Consumidor. Nos casos de descumprimento, total ou parcial das suas obrigações, são compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, consoante o parágrafo único do referido artigo. Assim, presentes os elementos indispensáveis à responsabilidade, patente o dever de indenizar a autora pelos danos morais perpetrados. Com efeito, não resta dúvida o seu cabimento, em razão da intranquilidade, do constrangimento, da aflição e da angústia vividos pela autor por ter ficado vários dias sem o fornecimento de água, sem justificativa plausível, e com suas faturas de consumo quitadas. O dano moral não existe somente na lesão à imagem, mas também quando se viola a privacidade, a intimidade e o sentimento de tranquilidade. Neste sentido: “APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA C/C TUTELA DE URGÊNCIA. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO ESSENCIAL. ÁGUA E ESGOTO. RELAÇÃO DE CONSUMO. VERBETE Nº 254 DA SÚMULA DESTE TRIBUNAL ESTADUAL. EXORDIAL QUE NARRA DESABASTECIMENTO POR PELO MENOS 16 (DEZESSEIS) DIAS EM DEZEMBRO DE 2018, BEM COMO NOVO DESABASTECIMENTO DE MEADOS DE JANEIRO, QUE PERDUROU PELO MENOS ATÉ A DATA DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO. DECISÃO EM TUTELA DE URGÊNCIA QUE DETERMINOU O RESTABELECIMENTO DO FORNECIMENTO DE ÁGUA NO PRAZO DE 24 HORAS, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA DE R$ 200,00 (DUZENTOS REAIS), LIMITADA A R$ 2.000,00 (DOIS MIL REAIS). SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA, "PARA CONDENAR AS RÉS, SOLIDARIAMENTE, NO PAGAMENTO DE R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS) A TÍTULO DE DANO MORAL, CORRIGIDO PELOS ÍNDICES DO TJ-RJ DO ARBITRAMENTO E ACRESCIDO DE JUROS DE 1% AO MÊS, A PARTIR DA CITAÇÃO", CONDENANDO-AS AINDA "NA REGULARIZAÇÃO DO SISTEMA DE ÁGUA E ESGOTO DA RESIDÊNCIA DOS AUTORES EM ATÉ 90 DIAS, COM APRESENTAÇÃO NOS AUTOS DE PLANO DE OBRAS E PREVISÃO DE TÉRMINO, JUSTIFICADO, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA DE R$ 200,00, COM O TETO FIXADO EM R$ 10.000,00, A PRINCÍPIO, SEM PREJUÍZO DA MULTA FIXADA EM TUTELA E DE NOVA ANÁLISE DA AQUI FIXADA". IRRESIGNAÇÃO EXCLUSIVA DA 1ª RÉ, AFIRMANDO A REGULARIDADE DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO E A NÃO CONFIGURAÇÃO DE DANO MORAL. PERÍCIA JUDICIAL CONCLUSIVA, REALIZADA EM 2022, QUE CONSTATOU QUE NÃO OCORRIA ABASTECIMENTO DE ÁGUA, SENDO NECESSÁRIA A "IMPLANTAÇÃO DE BOMBAS DE RECALQUE OU NOVA REDE" PARA A REGULARIZAÇÃO DO FORNECIMENTO. AUSÊNCIA ABSOLUTA DE PROVA DA REGULARIDADE DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. REQUERIDAS QUE NÃO SE DESINCUMBIRAM DO ÔNUS DE DEMONSTRAR A EXISTÊNCIA DE FATO IMPEDITIVO, MODIFICATIVO OU EXTINTIVO DO DIREITO DOS AUTORES, NOS TERMOS DO ART. 373, II, DO CPC, OU DE EXCLUDENTE DE SUA RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANO MORAL IN RE IPSA, ANTE A AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO ESSENCIAL POR LONGO PERÍODO. CRITÉRIO BIFÁSICO PARA A QUANTIFICAÇÃO DO DANO MORAL. VERBA INDENIZATÓRIA EXTRAPATRIMONIAL ARBITRADA EM SENTENÇA EM OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. PRECEDENTES. POSTULANTES CASADOS, EQUIVALENDO A CIFRA ALCANÇADA A R$ 5.000,00 (CINCO MIL REAIS) PARA CADA UM. INCIDÊNCIA DO VERBETE Nº 343 DA SÚMULA DESTA CORTE ESTADUAL, ("[A] VERBA INDENIZATÓRIA DO DANO MORAL SOMENTE SERÁ MODIFICADA SE NÃO ATENDIDOS PELA SENTENÇA OS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE NA FIXAÇÃO DO VALOR DA CONDENAÇÃO"). MANUTENÇÃO INTEGRAL DO DECISIUM APELADO. CABIMENTO DE HONORÁRIOS RECURSAIS, EX VI DO ART. 85, §11, DO CPC. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO APELO.” (TJRJ - 0003196-76.2019.8.19.0205 – APELAÇÃO DES(A). RENATA SILVARES FRANÇA FADEL - JULGAMENTO: 26/10/2023 - DECIMA SEGUNDA CAMARA DE DIREITO PRIVADO). “ACORDÃO APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. ÁGUAS DO RIO 1 SPE S.A. MUNICIPIO DE DUAS BARRAS. DESABASTECIMENTO DE ÁGUA. REPARO EMERGÊNCIA NA REDE DE ABASTECIMENTO. INÍCIO DA INTERRUPÇÃO DO SERVIÇO ESSENCIAL, QUE SE DEU EM 22/11/2021 E PERDUROU POR MAIS DE SETE DIAS. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DANO MORAL DEVIDAMENTE RECONHECIDO. 1- RELAÇÃO DE CONSUMO, OCUPANDO A PARTE AUTORA A POSIÇÃO DE CONSUMIDOR, DESTINATÁRIO FINAL DO SERVIÇO DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA E A RÉ, A POSIÇÃO DE FORNECEDORA DESTE SERVIÇO, CONFIGURANDO A HIPÓTESE DO ART. 3º, § 2º DO CDC. 2- A RESPONSABILIDADE É OBJETIVA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO, À LUZ DO ART. 14 DO CDC, PODENDO SER AFASTADA PELA CULPA EXCLUSIVA DO CONSUMIDOR, DE TERCEIRO OU FORTUITO EXTERNO. 3- AUTOR, DESDE O DIA 22/11/2021, ESTÁ SEM A PRESTAÇÃO DO SERVIÇO ESSENCIAL DE ÁGUA, EM RAZÃO DE OBRAS DE MANUTENÇÃO NA REDE DE DISTRIBUIÇÃO, TENDO A FALTA DE SERVIÇO ESSENCIAL PERDURADO POR VÁRIOS DIAS. 4- SENTENÇA QUE ACERTADAMENTE RECONHECEU A FALHA NO SERVIÇO PRESTADO E CONDENOU A RÉ AO PAGAMENTO DA QUANTIA DE R$ 2.000,00 (DOIS MIL REAIS) A TÍTULO DE INDENIZAÇÃO PELOS DANOS. 5- RECURSO QUE VISA MAJORAÇÃO DO VALOR DO DANO MORAL E HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. 6- A JURISPRUDÊNCIA DESTE TRIBUNAL TEM ASSENTADO O ENTENDIMENTO DE QUE AO JUIZ COMPETE ESTIMAR O VALOR DA INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL, ADOTANDO OS CRITÉRIOS DA PRUDÊNCIA E DO BOM SENSU, LEVANDO-SE EM CONSIDERAÇÃO QUE O QUANTUM ARBITRADO REPRESENTA UM VALOR SIMBÓLICO. 7- APESAR DE SER POSSÍVEL A INTERRUPÇÃO DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PARA A REALIZAÇÃO DE REPAROS NA REDE DE DISTRIBUIÇÃO, CONFORME DISPÕE O ARTIGO 40, INCISO, II, DA LEI Nº 11.445/2007, QUE ESTABELECE AS DIRETRIZES NACIONAIS PARA O SANEAMENTO BÁSICO. TODAVIA, A SITUAÇÃO ULTRAPASSOU OS LIMITES DO ACEITÁVEL, NA MEDIDA EM QUE, ALÉM DE NÃO RESPEITAR OS PRAZOS PARA REGULARIZAR O FORNECIMENTO DO SERVIÇO, NÃO HÁ COMPROVAÇÃO INEQUÍVOCA DE ADOÇÃO DE MEDIDAS PARA MINORAR OS PREJUÍZOS SUPORTADOS PELO AUTOR, QUE FICOU SEM O ABASTECIMENTO DE ÁGUA POR LONGOS PERÍODOS. 8- A ÁGUA CARACTERIZA-SE COMO SERVIÇO ESSENCIAL QUE DISPENSA MAIORES DILAÇÕES SOBRE OS DANOS GERADOS COM A SUA INTERRUPÇÃO, POR CRIAR RISCOS À SAÚDE, TRANSTORNOS E ABORRECIMENTOS, SENDO CERTO QUE A PARTE AUTORA FICOU PRIVADA DO SERVIÇO PÚBLICO POR MAIS DE UMA SEMANA, EM RAZÃO DE DESABASTECIMENTO, ELEMENTO QUE REVELA O CABIMENTO DE UMA INDENIZAÇÃO MAIS EXPRESSIVA. 9- QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO EM R$2.000,00 (DOIS MIL REAIS) FICOU UM POUCO TÍMIDO, MERECENDO SER DE FATO MAJORADO PARA A QUANTIA DE R$5.000,00 (CINCO MIL REAIS) QUE MELHOR ATENDE AO ASPECTO PUNITIVO EDUCATIVO DA INDENIZAÇÃO, ALÉM DE ESTAR DE ACORDO COM O ENTENDIMENTO FIXADO POR ESTA CORTE EM CASOS SEMELHANTES. 10- HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA MAJORADOS PARA O PERCENTUAL DE 15% (QUINZE POR CENTO), CONSIDERANDO O ESFORÇO DO PATRONO QUE ELABOROU A INICIAL, RÉPLICA, MANIFESTOU-SE EM PROVAS, PARTICIPOU DA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO, ELABOROU O RECURSO DE APELAÇÃO E CONSIDERANDO AINDA QUE O VALOR DA CONDENAÇÃO NÃO É TÃO EXPRESSIVO ASSIM. 11- PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO.” (TJRJ - 0001308-74.2021.8.19.0020 – APELAÇÃO - DES(A). TERESA DE ANDRADE CASTRO NEVES - JULGAMENTO: 19/10/2023 - DECIMA TERCEIRA CAMARA DE DIREITO PRIVADO - ANTIGA 22ª CÂMARA CÍVEL). Ressalte-se, ainda, que a compensação por danos morais, em uma sociedade de consumo de massa, há de ser considerada não só sob um aspecto meramente ressarcitório, mas também sob o ângulo preventivo-pedagógico, visando chamar a atenção para que os fatos lesivos não tornem a ocorrer. Portanto, consolidada a ocorrência dos danos morais, passa-se à sua quantificação. No que concerne ao arbitramento do dano moral, com o objetivo de fixar um valor que seja suficiente para reparar o dano de forma mais completa possível, sem importar em enriquecimento sem causa por parte do ofendido, deve o quantum debeaturser fixado de forma proporcional, moderada, razoável, compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado, a capacidade econômica do causador do dano e as condições sociais, dentre outras circunstâncias relevantes. Logo, ainda que se possa deduzir o quantum do dano moral utilizando-se de critérios objetivos oriundos dos próprios casos concretos, não são raras as situações em que a reparabilidade do dano moral coloca o julgador em uma "zona cinzenta", na qual a presença de critérios objetivos é insuficiente ou nula para o estabelecimento justo do dano moral. Esta "zona cinzenta", por sua vez, enseja, necessariamente, ao magistrado, a utilização de sua discricionariedade, fundada em conceitos de equidade, bem comum e garantia da ordem pública como um todo. O ordenamento jurídico confere essa capacidade ao julgador. Com efeito, é o que versa o artigo 5° da Lei de Introdução ao Código Civil, segundo o qual o juiz, atenderá aos fins sociais a que a lei se dirige, e às exigências do bem comum. Assim, a quantificação do dano moral, alicerçada em critérios objetivos é limitada a cada caso apresentado ao magistrado. Na medida em que estes critérios objetivos se vão diminuindo, aprofunda-se a necessidade do uso da discricionariedade do julgador que, não podendo fugir à prestação do ofício jurisdicional, tampouco pode conferir à parte uma possibilidade de locupletar-se. Todavia, o critério subjetivo, não pode ser marginalizado, mesmo diante de sua enorme dificuldade de averiguação. Inclusive, porque nada obsta à ocorrência da conjugação de ambos os critérios, subjetivo e objetivo, temperando-se, assim, o dano moral. É certo que ocorrendo tal hipótese, a percepção do quantum seria tarefa de menor complexidade discricionária ao magistrado, que teria em mãos dois parâmetros e não apenas um, para qualificar e quantificar sua incidência. Logo, é a conjugação desses critérios subjetivos e objetivos que resulta em pertinente quantificação do quantum condizente com os princípios sociais da lei e do bem comum. Fixo o montante indenizatório em R$5.000,00 (cinco mil reais), em observância ao princípio da razoabilidade e atendendo à extensão dos danos sofridos pela autora. No que diz respeito ao pedido de danos materiais (lucros cessantes) no valor de R$550,00 (quinhentos e cinquenta reais) por mês em razão de contrato de locação em outro imóvel, entendo não serem devidos, por falta de comprovação do nexo causal. Apesar de destacar que o imóvel locado é próximo de sua residência, no contrato de index 106922680 é possível observar que o objeto da locação fica em bairro diverso daquele onde o autor residia primeiramente, não sendo possível presumir que o autor se mudou para outro bairro em razão dos fatos. Além disso, o autor anexa contrato de locação, mas deixa de apresentar recibos de pagamento e comprovantes de residências denotando a efetiva mudança. O dano material ou patrimonial constitui um prejuízo, uma perda que atinge o patrimônio corpóreo de uma pessoa natural, pessoa jurídica ou ente despersonalizado. Conforme entendimento jurisprudencial majoritário, não cabe reparação de dano hipotético ou eventual, sendo necessária a prova da ocorrência do prejuízo patrimonial. Neste sentido: “APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO INDENIZATÓRIA - ACIDENTE DE TRÂNSITO - COLISÃO ENTRE O VEÍCULO DE TRANSPORTE COLETIVO DO AUTOR E CARRETA DA RÉ - SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA - IRRESIGNAÇÃO DO AUTOR - RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL SUBJETIVA NOS TERMOS DO ART. 927, CAPUT C/C ART. 186 DO CÓDIGO CIVIL - A RESPONSABILIDADE SUBJETIVA CONSISTE NO DEVER IMPOSTO A ALGUÉM DE INDENIZAR OUTREM, POR TER AGIDO, O PRIMEIRO, DE MODO A CONFRONTAR O ORDENAMENTO JURÍDICO - RESPONSABILIDADE CONFIGURADA E NÃO QUESTIONADA, TENDO O AUTOR RECORRIDO APENAS NO TOCANTE A PARTE DO PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL - PRETENSÃO AUTORAL DE PERCEBER OS VALORES CORRESPONDENTES ÀS EVENTUAIS INDENIZAÇÕES PAGAS AOS PASSAGEIROS DO COLETIVO - DANO MATERIAL QUE CONSISTE EM REPARAÇÃO DO PATRIMÔNIO DA VÍTIMA, O QUAL DEVE SER CERTO - EVENTUAIS INDENIZAÇÕES DEVIDAS AOS PASSAGEIROS DO COLETIVO QUE, MESMO SENDO OBJETIVA A RESPONSABILIDADE, AINDA NÃO FORAM DETERMINADAS, CONSISTINDO EM IMPORTES EVENTUAIS E FUTUROS - DANO HIPOTÉTICO, CUJA INDENIZAÇÃO É VEDADA - SENTENÇA QUE SE MANTÉM ANTE A IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DE TAL PLEITO NESTES AUTOS - NEGA-SE PROVIMENTO AO RECURSO. (TJRJ - 0009063-04.2015.8.19.0007 – APELAÇÃO - Des(a). MARCELO LIMA BUHATEM - VIGÉSIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL - JULGAMENTO: 06/05/2021)” Portanto, não há como presumir o dano material, ainda que provável o prejuízo, cabia ao autor comprovar suas alegações de forma inconteste, na forma do art.373, I, do CPC, mas não é isto que se observar nos autos. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES EM PARTE OS PEDIDOSpara confirmar a tutela deferida e condenar as rés que se abstenham de cobrar qualquer valor enquanto o serviço não for restabelecido, sob pena de multa a ser fixada e aplicada em fase de cumprimento de sentença; condeno as rés ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais), corrigido a partir da sentença, em respeito às Súmulas 97 do TJRJ e 362 do STJ, acrescido de juros moratórios a partir da citação. Juros moratórios e correção monetária na forma da Lei nº 14.905/2024, a saber: correção monetária pelo IPCA e juros moratórios pela taxa SELIC; e JULGO IMPROCEDENTE o pedido de indenização por danos materiais. Condeno o autor em 30% (trinta por cento) das custas judiciais, taxa judiciária e honorários advocatícios que fixo em 10% (dez por cento) do pedido indenizatório. Condenação esta sobrestada por se tratar de beneficiário da justiça gratuita que ora defiro, conforme mandamento legal do §3º do art. 98 do CPC. Condeno a ré em 70% (setenta por cento) das custas judiciais, taxa judiciária e honorários advocatícios que fixo em 10% (dez por cento) do valor da condenação. P. I. , 26 de junho de 2025. VANIA MARA NASCIMENTO GONCALVES Juiz Titular

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Paula Costa Pagano x Sul America Companhia De Seguro Saude

ID: 305576783

Tribunal: TJRJ Órgão: 3ª Vara Cível da Comarca da Capital Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 0923326-53.2023.8.19.0001

Data de Disponibilização: 24/06/2025

Polo Ativo:

PAULA COSTA PAGANO

Polo Passivo:

SUL AMERICA COMPANHIA DE SEGURO SAUDE

Sentença

Advogados:

DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA

OAB/RJ XXXXXX Desbloquear

PEDRO PAGANO BLINDER

OAB/RJ XXXXXX Desbloquear

Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Comarca da Capital 3ª Vara Cível da Comarca da Capital Palácio da Justiça, Avenida Erasmo Braga 115, Centro, RIO DE JANEIRO - RJ - CEP: SENTENÇA Processo:… Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Comarca da Capital 3ª Vara Cível da Comarca da Capital Palácio da Justiça, Avenida Erasmo Braga 115, Centro, RIO DE JANEIRO - RJ - CEP: SENTENÇA Processo: 0923326-53.2023.8.19.0001 Classe: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) AUTOR: PAULA COSTA PAGANO RÉU: SUL AMERICA COMPANHIA DE SEGURO SAUDE Relata a autora que "é titular de plano de saúde coletivo empresarial junto a empresa ré, denominado plano Especial 100, tendo como código de identificação o nº 88888 4762 2769 0010, conforme carteira do plano em anexo. Conforme se constata do laudo médico e exame de ressonância magnética, a Autora apresenta quadro de artrodese lombar L5-S1 prévia, lombociatalgia bilateral de FORTE INTENSIDADE, associada a limitação funcional das atividades diárias e ao sono, bem como após tratamento de fisioterapia e medicamentos o quadro permaneceu inalterado. O único tratamento recomendado para a melhora da doença é a cirurgia, devidamente solicitada por seu médico (CREDENCIADO À RÉ) ao plano de saúde. Tal procedimento se revela essencial para recuperação da paciente e retorno as suas atividades básicas." Narra que "A solicitação de autorização de internação foi feita ao réu no dia 31/07/2023, pelo médico da autora (que, frise-se, faz parte da rede credenciada do plano de saúde), para realização da cirurgia no hospital Badim. Após dar entrada no pedido de cirurgia, a Ré simplesmente negou a sua realização e os materiais solicitados, informando que uma junta médica não detectou a necessidade do procedimento, não dando credibilidade à solicitação de seu médico, ignorando seu currículo profissional." Frisa que" Verifica-se que a operadora do plano de saúde, ardilosamente, colocou no status da solicitação como autorizado parcialmente, porém fica claro ao analisar o documento abaixo que apenas as solicitações de código 40814092, foi autorizada a quantidade de 1, quando foram solicitados 2, e o código 40811026, que não necessita de autorização prévia." Pondera que "Deste modo, diante da recusa da autorização por junta médica de mais de 90% das solicitações para a realização do procedimento, fica claro a sua total inviabilidade de execução, sendo necessário a autorização total do procedimento para que possa atingir o objetivo do tratamento indicado pelo médico da autora. Inconformada com tamanho desprezo da Ré, a Autora, ainda, tentou uma reavaliação de seu caso na Ouvidoria, o que também foi negado, protocolo sob o n° 00624620230828057440. Bem como realizou reclamação junto a ANS, protocolo sob o n° 8918378, onde o réu manteve a sua decisão de negar o procedimento e os materiais solicitados. " Ressalta que " tal decisão da Ré contraria a previsão da Súmula 211 do TJRJ onde prevê que havendo divergência quanto a técnica e o material, A ESCOLHA CABE EXCLUSIVAMENTE AO MÉDICO DA AUTORA." Argumenta que "Obviamente que nenhuma pessoa gostaria de passar por um procedimento cirúrgico na coluna, a não ser por extrema necessidade. A Autora está privada de trabalhar devido as fortes dores e a dificuldade de locomoção, vivendo a base de remédios opioides controlados para dor forte, conforme receituário em anexo." Pondera que "Excelência, através de uma breve pesquisa na internet, conclui-se que a situação da autora envolve EXTREMA DOR, haja vista que se médico vem administrando fármacos OPIÓIDES derivados da MORFINA, como é o caso do princípio ativo, CODEÍNA, que inclusive é encontrado na PAPOULA DO ÓPIO" Requer a) A intimação do Réu para, querendo, apresente sua contestação; b) A concessão da gratuidade de justiça ao Autor; c) A concessão da TUTELA DE URGÊNCIA, a fim de que a Ré seja compelida ao cumprimento da obrigação a autorizar e custear a cirurgia da Autora no Hospital Badim, assim como todo e qualquer exame e/ou tratamento que a autora venha a necessitar, conforme pedido médico, no prazo de 24 horas, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00, e ao final, a confirmação da tutela concedida, tornando-a definitiva; d) Seja o Réu condenado a indenizar o Autor pelo dano moral sofrido no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), tendo em vista a falha na prestação do serviço com a negativa de autorização para cirurgia, e com a aplicação da teoria do desvio produtivo diante da perda do tempo útil; e) A inversão do ônus da prova na forma do Artigo 6º, inciso VIII da Lei nº 8.078/90, ante a verossimilhança das alegações e a condição de desvantagem do consumidor em razão da sua hipossuficiência econômica, jurídica e técnica; f) O pagamento das custas e honorários advocatícios, nos termos do artigo 85, parágrafos 1.º e 2.º, do Código de Processo Civil No index 77315117 deferiu-se tutela de urgência nos seguintes termos: Anexos à exordial consta laudo médico no index 77290685 atestando que o autor é portador de artrodese lombar com quadro de lombociatalgia bilateral de forte intensidade e a necessidade da cirurgia e dos respectivos materiais. No index 77290694 consta reclamação administrativa pelo autor junto à ANS. O nó górdio quanto à concessão da antecipação de tutela refere-se á negativa da ré em autorizar a realização da cirurgia, com o fornecimento dos referidos dispositivos. Presentes os requisitos legais, nesta cognitio sumaria, para a concessão da tutela de urgência. A plausibilidade decorre da recusa parcial em sede administrativa conforme index 77290690, inclusive, sem as devidas justificativas. O periculum in mora é evidente, visto que o autor não pode aguardar pela entrega da prestação jurisdicional, mormente dada a a gravidade do seu estado de saúde, consoante atesta o laudo médico. Inocorrente, no caso, o periculum in mora inverso, diante da ponderação dos valores em conflito, sobrepondo-se o bem jurídico vida e saúde em contrapartida à eventual ônus financeiro da ré. Aliás, neste sentido vem se manifestando a jurisprudência dos Tribunais, não podendo a empresa seguradora eximir-se de fornecer o tratamento necessário ao segurado, consoante ementa abaixo transcrita: 0094231-82.2021.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO Des(a). CAMILO RIBEIRO RULIERE - Julgamento: 06/10/2022 - PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL Agravo de Instrumento - Decisão agravada que deferiu a tutela de urgência para determinar à empresa recorrente que autorize a internação da parte autora, sob pena de multa horária. Recusa da empresa ré em proceder à internação fundada no não cumprimento do prazo de carência estabelecido no contrato celebrado entre as partes. Agravada que necessita de internação hospitalar para iniciar antibioticoterapia venosa em caráter de urgência, conforme expressamente afirmado no laudo médico juntado aos autos. A negativa de autorização do plano de saúde afronta os artigos 12, inciso V, alínea "c" e 35-C da Lei 9.656/98, que dispõem ser obrigatória a cobertura, decorridas 24 horas, no caso de emergência que implicar risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente. Recorrente que questiona ainda o valor das astreintes. Valor que deve ser reduzido para R$ 2.000,00 por dia, por ser mais razoável e proporcional na hipótese. Provimento parcial do Agravo de Instrumento Ademais, a cláusula contratual que veda o fornecimento de próteses/órteses, nos casos em que tais materiais são indispensáveis ao à própria cirurgia, afigura-se nula não apenas em razão da Lei 9656/98, mas, também, em decorrência das normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor, conforme o entendimento já consagrado neste Tribunal de Justiça em sua súmula nº 112. Ainda sobre o tema, transcrevem-se as seguintes ementas, às quais se reporta: 0000379-25.2007.8.19.0087 - APELAÇÃO Des(a). PEDRO SARAIVA DE ANDRADE LEMOS - Julgamento: 09/09/2022 - DÉCIMA CÂMARA CÍVEL APELAÇÃO CÍVEL. Ação indenizatória. Plano de saúde. Recusa em autorizar cirurgia e o material cirúrgico necessário para retirada de um tumor. Relação de Consumo. Aplicação do CDC. Responsabilidade Objetiva. Teor do art. 14 da Lei 8.078/90. Abusividade da cláusula contratual limitativa. Súmula 112 TJ/RJ. Teor das Súmulas 209, 211, 339 e 340 todas deste TJRJ. Dano moral configurado. Quantum indenizatório de R$ 10.000,00, fixado de forma justa e adequada, e obedece aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como se amolda à jurisprudência desta Corte à casos semelhantes. Procedência dos pedidos obrigacional e indenizatório. Retificação da sentença de ofício com relação aos ônus sucumbenciais, diante da sucumbência da parte ré, por se tratar de matéria de ordem pública, não sendo a hipótese de sucumbência recíproca. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO da parte ré, nos termos do art. 932, IV, ¿a¿, do CPC, retificando a sentença de ofício apenas para condenar a demandada nos ônus sucumbenciais, fixando-se os honorários advocatícios em 12% do valor da condenação. 0302871-29.2017.8.19.0001 - APELAÇÃO Des(a). NORMA SUELY FONSECA QUINTES - Julgamento: 04/02/2021 - OITAVA CÂMARA CÍVEL APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. RECUSA DE REEMBOLSO DO VALOR DE LENTES INTRAOCULARES USADAS EM CIRURGIA DE FACECTOMIA. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. RECURSO DO AUTOR PRETENDENDO O RECEBIMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E DO RÉU POSTULANDO A IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA DE NÃO FORNECIMENTO DO MATERIAL SOLICITADO. INTERPRETAÇÃO DE MANEIRA FAVORÁVEL AO CONSUMIDOR QUE SE IMPÕE. SÚMULA 112, DO TJRJ. REEMBOLSO DEVIDO. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. DANO MORAL CONFIGURADO. PROVIMENTO DO PRIMEIRO RECURSO (AUTOR) E DESPROVIMENTO DO SEGUNDO (RÉU) Ainda sobre o procedimento objeto da lide transcrevem-se as seguintes ementas, às quais se reporta: 0050336-88.2020.8.19.0038 - APELAÇÃO Des(a). MARIA INÊS DA PENHA GASPAR - Julgamento: 13/09/2023 - DECIMA QUINTA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 20 ¿APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. PLANO DE SÁUDE. Versa a hipótese ação de cumprimento de obrigação de fazer c/c indenizatória em que pretende a autora a condenação do plano de saúde réu a autorizar e se responsabilizar por todos os gastos decorrentes de cirurgia de coluna, prescrita por seu médico assistente, além da reparação dos danos morais que alega experimentados em razão da negativa de autorização. Sentença de procedência parcial. Parte autora usuária do plano de saúde réu, diagnosticada com discopatia degenerativa, com hérnia de disco lombar e dor intratável, com prescrição de procedimento cirúrgico. Com efeito, os planos de saúde apenas podem estabelecer para quais doenças oferecerão cobertura, não lhes cabendo limitar o tipo de tratamento que será prescrito, incumbência que pertence ao médico que assiste o paciente. Súmulas 211 e 340 desta E. Corte. Na espécie, a prova carreada aos autos demonstra a necessidade da cirurgia, em caráter de urgência e a resistência da ré em autorizá-la, pelo que se conclui pela abusividade da negativa de autorização por parte da operadora, restando caracterizada a falha na prestação dos serviços. Danos extrapatrimoniais delineados. Inteligência da Súmula 209 do TJRJ. Sentença reformada, em parte. Provimento parcial do recurso da autora e desprovimento do recurso da ré. 0047365-45.2023.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO Des(a). CLÁUDIA TELLES DE MENEZES - Julgamento: 29/08/2023 - QUARTA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 5ª CÂMARA Agravo de instrumento. Relação de consumo. Ação de obrigação de fazer c/c indenizatória. Direito à saúde. Autora portadora de hérnia de disco, com prescrição de cirurgia, acompanhada dos materiais específicos para sua realização. Revelia. Tutela antecipada concedida. Saneador que defere a realização de perícia. Decisão posterior que chama o feito à ordem e indefere a prova técnica. Agravo do réu. Controvérsia que se restringe em aferir a necessidade da cirurgia e a cobertura pelo plano de saúde. Laudo médico que atesta a necessidade do procedimento. Súmula 211 desta Corte. Cobertura da cirurgia que se trata de matéria de direito. Decisão que se mantém. Negado provimento ao recurso Ante tais considerações, DEFIRO TUTELA DE URGÊNCIA para determinar à ré que autorize imediatamente a cobertura integral da cirurgia objeto da lide no Hospital Badin, ou outro credenciado, e dos materiais elencados no relatório medico do index 77290685 que inclusive indicou opções alternativas, bem como todos os materiais necessários. Defiro GJ. Cite-se e intime-se ré, com urgência por OJA, pelo PLANTAO para que comprove nos autos, no prazo de 48 horas o cumprimento da tutela de urgência, sob pena de multa diária de R$1.000,00 (mil reais) . Cumpra-se na pessoa do Diretor Financeiro ou quem suas vezes fizer, que deverá ser OBRIGATORIAMENTE qualificado pelo Sr. OFICIAL DE JUSTIÇA, inclusive com CPF, e advertido quanto à possibilidade de aplicação das penalidades cabíveis, inclusive multa pessoal, em caso de eventual descumprimento. INSTRUA-SEtambém com relatório medico do index 77290685. No index 77832910 a autora aduziu: vem, mui respeitosamente, perante V.Exa., tendo em vista que o Réu foi intimado pelo Oficial de Justiça para cumprimento da tutela deferida no dia 15/09/2023 às 10h no prazo de 48 horas, conforme documento de id.77522401, bem como até o momento não houve o cumprimento da decisão, inclusive sendo certificado pelo sistema PJE o decurso do prazo. Sendo assim, verifica-se que a multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), não vem surtindo o efeito de coagir a parte Ré ao cumprimento da obrigação. Nesse sentindo, faz-se necessário a majoração do valor da multa diária para o patamar de R$ 10.000,00 (dez mil reais), para que assim possa surtir o efeito desejado. No index 78037874 determinou-se : Ante a ausência de comprovação do cumprimento da tutela de urgência nos autos , intime-se ré, com urgência por OJA, pelo PLANTAO, DE FORMA PDESENCIAL, para que comprove nos autos, no prazo de 48 horas o cumprimento da tutela de urgência, sob pena de multa diáriaque ora MAJOROpara R$5.000,00 ( cinco mil reais). Cumpra-se na pessoa do Diretor Financeiro ou quem suas vezes fizer, que deverá ser OBRIGATORIAMENTE qualificado pelo Sr. OFICIAL DE JUSTIÇA, inclusive com CPF, e advertido quanto à possibilidade de aplicação das penalidades cabíveis, inclusive multa pessoal, em caso de eventual descumprimento. Instrua-se com cópia da presente decisão e relatório medico do index 77290685. No index 78743588 a autora sustentou e requereu: "(...) Precisamente, às 16h31 do dia 21/09/2023, transcorreu in albis o prazo da SEGUNDA DECISÃO ordenando o cumprimento da tutela de urgência. Até o presente momento, a Ré acumula o montante de R$10.000,00 (dez mil reais) em multas, isto é: 5 dias a R$1.000,00/dia e 1 dia a R$5.000,0/dia. Como se observa, Excelência, a Ré não somente ignora a dor que a Autora vem sofrendo, como ainda debocha de DUAS DECISÕES JUDICIAIS emanadas deste MM. Juízo. Sendo assim, verifica-se que a multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), posteriormente majorada para R$5.000,00 (cinco mil reais), não vem surtindo o efeito de coagir a parte Ré ao cumprimento da obrigação que, mesmo com advogado habilitado nos autos, até o presente momento sequer justificou sua inércia. Nesse sentindo, considerando a reiterada conduta recalcitrante adotada pela Ré, faz-se necessária a majoração do valor da multa diária para o patamar de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), para que assim possa surtir o efeito desejado, qual seja: AUTORIZAR IMEDIATAMENTE A COBERTURA INTEGRAL DA CIRURGIA OBJETO DA LIDE. Requer-se, outrossim, a intimação do Ministério Público com fito de apurar e, eventualmente, oferecer denúncia pelo crime de desobediência, nos termos do art. 330 do Código Penal." No index 78773171 determinou-se: Não se justifica a atitude recalcitrante da ré que, a despeito de intimada em duas oportunidades para autorizar a cobertura integral a cirurgia objeto da lide, sob pena de multa diária, insiste em descumprir duas decisões deste Juízo, sem apresentar qualquer fundamento para tal descumprimento. Os prepostos da ré que receberam os mandados de intimação também foram cientificados de que o descumprimento da tutela poderia acarretar a aplicação de multa pessoal. Impõe-se, assim: - a aplicação da multa pessoal em face de Natália Salinas, cpf 147.309.167-51 e Rebeca Souza Alves de Lima, CPF 127.778.327-65, RG 12.128906-0 DETRAN RJ, Analista Sênior do Departamento Jurídico, nos termos do art. 77, IV, §2º do CPC, inicialmente, em valor equivalente a 10% do valor da causa para cada uma das referidas pessoas (valor da causa R$20.000,00); - penhora on line do valor da multa diária devida até a presente data, no valor de R$10.000,00, a qual poderá ser levantada pela parte autora para custeio da cirurgia, acrescida do valor que se fizer necessário, como conversão em perdas e danos, a fim de viabilizar o cumprimento da tutela de urgência reiteradamente descumprida pela ré; - nova intimação da ré para que comprove nos autos, no prazo de 48 (quatenta e oito horas) horas o cumprimento da tutela de urgência, sob pena de multa diária de R$10.000,00 (dez mil reais). Ante o exposto: 1. Defiro ordem de penhora on lineem desfavor da ré, inicialmente, no valor de R$10.000,00 (dez mil reais). Junte-se o respectivo protocolo. 2. À autora para juntar aos autos orçamento do custeio integral da cirurgia, nos termos em que foi deferida em sede de tutela de urgência, para possibilitar, caso necessário, a penhora on line do valor remanescente necessário à conversão da obrigação de fazer deferida em sede de tutela de urgência em perdas e danos. Fica autorizado o advogado da autora a informar ao Cartório (e-mail: cap03vciv@tjrj.jus.br) o protocolo da respectiva petição eletrônica para abertura de conclusão com prioridade. 3. Intimem-se PESSOALMENTE, por OJA, Natália Salinas (CPF 147.309.167-51) e Rebeca Souza Alves de Lima (CPF 127.778.327-65, RG 12.128906-0 DETRAN RJ, Analista Sênior do Departamento Jurídico), para ciência da aplicação de multa pessoal, nos termos do art. 77, IV, §2º do CPC, inicialmente, em valor equivalente a 10% do valor da causa para cada uma das referidas pessoas (valor da causa R$20.000,00). Instrua-se com cópia da presente. 4. Intime-se a ré para que comprove nos autos, no prazo de 48 (vinte e quatro) horas, o cumprimento da tutela de urgência, sob pena de multa diária que ora MAJORO para R$10.000,00 (dez mil reais). Cumpra-se na pessoa do Diretor Financeiro ou quem suas vezes fizer, que deverá ser OBRIGATORIAMENTE qualificado pelo Sr. OFICIAL DE JUSTIÇA, inclusive com CPF, e advertido quanto à possibilidade de aplicação das penalidades cabíveis, inclusive multa pessoal, em caso de eventual descumprimento. Cumpra-se com URGÊNCIA por OJA de PLANTÃO PRESENCIALMENTE. Instrua-se o mandado com cópia da presente. No index 79589986a ré noticiou o cumprimento da liminar. Contestação no index 80401519 alegando que “em momento algum recusou o custeio do procedimento cirúrgico e materiais, pelo contrário, foi informado à parte autora, de que, sua solicitação fora negada diante da conclusão da junta médica após a análise dos procedimentos e materiais que seriam utilizados. Tal averiguação foi realizada de maneira precisa a detalhada, bem como, legal, a qual diverge em alguns pontos em relação aos documentos apresentados pela autora”. Narra que “A Junta Médica é procedimento autorizado pela Resolução Normativa nº 424/2017 (anexa), em que permite que as seguradoras de planos de saúde reúnam especialistas da área em discussão a fim de sanar possíveis divergências quanto a validação prévia de procedimento”. Frisa que “após sinalizar a parte autora da divergência apurada pelo médico assistente da requerida, a Seguradora realizou um formulário para uma Avaliação de Junta Médica, com a opinião do especialista desta Operadora (Dr. ROGERIO LUIZ AIRES LIMA), bem como, de uma terceira opinião – Desempatadora (Dr. HELIO ANTONIO MITSUI). Informa-se ainda que médico assistente da autora fez parte da junta médica”. Pontua que “Após todos os fatos devidamente explicados e comprovados pela requerida, é adequado o entendimento do juízo quanto ao indeferimento da tutela de urgência, pois além de não se enquadrar nos pressupostos de admissibilidade, não há provas suficientes de que a parte autora realmente necessita realizar imediatamente a cirurgia (e se realmente é pertinente). Diante do exposto, não resta duvidas que é necessária a produção de prova pericial em fase instrutória do processo do qual não é possível no juizado especial. Ressaltamos que não está em discussão a indicação do tratamento cirúrgico, por parte do médico assistente, mas sim a obrigatoriedade de cobertura pelo plano de saúde, frente ausência de justificativa técnica passível de cobertura obrigatória”. Ressalta que “a junta médica entendeu por não concordar com os procedimentos e itens solicitados, apresentando a possibilidade de outras alternativas conforme os Laudos elencados (em anexo). Imperioso destacar ainda quanto a não realização da cirurgia em questão, pois a periculosidade apresentada pelo procedimento proposto pela parte autora. Assim, de suma importância o entendimento exarado pelo profissional desempatador, haja vista que restou demonstrado a falta de pertinência dos procedimentos e materiais, os quais poderiam claramente utilizar de uma alternativa. Logo, restou evidente a ausência de urgência e emergência no caso em apreço suficiente para não ensejar cabimento de tutela de urgência. De igual forma é inquívoco quanto a inexistência de obrigatoriedade da seguradora em cobrir os procedimentos requeridos pela autora”. Conclui pela ausência de conduta ilícita, responsabilidade civil e dos danos alegados, requerendo, ao final, a improcedência da demanda. No index 83260518 a autora noticiou o “cumprimento intempestivo da ordem judicial”. Conclui que “ainda que a ré houvesse cumprido a decisão liminar no dia 27/09/2023, o que efetivamente não foi o caso, já haveria falar-se na aplicação de diversas multas diárias. Entretanto, há nos autos robusta prova no sentido de que a Ré somente teria, efetivamente, cumprido a decisão liminar no dia 03/10/2023, quando a parte Autora, por iniciativa própria entrou em contato com o SAC da Ré, finalmente obtendo a informação de que seu procedimento cirúrgico teria sido, REALMENTE, autorizado, mas em hospital diferente do informado nos autos. Em razão do exposto, sem prejuízo de eventual indenização moral, requer seja a parte Ré intimada para complementar o somatório das multas diárias até o valor de R$94.000,00, (noventa e quatro mil reais) sob pena de penhora on-line”. No index 84601268 inverteu-se o ônus da prova. Réplica no index 91116141 reiterando os termos da exordial. No index 97421957 determinou-se: 1.Defiro a produção de prova pericial médica direta requerida pela ré no index 90200009 , ciente da decisão que inverteu o ônus da prova, cujo ônus financeiro será arcado pela mesma, nos termos do art. 95 do CPC/2015. Nomeio Perito do Juízo Roberto Alves Fernandes CRM 52 18194-1 DNSHT 3353/76 Tel: 2264 9533 e 99987 9621 email rafserrinha@globo.com, que deverá ser intimado para cumprir o art. 465, §2º do CPC/2015. Fixo o prazo de trinta dias para a entrega do laudo. Faculto às partes a apresentação de quesitos e indicação de assistente técnico, no prazo de 15 dias, nos termos do art. 465, §1º do CPC/2015. Defiro desde já a vinda de eventual prova documental suplementar . Ficam cientes as partes de que o Perito é longa manus do Juízo podendo requisitar informações e documentos que estejam em poder das partes, nos termos do §3º do art. 473 do CPC. 2. Esclareçam as partes quanto ao julgamento do agravo de instrumento interposto em face da decisão que deferiu tutela de urgência. 3. 91116141 - Diga a ré. No index 114833782 anexou-se cópia do v. acórdão que manteve a decisão que deferiu tutela de urgência. Laudo pericial no index 143873379 as fls. com esclarecimento no index 172930205 e posterior manifestação das partes. É O RELATÓRIO. DECIDO. A causa está madura para o julgamento, sendo suficientes os elementos probatórios para permitir a cognição da demanda, até porque produzida prova pericial médica. Desde logo cabe pontuar que a gravidade do problema de saúde da parte autora, não foi expressamente contestada pela ré, restando, portanto, incontroversa, até porque a decisão que deferiu tutela de urgência destacou: Anexos à exordial consta laudo médico no index 77290685 atestando que o autor é portador de artrodese lombar com quadro de lombociatalgia bilateral de forte intensidade e a necessidade da cirurgia e dos respectivos materiais. Ora, não se discute que, em tal caso, não é dada à seguradora a possibilidade de suspender a prestação de serviço médico. Cabe, assim, trazer à colação o disposto no art 12 inciso V alínea C da Lei 9656/98: Art. 12. São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata o art. 10, segundo as seguintes exigências mínimas: (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001) V - quando fixar períodos de carência: c) prazo máximo de vinte e quatro horas para a cobertura dos casos de urgência e emergência; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001) A decisão que deferiu tutela de urgência foi confirmada pelo v acordão no index 114833782 do qual se destaca: (...) Inicialmente, cumpre mencionar que embora o agravante alegue que não houve negativa de realização da cirurgia em questão, em suas próprias razões recursais, informa que a junta médica identificou a inadequação da indicação, cabendo reproduzir o documento da ré no qual consta a recusa: (...) Ressalte-se que, tal validação parcial pela ré dos procedimentos e materiais requeridos, também foi reiterada em e-mail encaminhado pela ouvidoria (id 77290693 dos autos originários), conforme abaixo transcrito: (...) Por outro lado, compulsando os autos, verifica-se que a agravada logrou êxito em comprovar a doença, bem como a necessidade da cirurgia para o restabelecimento de sua saúde, de forma imediata, tendo o médico assistente atestado o seguinte (índice 77290685 dos autos originários) (...) Dessa forma, os laudos dão conta de que a paciente necessita da cirurgia prescrita, em razão da gravidade da sua patologia, que lhe gera dores intensas. Nesse sentido, a jurisprudência firmou-se no sentido de que a operadora não pode negar os meios/materiais adequados ao melhor tratamento das doenças que são cobertas pelo plano de saúde (...) Quanto ao prazo fixado de 48 horas para o cumprimento da obrigação, afigura-se razoável e proporcional, haja vista as dores sentidas pela agravada que ainda lhe comprometem as atividades diárias e o sono, conforme laudo médico, pelo que, em cognição sumária, será mantido. (...) Diante do exposto, voto no sentido de NEGAR PROVIMENTO ao presente agravo de instrumento Veja-se que consoante ilustram, ainda, as seguintes ementas, as quais se reporta, "havendo divergência entre o seguro saúde contratado e o profissional responsável pelo procedimento cirúrgico, quanto à técnica e ao material a serem empregados, a escolha cabe ao médico incumbido de sua realização": 0048453-83.2021.8.19.0002 - APELAÇÃO Des(a). MILTON FERNANDES DE SOUZA - Julgamento: 04/10/2022 - QUINTA CÂMARA CÍVEL APELAÇÃO. DIREITO DO CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. CIRURGIA ORTOPÉDICA. COBERTURA MATERIAL CIRÚRGICO. RECUSA. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. 1-Afigura-se dever da seguradora de saúde suportar os gastos decorrentes da utilização de material para cirurgia ortopédica fundamental à higidez do segurado, cuja recusa configura descumprimento da obrigação contratual capaz de dar ensejo ao dever de indenizar os danos daí advindos. 2-Havendo divergência entre o seguro saúde contratado e o profissional responsável pelo procedimento cirúrgico, quanto ao material a ser empregado, a escolha cabe ao médico incumbido de sua realização. 3-A indenização por dano moral deve representar compensação razoável pela ofensa experimentada, cuja intensidade, aliada a outras circunstâncias peculiares de cada conflito de interesses, considera-se para o seu arbitramento. DESPROVIMENTO DO RECURSO 0008077-22.2021.8.19.0207 - APELAÇÃO Des(a). LUIZ FELIPE MIRANDA DE MEDEIROS FRANCISCO - Julgamento: 28/07/2022 - NONA CÂMARA CÍVEL APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZATÓRIA. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA EM AUTORIZAR O PROCEDIMENTO CIRÚRGICO E DE FORNECER OS MATERIAIS INDICADOS PELO MÉDICO QUE ASSISTIA A AUTORA, COM BASE EM DECISÃO DE JUNTA MÉDICA. HAVENDO DIVERGÊNCIA ENTRE O SEGURO SAÚDE E O PROFISSIONAL RESPONSÁVEL PELO PROCEDIMENTO CIRÚRGICO, A ESCOLHA CABERÁ AO MÉDICO INCUMBIDO DE SUA REALIZAÇÃO. SÚMULA 211, do TJRJ. RECUSA INDEVIDA. DANO MORAL CARACTERIZADO. VALOR FIXADO DE ACORDO COM OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE, EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO DO RECURSO. 0174821-77.2020.8.19.0001 - APELAÇÃO Des(a). JAIME DIAS PINHEIRO FILHO - Julgamento: 19/07/2022 - DÉCIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA DE MATERIAL CIRURGICO (MATRIZ DÉRMICA ACELULAR - STRATTICE). SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DA RÉ REQUERENDO A IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO SOB A JUSTIFICATIVA DE SE TRATAR DE PROCEDIMENTO ESTÉTICO. ARGUMENTOS DO RÉU, ORA APELANTE, QUE NÃO MERECE PROSPERAR. OCORRÊNCIA DE DIVERGÊNCIA QUANTO AO MATERIAL A SER EMPREGADO E ELETIVIDADE DO PROCEDIMENTO. AO MÉDICO, PROFISSIONAL HABILITADO E RESPONSÁVEL PELO TRATAMENTO, INCUMBE A ESCOLHA DO MELHOR PROCEDIMENTO E DO MATERIAL ADEQUADO. APLICAÇÃO DOS VERBETES 211 E 340 DA SÚMULA DO TJ/RJ. FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. DEVER DE INDENIZAR. PRECEDENTES DO STJ. DANOS MATERIAIS E MORAIS CARACTERIZADOS DEVER DE INDENIZAR, INTEGRALMENTE, O VALOR COMPROVADO À TÍTULO DE DANO MATERIAL. DANO MORAL FIXADO EM R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS) QUE SE MOSTRA PROPORCIONAL E RAZOÁVEL. SENTENÇA IRRETOCÁVEL QUE MERECE SER MANTIDA NA ÍNTEGRA. RECURSO CONHECIDO QUE SE NEGA PROVIMENTO Oportuno, então, transcrever o teor da sumula 211 deste eg. Tribunal de Justiça: Nº. 211 "Havendo divergência entre o seguro saúde contratado e o profissional responsável pelo procedimento cirúrgico, quanto à técnica e ao material a serem empregados, a escolha cabe ao médico incumbido de sua realização." REFERÊNCIA: Processo Administrativo nº.0013657 24.2011.8.19.0000 Julgamento em 22/11//2010 Relator: Desembargadora Leila Mariano. Votação unânime Ressalte-se que a ré não trouxe cópia do contrato SUBSCRITO PELA PARTE AUTORA, com a expressa previsão de qualquer cláusula excludente do tratamento objeto da lide, COM DESTAQUE. Assim, não restou comprovado pela ré a ciência da alegada restrição, através de cláusula CLARA E COM DESTAQUE, em contrato subscrito pelo autor. Sustentou a ré que Com base na Resolução Normativa da ANS teria sido realizado o procedimento de JUNTA MÉDICA. Acresça-se, então, que consoante ilustram as seguintes ementas o “Requerimento de documentos e análise por junta médica na hipótese configura negativa, ante a situação de emergência” e que “A possibilidade de análise da adequação do procedimento por junta médica do plano de saúde não é suficiente para afastar a recomendação do médico assistente da autora”: 0028751-36.2021.8.19.0008 - APELAÇÃO Des(a). TEREZA CRISTINA SOBRAL BITTENCOURT SAMPAIO - Julgamento: 16/05/2024 - DECIMA PRIMEIRA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 27ª CÂMARA CÍVEL) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZATÓRIA, PLANO DE SAÚDE. NECESSIDADE DE INTERNAÇÃO E REALIZAÇÃO DE PROCEDIMENTO DE EMERGÊNCIA. REQUERIMENTO DE DOCUMENTOS E ANÁLISE POR SUA JUNTA MÉDICA QUE CONFIGURAM NEGATIVA DE ATENDIMENTO NA HIPÓTESE. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO CARACTERIZADA. DANO MORAL CONFIGURADO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. - Beneficiária que apresentava quadro clínico de risco à sua saúde, com necessidade de internação, em caráter de emergência. - Requerimento de documentos e análise por junta médica que na hipótese configura negativa, ante a situação de emergência. - Dano moral configurado. Situação que se afasta do mero aborrecimento. Entendimento firmado nos enunciados 209, 337 e 339, da súmula deste E. Tribunal de Justiça. - Quantum indenizatório arbitrado em R$ 12.000,00, que se coaduna com os princípios norteadores do instituto da reparação civil e ao grau de reprovabilidade da conduta da ré. NEGADO PROVIMENTO AOS RECURSOS 0834973-71.2022.8.19.0001 - APELAÇÃO Des(a). CELSO SILVA FILHO - Julgamento: 26/03/2024 - VIGESIMA SEGUNDA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 23ª CÂMARA CÍVEL) APELAÇÃO CÍVEL. Direito do Consumidor. Plano de saúde. Paciente diagnosticada com hérnia discal lombar, associada com doença degenerativa discal avançada e estenose de canal lombar severa. Negativa parcial do plano em autorizar e custear procedimentos e materiais cirúrgicos indicados pelo médico assistente da autora, fundamentada em parecer de junta médica. A constituição de junta médica é procedimento que encontra respaldo regulamentar (Resolução Normativa RN n. 424/2017; Resolução do CONSU n. 08/1998). A possibilidade de análise da adequação do procedimento por junta médica do plano de saúde não é suficiente para afastar a recomendação do médico assistente da autora. Idade avançada da paciente (77 anos), que tinha indicação cirúrgica imediata, pela perda progressiva de suas funções neurológicas. Postergar a autorização, mediante a instalação de junta médica, trouxe apenas prejuízo à saúde da autora. Dano moral configurado, diante da recusa injustificada. Inteligência do verbete sumular n. 339, deste Tribunal de Justiça. Verba indenizatória, fixada em R$10.000,00, que se reduz para R$5.000,00, quantum que se mostra condizente com as especificidades do caso concreto, bem como atende de forma satisfatória aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Jurisprudência deste E. Tribunal de Justiça. Sentença que merece pequeno reparo. PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO Sobre o tema, transcrevem-se, as seguintes ementas , às quais se reporta, onde se destaca que “o parecer da junta médica não pode prevalecer sobre o laudo exarado pelo médico assistente da parte autora, que acompanha a evolução de seu estado clínico, tendo capacidade de estabelecer o tratamento mais adequado. Cabe ao médico assistente a análise do tratamento mais adequado ao paciente, não sendo permitido à ré questionar a decisão médica que entende ser mais apropriada a utilização de determinado método e/ou material para a realização da cirurgia. Súmula 211, do TJRJ.Não cabe ao plano de saúde recusar o custeio do tratamento pleiteado sob o argumento de a negativa estar amparada em parecer de junta médica, mormente porque a parte autora comprovou sua enfermidade, bem como a necessidade da intervenção cirúrgica, que tem cobertura prevista no contrato. O plano de saúde réu deve arcar com a totalidade das despesas do procedimento médico e bem como com o material a ser utilizado”: 0219800-90.2021.8.19.0001 - APELAÇÃO Des(a). BENEDICTO ULTRA ABICAIR - Julgamento: 24/10/2024 - DECIMA TERCEIRA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 22ª CÂMARA CÍVEL) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZATÓRIA. PLANO DE SAÚDE. PRETENSÃO DO AUTOR DE QUE A RÉ AUTORIZE E CUSTEIE A CIRURGIA ORTOPÉDICA DE QUE PRECISA, BEM COMO O RECEBIMENTO DE COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL, SOB O FUNDAMENTO DE QUE A RÉ SE RECUSOU AO CUSTEIO DE PARTE DO MATERIAL NECESSÁRIO À INTERVENÇÃO CIRÚRGICA. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. IRRESIGNAÇÃO DO RÉU. RELAÇÃO DE CONSUMO. LAUDO MÉDICO QUE COMPROVA A NECESSIDADE DOS MATERIAIS. PARECER DA JUNTA MÉDICA NÃO PODE SER O SUFICIENTE PARA DESQUALIFICAR O TRATAMENTO PRESCRITO PELO MÉDICO ASSISTENTE. APLICAÇÃO DA SÚMULA N.º 211 DO TJERJ. A RECUSA INDEVIDA DA PARTE RÉ EM CUSTEAR A INTERVENÇÃO CIRÚRGICA SOLICITADA. ACARRETA O DEVER DE INDENIZAR. SÚMULA Nº 339, DESTE E. TRIBUNAL. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO CORRETAMENTE FIXADO E QUE NÃO COMPORTA REDUÇÃO. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO DO RECURSO 0026460-23.2018.8.19.0023 - APELAÇÃO Des(a). SÔNIA DE FÁTIMA DIAS - Julgamento: 08/10/2024 - VIGESIMA SEGUNDA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 23ª CÂMARA CÍVEL) APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C COM DANOS MORAIS. AUTOR PORTADOR DE ESTENOSE AÓRTICA GRAVE. PROCEDIMENTO DE IMPLANTE PERCUTÂNEO DE VÁLVULA AÓRTICA. NEGATIVA DE FORNECIMENTO DE MATERIAIS. Sentença de procedência para, tornando definitiva a decisão concessiva da tutela de urgência, condenar a ré ao pagamento de R$10.000,00 a título de indenização por danos morais, quantia corrigida monetariamente desde a intimação da sentença e de juros desde a data da citação, além das despesas processuais e de honorários advocatícios sucumbenciais em favor do patrono da parte autora, fixados no percentual de 10% sobre o valor da condenação. Apelação da parte ré. Resumo clínico assinado pelo médico cardiologista intervencionista que assiste o autor. Laudo expedido pelo médico que acompanha o paciente indica sua elegibilidade para implante percutâneo de válvula aórtica, como único procedimento viável no caso do autor. Havendo cobertura para o tratamento, não se há que falar em ausência de cobertura do implante de prótese valvar aórtica. O parecer da junta médica não pode prevalecer sobre o laudo exarado pelo médico assistente da parte autora, que acompanha a evolução de seu estado clínico, tendo capacidade de estabelecer o tratamento mais adequado. Cabe ao médico assistente a análise do tratamento mais adequado ao paciente, não sendo permitido à ré questionar a decisão médica que entende ser mais apropriada a utilização de determinado método e/ou material para a realização da cirurgia. Súmula 211, do TJRJ. Não cabe ao plano de saúde recusar o custeio do tratamento pleiteado sob o argumento de a negativa estar amparada em parecer de junta médica, mormente porque a parte autora comprovou sua enfermidade, bem como a necessidade da intervenção cirúrgica, que tem cobertura prevista no contrato. O plano de saúde réu deve arcar com a totalidade das despesas do procedimento médico e bem como com o material a ser utilizado. Dano moral não configurado. Princípio da razoabilidade. Precedente. Sucumbência recíproca. Sentença parcialmente reformada para excluir a condenação ao pagamento de indenização por dano moral, determinar o rateio das custas processuais na proporção de 50% para cada parte, condenar a autora ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor pretendido a título de indenização por danos morais, e fixar os honorários devidos pela ré em R$1.000,00. Sem honorários recursais. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO Ressalte-se então que o laudo pericial médico no index 143873379 destacou inicialmente que “Ao analisarmos a efetividade e benefícios de um procedimento cirúrgico, devemos observar as características epidemiológicas do paciente. No caso em discussão, consta dos autos que a Autora já havia sido submetida a um procedimento cirúrgico, denominado “artrodese do segmento lombar”, o que significa dizer promover fusão e estabilização de um segmento vertebral. Entretanto, o quadro de dor e limitação funcional persistiu, LEVANDO O MÉDICO ASSISTENTE A INDICAR OS PROCEDIMENTOS SOLICITADOS E AUTORIZADOS EM SEDE DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, ainda que conste do parecer técnico 04/GEAS/CGPAS/DIPRO/2018, que diz que o procedimento não é obrigatório por não estar na lista do Anexo I da RNº 428/2017, Artigo 20, § 1º, inciso I. Chama a atenção do Perito o fato de que a Autora teve o procedimento autorizado e o resultado do tratamento foi satisfatório, resultando em sucesso, como se verifica nos dados do exame clinico ortopédico retro relatado.” Concluiu que “O exame clínico ortopédico realizado na Autora, a anamnese e os documentos acostados aos autos por suas informações conjugadas permitem ao Perito concluir que o procedimento cirúrgico, autorizado e realizado, resultou em sucesso. A Autora está integralmente recuperada.” Oportuno, ainda, transcrever as seguintes respostas aos quesitos das partes onde se destaca que A CIRURGIA OBJETO DA LIDE POSSUÍA CARÁTER DE URGÊNCIA E QUE A UTILIZAÇÃO DOS MATERIAIS SOLICITADOS PELA PERICIADA, ERA ADEQUADA AOS TRATAMENTOS NECESSÁRIOS PARA SUAS PATOLOGIAS: 5) O tratamento estabelecido com realização de cirurgias, conforme solicitado pela periciada, em caráter de urgência é adequado ao quadro apresentado atualmente pela mesma? RESPOSTA: No entender do médico assistente, sim 6) A utilização dos materiais solicitados pela periciada, é adequada aos tratamentos necessários para suas patologias? RESPOSTA: No entender do médico assistente, sim. 8) O quadro clínico da periciada necessita dos tratamentos por ela solicitados? RESPOSTA: No entender do médico assistente, sim 10) Há outra opção terapêutica que possa trazer benefícios à periciada, em substituição as terapias/tratamentos solicitados? Favor especificar. RESPOSTA: No entender do médico assistente, não. 3-Queira o R. Perito informar se o procedimento cirúrgico indicado pelo médico de id.77290685, é necessário para amenizar ou reduzir a lombalgia bilateral de forte intensidade (E>D), associada à limitação funcional ortopédica? RESPOSTA: No entender do médico assistente, sim. Tais conclusões não merecem reparos. A uma, eis que em consonância com a prova documental carreada aos autos. A duas, ante a anuência autoral no index 153890236 A três, tendo em vista que a impugnação da parte ré no index 152926669 não possui o condão de rechaçá-las, até porque desprovida de argumento de ordem técnica apto para tanto. A quatro, ante os esclarecimentos posteriormente prestados pelo perito no index 172930205 que ratificam seu laudo. Impõe-se, assim, a confirmação da liminar. Passa-se, então, à fixação dos danos morais. O arbitramento judicial é o meio mais eficiente para se fixar o dano moral, e como o legislador não ousou, através de uma norma genérica e abstrata, pré-tarifar a dor de quem quer que seja, cabe ao magistrado valer-se, na fixação do dano moral, dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, para estimar um valor compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita e da gravidade do dano por ela produzido. Nesta esteira transcreve-se o seguinte aresto, onde se destaca o teor do verbete sumular nº 209, desta Corte de Justiça, segundo o qual enseja dano moral a indevida recusa de internação ou serviços hospitalares, e que os danos morais, em tais casos, sãoin re ipsa, porquanto inquestionáveis e decorrentes do próprio fato, sendo certo que para a fixação da verba, deve-se aferir a extensão do dano, e também, a observância do poderio econômico do ofensor, da situação financeira do ofendido, do grau da lesão, bem como da sua repercussão na vida da vítima: 0261286-27.2013.8.19.0004 - APELAÇÃO Des(a). ARTHUR NARCISO DE OLIVEIRA NETO - Julgamento: 05/10/2017 - VIGÉSIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL CONSUMIDOR APELAÇÃO CÍVEL. A SENTENÇA (INDEX 298) QUE JULGOU PROCEDENTE O PEDIDO COMPENSATÓRIO DO DANO MORAL, NO VALOR DE R$ 20.000,00 (VINTE MIL REAIS). DESPROVIMENTO DO RECURSO DA RÉ. O cerne da questão se fixa na demora da Reclamada, operadora do plano de saúde, em autorizar o procedimento requerido pelo médico assistente da Autora. In casu, a Reclamante comprovou a solicitação dos seguintes procedimentos TUSS: Arteriografia de carótida direita e esquerda cód. 40.81.205-7X2; Arteriografia vertebral dir. e esq. cód. 40.8.204-9X2; Embolização de MAV Cód. 40.81.357-6; Infusão seletiva de enzimas vasodilatadoras cód. 30.91.211-3; Cinco angiografias por cateter durante o procedimento Cód. 40.81.204-9X7; Arteriografia de carótida direita e esquerda de controle final Cód. 40.81.205-7X2, em 05/09/2013 (index 24 fl. 48). Não obstante a comprovação da necessidade do procedimento, haja vista o diagnóstico de MAV Malformação Artério Venosa, a Reclamada só autorizou a realização do tratamento no fim de setembro, e apenas em relação a 4 (quatro) dos 6 (seis) procedimentos indicados pelo médico assistente, que executou os demais por conta própria, em razão da gravidade do quadro de saúde da Demandante. Alega a Requerida que o tratamento gerador da requisição foi integralmente liberado desde a solicitação, bem como que deveria ter sido realizado de imediato, e a análise burocrática seria no pós-operatório. Todavia, apesar de tais alegações, como destacado na sentença, ¿restou demonstrado nos autos que sem a autorização dos códigos e materiais tornava-se inviável o tratamento da autora, no qual o médico assistente da autora por diversas vezes reiterou o pedido do procedimento, inclusive destacando a urgência, emergência e a gravidade do caso (fls. 30/50)¿. Dessa forma, verifica-se que a Demandada não se desincumbiu do seu ônus de produzir prova de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da Autora, na forma exigida pelo art. 373, inciso II, do Novo Código de Processo Civil e pelo art. 14, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor. Ademais, reputa-se que a demora na autorização para a realização do exame caracteriza falha na prestação do serviço, além de conduta violadora dos direitos da personalidade da Requerente e contrária à própria natureza do contrato. Nesse sentido, o verbete sumular nº 209, desta Corte de Justiça, segundo o qual enseja dano moral a indevida recusa de internação ou serviços hospitalares, inclusive home care, por parte do seguro saúde somente obtidos mediante decisão judicial. NA VERDADE, OS DANOS MORAIS, NO CASO EM EXAME, SÃO IN RE IPSA, PORQUANTO INQUESTIONÁVEIS E DECORRENTES DO PRÓPRIO FATO. PARA A FIXAÇÃO DA VERBA, DEVE-SE AFERIR A EXTENSÃO DO DANO, SEGUNDO O ART. 944, DO CÓDIGO CIVIL, SENDO NECESSÁRIA, TAMBÉM, A OBSERVÂNCIA DO PODERIO ECONÔMICO DO OFENSOR, DA SITUAÇÃO FINANCEIRA DO OFENDIDO, DO GRAU DA LESÃO, BEM COMO DA SUA REPERCUSSÃO NA VIDA DA VÍTIMA. Assim, considerando que o procedimento somente foi autorizado decorridos três meses da solicitação, bem como a gravidade do quadro de saúde da Autora, conclui-se que o montante de R$20.000,00 (VINTE MIL REAIS), arbitrado para compensação por danos morais, é condizente com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Precedente Na fixação do quantum debeatur, deve-se considerar que o dano não pode ser fonte de lucro, e que a indenização deve ser suficiente para reparar o dano o mais completamente possível, sob pena de enriquecimento sem causa. Sobre o tema destaca-se a lição do saudoso mestre Caio Mário da Silva Pereira, extraída de sua obra Responsabilidade Civil, que também nos guia no arbitramento do dano moral: Como tenho sustentado em minhas instituições de Direito Civil, na reparação por dano moral estão conjugados dois motivos, ou duas concausas: I - punição ao infrator pelo fato de haver ofendido um bem jurídico da vítima, posto que imaterial; II - por nas mãos do ofendido uma soma que não é o pretium doloris, porém o meio de lhe oferecer oportunidade de conseguir uma satisfação de qualquer espécie, seja de ordem intelectual ou moral, seja mesmo de cunho material, o que pode ser obtido no fato de saber que esta soma em dinheiro pode amenizar a amargura da ofensa e de qualquer maneira o desejo de vingança. Levando-se em consideração o ocorrido no caso concreto, o entendimento jurisprudencial destacado nas ementas acima transcritas, a injusta recusa ao fornecimento da cirurgia e materiais objetos da lide, as condições pessoais da parte autora, portadora de “artrodese lombar L5-S1 prévia, lombociatalgia bilateral de FORTE INTENSIDADE, associada a limitação funcional das atividades diárias e ao sono”, a conduta da parte ré o caráter repressivo-pedagógico da indenização, afigura-se adequado que o autor seja ressarcido pelos danos morais sofridos com o pagamento no valor de R$18.000,00 (dezoito mil reais). No que se refere à fixação dos juros na condenação ao pagamento por danos morais, esta Magistrada seguia o entendimento da eminente Ministra Isabel Galotti da Colenda 4a. Turma do eg. Superior Tribunal de Justiça de que o termo inicial para o cômputo da correção monetária se dá a partir do seu arbitramento, no caso da data da sentença (Súmula 362 do STJ), e os juros de mora, também correm da data do arbitramento, visto que neste momento é que o valor do dano é fixado, liquidado (in iliquidis non fit mora). Contudo, a Ministra Isabel Galotti mudou seu entendimento para acompanhar a jurisprudência majoritária do eg. STJ no que se refere à fixação do termo inicial para cômputo dos juros nas indenizações por danos morais, para incidência desde a citação, conforme Súmula n. 54 do STJ, mantendo-se o termo inicial da correção monetária,a partir do arbitramento (Súmula n° 362, STJ). No que se refere às astreintes, o descumprimento da tutela de urgência pela ré restou comprovado nas decisões nos indexadores 78037874 e 78773171. Contudo, o cômputo de todo período ultrapassaria o valor que não se pode admitir, sob pena de vulneração aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade. Assim, impõe-se sua redução, em consonância com o que rezam os arts. 412 do Código Civil de 2002 e 461§6º do CPC/73, atualmente prevista no art 537§1, inciso I, do Código de Processo Civil/2015. Não há que se falar daí em alteração do conteúdo da liminar, dada a natureza coercitiva das astreintes,sendo certo ainda que, em tais casos, sua redução é admitida pelos artigos antes citados, mas também pacificamente na jurisprudência, consoante ilustram as seguintes ementas, às quais se reporta, onde se destaca a vedação ao enriquecimento sem causa e que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça , no julgamento do REsp nº 1.333.988/SP, sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 706 de seu repertório), pacificou o entendimento de que “A decisão que comina astreintes não preclui, não fazendo tampouco coisa julgada”: 0016504-13.2022.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO Des(a). PAULO WUNDER DE ALENCAR - Julgamento: 07/06/2022 - QUINTA CÂMARA CÍVEL AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO CIVIL. CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. NEGATIVA DE COBERTURA DE EXAME. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. CONCESSÃO DE TUTELA DE URGÊNCIA COM FIXAÇÃO DE MULTA HORÁRIA FIXADA EM R$ 10.000,00. DESCUMPRIMENTO. ACÚMULO DE MULTA POR MAIS DE UM DIA QUE DEU ENSEJO À COBRANÇA DE R$ 250.000,00. DECISÃO AGRAVADA QUE REDUZIU AS ASTREINTES PARA A QUANTIA DE R$ 20.000,00 SOB A ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA DO CONSUMIDOR. INCONFORMISMO DA PARTE EXEQUENTE. 1. Pedido de revisão da redução realizada pelo juízo da execução, sob a alegação de que o plano de saúde só cumpriu a obrigação quando a penalidade foi majorada para a quantia de R$ 10.000,00 por hora de descumprimento. 2. Multa cominatória que não possui caráter ressarcitório. Medida coercitiva (CPC, art. 536 e 537). Possibilidade de revisão da reprimenda quando caracterizado o valor excessivo. Acúmulo da multa que não pode conferir enriquecimento sem causa da parte. Entendimento pacificado pelo STJ, no Tema 706. 3. Cumprimento da tutela de urgência com pouco mais de 24 horas, após intimação por oficial de justiça. Decisão antecipatória de tutela que contabilizou a multa diária em 25 horas, totalizando R$250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais). 4. Paciente/mãe da agravante que se encontrava em unidade hospitalar custeada pelo plano agravado e sendo assistida 24 horas em unidade de tratamento intensivo, onde, inclusive, o exame questionado nos autos principais foi realizado. Paciente que não ficou desassistida por equipe médica. 5. Decisão agravada que reduziu o acúmulo da multa de R$ 250.000,00 para R$ 20.000,00, que corresponde ao dobro da condenação da obrigação de fazer que se mostra razoável, levando-se em conta que a multa horária fixada em R$ 10.000,00 se mostrou excessiva e desproporcional. Adequação da penalidade que atende ao critério da proporcionalidade. 6. Desprovimento do recurso 0009779-23.2015.8.19.0042 - APELAÇÃO Des(a). VALÉRIA DACHEUX NASCIMENTO - Julgamento: 25/10/2021 - DÉCIMA TERCEIRA CÂMARA CÍVEL APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO REVISIONAL C/C INDENIZATÓRIA, EM FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DESERÇÃO. CANCELAMENTO DISTRIBUIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE SE O RECOLHIMENTO DAS CUSTAS, EMBORA INTEMPESTIVO, ESTIVER COMPROVADO NOS AUTOS. TEMA 676 DO STJ. REDUÇÃO ASTREINTES. EXCESSIVIDADE. POSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 537, § 1º, I, CPC. DECISÃO QUE COMINA MULTA NÃO PRECLUI, TAMPOUCO FAZ COISA JULGADA ¿ TEMA 706 STJ. No caso dos autos, a multa atingiu a elevada quantia de R$ 269.000,00, sendo reduzido o montante, pelo juízo a quo, para o valor de R$ 20.000,00. Acerto na redução. As astreintes não têm a função de indenizar a parte, tampouco têm caráter compensatório. A redução das astreintes para a quantia estabelecida pelo juízo a quo preserva o princípio da proporcionalidade e à vedação do enriquecimento sem causa. Inovação recursal não conhecida. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO 0023556-26.2023.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO Des(a). CUSTÓDIO DE BARROS TOSTES - Julgamento: 09/11/2023 - DECIMA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 1ª CÂMARA AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITOPROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DESENTENÇA. OBRIGAÇÃO DE FAZER.ASTREINTES. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃOPESSOAL PARA CUMPRIMENTO. SÚMULA N°410, DO STJ. ASTREINTES QUE ATINGEMMONTA SUPERIOR A R$ 400.000,00 E QUEDEVEM SER REDUZIDAS. INTELIGÊNCIA DOART. 537, § 1º, DO CPC. APLICAÇÃO DOTEMA 706, DO STJ. DECISÃO FIXANDO ASTREINTES QUE NÃO FAZ COISA JULGADA.VALOR ELEVADO QUE NÃO SE JUSTIFICA.VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO INDEVIDO.PRECEDENTES DESTA CORTE. REFORMAQUE SE IMPÕE PARA REDUÇÃO DA MULTA,FIXANDO-A EM R$ 2.000,00, POR CADADESCUMPRIMENTO.PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO. Veja-se, ainda que consoante ilustra a seguinte ementa “O valor da multa fixada não faz coisa julgada material e pode ser revista a qualquer tempo pelo magistrado, que poderá alterar o seu valor e até mesmo suspendê-la, a fim de observar o princípio da proporcionalidade e evitar o enriquecimento ilícito da parte. Ou seja, a aplicação de multa deve ser utilizada como meio coercitivo, visando compelir a parte a cumprir decisão de cunho mandamental, com força persuasiva de coagir a fazer, NÃO TENDO A MULTA CARÁTER COMPENSATÓRIO”: 0013505-92.2019.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO Des(a). JUAREZ FERNANDES FOLHES - Julgamento: 26/06/2019 - DÉCIMA CÂMARA CÍVEL AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER AJUIZADA EM FACE DE UNIMED RIO COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO DO RIO DE JANEIRO LTDA. TUTELA DE URGÊNCIA DETERMINANDO A TRANSFERÊNCIA DA AUTORA PARA O HOSPITAL DE TRANSIÇÃO DE SUA REDE CREDENCIADA, NO PRAZO DE 24 HORAS, A CONTAR DA INTIMAÇÃO, SOB PENA DE MULTA ÚNICA DE R$ 15.000,00. AUTORA, ASSOCIADA AO PLANO DE SAÚDE DA RÉ, QUE NECESSITA DE TRANSFERÊNCIA IMEDIATA PARA HOSPITAL DE TRANSIÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO PELA RÉ. DECISÃO QUE NÃO MERECE QUALQUER REFORMA. PRESENÇA DOS REQUISITOS DO ART. 300 DO CPC. ASTREINTES QUE NÃO MERECEM REDUÇÃO EM RAZÃO DOS CRITÉRIOS DE RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. Trata-se na origem de ação de obrigação de fazer c/c pedido de Tutela Antecipada de urgência, ajuizada pela ora Agravada (Autora) em face de UNIMED RIO, alegando que mantém vínculo contratual de assistência de saúde com a ré e necessita de sua imediata transferência para o hospital de transição de sua rede credenciada. Conforme laudo médico acostado aos autos, a autora é pessoa idosa (72 anos de idade), que apresenta quadro de hipertensão, diabetes e foi acometida por Acidente Vascular Isquêmico, que necessita ser transferida para hospital de transição, em razão do alto risco de contrair infecção. O Juízo deferiu a tutela de urgência pretendida para determinar que a UNIMED RIO transfira a autora para o hospital de transição de sua rede credenciada, no prazo de 24 horas, sob pena de multa única de R$ 15.000,00. Inconformada, a UNIMED RIO, interpôs agravo de instrumento, pretendendo a concessão de efeito suspensivo, e a reforma da decisão interlocutória a fim de seja revogada a antecipação de tutela e que seja excluída a pena de multa diária, ou, alternativamente, minorado o valor das astreintes. Agravo de instrumento que não merece prosperar. A decisão agravada analisou o pedido à luz da presença dos requisitos ensejadores à concessão da tutela de urgência, entendendo o MM. Juiz a quo que, por ora, estavam demonstrados nos autos os pressupostos estabelecidos no artigo 300 do NCPC, quais sejam: a) probabilidade do direito; b) perigo de dano ou o risco do resultado útil do processo; c) reversibilidade dos efeitos da decisão. Depreende-se que a plausibilidade do direito perseguido pela agravada (fumus boni iuris) residiria no fato de a mesma estar correndo riscos irreparáveis, como destacado na declaração médica eis que a mesma é idosa, com gravíssimos problemas de saúde, que ensejam cuidados para que não contraia infecções, sendo certo que o indeferimento ou postergação da tutela colocará em risco a saúde da paciente. Já o periculum in mora se consubstanciaria na existência de perigo de irreversibilidade do provimento antecipado, caso indeferida a antecipação da tutela requerida, ante o fato de risco de agravamento do seu quadro, eis que a autora poderia contrair infecções, o que no seu caso, poderia acarretar risco de vida. Ademais, a concessão ou não da antecipação de tutela, decorre do convencimento do juízo discricionário, exercido também em sede de cognição sumária, e somente passível de reforma caso seja teratológica, contrária à lei ou a prova dos autos, como preceitua a Súmula 59 desta Corte, o que não ocorre no caso em análise. Quanto ao pleito objetivando a redução da multa diária, melhor sorte também não lhe socorre. Cediço que é perfeitamente possível aplicação de multa coercitiva para constranger ao cumprimento de decisões interlocutórias, sentenças e acórdãos, sempre que nele se impuser a obrigação de fazer ou não fazer, nos termos dos art. 536, § 1º, e 537 do CPC. Tal exegese autoriza o juiz, inclusive de ofício, a fixar a multa periódica pelo atraso ou descumprimento da obrigação, bem como modificar o valor ou a periodicidade da multa (art. 537, § 1º, CPC), caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva. O valor da multa fixada não faz coisa julgada material e pode ser revista a qualquer tempo pelo magistrado, que poderá alterar o seu valor e até mesmo suspendê-la, a fim de observar o princípio da proporcionalidade e evitar o enriquecimento ilícito da parte. Ou seja, a aplicação de multa deve ser utilizada como meio coercitivo, visando compelir a parte a cumprir decisão de cunho mandamental, com força persuasiva de coagir a fazer, não tendo a multa caráter compensatório. Em se tratando de direito à saúde, em que o bem jurídico que está em risco é a vida da autora, revela-se razoável e proporcional o valor arbitrado pelo juízo agravado, considerando a natureza da obrigação, além do caráter coercitivo. Além disso, a agravante não apresentou impedimento algum para o cumprimento da obrigação, sequer indicou prazo que considera adequado para o cumprimento do comando judicial. Dessa forma, basta que a agravante cumpra a determinação judicial para afastar a incidência da multa. Destarte, em sede de cognição sumária se conclui que os elementos constantes dos autos dão conta de que a decisão que se pretende sobrestar foi proferida de forma escorreita, alinhando-se à doutrina e jurisprudência predominantes, não merecendo qualquer retoque. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. Assim, analisando-se o PERÍODO DE DESCUMPRIMENTO DA LIMINAR, sua natureza coercitiva, as condições pessoais da paciente, o valor da indenização fixada a titulo de danos morais afigura-se adequado a redução das astreintes para a quantia total de R$20.000,00 (vinte mil reais), na data da prolação da presente, observando-se que já houve o bloqueio de R$10.000,00 ( 79821394) restando, portanto , R$10.000,00 a ser pago. Ressalte-se, por fim que sobre as astreintes não incidem honorários advocatícios, juros de mora e nem multa. Nesta esteira: 0065616-14.2023.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO Des(a). TEREZA CRISTINA SOBRAL BITTENCOURT SAMPAIO - Julgamento: 09/11/2023 - DECIMA PRIMEIRA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DECISÃO QUE REJEITOU IMPUGNAÇÃO E DETERMINOU O PAGAMENTO DA DIFERENÇA DO VALOR EXEQUENDO. PRETENSÃO DE INCIDÊNCIA DE MULTA, HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS E A REALIZAÇÃO DE ATOS CONSTRITIVOS. INDEFERIMENTO. PARTE EXECUTADA QUE FOI INTIMADA EM CUMPRIMENTO PROVISÓRIO DE SENTENÇA. TRANSITO EM JULGADO POSTERIOR. DECISÃO VERGASTADA QUE DETERMINA A INTIMAÇÃO PARA PAGAMENTO. MANUTENÇÃO. - Insurge-se a parte agravante requerendo a inclusão ao valor exequendo de multa e honorários de 10% na forma do art.523,§1º do CPC, bem como a penhora do valor, sustentando ausência de pagamento voluntário. - A empresa agravada foi intimada em cumprimento provisório de sentença, não havendo naquele momento titulo executivo judicial, o que só ocorreu com o trânsito em julgado da sentença do processo principal em 11/09/2022. Quando da impugnação a execução, ora rejeitada, tratava-se ainda de cumprimento provisório de sentença. - Nessa seara, somente com a decisão vergastada houve a determinação para pagamento do crédito ao Agravante na forma do art. 523,§1º do CPC, não havendo que se falar em multa e honorários advocatícios sobre a diferença dos valores, bem como deferimento de atos constritivos. - Ademais, trata-se de execução em que há valor de astreinte, sobre o qual não incidem juros de mora, multa por atraso do §1° do art. 523 e honorários advocatícios. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. Isto posto,julgo parcialmente procedente a demanda, na forma do art. 487, I, do CPC, para a) convolar a liminar no index 77315117 em definitiva; b) condenar a ré ao pagamento de indenização pelos danos morais sofridos no valor de R$18.000,00, com correção monetária a partir da presente (Súmula 362 do STJ) e juros legais a partir da citação (Súmula 54 STJ) c) condenar a ré ao pagamento das astreintes no valor total de R$20.000,00, com correção monetária a partir da presente, observando-se que já houve o bloqueio de R$10.000,00 ( 79821394) restando, portanto , R$10.000,00 a ser pago d) condenar a ré ao pagamento das despesas processuais , inclusive honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% sobre o valor da condenação por danos morais, nos termos do art. 85§2º, do Código de Processo Civil. Transitada em julgado e certificado quanto ao regular recolhimento das custas, dê-se baixa e arquivem-se os autos, cientes as partes de que, caso necessário, o presente processo será remetido à Central de Arquivamento. lr/mcbgs RIO DE JANEIRO, 16 de junho de 2025. MARIA CRISTINA BARROS GUTIERREZ SLAIBI Juiz Titular

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Processo Está Em Segredo De Justiça - 1 x Giovanni Quintella Bezerra

ID: 305250688

Tribunal: TJRJ Órgão: Comarca de São João de Meriti- Cartório da 2ª Vara Criminal Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO Nº Processo: 0184307-18.2022.8.19.0001

Data de Disponibilização: 23/06/2025

Polo Ativo:

PROCESSO ESTÁ EM SEGREDO DE JUSTIÇA - 1

Polo Passivo:

GIOVANNI QUINTELLA BEZERRA

Sentença

Advogados:

ROBSON DIAS SANTIAGO

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FRANCISCO VALDEIR DE ALMEIDA

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FRANCISCO BANDEIRA DE LIMA

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ROGERIO RODRIGUES FRANÇA

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LEANDRO HENRIQUE DA SILVA

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1) Relatório: 1.1) Processo n. 0184307-18.2022.8.19.0001 (distribuído em 11/07/2022 - APF nº 954-01194/2022) Ação penal pública proposta pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em f… 1) Relatório: 1.1) Processo n. 0184307-18.2022.8.19.0001 (distribuído em 11/07/2022 - APF nº 954-01194/2022) Ação penal pública proposta pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em face de GIOVANNI QUINTELLA BEZERRA, qualificado e denunciado pela prática da conduta delitiva tipificada no artigo 217-A, §1º c/c artigo 61, II, alíneas g e h , ambos do Código Penal, imputando-lhe os seguintes fatos: No dia 10 de julho de 2022, por volta de 13:50h, no interior da sala 3 do centro cirúrgico do Hospital da Mulher Heloneida Studart, situado na Avenida Automóvel Clube, Jardim José Bonifácio, São João de Meriti, RJ, o denunciado, agindo de forma livre e consciente, com vontade de satisfazer a sua lascívia, praticou atos libidinosos diversos da conjunção carnal, com a vítima ALINE (devidamente qualificada no APF que acompanha a presente), parturiente impossibilitada de oferecer resistência em razão da sedação anestésica ministrada, consistentes em introduzir o pênis em sua boca, fazendo movimentos com a sua cabeça, bem como esfregar o pênis em seu rosto, alcançando, assim, a ejaculação, consoante vídeos anexados aos autos no index 89. O denunciado abusou da relação de confiança que a vítima mantinha com ele, posto que, se valendo da condição de médico anestesista, aproveitou-se da autoridade/poder que exercia sobre ela, ao aplicar substância de efeito sedativo, impossibilitando-a de oferecer qualquer resistência. Os crimes em questão foram cometidos contra mulher grávida e com violação do dever inerente a profissão de médico anestesista. O denunciado atuava como médico anestesista no Hospital da Mulher Heloneida Studart, especificamente em cirurgias de parto do tipo cesárea. No dia dos fatos, funcionários da equipe de enfermagem do referido nosocômio suspeitaram do comportamento incomum apresentado pelo denunciado no centro cirúrgico, já que ele se utilizava de mecanismo a fim de impossibilitar que os demais ocupantes da sala de cirurgias pudessem visualizar a cabeça das parturientes no momento de realização do parto/cirurgia cesariana. Além disso, no mesmo dia, no período da manhã, fora observado pela técnica de enfermagem Thaisa que a primeira puérpera atendida pelo denunciado deixou o centro cirúrgico sob forte sedação, o que é incomum em cirurgias cesarianas. Na segunda cirurgia realizada no fatídico dia, a técnica de enfermagem Renata percebeu que o denunciado, que estava posicionado na direção da cabeça da parturiente, começou a realizar movimentos lentos com o braço esquerdo curvado, os quais sugeriam que ele estava segurando a cabeça da parturiente em direção à sua região pélvica. Em razão das fundadas suspeitas, os mencionados profissionais de saúde, antes do início da terceira cirurgia do dia, qual seja, a cesárea a ser realizada na vítima, mudaram o procedimento cirúrgico para a sala 3, onde era viável posicionar um telefone celular no interior de um armário com portas de vidro escuro, com o intento de registrar em vídeo a possível ação criminosa do denunciado. Durante o procedimento cirúrgico realizado na vítima, o denunciado ministrou, além da anestesia, substâncias destinadas a deixá-la sedada, o que não é recomendado em partos, bem como se posicionou de maneira incomum na sala, de costas para o monitor médico e segurando a cabeça da vítima em direção a sua região pélvica, tentando ocultar a visão dos demais ocupantes da sala de cirurgias por detrás de um traje médico (capote) de tamanho grande, fazendo uma espécie de cabana . Após a realização do procedimento cirúrgico na vítima, os técnicos de enfermagem tiveram acesso aos vídeos captados pela câmera do aparelho de telefone celular posicionado anteriormente na sala 3. Nas gravações, é possível visualizar o momento em que o denunciado introduz o pênis na boca da ofendida, que está desacordada em decorrência da sedação ministrada por ele próprio, logo, incapaz de oferecer qualquer tipo de resistência, e, com o auxílio das mãos, pratica a felação, sem alterar a posição da cabeça da lesada, até atingir a sua satisfação sexual, ejaculando na cavidade bucal da vítima. Ato contínuo, o denunciado, com o auxílio do que parece ser uma gaze, higieniza a sua genitália e descarta o material. Após, faz o mesmo procedimento na boca, rosto e pescoço da lesada. O imputado, a todo o tempo, se mostra preocupado em manter oculta a sua prática delituosa, tentando, ao máximo, dissimular para que os que estão ali presentes não percebam as suas ações. Assim, de posse das gravações, a equipe de profissionais imediatamente comunicou os fatos à Chefia do Hospital da Mulher Heloneida Studart, que acionou a Polícia Civil. No local, os agentes da lei realizaram a prisão em flagrante do denunciado e o conduziram à distrital. Assim como nas cirurgias cesarianas anteriores, durante a cesárea da vítima, o imputado se valeu do mesmo modus operandi, solicitando que o acompanhante da parturiente se retirasse do centro cirúrgico logo após o nascimento do bebê, em claro desrespeito ao direito garantido pelo art. 19-J da Lei 8.080/90, o que configura a violência obstétrica. (fls. 3/5) Audiência de custódia em 12/07/2022, na qual a prisão em flagrante do acusado foi homologada e convertida em prisão preventiva, para garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal (fls. 110/114) Decisão recebendo a denúncia e determinando a citação do acusado (fls. 126/127). FAC do acusado (fls. 133/137). Laudo de exame material (fls. 148/151). Laudo de perícia criminal em equipamento computacional portátil (fls. 154/164) e laudo complementar (fls. 165/166). Laudo de exame material (fls. 167/173). Relatório de análise videográfica (fls. 301/315). Ficha de requisição de medicamentos (fl. 316). Despacho deferindo o pedido de habilitação da vítima como assistente de acusação, requerido à fl. 319 (fl. 351). Relatório psicológico laborado pela ETICRIM Belford Roxo (fls. 372/378). Parecer técnico 080387-1540/2022 de resposta à consulta médico-legal, solicitada pela delegada, a partir do prontuário médico da vítima e do vídeo da cirurgia (fls. 412/434 e fls.448/470). Resposta à acusação, por intermédio da Defensoria Pública, aduzindo, preliminarmente a nulidade da prova, pela ilegalidade da captação ambiental (vídeo), com a sua exclusão dos autos e, por conseguinte, a rejeição da denúncia, por ausência de justa causa. Requer ainda a revogação da prisão preventiva do réu, a instauração de incidente de insanidade mental e a limitação do número de testemunhas arroladas pela acusação (fls. 474/485). Manifestação do Ministério Público às fls. 495/508. Não houve manifestação da assistente de acusação, apesar de devidamente intimada, conforme certidão de fl. 529. Decisão afastando as preliminares apontadas e ratificando o recebimento da denúncia. Além disso, foi indeferido o pedido de instauração de incidente de insanidade mental do acusado, bem como determinado a adequação do rol de testemunhas ao número permitido por lei, designando-se audiência de instrução e julgamento (fls. 531/542). Manifestação do Ministério Público adequando o rol de testemunhas, nos termos do artigo 401 do CPP (fl. 621) Despacho autorizando o compartilhamento de provas requerido pela autoridade policial (fl. 803). Audiência de instrução e julgamento em 12/04/2022, na qual foi realizada a oitiva de 8 testemunhas arroladas pela acusação (fls. 982/983, 987/988 e 990/997). Audiência de instrução e julgamento em 03/05/2023, na qual foi realizada a oitiva de 1 testemunha de acusação (fls. 1099/1101 e fls. 1103/1105) Carta precatória distribuída sob o n.º 0843107-53.2023.8.19.0001, à 32ª Vara Criminal da Capital, através da qual foram realizadas audiências em 25/04/2023 e 18/05/2023, para oitiva de 1 testemunha de acusação e 3 testemunhas de defesa (fls. 1179/1195). Cópia do processo disciplinar instaurado pelo CRMERJ (fls. 1334/2850). Laudo de exame complementar de material (fls. 2891/2894). Audiência de instrução e julgamento em 08/11/2023, na qual foi realizada a oitiva de 2 testemunhas de defesa, bem como o interrogatório do réu, que exerceu o direito de permanecer em silêncio (fls. 2953/2959). Laudo complementar de perícia criminal em equipamento computacional portátil (fls. 3316/3319). Petição da defesa, requerendo a juntada de parecer técnico sobre o laudo técnico acostado aos autos (fl. 3383 e fls. 3385/3412). O Ministério Público, em suas alegações finais requer a condenação do réu nos termos da denúncia, bem como a fixação de indenização em favor da vítima, em valor não inferior a 10 salários-mínimos (fls. 3420/3525). A assistente de acusação, em alegações finais, requer a condenação do réu nas sanções do artigo 217-A, §1º, c/c artigo 61, inciso. II, alíneas g e h , ambos do Código Penal, bem como a fixação de indenização em favor da vítima no valor não inferior a 30 salários-mínimos (fls. 3535/3564). Em alegações finais, a defesa aduz em preliminar (i) a ilicitude da captação ambiental; (ii) a imprestabilidade do laudo pericial do vídeo; (iii) o cerceamento de defesa em razão da impossibilidade de acesso físico ao vídeo original e ao aparelho celular necessário para produção da contraprova. Requer ainda o desentranhamento do laudo pericial nº 3; a impugnação do conteúdo do QRcode em anexo ao id. 89/95. No mérito, sustenta a semi-imputabilidade do acusado e o afastamento da agravante da alínea h do inciso II do artigo 61 do CP. Por fim, requer a revogação da prisão preventiva do réu (fls. 3570/3620). Pedido de compartilhamento de provas para instrução de inquérito civil instaurado para investigar eventual improbidade administrativa, requerido pela Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva competente (3654/3655). 1.2) Processo 0800606-22.2023.8.19.0054 (distribuído em 13/01/2023 - IP 954-01266/2022) Ação penal pública proposta pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em face de GIOVANNI QUINTELLA BEZERRA, qualificado e denunciado pela prática da conduta delitiva tipificada no artigo 217-A, §1º c/c artigo 61, II, g , ambos do Código Penal, imputando-lhe os seguintes fatos: No dia 10 de julho de 2022, por volta de 11h00min, no interior do Hospital Estadual da Mulher Heloneida Studart, situado na Avenida Automóvel Clube, s/n, bairro Jardim José Bonifácio, nesta Comarca, o DENUNCIADO, agindo consciente e voluntariamente, praticou ato libidinoso diverso da conjunção carnal com Marcelle dos Reis Pereira, consistente em encostar seu pênis no rosto da vítima. A vítima não podia oferecer resistência, eis que lhe havia sido ministrada sedação anestésica pelo DENUNCIADO, conforme demonstrado pelas declarações da vítima e das testemunhas. O delito foi praticado mediante violação de dever inerente à profissão, eis que o DENUNCIADO atuava como anestesista na cirurgia de parto do tipo cesárea da vítima. Consta dos autos que a vítima, em gravidez gemelar, foi admitida no Hospital Estadual da Mulher Heloneida Studart, no dia 10 de julho de 2022, em trabalho de parto, sendo indicada a realização de cesárea. Assim, a vítima foi direcionada à sala de parto por volta de 09h00min, conforme consta da ficha de admissão juntada aos autos, sendo que o DENUNCIADO integrava a equipe médica que realizaria o parto, como anestesista. Como praxe para o início da preparação para a cesárea, o DENUNCIADO aplicou, na vítima, a anestesia raquidiana, iniciando-se a cirurgia. No decorrer do procedimento médico, o DENUNCIADO, aproveitando-se de sua profissão e da função exercida no momento, mesmo sem qualquer indicação clínica para tanto, ministrou à vítima substância sedativa, a qual retirou-lhe a capacidade de resistência. Neste ínterim, a técnica de enfermagem Renata Carvalho, que integrava a equipe cirúrgica e já desconfiava de determinadas atitudes do DENUNCIADO, observou que este realizava movimentos pélvicos direcionados à cabeça da vítima. Ainda no decorrer do procedimento cirúrgico, a técnica de enfermagem Priscila Cordeiro, que estava escalada para a recuperação pós-anestésica da vítima, adentrou na sala de cirurgia, com o intuito de auxiliar a técnica de enfermagem Renata, oportunidade em que visualizou o DENUNCIADO, que estava com um volume por dentro da calça , o que indicava que estava com o pênis ereto. É importante registrar que a equipe de enfermagem já estava atenta às atitudes do DENUNCIADO, eis que as pacientes deste comumente saíam das cesáreas sedadas, o que era incomum. Além disso, o DENUNCIADO vestia o capote cirúrgico ao contrário, isto é, com a abertura para frente, o que também divergia das atitudes dos demais integrantes das equipes cirúrgicas. Logo após o nascimento dos bebês, o DENUNCIADO, com o intuito de garantir a prática do delito, ordenou ao corpo de enfermagem que retirasse o acompanhante da vítima, seu esposo, do interior do centro cirúrgico, antes do término do procedimento. Antes, porém, o estado letárgico da vítima foi notado por seu esposo, bem como pela equipe de enfermagem que atuou na cirurgia, sendo que tal fato, inclusive, impossibilitou que a vítima amamentasse os bebês logo após o parto. Diante do comportamento apresentado pelo DENUNCIADO durante a cesárea, a equipe de enfermagem decidiu filmar o próximo parto em que ele atuaria. Assim, no parto cesárea seguinte, realizado na mesma data, foi constatada, mediante as filmagens realizadas pela equipe de enfermagem, a prática do delito de estupro de vulnerável, tendo sido o DENUNCIADO flagrado introduzindo o pênis na boca da paciente, enquanto esta se encontrava inconsciente, sendo submetida ao procedimento, conforme parecer técnico do IML juntado aos autos, objeto de compartilhamento do processo nº 0184307-18.2022.8.19.0001, originado do APF 054-01194/2022, o qual materializou a prisão em flagrante do DENUNCIADO. Ressalte-se que, conforme o parecer técnico acima mencionado, a aplicação de substâncias sedativas em cirurgias de parto tipo cesárea não é comum, ressalvada a ocorrência de determinadas situações específicas que justifiquem a adoção da medida, sendo certo que tal necessidade não foi observada pela equipe médica, neste caso. (id. 46813827) Decisão recebendo a denúncia e determinando a citação do acusado, bem como indeferindo o pedido de prisão preventiva (id. 47190512). FAC do acusado (id. 49662419). Resposta à acusação, por intermédio da Defensoria Pública (id. 53062522). Decisão ratificando o recebimento da denúncia e designando audiência de instrução e julgamento (id. 65184945). Audiência de instrução e julgamento em 27/09/2023, na qual foi realizada a oitiva da vítima e de 4 testemunhas de acusação (ids. 79662799 e 79665355). Resposta de ofício pelo Hospital Estadual Getúlio Vargas, informando a carga horária de trabalho do acusado, bem como a ausência de reclamações de pacientes e/ou profissional quanto ao médico no período anterior aos fatos narrados na denúncia, conforme solicitado pela defesa do réu (id. 79665356). Resposta de ofício pelo Hospital da Mãe - Mesquita (id. 80336999). Resposta de ofício pelo Hospital Municipalizado Adão Pereira Nunes (ids. 81586858 e 81586860). Resposta de ofício pelo Hospital Mario Lioni (id. 83433144). Carta precatória distribuída sob o n. 0914569-70.2023.8.19.0001, à 27ª Vara Criminal da Capital, através da qual foram realizadas audiências em 17/10/2023 e 19/10/2023, para oitiva de três testemunhas de acusação (id. 87227010). Resposta de ofício pelo Hospital da Mulher Heloneida Studart (id. 87318606). Carta precatória distribuída sob o n. 0834471-64.2024.8.19.0001, à 19ª Vara Criminal da Capital, através da qual foram realizadas audiências em 07/05/2024 e 18/06/2024, para oitiva de duas testemunhas arroladas pela defesa (id. 137169853). Certidão esclarecendo a FAC do acusado (id. 146359571). Audiência de instrução e julgamento em 04/11/2024, na qual foi realizado o interrogatório do réu. No mesmo ato foi reconhecida a conexão instrumental com o processo n. 0184307-18.2022.8.19.0001 e determinada a reunião de processos, para viabilizar a unidade de processo e julgamento, autorizando-se o compartilhamento de provas (id. 154370363 e 154370379). O Ministério Público, em suas alegações finais, requereu a condenação do réu nos termos da denúncia, bem como a manifestando-se ainda pela necessidade da manutenção da prisão preventiva (id. 161433990). Pedido de habilitação da defesa, por advogado devidamente constituído (id. 164581065 e 164581067). A defesa, em suas alegações finais, requereu, o reconhecimento da nulidade das provas emprestadas e sua exclusão dos autos, bem como a absolvição do acusado, nos termos do artigo 386, incisos II, V e VII, do CPP. Subsidiariamente, requereu a fixação de pena mínima e a fixação de regime menos gravoso (id. 174023277). É o relatório. Decido. Inicialmente, destaco que foi reconhecida a conexão instrumental entre os processos n. 0184307-18.2022.8.19.0001 e 0800606-22.2023.8.19.0054 e determinada a reunião destes para julgamento unitário, já que ambos tratam dos crimes de estupro de vulnerável praticados pelo réu durante o exercício da profissão de médico anestesista, em circunstâncias tais que a prova de um delito influencia a do outro, conforme será analisado. Imputa-se ao réu a prática de atos libidinosos diversos da conjunção carnal, para satisfação da sua lascívia, contra as vítimas Aline e Marcelle, parturientes, impossibilitadas de oferecerem resistência em razão da sedação anestésica ministrada pelo acusado, durante as respectivas cirurgias de parto tipo cesárea. Ambas as cirurgias foram realizadas no dia 10/07/2022, no Hospital da Mulher Heloneida Studart, ocorrendo primeiro a de Marcelle, no período da manhã. Posteriormente, no início da tarde, foi realizada a cirurgia de Aline. No processo n. 0800606-22.2023.8.19.0054, a denúncia narra que os atos libidinosos, praticados contra a vítima Marcelle pela manhã, consistiram encostar o pênis em seu rosto, conforme narrado na inicial acusatória. Por sua vez, no processo de n. 0184307-18.2022.8.19.0001, a denúncia narra que os atos libidinosos, praticados à tarde contra a vítima Aline, consistiram em introduzir o pênis em sua boca, fazendo movimentos com a sua cabeça (felação), bem como esfregar o pênis em seu rosto, alcançando, assim, a ejaculação. Encerrada a instrução probatória, o Ministério Público requereu a condenação do réu, em ambos os processos, pela prática das condutas tipificadas no artigo 217-A, §1º, com a incidência das agravantes genéricas previstas no artigo 61, inciso II, alíneas g e h , ambos do Código Penal. 2) Preliminares aduzidas no processo n. 0184307-18.2022.8.19.0001: 2.1) Ilegalidade da captação ambiental A defesa aduziu a ilegalidade da captação ambiental, sob o argumento de que o vídeo foi produzido sem o consentimento dos envolvidos e sem a prévia autorização da autoridade policial ou do Ministério Público, além de ser realizada em ambiente privado. A prova impugnada se refere à gravação realizada por ocasião da cirurgia de parto da vítima Aline, durante a qual foram praticados e registrados, em vídeo, os atos libidinosos descritos na inicial acusatória. A filmagem, segundo a denúncia, foi realizada na sala 3 do centro cirúrgico do Hospital da Mulher Heloneida Stuart, por funcionários da equipe de enfermagem, após desconfiarem de atitudes do acusado que não condiziam com a postura adotada por outros anestesistas. Os comportamentos incomuns foram observados durante a realização de cesarianas anteriores à da vítima, nas quais o acusado atuou como médico anestesista das parturientes. Vale destacar que a preliminar suscitada já foi objeto de análise e rejeitada tanto por este juízo, conforme decisão de fls. 531/542, que ratificou o recebimento da denúncia, quanto pelas instâncias superiores, por ocasião do julgamento das ações de habeas corpus impetradas pela defesa neste Tribunal de Justiça (HC n. 0088049-46.2022.8.19.0000) e na Corte Superior (HC n. 812.310/RJ). Em última análise, no julgamento do habeas corpus impetrado pela defesa no Superior Tribunal de Justiça, o Ministro relator ressaltou que a jurisprudência tem reconhecido a legalidade da prova obtida através de gravações clandestinas, nos casos em que estas são realizadas por um dos interlocutores, nos termos da Tese de Repercussão Geral fixada no tema n. 237. Afirmou, ainda, que o uso dessas gravações se justifica sempre que o direito a ser protegido prevalecer sobre o direito à privacidade e à imagem do autor de crime, tal como ocorreu no caso concreto. Transcrevo abaixo a ementa do julgado: HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ART. 217-A, § 1º, DO CÓDIGO PENAL. CAPTAÇÃO AMBIENTAL. REALIZAÇÃO POR UM DOS INTERLOCUTORES SEM CONHECIMENTO DO OUTRO. PACOTE ANTICRIME. REGULAMENTAÇÃO. PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. DISPENSA. RESTRIÇÃO A DIREITO FUNDAMENTAL DO ACUSADO. POSSIBILIDADE. CRITÉRIO DA PROPORCIONALIDADE. NECESSIDADE DA GRAVAÇÃO AMBIENTAL PARA PROVA DA CONDUTA CRIMINOSA. ADEQUAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE MEIO MENOS GRAVOSO. PROPORCIONALIDADE EM SENTIDO ESTRITO. COLISÃO DE INTERESSES. BENS JURÍDICOS DE MAIOR RELEVÂNCIA. LEGÍTIMA DEFESA PROBATÓRIA. LICITUDE DA PROVA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. A inserção do art. 8º-A à Lei n. 9.296/1996 pela Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime) se deu com o fim de regulamentar a captação de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos , para fins de investigação ou instrução criminal. Para tanto, geralmente, exige-se prévia autorização judicial e outros requisitos na concretização da proporcionalidade em suas três dimensões: idoneidade para produzir prova da prática do crime (adequação), inexistência de outro meio menos gravoso de obtenção da prova (necessidade) com pena superior a 4 anos (proporcionalidade em sentido estrito). 2. O art. 8-A, da Lei n. 9.296/1996 garante, em seu § 4º, a utilização, em matéria de defesa, da prova obtida por meio da captação ambiental realizada por um dos interlocutores, quando demonstrada a integridade da gravação. O art. 10-A, da Lei n. 9.296/1996, por sua vez, também incluído pela Lei n. 13.964/2019, previu a figura típica da captação ambiental sem autorização judicial, mas ressalvou, em seu § 1º, os casos em que esta é realizada por um dos interlocutores, situação que pode ser equiparada à atuação de terceiro quando o agente reduzir totalmente a possibilidade de agir da vítima. 3. Os precedentes mais recentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal têm validado o uso das gravações clandestinas como meio de prova, excluindo da incidência típica as captações feitas por um dos interlocutores. A questão não é nova, uma vez que o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário n. 583.937, em 19 de novembro de 2009, em rito de repercussão geral, já havia decidido pela validade probatória da gravação de áudio ou vídeo realizada de forma oculta, por particular, sem conhecimento do outro interlocutor. 4. Não obstante alguns posicionamentos contrários à utilização da gravação clandestina produzida pelas vítimas de crime como meio de prova, há situações em que é forçoso se concluir pela sua licitude, considerando justamente a necessidade de defesa dos direitos fundamentais da vítima. 5. Especificamente com relação à sua utilização como forma de proteção aos direitos fundamentais da vítima de ações criminosas, a proporcionalidade em sentido estrito se aplica como verdadeira causa excludente de ilicitude da prova toda vez que o direito à integridade e à dignidade da vítima prevalece sobre o direito de imagem e privacidade do ofensor. Em outras palavras, é imprescindível que os bens jurídicos em confronto sejam sopesados, dando-se preferência àqueles de maior relevância. 7. Na colisão de interesses, o uso de captações clandestinas se justifica sempre que o direito a ser protegido tiver valor superior à privacidade e à imagem do autor de crime, utilizando-se da legítima defesa probatória, a fim de se garantir a licitude da prova. É exatamente nesse contexto que se insere a conduta daquele que realiza uma gravação ambiental clandestina, inicialmente praticando a conduta típica descrita no art. 10-A da Lei n. 9.296/1996, amparado, no entanto, pela excludente de antijuridicidade, pois sua conduta, embora cause lesão a um bem jurídico protegido, no caso a privacidade ou a intimidade da pessoa alvo da gravação, é utilizada para a defesa de direito próprio ou de terceiro contra agressão injusta, atual e iminente. 8. No presente caso, os funcionários da equipe de enfermagem de um hospital suspeitaram do comportamento incomum apresentado pelo denunciado no centro cirúrgico e registraram em vídeo a ação criminosa, considerando a vulnerabilidade da vítima que estava sedada sem qualquer possibilidade de reação ou mesmo de prestar depoimento sobre os fatos. 9. Ao sopesar os interesses das partes envolvidas na captação ambiental, obviamente que os direitos fundamentais da parturiente se sobrepõem às eventuais garantias fundamentais do ofensor que agora tenta delas se valer para buscar impedir a utilização do único meio de prova possível para a elucidação do crime por ele perpetrado, praticado às escondidas em ambiente hospitalar e em proveito à situação de extrema vulnerabilidade que ele mesmo impôs à parturiente com a utilização excessiva de sedação e de anestésicos, impedindo qualquer tipo de reação. 10. Não há ilicitude a ser reconhecida, devendo a ação penal ter o seu normal prosseguimento, a fim de elucidar os fatos adequadamente narrados pela acusação. 11. Habeas corpus não conhecido. (HC n. 812.310/RJ, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 21/11/2023, DJe de 28/11/2023.) De acordo com o entendimento adotado, a gravação ambiental clandestina prescinde de autorização judicial quando utilizada para a defesa de direito próprio ou de terceiro contra agressão injusta, atual e iminente. Considerando que nenhum direito é absoluto, o direito à intimidade e à privacidade não pode servir de instrumento para salvaguardar atividades ilícitas. No caso concreto, sopesando os interesses envolvidos, o STJ reconheceu que o direito à integridade e à dignidade sexual da vítima prevalece sobre o direito à imagem e privacidade do autor do crime, não havendo falar em ilegalidade da prova. Ademais, diante da iminência da prática de conduta potencialmente relevante e do estado de vulnerabilidade da vítima, não se revela viável exigir autorização prévia para a captação ambiental. Tal exigência configuraria dupla violação aos seus direitos fundamentais, pois, além de ter sido submetida aos abusos perpetrados, não dispunha de qualquer possibilidade de se opor à investida criminosa ou sequer de testemunhar a violência sofrida, circunstância que inviabilizaria - ou ao menos tornaria extremamente difícil - a produção da prova indispensável à apuração e, em última instância, à repressão do ilícito. Veja-se ainda que, por se tratar de medida que não está sujeita à reserva de jurisdição, não há necessidade de conhecimento prévio da autoridade policial ou do órgão acusatório para se reconhecer a validade da prova. A situação se assemelha à gravação feita por um dos interlocutores, já que a vítima estava totalmente impossibilitada de agir, em razão das condições que lhe foram impostas pelo próprio agressor. Além do mais, os pareceres do Conselho Federal de Medicina citados pela defesa em alegações finais apresentadas no processo n. 0184307-18.2022.8.19.0001 (fl. 3.575), sobre a gravação de cirurgias, em nada prejudicam a análise da legalidade da prova, já que não versam sobre eventuais práticas de crime cometidas por médicos contra pacientes, e sim sobre controle de qualidade auditável e a intimidade de trabalhadores, sem considerar o contexto criminoso. A captação ambiental, no caso concreto, teve como finalidade exclusiva a proteção da integridade e da dignidade sexual da paciente, não havendo qualquer contradição com as normas invocadas. Cumpre acrescentar que a gravação resultou em benefício direto à vítima, por se revelar o meio mais eficaz para evidenciar, com precisão, as condutas que haviam sido ocultadas pela dissimulação do réu. A partir disso, além de a paciente não ter questionado a legalidade da prova, as imagens captadas configuraram o principal elemento pelo qual obteve conhecimento claro e detalhado dos fatos, circunstância que motivou, inclusive, sua habilitação nos autos como assistente de acusação, em total adesão à prova. Conforme ressaltado nas decisões anteriormente citadas, que reconheceram a licitude da prova, a captação ambiental foi realizada ainda no interior de sala de centro cirúrgico de hospital integrante da rede pública de saúde do Estado, no exato momento em que o acusado desempenhava a função pública de médico anestesista. O sigilo do procedimento alcança unicamente a parturiente, não se podendo falar em legítima expectativa de privacidade por parte do réu. Dessa forma, mostra-se desnecessária qualquer discussão a respeito da natureza do local em que a captação se deu, pois, diante das circunstâncias específicas do caso concreto e da legítima defesa probatória exercida pela vítima diante de investidas criminosas, a aplicação do princípio da proporcionalidade e a prevalência dos direitos fundamentais da vítima afastam por completo qualquer alegação de ilegalidade quanto à captação ambiental realizada. Ademais, tendo as instâncias superiores reconhecido a legalidade da prova produzida, não cabe a este juízo reexaminar a matéria, em observância ao princípio da segurança jurídica e à lealdade processual, razão pela qual rejeito a preliminar arguida pela defesa. 2.2) Integridade da prova e ausência de evidência de quebra da cadeia de custódia A tese de ilegalidade da captação ambiental por ausência de demonstração da integridade da prova será analisada juntamente com a alegação de quebra da cadeia de custódia, pois ambas têm por argumento a ausência de prova documental referente à Ficha de Acompanhamento de Vestígio (FAV), assegurando a idoneidade e integridade do vídeo extraído do celular apreendido. Nesse tópico, também serão analisadas a impugnação ao laudo pericial e a alegação de cerceamento de defesa. A defesa técnica aduziu, em síntese, a impossibilidade de produção de contraprova, uma vez que o aparelho celular foi restituído à testemunha de acusação, proprietária do bem. Com efeito, toda e qualquer evidência probatória está sujeita a demonstração de sua integridade, independente da previsão contida no artigo 8-A, §4º, parte final, da Lei n. 9.296/96, como requisito indispensável para a utilização da gravação ambiental. Nesse aspecto, ressalto que as determinações contidas no artigo 158-A a 158-F do CPP são aplicáveis a todo e qualquer elemento probatório, a fim de se garantir a idoneidade e autenticidade da prova. Considerando ainda a ausência de previsão legal quanto ao descumprimento do que a lei determina, mostra-se mais adequado o entendimento de que a violação da cadeia de custódia pode resultar em eventual imprestabilidade da prova, sem alterar a sua natureza. Trata-se, portando, de causa de nulidade, e não de ilicitude da prova, exigindo-se a comprovação de efetivo prejuízo. Nesse sentido é a lição de Renato Brasileiro: Respeitando aqueles que defendem a tese de que violação da cadeia de custódia implica, de plano e por si só, a inadmissibilidade da prova, de modo a atrair as regras de exclusão da prova ilícita, parece ser mais adequada aquela posição que sustenta que as irregularidades constantes da cadeia de custódia devem ser sopesadas pelo magistrado com todos os elementos produzidos na instrução, a fim de aferir se a prova é confiável. (Lima, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal - Volume único - 14 ed., ver., atual., e ampl. São Paulo: Editora JusPodivm, 2025. Pág. 707) Esse também é o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça: PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO. NULIDADE. CAPTURAS DE TELA DE DIÁLOGO TRAVADO ENTRE RÉU E VÍTIMA PELO APLICATIVO MESSENGER. AUSÊNCIA DE PERÍCIA PARA ATESTAR A AUTENTICIDADE DAS MENSAGENS. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. EVENTUAL ADULTERAÇÃO DA PROVA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. ART. 563, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PREJUÍZO CONCRETO NÃO EVIDENCIADO. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Como é cediço, o instituto da quebra da cadeia de custódia diz respeito à idoneidade do caminho que deve ser percorrido pela prova até sua análise pelo magistrado, sendo certo que qualquer interferência durante o trâmite processual pode resultar na sua imprestabilidade. Tem como objetivo garantir a todos os acusados o devido processo legal e os recursos a ele inerentes, como a ampla defesa, o contraditório e principalmente o direito à prova lícita (AgRg no RHC n. 147.885/SP, Rel. Ministro OLINDO MENEZES (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), SEXTA TURMA, julgado em 7/12/2021, DJe 13/12/2021). 2. É firme a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, não evidenciada a existência de adulteração da prova, supressão de trechos, alteração da ordem cronológica dos diálogos ou interferência de terceiros, não há falar em nulidade por quebra da cadeia de custódia. Precedentes. 3. Na hipótese dos autos, a Corte local afastou a preliminar de nulidade, assentando que as capturas de tela impugnadas pela defesa foram fornecidas pela própria vítima, interlocutora da conversa mantida com o recorrente, por meio do aplicativo Messenger, não se tratando o caso, portanto, de espelhamento de dados da conta do réu, tampouco de acesso, por terceiro, ao aplicativo instalado no aparelho desse (e-STJ fls. 584/585). O Tribunal de origem ressaltou, ainda, (i) que, na espécie, não há nenhum indicativo de exclusão do conteúdo do diálogo objeto das capturas de tela, e que eventual adulteração poderia ter sido comprovada pelo réu, o que não ocorreu (e-STJ fl. 585); (ii) que, nem mesmo quando interrogado A. G. negou o teor da conversa, limitando-se a afirmar que não recorda se refutou a conjunção carnal ao responder a ofendida [...] (e-STJ fl. 585); e (iii) que a prova consistente nos prints de tela da conversa mantida entre o réu e a vítima seria analisada em conjunto com os demais elementos probatórios constantes dos autos (e-STJ fl. 586). Assim, não comprovada pela defesa qualquer adulteração no iter probatório, não se verifica a alegada quebra da cadeia de custódia da prova. 4. Ademais, esta Corte Superior possui entendimento pacífico no sentido de que o reconhecimento de eventual nulidade, relativa ou absoluta, exige a comprovação de efetivo prejuízo, vigorando o princípio pas de nulité sans grief, previsto no art. 563, do CPP. Precedentes. No presente caso, a defesa não logrou demonstrar prejuízo em razão do alegado vício, tampouco comprovou cabalmente a ocorrência de adulteração de dados. 5. Outrossim, a desconstituição das conclusões alcançadas pelo Tribunal de origem, firmadas no sentido de que não foi constatado qualquer comprometimento do iter probatório, no intuito de abrigar a pretensão defensiva, demandaria, necessariamente, amplo revolvimento do conjunto fático-probatório, providência vedada em sede de recurso especial. Incidência da Súmula n. 7/STJ. 6. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp n. 2.295.047/SC, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 5/9/2023, DJe de 8/9/2023 - grifos nossos) No caso concreto, a simples ausência de juntada da Ficha de acompanhamento de vestígios (FAV) não torna a prova inútil, tratando-se de mera irregularidade, pois vejamos: O laudo pericial (fls. 154/164) aponta que o material encaminhado se encontrava acondicionado em embalagem plástica oficial, lacrada e acompanhada da respectiva FAV. Ao final do procedimento de extração dos dados, o perito consignou que o material foi novamente lacrado e devolvido ao apresentante. Logo, o aparelho celular examinado é o mesmo encaminhado pela polícia, não tendo a defesa apontado qualquer elemento capaz de infirmar a conclusão que se trata do aparelho apreendido. Quanto à extração dos dados, consta no laudo que a extração lógica foi levada a efeito com a cópia dos dados de interesse (arquivos de vídeo), constantes no sistema de arquivos do celular, os quais foram posteriormente carregados em programa de análise de dados. Após encontrar o vídeo compatível com o fato investigado, o perito registrou as informações do arquivo e o respectivo hash, bem como alguns frames do vídeo. Em resposta ao quesito de n. 1, que questiona a existência de indícios de manipulação (edição) nas imagens, o perito afirmou que não foram percebidas alterações dignas de nota . Também vale consignar a afirmação do perito no sentido de que o arquivo de vídeo de interesse foi gerado pelo telefone celular analisado (resposta ao quesito de n. 5). Desse modo, observa-se que não há nenhum indício de que a prova obtida através do celular apreendido sofreu qualquer interferência capaz de comprometer a sua integridade ou fidedignidade. Ao contrário do alegado pela defesa, a simples retirada do chip do aparelho celular pela testemunha Thaisa, proprietária do bem, não compromete a autenticidade do arquivo examinado, pois o vídeo gravado foi armazenado na memória interna do aparelho, não havendo nenhuma relação com eventuais dados armazenados no sim card . Como se verifica no laudo pericial, o arquivo examinado foi extraído da memória interna do aparelho, e não no dispositivo físico removível. O referido documento traz a informação do caminho do arquivo (Tabela 1), que corresponde ao seu local de armazenamento. O arquivo não sofreu, portanto, nenhuma alteração a partir da retirada do sim card , não havendo qualquer influência de um sobre o outro. Também não se verifica quebra da cadeia de custódia pelo fato de não o material não ter sido encaminhado à perícia acompanhado do lacre rompido. Observa-se que não houve substituição do aparelho apreendido, mas tão somente a retirada do sim card , que não tem qualquer relação com o vídeo gravado, como mencionado acima. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que nem mesmo a falta de lacre no material encaminhado à perícia é, por si só, capaz de invalidar a prova, sendo imprescindível a demonstração de adulteração ou contaminação do vestígio. Veja-se: DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ALEGAÇÃO DE QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. AUSÊNCIA DE PROVA DE ADULTERAÇÃO. REGULARIDADE DAS PROVAS COLHIDAS. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE PARA A CONDENAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE PROVAS EM SEDE DE HABEAS CORPUS. ORDEM DENEGADA. I. CASO EM EXAME 1. Habeas corpus impetrado em favor de Idelblendon Alves da Silva, condenado à pena de 5 anos e 10 meses de reclusão, além de 583 dias-multa, pela prática do crime de tráfico de drogas (art. 33, caput, c/c art. 40, IV, da Lei n. 11.343/06). A defesa alega nulidade da prova, argumentando que houve quebra da cadeia de custódia devido à ausência de lacre nos objetos apreendidos. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em verificar se a alegada quebra da cadeia de custódia, em razão da ausência de lacre nos vestígios apreendidos, compromete a validade da prova utilizada para a condenação do paciente. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A alegação de quebra da cadeia de custódia não se sustenta apenas pela ausência de lacre ou ficha de acompanhamento dos objetos apreendidos. Para configurar a nulidade da prova, é necessário demonstrar, de forma concreta, a adulteração ou contaminação dos vestígios. No caso, não há qualquer indício ou prova de que os materiais tenham sido manipulados de forma indevida ou alterados, e a defesa não conseguiu demonstrar prejuízo ou irregularidades capazes de invalidar a prova. 4. A jurisprudência desta Corte tem entendimento pacificado de que a simples ausência de lacre ou ficha de acompanhamento não implica, por si só, na nulidade da prova, sendo necessário comprovar a adulteração dos vestígios. Além disso, o reexame de provas em sede de habeas corpus é vedado, uma vez que essa via processual não admite dilação probatória. lV. ORDEM DE HABEAS CORPUS DENEGADA. (STJ, HC nº 902.361/RJ 2024/0111124-9, Rel. Min. Daniela Teixeira, J. 12.11.2024 - grifo nosso). Malgrado a defesa tenha alegado violação ao princípio da confiança, não há qualquer indício ou elemento probatório que aponte adulteração ou contaminação do vestígio, seja em relação ao aparelho celular, seja quanto ao vídeo nele gravado e posteriormente apresentado à perícia, não se tendo demonstrado a suposta falta de autenticidade da prova. Cuida-se, portanto, do exercício do direito à ampla defesa, o qual, no entanto, não compromete a confiabilidade da origem e do conteúdo probatório em questão. Sabe-se que a principal finalidade da cadeia de custódia é garantir que os vestígios deixados no mundo material por uma infração penal correspondam exatamente àqueles arrecadados pela polícia, examinados e apresentados em juízo. E, no caso concreto, as simples alegações apresentadas pela defesa não são suficientes para demonstrar que o arquivo examinado pelo perito não corresponde à gravação da cirurgia da vítima, durante a qual ocorreu a ação criminosa praticada pelo réu. Ademais, a ausência de juntada da ficha de acompanhamento de vestígios não se confunde com a falta de documentação dos atos praticados durante a investigação criminal, já que no laudo pericial consta a informação de que o perito teve acesso ao referido documento. Essa informação foi, inclusive, confirmada em juízo pelo expert responsável pela perícia, por ocasião da sua oitiva, realizada sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. O perito criminal Aulos Rafael Dutra de Souza, responsável pela elaboração do laudo do telefone celular onde foi gravado o vídeo da cirurgia da vítima Aline, prestou os seguintes esclarecimentos em juízo, em resumo não literal: elaborou o laudo em questão e recorda-se de vários aspectos relacionados a ele. É perito concursado do ICCE, com formação em Física e Ciência da Computação, capacitação que o habilita a realizar esse tipo de perícia. Para a elaboração do laudo, a mídia deve ser recebida lacrada e acompanhada da Ficha de Acompanhamento de Vestígio (FAV), requisito essencial à preservação da cadeia de custódia. No caso em análise, a mídia chegou devidamente lacrada e acompanhada da FAV. Eventuais inconformidades devem ser registradas na própria FAV e no laudo, podendo a perícia ser realizada mesmo diante do vício, desde que documentado. Não há lembrança de ter registrado alguma inconformidade neste caso, mas, se houvesse, isso teria sido consignado. A FAV contém campos para que todas as pessoas envolvidas na manipulação do vestígio registrem não conformidades, sendo considerada essencial para a compreensão da cadeia de custódia. Na folha 155 consta a imagem do lacre, que apresenta número de série, local de coleta e tipo de vestígio, mas não a data de coleta, que, por sua vez, está na FAV. A ausência dessa data no lacre não constitui, portanto, uma desconformidade. Mesmo se tal informação não estivesse na FAV, isso não representaria necessariamente uma irregularidade, pois poderia constar em outro documento. Não soube responder se é irregular que o responsável pelo lacre não seja o mesmo que apreendeu o vestígio, por não se tratar de matéria de sua competência. Consideram-se vestígios tanto o aparelho quanto o vídeo contido nele, sendo necessária a preservação de ambos. A depender dos quesitos, o celular deve ser manuseado com cuidado antes de chegar ao perito, já que, mesmo após a extração do vídeo, o aparelho continua sendo relevante. O software utilizado na análise foi o Cellebrite. A elaboração do laudo teve início no dia 14 de julho e sua assinatura ocorreu no dia 18, sem motivo específico para o intervalo. O tempo de produção de um laudo varia conforme os elementos analisados. A análise centrou-se nos metadados do vídeo e na forma de armazenamento no dispositivo, não no conteúdo visual do vídeo. A identificação do proprietário do celular não era relevante para os quesitos apresentados. A retirada ou o manuseio prévio do chip (SIM card) não interfere na análise pericial, pois o chip geralmente armazena apenas contatos, chamadas e mensagens de texto, que não eram objeto da perícia. Foram extraídos, além do vídeo, outros arquivos, conforme exigência dos quesitos. O telefone foi armazenado adequadamente. Como não estavam disponíveis todos os elementos desejáveis, foi necessário interpretar a dinâmica dos fatos descritos no registro de ocorrência, localizando e assistindo a todos os vídeos gravados na mesma data. Selecionou aquele compatível com a narrativa apresentada. Após o exame, o celular foi lacrado novamente, conforme registrado na FAV, e encaminhado ao setor administrativo. O vídeo foi armazenado em mídia separada, e um laudo complementar foi produzido, com cálculo do hash do arquivo, que consiste em uma assinatura digital que garante sua integridade. Apenas um vídeo foi analisado neste caso. Havendo mais arquivos, cada um teria seu hash individual. O hash, incluído no laudo, permite ao destinatário recalcular e verificar a autenticidade do arquivo. O hash é único e irreproduzível; nenhum outro arquivo gerará o mesmo valor. Na folha 162, item b , consta que a gravação foi iniciada em 10 de julho de 2022, às 13h45min, e, no item g , finalizada às 15h22min, indicando a duração exata do vídeo. A criação do arquivo se dá ao final da gravação, pois o celular salva o conteúdo apenas após o término da captura. Metadados de outros vídeos foram utilizados para efeito de comparação, mas não integraram o laudo. Foram analisados elementos como abertura da câmera, ponto focal e outros aspectos técnicos, todos voltados à verificação de que o vídeo foi produzido pelo mesmo dispositivo. A página 4 do laudo traz diversos metadados, tanto específicos do arquivo quanto relativos ao hardware - como câmera e microfone - que indicam que a gravação foi feita por aquele celular ou por um aparelho do mesmo modelo, como um Samsung, e não por dispositivos de outras marcas, como iPhones ou Motorolas. Durante a visualização do vídeo, com o objetivo de verificar sua compatibilidade com o evento narrado, não foram observados indícios de edição ou adulteração. Em caso de suspeita, o trecho correspondente deve ser apontado para análise em software especializado, de responsabilidade do setor de áudio e imagem. Como não houve essa indicação, não se realizou essa análise. O vídeo não apresentou cortes, interrupções ou incompatibilidades temporais. A duração, somada ao horário de início, corresponde exatamente à data de criação do arquivo. Não foi realizado exame de comparação biométrica para identificação das pessoas no vídeo, pois não foi solicitado, e esse procedimento compete a outro setor. O vídeo só foi acessado após a prisão do réu, quatro dias antes da perícia. Antes disso, o conhecimento do caso adveio apenas da cobertura televisiva. O fato de o vídeo ter sido transmitido ou copiado não altera o conteúdo do arquivo original nem afeta sua proteção, já que o periciado foi o original extraído do celular. Após concluir a extração e calcular o hash, o aparelho foi lacrado e devolvido ao setor administrativo. No dia 14, devolveu-se apenas o celular; os dados extraídos permaneceram com o perito até o dia 18, data da assinatura do laudo complementar. Durante esse intervalo, os dados permaneceram armazenados. Posteriormente, foram apagados devido à limitação de espaço no HD de trabalho, sendo priorizada a exclusão de arquivos mais antigos. O aparelho foi restituído, conforme auto de devolução, ao suposto proprietário. A avaliação sobre a regularidade desse procedimento não é de competência do perito, mas sim da autoridade policial. Mesmo após a devolução, seria possível realizar nova perícia, caso necessário, utilizando o próprio aparelho para gerar novos vídeos e comparar os metadados com o original, ainda que o dispositivo tenha sido zerado. A análise diz respeito à produção dos metadados em função do hardware, e não exclusivamente do conteúdo. A formação do perito não precisa, necessariamente, ser em informática. A legislação permite que peritos tenham diversas formações. Após a nomeação, os profissionais passam por treinamento específico para uso das ferramentas, preservação da cadeia de custódia, manuseio de lacres e procedimentos laboratoriais. Como há poucos peritos especializados no estado, os treinamentos são feitos internamente, entre os próprios servidores. Os celulares chegam ao centro já lacrados, conforme o padrão da cadeia de custódia, e após análise são novamente lacrados e encaminhados ao setor administrativo. Desde setembro de 2015, quando ingressou na polícia, o perito produziu cerca de 1.500 laudos e recebe, em média, três celulares por requisição. O recebimento do material envolve conferência por ao menos três pessoas: quem o recebe no instituto, o setor administrativo e o próprio perito. São verificados a FAV, o número do lacre, a integridade da embalagem, os dados do vestígio e a correspondência com a requisição. Eventuais inconformidades são registradas na FAV e no laudo. Após a análise, os dados são extraídos para o computador do laboratório, e o celular é devolvido. A escolha do método de extração depende do tipo de quesito. Se o aparelho estiver desbloqueado ou com senha fornecida, pode-se realizar uma extração mais simples, restrita ao conteúdo requerido. Com o uso do Cellebrite, o software interage com o sistema operacional do celular para obter as respostas solicitadas. A retirada do chip não interfere na análise de vídeos, pois esses dados não estão relacionados ao SIM card. Metadados são informações incorporadas ao próprio arquivo de vídeo, como data e hora da gravação, e são analisadas diretamente no arquivo. A data de criação registrada pelo sistema pode ser manipulada se o relógio do celular estiver alterado, razão pela qual foi realizada uma análise detalhada de vários parâmetros, como o nome do arquivo, horário de início da gravação e tempo de duração, para confirmar a autenticidade da data informada. Concluiu-se que o vídeo foi produzido por um aparelho Samsung do mesmo modelo analisado. Alterar os metadados exigiria replicar exatamente as características de hardware do dispositivo original, o que não seria viável para qualquer usuário. O modelo do microfone, da câmera e outros componentes devem coincidir. Apenas um aparelho com hardware idêntico ao original poderia gerar o mesmo conjunto de metadados. Os vídeos comparativos não foram inseridos no laudo, pois serviram apenas para análise de compatibilidade de hardware. O procedimento adotado é padrão. Em duas outras ocasiões similares, o perito armazenou vídeos, mas isso depende da natureza dos quesitos. Neste caso, não houve necessidade. A qualquer momento, os metadados poderiam ser novamente comparados com novos vídeos produzidos no mesmo aparelho. A palavra do perito tem fé pública. Não foram detectados indícios de edição. Um indício possível seria, por exemplo, a existência de trechos escurecidos ou cortes abruptos incompatíveis com o funcionamento da câmera. Nesse caso, o vídeo apresentou perfeita compatibilidade temporal entre a hora de início da gravação, sua duração e a data de criação, o que afasta qualquer suspeita. O fato de o vídeo ter sido postado em redes sociais não compromete sua análise, pois o original permanece no celular e foi esse que foi periciado. A possibilidade de uma nova perícia depende do estado atual do dispositivo. Caso o vídeo tenha sido apenas excluído, o Cellebrite pode recuperar o arquivo. Se houve formatação total (wipe), a memória terá sido zerada, inviabilizando a recuperação. O tempo necessário para sobrescrever um vídeo depende do uso posterior do aparelho e do gerenciamento de memória pelo sistema operacional. O hash funciona como uma assinatura digital gerada por um algoritmo específico (neste caso, SHA-256). A mesma entrada sempre gerará a mesma saída, mas arquivos diferentes jamais produzirão o mesmo hash. É impossível obter o vídeo a partir do hash. Caso o mesmo algoritmo seja aplicado a outro arquivo e gere o mesmo valor, há certeza de que se trata do mesmo vídeo. No procedimento de recebimento no instituto, o material é inicialmente verificado por um servidor, passa pelo setor administrativo, é armazenado em sala específica e então encaminhado ao perito, que realiza nova conferência dos dados da FAV, da integridade do lacre e da embalagem. Qualquer desconformidade é registrada. Além do lacre e do invólucro, há um documento gerado na delegacia no momento da apreensão, que acompanha o vestígio durante toda a cadeia de custódia. Esse documento é verificado por ao menos três pessoas: o servidor que recebe o material, o administrativo e o próprio perito. Havendo inconformidade, ela será registrada na FAV e no laudo. Desde o ingresso do material no instituto até sua devolução, o procedimento seguiu as exigências da cadeia de custódia. Note-se, portanto, que o material apreendido foi devidamente lacrado e acompanhado da respectiva Ficha de Acompanhamento de Vestígio (FAV), a qual registrou todo o percurso do vestígio ao longo da cadeia de custódia. Segundo o perito, conforme consta de seu depoimento, não foi identificada qualquer irregularidade no processo, pois, caso houvesse, estaria expressamente consignada tanto na FAV quanto no próprio laudo pericial. Com efeito, a simples leitura do laudo revela a inexistência de qualquer anotação sobre irregularidades na apresentação do material para análise. O perito relatou ter assistido ao vídeo e não ter identificado nenhum indício de edição, o que confirma que a gravação não sofreu qualquer interferência externa. A integridade da prova é ainda corroborada pela plena correspondência entre os dados de criação do arquivo, início da captura e duração da gravação. De igual modo, a restituição do celular à testemunha antes da assinatura do laudo não comprometeu a análise, pois o perito já havia extraído todos os dados necessários à elaboração do exame antes da devolução do vestígio à autoridade policial, conforme se depreende de seu depoimento. Além disso, a própria restituição do aparelho à testemunha evidencia o respeito ao princípio da mesmidade, indicando que o vestígio devolvido é o mesmo que foi originalmente coletado pela polícia e encaminhado à perícia. A alegação da defesa no sentido de que a restituição do vestígio e a ausência da ficha de acompanhamento impedem a valoração do laudo é de cunho genérico e não aponta de forma concreta nenhuma irregularidade na perícia que comprometa a integridade da prova. O laudo pericial apresentado pela defesa às fls. 3.385/3.412 é incapaz de infirmar as conclusões do perito, uma vez que não foi produzido a partir da cópia original do vídeo acautelada em cartório, mas sim com base no QRCode de fl. 195. Embora consista em um recurso que facilita o acesso ao conteúdo do vídeo, é evidente que não se trata do mesmo arquivo examinado pelo perito. Apesar do esforço argumentativo da defesa, haveria a necessidade de demonstrar a adulteração do vestígio para afastar a presunção juris tantum de legitimidade dos atos praticados pelos agentes públicos no exercício de suas funções, o que não ocorreu no caso concreto (STJ - RHC: 175591, Relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do Tjdft), DJe 19/05/2023). Note-se ainda que, em nenhum momento, a defesa impugnou o conteúdo da gravação em si, limitando-se a apontar supostas falhas na cadeia de custódia, as quais não foram comprovadas. Some-se a isso o fato de a defesa pretender desqualificar a gravação ambiental, ignorando as demais provas constantes nos autos que, em conjunto, podem conduzir à condenação do réu. Eventual quebra na cadeia de custódia somente resultaria na imprestabilidade da prova se houvesse alguma inconformidade que comprometessem sua confiabilidade à luz do restante do conjunto probatório, sendo inadmissível sua análise de forma isolada. Dessa forma, considerando que a defesa não logrou demonstrar a alegada quebra da cadeia de custódia nem a suposta falta de autenticidade do vídeo, conclui-se que a captação ambiental é plenamente válida, devendo ser valorada juntamente com os demais elementos de prova constantes nos autos para a formação do juízo acerca dos fatos narrados na denúncia. Rejeito, assim, a preliminar suscitada pela defesa. 2.3) Impugnação ao QRCode Não assiste razão à defesa quanto à impugnação ao QRCode juntado aos autos às fls. 95, pois não se trata de uma fonte autônoma de prova, consistindo apenas em uma facilidade de acesso ao conteúdo da gravação. A existência do QRCode nos autos, portanto, é completamente indiferente para o resultado do processo, uma vez que a prova a ser valorada é a cópia original da gravação extraída durante a realização da perícia e acautelada neste Juízo, motivo pelo qual rejeito a referida preliminar. 3) Da ausência de nulidade das provas emprestadas aduzida pela defesa no processo n. 0800606-22.2023.8.19.0054: A defesa arguiu a nulidade das provas emprestadas, em alegações finais, após a decisão de reunião dos processos para julgamento conjunto, diante da existência de conexão probatória, proferida durante a realização da audiência de instrução e julgamento. Ressalte-se que a reunião dos processos para julgamento unitário foi determinada após a constatação do liame objetivo entre os fatos narrados nas denúncias, uma vez que ambas tratam de crimes de estupro de vulnerável supostamente praticados pelo réu no exercício da profissão de médico anestesista, na mesma data, no mesmo local, com imediatidade temporal e mediante idêntico modo de execução. Diante desse contexto, considerando que as condutas imputadas ao denunciado estão interligadas, inclusive com o compartilhamento das mesmas testemunhas, mostra-se imprescindível o julgamento conjunto, nos termos do art. 82 do Código de Processo Penal, prevenindo-se, assim, decisões conflitantes, conforme deliberado na audiência de instrução e julgamento dos autos n.º 0800606-22.2023.8.19.0054, realizada em 04/11/2024 (id. 154370379). Segundo orientação do Superior Tribunal de Justiça, ocorre a conexão instrumental (ou ainda probatória) quando duas ou mais infrações tiverem o mesmo nexo fático, a justificar o julgamento pelo mesmo juízo. O instituto visa a conferir ao Magistrado a ideal visão da conjuntura fático-probatória, para que seja proferida a correta prestação jurisdicional e minimizada a possibilidade de ocorrência de decisões conflitantes, em prejuízo do jurisdicionado e da própria atuação judicial (STJ, CC n. 186.111/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em 27/4/2022, DJe de 29/4/2022) (AgRg no RHC n. 172.720/RO, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 28/8/2023, DJe de 30/8/2023). Pontuo, ainda, que a defesa teve ciência da reunião dos processos na própria audiência e não se insurgiu naquele momento, apesar de intimada, configurando-se, assim, a preclusão. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que eventuais nulidades, sejam absolutas ou relativas, devem ser arguidas no momento processual adequado, além de devidamente demonstrado o prejuízo sofrido pela parte, sob pena de preclusão. Nesse sentido: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. ART. 212 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PROTAGONISMO DO MAGISTRADO SINGULAR . NULIDADE. AUSÊNCIA. PRECLUSÃO DA MATÉRIA. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO . AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Não obstante a reforma implementada pela Lei n. 11 .690/2008, o magistrado não está impedido de perguntar à vítima e às testemunhas.A alteração legislativa apenas agilizou a maneira de inquirição, prevendo legalmente o que na prática já era realizado, ou seja, outorgou ao Ministério Público e à Defesa a faculdade de perguntar diretamente ao depoente, mas não retirou a atribuição instrutória do juiz. (REsp n. 1 .895.517-PE, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, DJe 13/10/2020). 2. O art . 212 do CPP, mesmo após as modificações ocorridas com o advento da Lei n. 11.690/2008, continua a permitir que o juiz formule perguntas às testemunhas, sendo-lhe facultada, na busca da verdade real, a produção de provas necessárias à formação do seu livre convencimento, nos termos do art. 156, III, do CPP . (AgRg nos EDcl no HC n. 806.955/RS, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 13/6/2023, DJe de 23/6/2023). 3 . Na hipótese, o suposto protagonismo da magistrada na oitiva das testemunhas, além de não se enquadrar nas hipóteses previstas no art. 254 do Código de Processo Penal, ensejadoras do pedido de suspeição por quebra de imparcialidade, lastreou-se em mera conjectura sobre a conduta da julgadora durante o ato processual, uma vez que considerou a quantidade de questionamentos e do tempo utilizado por cada parte e pela magistrada em cada inquirição. 4. Hipótese em que a defesa não se insurgiu quanto à nulidade agora apontada em momento oportuno, qual seja, no decorrer da audiência de instrução e julgamento. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que eventuais nulidades, absolutas ou relativas, devem ser aduzidas em momento oportuno, além de demonstrado o prejuízo suportado pela parte, sob pena de preclusão. 5. A defesa não cumpriu demonstrar o prejuízo suportado pela parte, à luz do art. 563 do Código de Processo Penal, segundo o princípio pas de nullité sans grief . 6. Agravo regimental desprovido. (AgRg no RHC n. 192672/SC, Relator. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 03/06/2024) Ademais, o princípio da vedação ao comportamento processual contraditório, aplicável ao processo penal, proíbe que a parte adote um comportamento diverso daquele adotado anteriormente, em verdadeira surpresa à outra parte e ao juízo, devendo-se proteger a lealdade e a confiança das relações jurídicas. Dessa forma, considerando que a defesa já havia requerido a utilização dos depoimentos das testemunhas Priscila, Renata e Amanda, colhidos em audiência do processo conexo, a fim de verificar eventuais contradições, não cabe agora alegar a existência de nulidade. Ao determinar a reunião dos processos e o julgamento conjunto, garante-se às partes uma visão ampla de todo o conjunto probatório, bem como ao juízo a busca de uma solução adequada e mais o mais próximo possível da verdade dos fatos. Não há que se falar em afronta ao princípio do devido processo legal, por mitigação ao contraditório e à ampla defesa, uma vez que a defesa técnica teve acesso à totalidade das provas, sendo-lhe possível apontar eventuais contradições existentes. Por fim, note-se que a defesa não apontou a existência de nenhum prejuízo concreto, o que é indispensável para o reconhecimento de qualquer nulidade, conforme se depreende do artigo 563 do CPP. Pelo exposto, rejeito a preliminar alegada e reconheço a validade da utilização das provas produzidas no processo conexo. 4) Mérito: Rejeitadas as preliminares alegadas pela defesa, passo, agora, à análise do mérito. Verifica-se que a materialidade do delito está consubstanciada nos diversos documentos que instruíram as denúncias, principalmente no auto de prisão em flagrante do acusado, nos registros de ocorrências, depoimentos das vítimas e das testemunhas, prontuários médicos das vítimas, além da prova audiovisual, consistente na gravação dos atos libidinosos praticados pelo réu durante a realização da cirurgia de parto da vítima Aline. Ressalte-se ainda e existência de laudo pericial atestando a autenticidade e integridade da gravação, como já reconhecido no tópico 2 desta sentença Igualmente a autoria delitiva também está demonstrada pelos depoimentos das vítimas e testemunhas, colhidos em juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. Vejamos: Durante a instrução do processo n. 0184307-18.2022.8.19.0001 foram colhidos os depoimentos da vítima Aline e de seu cônjuge, bem como das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, conforme os resumos não literais consignados a seguir: A vítima Aline Augusto Fausto de Jesus narrou em juízo que, ao se preparar para o parto, contou com o auxílio de um enfermeiro e de uma enfermeira para colocar o roupão, sendo depois ajudada pelo enfermeiro a sentar na mesa de cirurgia. O acusado se apresentou e perguntou como havia recebido anestesias em cesarianas anteriores, ocasião em que respondeu ter tomado deitada. O acusado afirmou que, para ele, seria melhor aplicar a anestesia com a paciente sentada. Relatou que, antes da anestesia, estava sentindo muito frio na sala de cirurgia, que o ambiente era bastante gelado, e que expressou vontade de urinar. O acusado respondeu que, após a anestesia, seria colocada uma sonda, e que explicaria todos os procedimentos para que ela não se assustasse. Disse que sentiria um líquido gelado nas costas, que seria o álcool, e depois uma picada, que corresponderia à anestesia. Após o procedimento, deitou-se com a ajuda do acusado e do enfermeiro. Comunicou ao acusado que estava se sentindo sufocada, pois estava com uma máscara de tecido, que foi então retirada por ele. Passou a sentir enjoo e notou que o acusado colocou uma gaze ao lado de sua cabeça. Quando relatou o enjoo, ele retirou a máscara de oxigênio e posicionou apenas um tubo com ar gelado voltado para o seu rosto. Quando se sentia sufocada, virava o rosto em direção a esse tubo. Seu esposo não estava presente nesse momento, pois fora informado que ele só entraria na sala após ela estar preparada. Declarou que não foi impedida pelo acusado ou por alguém da equipe de ter seu marido ao lado, mas foi informada por outros funcionários de que esse era o procedimento do hospital. Informou que o marido só foi chamado depois da aplicação da anestesia e que ele entrou na sala de cirurgia antes do nascimento do bebê. Estava se sentindo fraca, com dificuldade até mesmo para segurar a mão do esposo. Contou que chegou ao hospital às 6h12 da manhã e que ficou aguardando até por volta das 7h para ser atendida, embora estivesse em jejum desde as 23h do dia anterior. Aguardou muito tempo na emergência, entre 10h e 11h, sem recordar o horário exato. Ficou sentada aguardando ser chamada para a sala de enfermagem e passar pelo médico da emergência. Recebeu a roupa hospitalar e, ao vestir-se, começou a sentir-se muito fraca. Comunicou-se com a enfermeira, que acionou o médico da emergência (não o acusado), e este mandou medir sua glicose, diagnosticando hipoglicemia. O médico determinou que fosse deitada, e ficou aguardando até que fosse chamada pelas enfermeiras para subir à sala de cirurgia. Informaram que chamariam seu marido e que o maqueiro a levaria. Recorda-se de que, depois de anestesiada, percebeu seu marido segurando sua mão, mas não viu o momento em que ele entrou. Tinha os braços apoiados e se sentia com as mãos fracas. Sentiu-se segura com a presença dele. Narrando sua experiência obstétrica anterior, contou que sua primeira gravidez foi de risco, com diagnóstico de diabetes gestacional, e que os médicos tentaram induzir o parto, sem sucesso. Como foi realizada cesariana, seu marido não pôde acompanhar. Ficou internada dois dias esperando indução do parto, sem resultado. Internou-se em uma segunda-feira e, na quarta-feira, foi submetida à cesariana. Dessa vez, esperava que o marido pudesse participar, pois ele esteve com ela durante toda a internação. Declarou que todas as suas gestações foram de risco, em razão do hipotireoidismo. Também apresentou diabetes gestacional durante a gestação de seu filho mais novo, que teve um intervalo curto com relação à gestação anterior. Por isso, foi orientada a se internar ao atingir 41 semanas e meia, o que cumpriu. Relatou que, antes do início da cirurgia, tentaram contato com seu marido, que estava aguardando na recepção, mas não conseguiram, pois o telefone dele estava fora de área. Quando ele chegou à sala, o médico já estava realizando os pontos da cesariana. Relembrou que, nos dois partos anteriores, o marido não conseguiu acompanhar, mas nesta ocasião sentia-se muito segura. O acusado conversava com ela e a fazia sentir confiança. Quando foi sedada, passou a sentir os braços moles e o corpo fraco, ainda que estivesse consciente. Nas cesarianas anteriores, sua consciência era mais nítida. Quando comunicou ao acusado que estava se sentindo fraca, ele respondeu que estava tudo bem e que ela estava sendo monitorada. A sensação de fraqueza ocorreu após a aplicação da anestesia e antes da incisão cirúrgica. Disse que havia notado uma conduta diferente do acusado, até porque estava anestesiada. Quando manifestou vontade de urinar, ele disse que outro profissional colocaria a sonda após a anestesia. No entanto, foi ele mesmo quem a colocou, o que causou estranhamento, embora estivesse anestesiada e não percebesse toques ou olhares inadequados. A cirurgia prosseguiu e o bebê nasceu. Lembra que o acusado pediu um medicamento chamado cefalexina a um enfermeiro. Seu marido informou sobre a alergia da paciente, e o acusado mencionou outro medicamento. O enfermeiro, entretanto, não o encontrou de imediato, e o acusado reagiu dizendo que, se ele pediu, o medicamento deveria estar disponível, demonstrando impaciência. Esse comportamento causou desconforto à paciente, mas até então nada lhe pareceu anormal. Não se lembra do número exato de médicos e enfermeiros presentes, mas cita a presença do anestesista e de um enfermeiro. Havia duas pessoas realizando a cirurgia e ela viu três mulheres, sem conseguir identificar quem era pediatra e quem era enfermeira. Lembra do momento em que o bebê foi mostrado por cima do lençol, e se emocionou. Sentiu-se segura e feliz, com alívio ao ver que estava tudo bem, especialmente considerando sua idade (34 anos) e o medo de eclampsia. Após o parto, o bebê foi enrolado e entregue ao marido. Tiraram fotos. Em seguida, a depoente apenas lembra que estava acordando, com esforço para abrir os olhos, sentindo algo em sua boca. Estava nervosa, sem conseguir falar. Notou que a gaze não estava mais ao lado de sua cabeça. Tentava cuspir, mas não tinha forças. Acabou engolindo o que estava em sua boca, sem saber do que se tratava. Pensou que fosse saliva ou algo semelhante. Questionava o que havia ocorrido, mas ninguém respondia. Perguntou onde estava seu filho, ouviu o choro, mas não conseguia vê-lo. Sentia-se confusa e desorientada. Um dos médicos que participou do parto veio conversar com ela e comentou, de forma descontraída, que ela estava ligada e que havia tido uma hipoglicemia. Esse médico a tratou bem, tentando acalmá-la. Antes disso, notou duas enfermeiras abraçadas, uma delas chorando, sendo consolada. Um enfermeiro afirmou que uma das enfermeiras havia recebido uma notícia desagradável. Depois, entregaram-lhe o bebê na maca, e ela foi encaminhada à enfermaria. Sentia muita dor no abdômen, falava com dificuldade e a voz saía fraca. Pedia um remédio e foi medicada com duas dipironas, sem maiores explicações. Estranhou o fato de não poder levantar a cabeça e não receber orientações da enfermeira ao ser medicada. Mais tarde, viu o acusado passando e o chamou, querendo entender o que havia ocorrido. Ele respondeu que ela havia apenas sentido enjoo. Agradeceu a atenção, sem saber ainda o que havia acontecido. Declarou que não imaginava que, naquele momento, não sabia o pesadelo em que se tornaria sua vida. Só teve conhecimento do que realmente havia acontecido no momento da alta hospitalar. Comentou com o esposo que sentira algo estranho em sua boca, que havia dormido e não sabia se aquilo teria sido o único acontecimento. O marido também afirmava não saber ao certo o que ocorrera, mas demonstrava preocupação. Pensava apenas em aproveitar o filho recém-nascido, pois faria laqueadura e desejava viver intensamente esse momento. Tentava compreender o que havia ocorrido durante a cirurgia, sentindo-se aliviada por estar viva e bem. Durante o pré-natal, enfrentou dificuldades, uma vez que o marido estava desempregado. As roupinhas do bebê só puderam ser compradas nos estágios finais da gestação. Tentou engravidar por sete anos e valorizava muito aquele momento. Afirmava não haver quem pudesse dizer que fosse uma mãe negligente: nunca faltou a uma reunião escolar dos filhos, acompanhava todas as consultas do filho asmático, e só deixou de levá-lo recentemente por causa da situação vivida. O controle da medicação dele foi prejudicado, ele ficou com a saúde debilitada, perdeu uma consulta e está com dois exames atrasados há mais de seis meses, sem que ela ou o marido conseguissem levá-lo. Foi a irmã quem revelou o ocorrido. No dia do parto, houve confusão: a roupa usada para ir ao hospital desapareceu, bem como a pasta com documentos do pré-natal. Lembrava que uma enfermeira havia colocado os itens sobre uma mesa. Quando voltou, tudo havia sumido. O marido exigia que localizassem os pertences, preocupado com a perda dos exames. Mais tarde, chamaram o marido dizendo que o segurança do hospital queria falar com ele. Retornou dizendo que não lembrava do que havia sido dito, o que aumentou o estranhamento. Na manhã seguinte, após a troca de plantão, foi levada para uma sala isolada. Passou a questionar o motivo, e o marido afirmava não saber. A irmã chegou acompanhada do cunhado, o que causou mais sua desconfiança. O marido passou a noite sentado à beira da cama por falta de acomodações. A irmã mencionou que algo grave havia acontecido, que o anestesista havia aplicado uma quantidade excessiva de anestesia, mas não deu detalhes. No momento da alta, quando se preparava para vestir o bebê, o assunto ressurgiu. O diretor do hospital entrou com uma médica e uma psicóloga. Iniciou-se uma discussão porque o marido alegava ter combinado que a família faria a revelação. A situação gerou confusão. Sentia-se nervosa, tentando fazer com que o leite descesse, preocupada com a possibilidade de não conseguir amamentar. A irmã a abraçou e, em voz baixa, disse que a depoente havia sido abusada pelo anestesista. Perguntou como aquilo teria acontecido, mas a irmã não entendeu. Demorou a acreditar. Recordava-se de que, ao aguardar na emergência para o parto, estava cansada, com fome, pensava até em adiar. Decidiu não reclamar, confiando que tudo daria certo, o que não se concretizou. Estava tranquila, mas a vida virou de cabeça para baixo. Passou a sentir medo de sair de casa. Quando alguém caminhava atrás, entrava em pânico. Em uma ocasião, ao levar os filhos à escola, viu um carro parado na rua com os vidros fechados e ficou paralisada. Após a cirurgia, passou a noite com calafrios. Sete dias depois, foi levada à emergência com pressão alta. Temia morrer. Ao ver os filhos, pedia a Deus que não a deixasse partir. Mesmo com pontos da cirurgia, ajoelhou-se e orou. A incisão ficou vazando por quase um mês. O marido precisava apertar sua barriga. Teve resguardo por, no máximo, uma semana e logo depois precisou prestar depoimento. Queria apenas voltar para casa com o filho, cuidar dele, amamentá-lo com exclusividade, mas não conseguiu. Teve de tomar coquetel contra IST. Tudo aconteceu de forma simultânea, a discussão entre o marido e o diretor, a revelação da irmã e as injeções no banheiro. Sentia-se perdida, desejava apenas ir embora. Chegou a amamentar, porque os médicos afirmaram que não faria mal ao bebê. Uma semana depois, o filho apresentou coloração amarelada nos olhos. Os médicos suspeitaram dos medicamentos, mas, como outro filho já havia tido icterícia, não se preocupou. No entanto, quando o pediatra orientou a suspensão da amamentação por três meses, sentiu-se devastada. No primeiro dia em que tentou dar fórmula, o leite escorria pelo chão e o filho chorava. Caminhou pela casa com o leite pingando e não podia alimentar o bebê. O marido, pedreiro por conta própria, interrompeu o serviço que realizava na casa da vizinha para cuidar dela. A vizinha e o filho, amigo de infância, souberam do caso pela televisão e procuraram a mãe da depoente para saber se estava tudo bem. A mãe, que ainda não sabia, respondeu que sim. A vizinha continuou pagando o marido, mesmo sem ele trabalhar. As despesas se acumularam, o dinheiro que ele recebia era para quitar dívidas. Além de cuidar dela, precisava levar os filhos à escola, e a casa foi tomada pelo caos. Gastaram recursos com orientação jurídica, mas ela não soube dizer quanto, pois os familiares é que arcaram com os custos. Não houve despesas com tratamento psicológico nem com cuidados médicos para o filho. Estava realizando terapia no Hospital da Mulher. No dia da alta, perguntaram se gostaria de ser encaminhada para outro hospital, mas recusou por vergonha de relatar o que havia acontecido. Preferiu permanecer sendo acompanhada ali mesmo. Passou por psicólogo, ginecologista, endocrinologista e pediatra. Recebia transporte, pois não tinha condições de arcar com os custos. Atualmente, não está mais em acompanhamento psicológico. A profissional responsável sabia das dificuldades e disse que não marcaria novo retorno, mas que, quando precisasse, bastaria solicitar. Sentiu-se como se tivesse sido descartada. A primeira psicóloga, Teresa, prometeu que continuaria acompanhando voluntariamente, mesmo após pedir demissão, mas desapareceu. Não teve coragem de procurá-la. Acreditava que conseguiria seguir sem acompanhamento, mas percebe que está pior: com medo de tudo. No momento do parto, nenhum integrante da equipe médica, nem mesmo o acusado, informou que haveria aplicação de sedativo adicional além da raquianestesia. Não viu o momento em que o marido saiu da sala, pois já estava inconsciente. Após tirar foto com o bebê, não lembra de mais nada. Não viu o réu aplicar nenhum outro tipo de medicação que não fosse sedativo. O pré-natal foi iniciado perto de sua casa, com uma enfermeira. Por ser gestante de risco, foi encaminhada a um médico ginecologista, que a direcionou ao Hospital da Mulher. Nas gestações anteriores, teve diabetes gestacional, além de ser portadora de hipotireoidismo. No posto de saúde, o médico não era o doutor Danilo, que aparece no prontuário como obstetra responsável pelo parto no hospital. A gestação foi tratada como de alto risco por essas duas condições. Recebeu acompanhamento correspondente à cesariana de alto risco. O marido indicou a alergia à cefalexina, e ouviu uma enfermeira também mencionar esse fato. Tinha receio de eclampsia, embora nenhum profissional tenha lhe dito que apresentava essa condição. Não sofria de pressão alta antes do parto, passou a ter somente após o ocorrido. Tratava apenas o hipotireoidismo, com uso contínuo de medicação. A hipoglicemia foi identificada pelo médico da emergência durante a triagem, pois estava em jejum. Na sala de cirurgia, ouviu uma mulher comentar que ela havia tido uma hipoglicemia, mas não sabe quem foi. O acusado afirmou que outro profissional aplicaria a sonda durante a cirurgia, mas acabou sendo ele mesmo quem a colocou. Lembra de um enfermeiro estar presente nesse momento, embora não se recorde do nome. No mesmo ato cirúrgico, foi realizada a ligadura de trompas. Sentiu enjoo, mas não chegou a vomitar. Após o término do efeito da anestesia, sentiu dor abdominal. A testemunha Weskley Adriano Delante de Jesus, marido da vítima, prestou o seguinte depoimento em juízo: ficou um bom tempo aguardando do lado de fora para entrar na sala de cirurgia. Uma segurança do hospital falou que era para ele subir para a sala de cirurgia para assistir ao parto. Um enfermeiro o levou primeiro para almoçar, informando que dali o chamaria para a sala de parto. Chegou, trocou de roupa e ficou aguardando. Perguntou a alguns médicos que estavam por perto para onde deveria ir para assistir ao parto, e o conduziram para uma sala onde aguardou um tempo até que fosse chamado. Entrou na sala de parto, viu sua esposa e falou com ela. Ela ainda estava acordada. Ficou conversando com ela por um tempo e assistindo ao parto. Sua esposa reclamou dizendo que estava enjoada. Colocaram o fluxo de oxigênio próximo ao rosto dela. Ao chegar ao hospital, sua esposa subiu antes, e ele ficou no andar de baixo aguardando até ser liberada sua entrada. Foi liberado após sua esposa passar pelo procedimento de preparação para a cirurgia. Ao entrar na sala de cirurgia, ela já havia sido anestesiada, mas ainda estava acordada, um pouco sonolenta, porém era capaz de perceber o que acontecia. Ela viu a criança ao nascer. No final do parto, tirou uma foto com a criança e com sua esposa. Depois que tirou a foto, uma enfermeira disse que teria que terminar o procedimento. Perguntou à enfermeira se teria que sair, e escutou uma voz masculina dizendo que teria que aguardar do lado de fora, mas não sabe quem falou, pois estava de costas. Na sala de cirurgia, estavam o acusado, uma pediatra, o médico que fazia a cirurgia, uma enfermeira e um enfermeiro que apenas entregou um medicamento e se retirou. Durante o parto, ficou sentado em uma cadeira ao lado de sua esposa. Depois que tirou a foto com ela, não a viu mais. Quando mandaram que se retirasse, pegou na mão dela, mas não conseguia ver seu rosto, pois havia algo cobrindo, e falou que estava saindo da sala de parto. Ela não respondeu. Não viu nenhum dos médicos ou enfermeiros agirem como se houvesse algo errado no procedimento ou alguma sinalização nos equipamentos que indicasse problema. O anestesista aplicaria um antibiótico, pois sua esposa disse que estava sentindo dor. Falou que ela era alérgica a esse tipo de remédio, acredita que era cefalexina, mas não lembra exatamente. Um enfermeiro trouxe um medicamento e o anestesista pediu que o trocasse. Não reparou se havia gaze do lado da cabeça de sua esposa. O acusado permaneceu sentado de frente para o depoente, ao lado da vítima, ao lado das máquinas. Não sabe se a voz que ouviu dizendo para aguardar do lado de fora era do acusado, pois estava de costas. Saiu e o bebê ficou. Só soube o que tinha acontecido quando a delegada lhe relatou o ocorrido. Ela foi ao hospital, já tarde, e informou que sua esposa havia sido abusada, sem dar mais detalhes. Optou por contar à esposa apenas após a alta, pois ela estava em recuperação de uma cesariana. Considerou que sua esposa é uma pessoa um pouco nervosa e teve medo de que ficasse muito abalada com a notícia, prejudicando a amamentação do bebê e agravando sua saúde. Quando saiu da sala de parto, o anestesista ainda estava sentado no mesmo lugar, ao lado do maquinário de monitoramento. O acusado estava próximo da vítima, mas não ao ponto de encostar nela. Ficou bastante tempo em uma sala e chegou até a cochilar. Depois saiu um pouco da sala e ficou encostado na porta. Viu quando os enfermeiros passaram com sua esposa e seu filho em cima dela. Não conseguiu ver se ela estava acordada. Depois só a viu novamente no quarto. Ela perguntou se havia acontecido alguma coisa. Disse que ficou um tempo desacordada e que percebeu algo estranho na boca que não conseguia cuspir e teve que engolir. Não falou nada sobre gosto ruim, apenas que era algo gosmento que não conseguia cuspir. Quando ela entrou no quarto, estava acordada, meio grogue. Após ser retirado da sala de cirurgia e descer para aguardar, não sabe ao certo quanto tempo ficou esperando. Desde que viu sua esposa sair da sala até encontrá-la no quarto, passou mais de uma hora. Quando a viu no quarto, ela ainda estava sonolenta, falando devagar. Sua esposa disse que perguntou à enfermeira o que havia acontecido na sala de cirurgia e recebeu como resposta que teria tido uma baixa oxigenação. Após a delegada lhe contar o ocorrido, não teve mais contato com nenhum dos profissionais que participaram do parto, mantendo contato apenas com funcionários da direção do hospital. Ele e sua esposa ficaram muito abalados com o ocorrido. Teve prejuízo financeiro diante dos fatos narrados, pois trabalha como pedreiro e teve dificuldade para trabalhar, já que precisava acompanhar sua esposa nas consultas médicas, pois ela tem medo de sair de casa sozinha. Nem todos os clientes compreendiam os motivos pelos quais não comparecia ao trabalho. Trabalha por empreitada e por diária, dependendo do combinado com o cliente, e não tem estimativa de quanto deixou de ganhar por conta de ter que acompanhar sua esposa. Por semana, tira em média de R$ 300,00 a R$ 1.000,00, dependendo do trabalho. Perdeu de duas a quatro semanas de trabalho. Teve gastos com orientação jurídica, mas não sabe ao certo quanto gastou. Recebeu ajuda de amigos. Não teve gastos a mais com os cuidados dos filhos. Não sabe definir quanto tempo ficou na sala aguardando após sair da cirurgia, pois estava muito cansado e acabou cochilando. Ficou um bom tempo lá. Quando subiu, já era cinco e pouca, quase seis horas. Quando chegou, sua esposa ainda estava sonolenta e com dificuldade de falar. Os outros dois partos de sua esposa não foram no Hospital da Mulher, e sim em outro hospital. Não acompanhou nenhum dos dois partos anteriores. Nos partos anteriores, teve acesso ao quarto onde estava sua esposa após o parto. Nos partos anteriores, sua esposa estava normal. No terceiro parto, a vítima fez mais um procedimento, que foi a laqueadura de trompas. Durante o procedimento, não ouviu nenhum médico falar que a vítima teve hipoglicemia. Ouviu esse fato apenas da vítima. Não sabe o nome do enfermeiro que estava na sala de cirurgia. Havia um enfermeiro só na sala. Não se lembra se esse enfermeiro estava na sala de cirurgia quando mandaram o depoente sair da sala. Na sala de cirurgia, segurou o seu filho e tirou foto com ele. Sua esposa também tirou foto com o bebê, mas não chegou a segurá-lo. A enfermeira o segurou perto da vítima, e o depoente tirou a foto. Ela ainda estava acordada. Não houve nenhuma rejeição de sua esposa em relação ao bebê. Sua esposa teve que parar de amamentar o bebê por um momento por estar tomando coquetel de HIV. Os médicos disseram que ela deveria parar de amamentar por um determinado tempo. Ela produzia leite e lhe deram uma bomba para extrair o leite e não empedrar. Nas gestações anteriores, sua esposa amamentou os bebês normalmente. A testemunha Thaisa Kelly Ramos da Silva Ferreira, técnica de enfermagem e dona do aparelho no qual foi gravada a cirurgia da vítima, prestou as seguintes declarações em juízo: relatou que a equipe mudou em março, quando houve alteração na escala. Trabalha 12 horas por 60 horas, e após uma troca de empresa a jornada passou a ser de 24 horas por 120 horas. Em razão dessa mudança, a equipe de enfermagem também foi alterada. Nem sempre atua com os mesmos anestesistas; era eventual que estivesse de plantão com o acusado. No plantão anterior à filmagem, uma colega de trabalho, Renata, havia percebido algo incomum. Ela achava estranho o fato de o acusado permanecer muito próximo da cabeça da paciente e notou um movimento estranho da mão dele. As pacientes saíam excessivamente sedadas, o que não é habitual em cesarianas. Sua colega chegou a cogitar uma conotação sexual na conduta observada, embora não tivesse certeza, pois a visualização não era clara. A colega não questionou o acusado sobre o excesso de sedação. Explicou que, em cesarianas, a sedação ocorre quando o bloqueio anestésico não surte efeito ou quando a paciente manifesta dor ou se mostra muito agitada. Nesses casos, aplica-se uma sedação leve, por via intravenosa, geralmente com Dormonid ou outros sedativos mais potentes. Situações de falha no bloqueio anestésico não são comuns, ocorrem apenas eventualmente. Não se recorda de ocorrências anteriores ao plantão em que foi feita a gravação. Costuma manter foco nas suas tarefas, já que as equipes e salas são rotativas. Só passou a observar o comportamento do acusado após o comentário da colega. Antes disso, não havia notado nada fora do comum. No dia da filmagem, antes de atender a vítima, o acusado participou de dois outros partos. Estava presente nessas cirurgias, mas apenas para prestar auxílio eventual aos colegas de equipe, caso precisassem de suporte nos procedimentos. Na primeira dessas cirurgias, percebeu um excesso de sedação na paciente. Quando entrou na sala, observou que o acusado havia coberto o carrinho de anestesia com um capote sobre o suporte de soro, dificultando a visualização da cabeça da paciente, conduta incomum nessas cirurgias. Os demais médicos da sala não questionaram a atitude do acusado, pois costumam estar concentrados na cirurgia e acabam não notando o que ocorre ao redor. Ressaltou que são as enfermeiras que devem atentar para condutas incomuns, pois sua função é zelar pela paciente. Quando um médico solicita, por exemplo, um fio cirúrgico ou o anestesista requisita um medicamento, é o enfermeiro quem se dirige à farmácia para buscá-lo. Naquela cirurgia, a paciente já estava sedada quando entrou, e sua única ação foi perguntar por que a paciente estava naquela condição. O acusado, em resposta, questionou se ela também queria, dando a entender, na sua percepção, que perguntava se ela também queria ser sedada. Insistiu na pergunta sobre o motivo da sedação, uma vez que, quando a paciente está sedada, a retirada dela da mesa cirúrgica torna-se mais difícil e o bebê não consegue ser levado imediatamente ao peito da mãe para a amamentação, normalmente feito pelas enfermeiras. O acusado, novamente, respondeu com a mesma frase, perguntando se ela também queria. Diante disso, retirou-se da sala. Estima que a paciente tenha sido sedada após a retirada do bebê, pois o acompanhante já havia deixado a sala, o que costuma acontecer quando o bebê nasce, a pedido dos próprios médicos. É uma prática comum adotada por todas as equipes. O acusado estava bem próximo à paciente. Na primeira cirurgia, não foi possível observar movimentos estranhos, apenas o alto nível de sedação e o capote posicionado de forma anormal, cobrindo o carrinho de anestesia. Não era sua cirurgia nem sua sala. Entrou, observou a paciente, questionou o motivo da sedação e se retirou. Antes do início da terceira cirurgia, já havia uma suspeita em relação à conduta do acusado. A equipe se reuniu e decidiu realizar uma gravação, pois não conseguiam visualizar com clareza o que o acusado fazia. O celular foi posicionado em um armário de vidro, próprio para gravações em sala de cirurgia. Não esteve presente durante a cirurgia narrada na denúncia; quem estava em sala era seu colega de trabalho, Davi. Outros profissionais entravam na sala, mas sem se aproximar do campo cirúrgico. Na cirurgia da vítima, apenas Davi, da equipe de enfermagem, permaneceu na sala. O marido da vítima pode ter confundido a pediatra com uma enfermeira. Ao término da cirurgia, pegaram o celular para assistir à gravação. Pularam trechos do vídeo, por ser extenso, até chegarem à parte em que o acusado abaixa a calça e introduz o pênis na boca da paciente. Antes disso, quando estava para ocorrer a segunda cirurgia, da qual sua colega Renata participou, a depoente estava em sua própria sala, onde teria uma cirurgia de revisão de trajeto. Orientou Renata para que não permitisse a saída do acompanhante da paciente da sala de cirurgia. Renata lhe relatou que o acusado insistia para que o acompanhante saísse da sala. Ao fim desse procedimento, a paciente estava muito sedada. Renata lhe contou ainda que, nessa segunda cirurgia, o acusado se manteve próximo à cabeça da paciente. Tentou gravar a situação, mas não conseguiu. A partir desse episódio, decidiram registrar a cirurgia seguinte, que foi a da vítima referida na denúncia. Durante esse procedimento, a placa de bisturi apitou, e Renata deu a volta para ajustá-la, pois não estava bem aderida. Nesse momento, o acusado fechou o capote, e foi então que Renata percebeu que ele estava com o pênis ereto. No vídeo gravado, é possível ver o momento em que o acusado administra a sedação na paciente, após o nascimento do bebê, conduta incomum. As imagens mostram o acusado colocando o pênis na boca da vítima. Não assistiu ao vídeo completo, portanto não sabe se houve ejaculação. Colegas que viram toda a gravação relataram que o acusado limpou o próprio pênis e a boca da vítima. Não teve contato com a vítima. Renata permaneceu na sala para auxiliar na retirada da paciente da mesa. Em outro momento, na copa do hospital, o acusado a abordou e perguntou se alguma paciente havia feito ouvidoria contra ele. Respondeu que não sabia. Nessa ocasião, a situação já havia sido reportada à direção do hospital. A chefia do acusado o havia afastado das cirurgias, e por isso teria feito esse questionamento. Não soube precisar quantas cirurgias antes Renata já havia notado condutas estranhas do acusado. O único momento em que falou diretamente com ele foi na primeira cirurgia, quando questionou o motivo da sedação da paciente. Pode ter trocado palavras com ele em outras ocasiões, relacionadas ao trabalho, mas não se recorda com exatidão. Antes da limpeza da sala de cirurgia onde ocorreram os fatos narrados na denúncia, um colega de trabalho recolheu tudo o que o acusado havia jogado no lixo. Após assistirem ao vídeo, entraram em contato direto com a supervisão imediata e comunicaram à coordenação, além de também avisarem à direção do hospital. O chefe da anestesia compareceu e afastou o acusado das atividades. Seguiu com seu trabalho normalmente, pois havia outras cirurgias naquele dia. Não se lembra se foi determinada a restrição de acesso à sala onde ocorreu o fato. O celular utilizado para a gravação pertencia à própria depoente. A escolha do aparelho foi aleatória. Trabalhava como técnica de enfermagem naquele hospital há pouco mais de um ano, tendo iniciado em maio do ano anterior. Atua como técnica de enfermagem há 10 anos. Dependendo do posicionamento da mesa de cirurgia, o acesso dos enfermeiros fica limitado, pois a mesa é grande. Evita ir para o outro lado da mesa justamente para não correr o risco de contaminação, já que não há necessidade de circular por aquele lado. Costuma permanecer do lado direito da paciente, que dá acesso direto à porta de entrada e saída. Dessa posição, fica mais fácil atender aos pedidos do cirurgião ou do anestesista. Também nesse lado fica a mesa da enfermeira e o berço do bebê, o que reforça não haver motivo para deslocar-se ao lado oposto. A entrada no centro cirúrgico é liberada para todos os que trabalham no local, mas quem não faz parte da equipe precisa de autorização específica. Embora não tenha formação técnica em anestesia, conhece os termos e procedimentos devido à convivência e experiência profissional. Não participou da anamnese da paciente e não sabia que ela faria laqueadura de trompas. A equipe que realiza esse procedimento é a mesma da obstetrícia. Não tinha conhecimento de que a gestação da vítima era considerada de alto risco. Não estava presente na cirurgia referida na denúncia. Além do campo cirúrgico posicionado no suporte de soro, o acusado também colocava um capote ao lado da paciente. Quando Renata percebeu que o acusado estava com o pênis ereto, ele usava capote e calça cirúrgica. Não sabe informar se ele utilizava outra calça por baixo da calça cirúrgica. Amanda permanece no posto de enfermagem dentro do centro cirúrgico. Na cirurgia da vítima, havia apenas o técnico de enfermagem Davi. Os medicamentos que serão utilizados já ficam à disposição do anestesista antes mesmo do início da cirurgia. Caso haja necessidade, o anestesista pode aplicar um novo sedativo sem solicitar nada a ninguém, pois já tem tudo disponível. É o próprio anestesista quem anota as substâncias utilizadas no procedimento. Depois, essa ficha retorna à farmácia para que seja feito o controle e a reposição dos insumos. Quando questionado sobre o motivo do excesso de sedação, o acusado não respondeu diretamente, apenas fez uma brincadeira com a depoente. Posteriormente, não chegaram a verificar o prontuário para confirmar os registros ou justificativas quanto à sedação excessiva. A equipe contava com cinco pessoas, além dos médicos. É comum que os profissionais circulem entre as salas para oferecer auxílio. Em situações excepcionais, a entrada de outros profissionais é autorizada para cobrir escalas ou substituir ausências. Não se recorda há quanto tempo trabalhava com o acusado nem a quantidade de plantões que realizaram juntos. Não tinha reparado em nada que chamasse atenção em relação a ele até o dia dos fatos. Alguns médicos utilizam o capote como casaco, em razão do frio constante dentro das salas cirúrgicas. No caso do acusado, o capote foi utilizado para estender o campo cirúrgico. A testemunha Renata dos Santos Pereira de Carvalho, técnica de enfermagem, que notou as atitudes suspeitas do acusado e alertou às colegas de trabalho, prestou o seguinte depoimento em juízo: afirmou que é técnica de enfermagem e continua trabalhando no mesmo hospital com a mesma equipe. Antes das mudanças das escalas, integrava outra equipe, e nem sempre os médicos atuavam com os mesmos profissionais da enfermagem, pois os plantões são diferentes. Já havia trabalhado com o acusado em um plantão anterior aos fatos narrados na denúncia, ocasião em que notou uma atitude estranha por parte dele. As observações que fez decorreram de sua própria iniciativa. Percebeu que o acusado fazia uma cabaninha a mais sobre a paciente, posicionando-se muito próximo à cabeça dela. Explicou que na sala de cirurgia há dois suportes de soro que são usados como estrutura de proteção para evitar contaminação, e que o acusado estendia essa proteção lateralmente, do suporte de soro até o monitor, utilizando um capote, o que impedia que os demais profissionais da sala vissem a cabeça da paciente. Considerou essa atitude incomum, destacando que nenhum outro anestesista adotava esse procedimento. Na primeira vez em que suspeitou, manteve a desconfiança para si; foi apenas no plantão seguinte que compartilhou a situação com a equipe, que passou a ficar mais atenta. Observou que, além da extensão feita com o capote, as pacientes anestesiadas pelo acusado saíam muito sedadas das cirurgias. Mencionou que, em regra, as pacientes dormem durante o procedimento, mas costumam despertar ao final da cirurgia, sendo possível interagir com elas. Ressaltou que, por se tratar de um hospital da mulher, é comum que, com a autorização do pediatra, se posicione o bebê para mamar ainda na sala de cirurgia, prática que não era viável quando o anestesista era o acusado, em razão do estado de sedação das pacientes. Não chegou a questionar o acusado diretamente sobre essas condutas. No dia dos fatos narrados na denúncia, as mesmas situações se repetiram. Participou apenas da segunda cirurgia realizada naquele dia, imediatamente anterior à que é objeto da denúncia. Na terceira cirurgia, ou seja, aquela em que ocorreu o fato narrado, não estava presente durante o procedimento, tendo apenas entrado no início para levar a paciente, mas não permaneceu na sala. No final, retornou com os colegas para pegar o celular que havia sido usado na gravação e prestar os cuidados pós-operatórios à paciente. Durante a segunda cirurgia, o acusado estava vestido com capote e, em determinado momento, abriu o capote, formando uma espécie de cabana sobre a paciente, permanecendo vestido. Realizava movimentos estranhos para frente e para trás, mas não era possível visualizar com clareza o que fazia. Tentou dar a volta para observar melhor, porém o acusado cessou os movimentos, e não foi possível ver mais nada. Não viu se ele estava com o pênis ereto e não se recorda de ter declarado na delegacia que o teria visto nessa condição na segunda cirurgia. Tentou filmar, mas não obteve êxito. A ideia de registrar a cena em vídeo foi de toda a equipe. Posicionaram o celular dentro de um armário usado para cirurgias por vídeo, que tem vidro fumê, permitindo a visualização apenas quando a porta está aberta. Na gravação, foi possível ver o acusado colocando o pênis na boca da vítima. Declarou que, naquele momento, não quis assistir ao vídeo porque a paciente ainda estava na sala, e se dedicou a prestar-lhe assistência. Somente depois disso assistiu ao vídeo, mas não reparou se mostrava o momento da aplicação da sedação. Não assistiu ao vídeo na íntegra. Desde o dia dos fatos, não viu mais a gravação por considerá-la perturbadora. A vítima estava acordando da sedação e perguntou por que havia uma enfermeira chorando. Relatou que, geralmente, em cesarianas, é muito raro sedar a paciente, sendo comum apenas a aplicação de raquianestesia. Não observou qualquer justificativa para o excesso de sedação naquele caso. Quando há realização de laqueadura, o procedimento também é feito apenas com raquianestesia. Após os fatos, não teve mais contato com a vítima. Não conversou com o acusado depois da cirurgia nem com nenhum dos médicos que estavam na sala. O vídeo foi inicialmente mostrado à Amanda, que o repassou aos demais chefes até chegar ao chefe da anestesia. Este determinou que o acusado aguardasse no quarto dos médicos. Em seguida, outro anestesista chegou, pois havia uma nova cesariana a ser realizada. Na primeira cirurgia do dia, o acusado já havia feito a cabaninha . Na segunda, a que ficou sob sua responsabilidade, ele repetiu o procedimento, dessa vez com o capote já vestido. Na época em que suspeitou da conduta, ainda era nova no setor obstétrico, pois costumava atuar em hospital de porta aberta, com mais casos de ortopedia. Tinha recebido a instrução de sempre colocar o bebê em contato pele a pele com a mãe, mas comentou com a equipe que não era possível fazê-lo, pois a paciente estava sedada. Não apresentou nenhuma reclamação formal à chefia após observar a conduta pela primeira vez. Somente na segunda cirurgia compartilhou suas impressões com a enfermeira Amanda e com a equipe. Prestou os cuidados à vítima ao final da cirurgia. Não se recorda se houve limpeza da sala após o término do procedimento. Foi orientada a não tocar no lixo utilizado pelo acusado até que fosse decidida a conduta a ser adotada. A quantidade de anestesia a ser aplicada é decidida pelo próprio anestesista, com base no tempo previsto de cirurgia. Ao realizar a raquianestesia, o profissional já considera que a cesariana dura, em média, 40 minutos e ajusta a dose a esse tempo estimado. Caso a paciente comece a se mover ou o cirurgião observe esse comportamento, o anestesista pode ou não aumentar a dose, dependendo de quanto tempo ainda resta de cirurgia. Quando a paciente está acordada e sente dor, ela mesma comunica ao anestesista, que administra a medicação adequada. Durante a segunda cirurgia, lembra de uma intercorrência após o nascimento do bebê, quando a paciente passou mal. O aparelho começou a apitar de forma contínua, e a depoente deu a volta para verificar o que estava acontecendo. Aparentemente, a saturação da paciente começou a baixar e ela passou a vomitar. Teve que utilizar o aspirador, dado o volume do vômito. Ao término da cirurgia, a vítima ainda estava sedada; reagia quando era manipulada, mas logo voltava a adormecer. Não conseguia segurar o bebê por conta da sedação. Não participou da anamnese feita com a vítima, etapa em que se levantam eventuais doenças pré-existentes. Esse procedimento é realizado no posto de enfermagem, antes da entrada na sala. Não se recorda se a paciente tinha alguma condição de saúde ou se fazia uso de medicação, tampouco sabia se a gestação era considerada de alto risco. Tinha conhecimento apenas de que seria feita uma laqueadura. Não era a responsável pela sala onde ocorreu a cirurgia. Chegou ao final apenas para auxiliar na limpeza da paciente e realizar o curativo. A sala de cirurgia número 3 permite circulação ao seu redor. Durante os procedimentos cirúrgicos, só é permitida a entrada da equipe. Caso outra pessoa precise entrar, é necessário solicitar autorização. A testemunha Davi Freitas Silva, técnico de enfermagem que estava presente na sala de cirurgia da vítima, também prestou declarações juízo: afirmou que trabalha sempre com a mesma equipe de enfermagem, tendo realizado apenas dois plantões com o acusado, um deles o dia dos fatos narrados. Em ambas as ocasiões percebeu atitudes suspeitas e condutas incomuns por parte do réu. Observou que ele utilizava o capote cirúrgico como se fosse uma cortina, colocando um capote tamanho GG e posicionando-se muito próximo da paciente. Ressaltou que, como as pacientes não estavam entubadas nem em estado grave, esse comportamento destoava do padrão. Anteriormente, não havia notado que as pacientes saíam sedadas, mas identificou isso claramente na cirurgia dos fatos narrados. Foi alertado por sua colega Renata e teve a oportunidade de ver duas pacientes sedadas em procedimentos realizados pelo réu. Participou da primeira cirurgia do dia e da cirurgia da vítima. Na primeira, a paciente saiu extremamente sedada, desacordada, o que impediu o contato pele a pele com o bebê e a amamentação imediata. Relatou que não havia como dar a volta na mesa de cirurgia para observar o que o acusado estava fazendo, pois se tratava de uma maca cirúrgica cercada por dois obstetras e o carrinho de bisturi. Durante a cirurgia, nos momentos em que a equipe se afastava para descartar materiais, era possível que o acusado se sentasse. O celular que registrou a cena da agressão foi colocado dentro de um armário posicionado diretamente na direção em que o réu costumava ficar. Permaneceu na sala desde o momento em que a vítima conversou com o réu até sua anestesia. A paciente não relatou qualquer condição que justificasse o uso de sedação adicional. Afirmou que o fato de o parto ser considerado de risco não justificaria, por si só, uma sedação maior. Além da raquianestesia, a vítima recebeu as substâncias Propofol e Quetamina, conforme consta no prontuário. A aplicação ocorreu após a retirada do bebê do útero, sem qualquer justificativa informada pelo réu ou solicitação dos médicos presentes. Não houve intercorrência clínica que justificasse a sedação extra. Após a administração dos medicamentos e durante o abuso, quando o réu introduz o pênis na boca da paciente, esta inicia um quadro de bradicardia. No vídeo, é possível ouvir o monitor emitindo sinais de alerta indicando a diminuição da frequência cardíaca, bem como observar o réu desligando o equipamento. Nenhum dos profissionais na sala questionou o ocorrido. O obstetra chegou a perguntar se estava tudo bem, ao que o acusado respondeu afirmativamente, estando de costas para o depoente naquele momento. Após a cirurgia, encontrou uma gaze dentro do lixo, suja com um material que aparentava ser esperma. Afirmou ter sido ele quem recolheu esse material, observando também a presença de esperma na boca da vítima, com marca visível em seu rosto. Quando a paciente despertou, perguntou se estava tudo bem. A gaze foi encaminhada à Polícia Civil. Disse ter visto os sinais de esperma na gaze e na boca da paciente antes mesmo de assistir ao vídeo. Somente depois foi exibida a gravação, inicialmente à supervisão de enfermagem, que repassou o conteúdo até chegar à direção do hospital. Em seguida, o chefe da anestesia acionou a polícia. Não assistiu ao vídeo na íntegra, mas viu claramente o momento em que o réu introduz o pênis na boca da vítima. Na cirurgia, apenas ele estava presente representando a equipe de enfermagem. Não se recorda se a enfermeira Amanda permaneceu na sala. Informou que pediatras e obstetras não tinham visibilidade sobre a cabeça da vítima, o que é normal devido à presença de um campo estéril utilizado para evitar que a paciente movimente os braços e contamine a área cirúrgica. Explicou que, geralmente, somente o anestesista tem acesso à cabeça da paciente. Após os fatos, não manteve qualquer conversa ou confronto com o acusado, descrevendo-o como uma pessoa muito reservada. Durante a cirurgia, a paciente não reclamou de náuseas ou enjoo. Não se recorda se o acusado mencionou esse quadro em razão do tempo, mas confirma que a paciente não vomitou. Após o nascimento do bebê, foi solicitado que o marido da vítima se retirasse da sala, momento em que a paciente ainda estava acordada. O réu costumava aplicar a sedação apenas após a retirada do bebê do útero, justificando que, se feita antes, o feto poderia ser afetado pelas drogas presentes na corrente sanguínea. Foi o próprio acusado quem pediu a saída do pai da criança da sala. O comportamento do acusado só foi comunicado à chefia no dia da prisão. Na lixeira do anestesista, além da gaze, havia algodão, luvas utilizadas por ele, caracterizando lixo particular do anestesista. Esse material foi entregue à Polícia Civil e permaneceu sob responsabilidade do depoente até a chegada dos agentes, o que demorou cerca de 4 a 5 horas. Afirmou não ter identificado máscara entre os itens descartados e garantiu que ninguém, além dele, teve contato com esse lixo. Após a ciência dos fatos, a chefia do hospital orientou que todos aguardassem a chegada da polícia. O acusado, depois de sair da sala, retornou e questionou o depoente e uma técnica de enfermagem se existia alguma reclamação ou ouvidoria registrada contra ele, pois havia sido informado por sua chefia de que deveria permanecer na sala de descanso e não participaria de outras cirurgias. O réu chegou a retornar à sala, mas, nesse momento, o depoente já não estava mais presente. Trabalha como técnico de enfermagem no Hospital da Mulher há três anos, sempre na área de cesariana e ginecologia. Ainda que não tenha atuado diretamente com o réu em outras cirurgias, ficava no corredor auxiliando os colegas. Sempre que o acusado se dirigia à equipe, adotava um tom arrogante. Mesmo com pouco contato, foi possível notar essa postura. Não tem amizade com o réu, tampouco declarou não gostar dele. Todo parto dispõe de medicamento antagonista à sedação, que pode ser utilizado para reverter seus efeitos, embora seja raro seu uso em cesarianas. Não tem formação na área de anestesia, mas participou da anamnese da vítima. Acredita que ela tinha alguma doença pré-existente, mas não se recorda qual. Não sabe informar se houve problemas nas gestações anteriores que justificassem o uso de sedativos. Não presenciou nenhum médico informar à paciente que ela havia tido hipoglicemia. Durante a cirurgia da vítima, percebeu o monitor apitar e um obstetra também o notou, tendo perguntado ao acusado se estava tudo bem. O réu respondeu que sim. Ninguém questionou o fato de ele ter desligado o alarme do equipamento, que sinaliza qualquer alteração fisiológica da paciente. Enfermeiras participam do parto e, após o nascimento do bebê, deixam a sala. O enfermeiro é responsável pelo fluxo da paciente no centro cirúrgico, enquanto os técnicos de enfermagem mantêm maior contato direto com ela. Relatou que o médico solicitou a ele e ao pai da criança que este último deixasse a sala após o nascimento do bebê, o que é comum nas cesáreas. Naquele momento, a paciente ainda estava acordada. Não se recorda se ela permaneceu consciente ao deixar o centro cirúrgico. A prática correta em uma cesariana seria manter o acompanhante do início ao fim da cirurgia. Contudo, era comum o acusado solicitar a saída do acompanhante após o nascimento do bebê. Não foi possível colocar o recém-nascido no colo da mãe devido à sedação profunda. A sedação excessiva foi aplicada quando o bebê foi entregue aos cuidados da pediatra. Em situações normais, a mãe segura a criança e mantém contato imediato, o que não ocorreu neste caso. O acusado justificou na delegacia que sedou a vítima porque ela estaria com náusea, argumento que considerou implausível, pois, em caso de náusea, não se recomenda sedar a paciente. Os medicamentos utilizados ficam à disposição do anestesista, que também é responsável por anotar os fármacos controlados administrados durante o procedimento. O depoente teve acesso ao prontuário referente aos medicamentos utilizados, mas não se recorda de ter lido qualquer justificativa por parte do réu quanto ao uso dos sedativos. Não presenciou qualquer intercorrência que exigisse a administração de sedação além da raquianestesia, que é a mesma utilizada para a cesariana e para a laqueadura. A testemunha Priscila Garcia Cavalcanti Cordeiro, técnica de enfermagem, prestou depoimento em juízo e acrescentou: é técnica de enfermagem e trabalha com a equipe das testemunhas presentes no dia da audiência. Chegou a fazer alguns plantões com o acusado. Estava no plantão no dia dos fatos narrados. Nos plantões anteriores, não havia percebido conduta incomum por parte do acusado. Só passou a notar depois que sua colega de trabalho alertou a equipe, um plantão antes do dia dos fatos. A colega perguntou se mais alguém percebia o comportamento estranho do acusado, que consistia em permanecer muito próximo das pacientes o tempo todo, conduta que não é habitual em cesarianas com raquianestesia. Em geral, esse nível de proximidade ocorre apenas em casos de anestesia geral. Quando aplicada a raqui, os anestesistas costumam monitorar e se sentar. Sua amiga percebeu que o réu permanecia próximo demais da cabeça da paciente. Não havia percebido antes por conta da correria da rotina em sala, e acreditava que todos estavam ali comprometidos com a vida da paciente, sem razões para vigiar uns aos outros. O cirurgião fica focado na cirurgia, o pediatra com o recém-nascido, e os técnicos de enfermagem com foco em atender tanto ao pediatra quanto ao cirurgião em campo. Após o alerta da colega, passou a observar o réu e percebeu que havia, de fato, um comportamento diferente. Notou que, normalmente após o nascimento do bebê, ele permanecia em pé, muito próximo da cabeça da paciente. Tentavam se aproximar para entender o que estava acontecendo, mas nunca conseguiam ver com clareza. O réu sempre usava capote, o que cobria seus movimentos. Apesar de não fazer nenhum movimento abrupto, o comportamento gerava estranheza. Considerava aquilo fora do padrão. Destacou que os demais anestesistas aplicam a raquianestesia, monitoram e se sentam, enquanto o réu permanecia de pé e muito próximo da paciente. No dia dos fatos, estava escalada na RPA (sala de recuperação pós-anestésica) onde os pacientes são observados até recuperarem os movimentos e serem liberados para a enfermaria. Nesse ambiente, também percebeu alterações nas pacientes, que chegavam muito sedadas e sem condições de iniciar a amamentação. A paciente atendida antes da vítima dos fatos narrados havia tido parto gemelar e também não conseguia amamentar. Não se recorda do nome da paciente, mas se lembra que eram gêmeos. O bebê era mantido em berço aquecido até que a mãe despertasse para evitar risco de queda ou acidente. Essa paciente também havia sido operada pelo réu. Observou esse padrão de sedação excessiva nas duas últimas cirurgias daquele dia. Não recebeu a vítima ao final da cirurgia porque uma enfermeira passou mal ao ver o vídeo e desceu para a supervisão junto com ela. Os demais técnicos ficaram divididos, alguns auxiliando os bebês, que eram prioridade no momento, e outros dando suporte à paciente. Renata e Davi ficaram na sala para prestar assistência à vítima. Outra enfermeira permaneceu no RPA. Reforçou que, naquele contexto, a prioridade era o cuidado com os recém-nascidos. Estava na RPA quando ouviu o bip do carrinho de cautério, durante o atendimento da paciente anterior à Aline. Apesar de estar na RPA, isso não impedia de auxiliar colegas de outra sala. Foi até a sala, onde estava a Renata, que lhe perguntou se queria ajudar; Renata já estava posicionando a placa. Já em estado de alerta, entrou com o olhar fixo no acusado e percebeu uma alteração no volume da calça, compatível com uma ereção. Não chegou a ver o pênis, mas observou nitidamente o volume. O acusado, percebendo que estava sendo observado, fechou o capote lentamente. Depois disso, decidiram gravar a cirurgia seguinte. A troca da sala foi estratégica, pois a gravação não seria possível nas outras. Nunca imaginou, em sua carreira profissional, passar por algo semelhante. Ao ver o vídeo, passou mal, ficou em estado de choque. O chefe do réu o afastou imediatamente das cirurgias. A direção do hospital compareceu ao local e acionou a polícia. No parto da vítima, entrou apenas para ajudar a organizar a sala. Seu posto naquele dia era a RPA. Teve contato com a paciente no momento da organização da sala e ao término da cirurgia, quando assistiram ao vídeo ainda com a vítima na maca. Estava posicionada próxima à porta. Um dos técnicos recusou-se a assistir à gravação naquele momento e preferiu ver depois. A vítima, ainda grogue, questionou por que uma enfermeira chorava; esta, bastante abalada com o conteúdo do vídeo. Levou a colega chorando até a supervisão. Durante a exibição do vídeo, não conseguiu notar se a vítima estava inconsciente, pois seu foco estava inteiramente voltado à gravação. No vídeo, viu o acusado introduzindo o pênis na boca da paciente. Relatou que é extremamente difícil reviver esse momento, pois ele retorna à mente a todo instante. Viu claramente o acusado abrindo a calça, expondo o órgão e cometendo o ato mostrado nas imagens. Considera inacreditável que alguém com formação médica e compromisso com a vida pudesse fazer aquilo. Classificou o episódio como lamentável. Na gravação, aparece o acusado passando uma gaze na boca da vítima e jogando o material na lixeira. O técnico Davi foi quem teve a presença de espírito de recolher esse lixo. O material foi entregue à delegada. Ressaltou que a lixeira era de uso exclusivo do anestesista e ficava ao lado do carrinho de anestesia. Trabalha como técnica de enfermagem desde 2017 e está no hospital onde os fatos ocorreram desde setembro de 2021. Sempre achou o acusado uma pessoa muito fechada, que só interagia com os médicos. Com os técnicos, era direto e sério, limitando-se ao básico. Quando posicionava a placa, olhou para ele e notou o volume na calça; olhou para Renata e perguntou se ela também tinha visto, e ela confirmou. Considera a situação extremamente delicada e reconhece a gravidade da suspeita, o que exigia muito cuidado. Disse que a coragem de realizar a filmagem veio de Deus, pois acredita que aquele era o momento de impedir que o réu continuasse atuando, afirmando que ele não é digno da medicina e não tem compromisso com a vida. Relatou que muitas vezes questionava se não estava imaginando aquilo, por se tratar de uma acusação tão séria. Mas a visão do volume foi clara. O réu estava usando calça cirúrgica, pijama e capote aberto. Quando percebeu que era observado, fechou o capote discretamente. Disse ser comum usar calça por cima de outra por conta do frio. Técnicos de enfermagem têm livre circulação na sala de cirurgia, mas todas as vezes que tentavam observar o que o acusado fazia, ele disfarçava lentamente. A real extensão dos atos só foi descoberta após assistirem à gravação. Destacou que na sala de cirurgia só podem entrar os membros da equipe do centro cirúrgico e o acompanhante da paciente. Lembrou que o momento após a cirurgia foi muito confuso, com muitas informações simultâneas. Ressaltou ainda que o lixo de uma cirurgia sempre é trocado antes da próxima. A testemunha Amanda de Castro Valentim, enfermeira e chefe da equipe de enfermagem no dia dos fatos, afirmou em juízo que chefiava a equipe composta pelas técnicas e pelo técnico Davi, todos já ouvidos. Trabalha no setor chamado RPA (recuperação pós-anestésica) e, no dia dos fatos narrados, não participou da cirurgia da vítima, apenas a recebeu ao final do procedimento, quando foi encaminhada à recuperação. A paciente chegou sedada, sonolenta, e foi acordando aos poucos. No parto, não é comum aplicar sedação; o normal é a paciente permanecer acordada durante todo o procedimento. Fez poucos plantões com o acusado, pois as escalas são variadas. Nos plantões em que coincidiu com ele, percebeu que utilizava o capote de forma incorreta, com a abertura voltada para frente, e montava um campo cirúrgico alto, o que impedia a visualização da cabeça da paciente pelos demais profissionais. Nenhum outro médico utilizava esse tipo de montagem. Era comum que as pacientes do acusado chegassem à RPA excessivamente sedadas, o que não era habitual para um parto. Esses comportamentos levaram a equipe a decidir pela gravação. A colega Renata relatou que o acusado ficava sempre muito próximo da cabeça das pacientes. A decisão de filmar foi tomada em conjunto. O olhar do acusado era tenso, assustado. No parto anterior ao da vítima, ao ser observado, ele rapidamente fechou o capote. Uma colega de trabalho notou um volume na calça do réu, compatível com ereção. A filmagem do crime foi feita sem que se tivesse real noção do que seria captado. Ao assistir ao vídeo, não conseguiu vê-lo por completo, pois passou mal. A cena presenciada foi inédita em sua vida profissional. Viu o momento em que o acusado introduz o pênis na boca da paciente. Outro profissional também passou mal. Com o celular em mãos, foi até sua chefia. Técnicos que assistiram ao vídeo todo relataram que o réu limpou o órgão com uma gaze. Todo o material usado foi guardado por Davi e entregue à polícia. Já havia deixado o hospital quando a polícia chegou. Após o vídeo ser mostrado à chefia, o réu foi imediatamente afastado das cirurgias e não participou de mais nenhum procedimento. Após a cirurgia da vítima, ele se retirou do setor, retornou em seguida, mas não voltou às salas. Chegou a perguntar se alguém havia feito alguma ouvidoria negativa sobre ele, pois havia sido direcionado ao descanso e impedido de atuar. A vítima, ao chegar à RPA, viu uma enfermeira chorando e questionou o que estava acontecendo. Estava consciente, porém sonolenta e sem condições de segurar o bebê. A equipe tentava conter a situação emocional, pois havia recém-nascidos com hipoglicemia que necessitavam de atenção imediata. Após o ocorrido, não teve mais contato com a vítima, pois desceu para mostrar o vídeo à supervisão. Retornou ao setor posteriormente, enquanto Davi e Renata permaneceram com a paciente. O réu não permaneceu na sala. O anestesista é o responsável pelo monitoramento dos sinais vitais. Não houve comentários sobre suposto sufocamento da vítima. Ela foi transferida do centro cirúrgico para a enfermaria acordada, ainda que sonolenta. A sedação vai saindo gradualmente do organismo. No prontuário, a evolução do caso não foi relatada com clareza, pois a testemunha estava muito abalada com os acontecimentos. Preencheu a documentação após ver a filmagem, quase desmaiando. Apenas pessoas autorizadas entram na sala de cirurgia. A vítima chegou à RPA consciente, mas sonolenta, e perguntou o que havia acontecido. Não conseguia segurar o bebê. Com a raquianestesia isolada, a paciente normalmente mantém movimentos e estado de alerta durante toda a cesariana. Somente pessoas designadas para o plantão podem entrar no centro cirúrgico, e a coordenação deve estar ciente de trocas. Desconhece que o acusado tivesse qualquer cargo de coordenação entre os anestesistas. A testemunha Fabrícia Oliveira Paes relatou que, no dia da cirurgia da vítima, estava presente no hospital. Era seu terceiro plantão na unidade e o primeiro com o acusado. A cada novo plantão, a equipe costumava explicar como era o comportamento de cada médico. Quando o anestesista chegou, a equipe comentou que ele era seco, não costumava conversar e apresentava atitudes consideradas estranhas. Perguntou quais atitudes seriam essas e foi informada sobre o modo como o réu utilizava o capote, montava sempre um campo cirúrgico muito alto e permanecia muito próximo da cabeça das pacientes. Diante dessas informações, afirmou prontamente que era necessário descobrir o que ele fazia. Ao longo do plantão, foram discutindo estratégias para entender a situação. Havia dúvidas, não se sabia ao certo o que ocorria. Declarou que nem conhecia o acusado. Decidiram pela filmagem como forma de esclarecimento. No dia dos fatos, não participou de nenhuma cesariana com o réu, pois sua função como enfermeira a mantinha no posto de enfermagem, lidando mais com as questões burocráticas do setor. Teve contato com a vítima ao recebê-la no setor, quando fez os questionamentos de praxe e conversou com o acompanhante. Quem permaneceu diretamente na sala de cirurgia foram os técnicos de enfermagem. Lembra que a vítima estava com uma gestação prolongada que exigia interrupção. Não relatou nenhuma condição que justificasse sedação superior à raquianestesia. Não a recebeu após a cirurgia, pois já havia assistido ao vídeo e estava emocionalmente abalada. Recebeu as pacientes das cirurgias anteriores à da vítima. Não entrou nas salas de cirurgia, mas observou a movimentação de onde estava. Quando uma paciente chega, é recebida na RPA, onde aguarda tanto para entrar quanto para sair da sala cirúrgica, até que a anestesia passe e possa ser encaminhada à enfermaria. A paciente anterior à vítima, um parto gemelar, saiu muito sedada. Na primeira cirurgia do dia, a equipe já estava desconfiada e decidiu manter o único técnico homem da equipe dentro da sala durante todo o procedimento, com o objetivo de inibir qualquer possível conduta do réu. Esse técnico permaneceu com a paciente e, até onde se sabe, o réu não conseguiu fazer nada. Na segunda cirurgia, o acusado demonstrou estar mais à vontade, e a paciente saiu ainda mais sedada. Notou que, sempre que alguém se aproximava, ele fechava o capote, mantendo-se muito próximo da cabeça da paciente. Na gravação, é possível ver o acusado introduzindo o pênis na boca da vítima, limpando-se com uma gaze e limpando a boca da paciente. Não observou se a boca da vítima estava suja ao chegar à RPA. A gaze utilizada foi recolhida por Davi. O lixo de uso exclusivo do acusado foi separado e entregue à delegada. Logo após o fim da cirurgia da vítima, houve uma nova cesariana realizada por outro anestesista, pois o acusado já havia sido afastado. No lixo utilizado pelo acusado foram encontrados gaze e compressa. Não costuma entrar em salas de cirurgia, exceto em casos de intercorrência, quando é chamada. Lembra que a paciente do parto gemelar também chegou muito sedada. Ressaltou que o ambiente cirúrgico é controlado e restrito, com cuidados para evitar contaminação. A depender do andamento do plantão, era possível posicionar alguém próximo à paciente como forma de proteção diante das suspeitas. Toda a equipe tentou, dentro do possível, cuidar da paciente, pois até então havia apenas suspeitas e não sabiam exatamente o que estava acontecendo. A testemunha Fábio Poças Zambelli, médico coordenador da anestesia no hospital onde ocorreram os fatos, afirmou que ainda exerce essa função. Estava em uma festa familiar no domingo, comemorando os 90 anos de sua tia, quando recebeu uma ligação do diretor do hospital pedindo que fosse ao local imediatamente. Chegou a questionar se a convocação era realmente tão urgente e o diretor respondeu que não havia conversa, reiterando que se dirigisse ao hospital. Saiu da festa, passou em casa, tomou banho, trocou de roupa e foi direto ao hospital, chegando cerca de duas horas depois. Durante o percurso, manteve contato com o diretor do hospital, que solicitou que o réu não participasse de mais nenhuma cirurgia naquele dia, e, se possível, que providenciasse outro anestesista para substituí-lo. O trajeto foi longo, partindo do Largo do Machado, passando pelo Recreio e então ao Hospital da Mulher. Nesse intervalo, conseguiu contato com outro anestesista. Ligou para o réu e informou que ele não participaria da cirurgia por conta de um problema que havia ocorrido. Como lhe haviam dito que se tratava de algo grave, entrou em contato com um amigo médico e policial civil para saber como proceder diante de uma situação potencialmente criminosa, pois ainda desconhecia o conteúdo dos acontecimentos. Ao chegar ao hospital, dirigiu-se diretamente ao centro cirúrgico, onde teve acesso ao vídeo do crime. Ao assistir, compreendeu a gravidade do ocorrido e ligou novamente para o amigo policial, pedindo orientação. Esse amigo, por sua vez, fez contato com uma delegada de plantão, que afirmou que se dirigiria até o hospital para realizar a prisão em flagrante. Após isso, não permitiram que o réu deixasse o hospital até a chegada da delegada. Explicou ao outro anestesista plantonista o que havia acontecido e, em seguida, conversou com o réu, dizendo que havia recebido informações sobre uma denúncia de ofensa, algo mal resolvido, e sugeriu que não deixasse o hospital. O réu permaneceu no local, deitado, manuseando o celular e lendo algumas coisas, até a chegada da autoridade policial. Antes desses fatos, não havia qualquer tipo de reclamação ou suspeita sobre o acusado. Nunca havia observado qualquer conduta fora do padrão, nem havia tido problemas com ele. Quando foi inicialmente contatado pelo diretor do hospital, não lhe foi revelada a natureza do ocorrido, apenas que se tratava de algo extremamente sério e que não poderia ser tratado por telefone. Considera o diretor uma pessoa tranquila, e, por isso, a forma incisiva com que foi chamado o fez perceber que se tratava de uma situação muito grave. O diretor chegou a comentar que era algo sério envolvendo o réu. Durante o caminho até o hospital, entrou em contato com os dois anestesistas de plantão, sendo um deles o acusado, comunicando que havia ocorrido um problema no centro cirúrgico, cuja natureza ainda desconhecia. Com o objetivo de preservar o réu e a equipe, solicitou que ele não participasse das demais cirurgias do dia até que se esclarecessem os fatos. Imaginava que pudesse se tratar de uma discussão ou ofensa. No contato telefônico, o acusado não demonstrou reação. Questionou se ele havia discutido com alguém ou enfrentado qualquer tipo de problema durante o dia, ao que o acusado respondeu negativamente. Reiterou a solicitação para que não entrasse em novas cirurgias até que a situação fosse esclarecida. O que motivou a buscar orientação com um policial foi justamente a seriedade e o tom adotado pelo diretor do hospital ao lhe relatar a situação. Até o momento em que assistiu ao vídeo, nunca havia tido qualquer problema técnico ou de comportamento em relação ao acusado. Ao chegar ao hospital, foi recebido no centro cirúrgico pela chefe de enfermagem, que lhe mostrou a gravação. Ao ver o conteúdo, ficou sem acreditar no que estava assistindo e, diante da gravidade da situação, ligou para seu amigo Roger, médico do IML, por entender que se tratava de algo fora de sua rotina profissional e de sua capacidade de decisão imediata. Explicou a situação ao outro médico anestesista de plantão apenas algum tempo depois, ainda antes da chegada da polícia, que demorou cerca de 3 horas para comparecer ao hospital. Solicitou que a situação não fosse divulgada dentro do hospital, já que boa parte dos profissionais, médicos e enfermeiros, ainda não sabia o que estava ocorrendo. Comunicou aos seguranças que não deveriam permitir a saída do réu, mas foi informado de que não tinham autoridade para impedir ninguém de sair. Diante disso, sentiu-se compelido a inventar uma história para evitar que o réu deixasse o local, dizendo a ele que uma enfermeira havia relatado uma ofensa e pretendia fazer um boletim de ocorrência. O acusado reagiu com calma, como de costume, pois sempre se mostrou calmo nas interações com o depoente. O vídeo do crime foi mostrado a ele duas vezes, sendo um vídeo curto e editado e, depois, a gravação original, com duração superior a uma hora. Mesmo assim, não assistiu ao vídeo completo até hoje. Sobre os procedimentos hospitalares, explicou que há uma lei garantindo ao acompanhante o direito de permanecer na sala de cirurgia do início ao fim do procedimento, embora a maioria dos acompanhantes costume sair no momento do fechamento da cavidade abdominal. Declarou não saber se, no caso da vítima desse processo, houve tal pedido ou qual teria sido o motivo da ausência do marido da vítima na sala. Afirmou que uma cesariana pode transcorrer do início ao fim sem necessidade de sedação, dependendo da reação da paciente aos estímulos. A equipe tenta sedar o mínimo possível, recorrendo à sedação apenas diante de vontade expressa ou necessidade clínica. A sedação, quando realizada, é geralmente aplicada após a retirada do bebê, pois, se administrada antes, o recém-nascido pode nascer anestesiado, o que aumenta o risco de complicações. A decisão sobre a sedação cabe exclusivamente ao anestesista. Em geral, não se utilizam sedativos profundos, sendo comum que a paciente permaneça consciente e responsiva ao término da cirurgia, embora reconheça que, em casos pontuais, pode haver necessidade de sedação um pouco mais intensa, o que não representa a prática usual. Ao ser informado do conteúdo do parecer de fl. 419, que descreve o comportamento da paciente conforme a minutagem do vídeo, esclareceu que, aparentemente, se tratava de uma pessoa que não precisava de sedação. Indicou que essa análise dependeria também de outros aspectos, como o comportamento da equipe cirúrgica, mas que, com base na descrição apresentada, a paciente não apresentava justificativa para sedação. A tomada de decisão quanto à sedação, conforme detalhou, é composta em cerca de 70% pela interação entre o anestesista e a paciente, 25% por dados exibidos no monitor e menos de 5% pela interação entre anestesista e cirurgião. Em relação aos frascos apreendidos, disse que se tratava de substâncias não tão comuns atualmente, mas que não causavam estranheza. A Quetamina e o Propofol são utilizados para cobrir eventual falha do bloqueio anestésico. Caso um anestesista de sua equipe utilizasse Quetamina em todas as cirurgias, sua preocupação não seria quanto à sedação em si, mas sim com a qualidade técnica do bloqueio, o que não se aplicava ao acusado. A Quetamina tem efeito analgésico potente e hipnótico; o Propofol é um hipnótico potente. A associação entre ambos é utilizada de forma corriqueira, em que o Propofol atua quebrando o efeito alucinógeno da Quetamina. Na ficha do acusado (fl. 423), consta uma aplicação única de 60 mg. O efeito do Propofol é rápido, mas também se dissipa com rapidez. Quando associado à Quetamina, o Propofol tem função de neutralizar os efeitos alucinógenos. Teve a seguinte interpretação da ficha, que também teria caso visse uma ficha de qualquer anestesista: provavelmente, diante de uma provável falha de bloqueio ou de incômodo relatado pela paciente, o anestesista administrou Quetamina com Propofol para controle, diminuindo o efeito alucinógeno da Quetamina. Não se trataria da melhor associação, sendo os benzodiazepínicos mais indicados para esse fim, mas estes podem ter o efeito adverso de causar amnésia sobre os momentos do parto, o que atualmente é evitado nas cesarianas para preservar a memória do nascimento. Existe uma tendência moderna na anestesia de evitar benzodiazepínicos justamente para que a mãe não se esqueça do parto. O teste de reflexo ciliar, mencionado no parecer, é um procedimento comum em anestesia geral, não em sedação. Antes da administração do bloqueio neuromuscular, que paralisa completamente o paciente, injeta-se um hipnótico e um analgésico potente. A pesquisa do reflexo ciliar serve para assegurar que o paciente perdeu a consciência. Fez parte da equipe responsável pela contratação do acusado. O réu foi indicado por 3 pessoas que já integravam a equipe do hospital, e uma delas inclusive o substituiu. Todos haviam trabalhado com ele anteriormente, sem apontamentos negativos. Consultou o chefe de serviço do hospital onde o acusado trabalhava antes e não obteve qualquer informação que desabonasse sua conduta. Uma das fontes de indicação trabalhou com o réu durante sua residência na SPA e relatou que foi um bom residente, sem histórico de problemas técnicos com colegas. Não é comum que o anestesista permaneça no centro cirúrgico sem máscara ou utilizando fones de ouvido. Elaborava a escala dos plantonistas do hospital. O acusado foi escalado para o Hospital da Mulher por estar substituindo uma médica anestesista que se afastara por licença maternidade. A expectativa era de que o acusado permanecesse apenas até o retorno da titular ao cargo. Após os acontecimentos, questionou as técnicas de enfermagem sobre os motivos que as levaram a filmar o réu, pois para se chegar a esse ponto é necessário haver uma suspeita muito consistente. Nenhuma delas havia relatado previamente qualquer problema envolvendo o acusado. Segundo as técnicas, a primeira paciente do dia saiu da cirurgia muito sedada, o que causou estranheza. Uma delas mencionou que o réu montava o campo cirúrgico em forma de cabaninha . É prática comum que exista um campo entre o anestesista e a equipe cirúrgica, e, em razão da baixa temperatura de alguns centros cirúrgicos, anestesistas frequentemente utilizam capotes para se aquecer. No entanto, a forma como o acusado posicionou o campo, puxando-o para o lado, conforme visto no vídeo, não é habitual. As desconfianças das técnicas não se originaram de observações comportamentais isoladas, mas principalmente da intensidade da sedação, considerada excessiva. Isso foi inicialmente o ponto mais objetivo e palpável relatado pela equipe. Já retirou pacientes da cirurgia um pouco mais sedadas e nunca foi filmado por isso, para verificar se estaria abusando de alguém. Considera que as enfermeiras possivelmente desconfiaram do acusado, mas não formalizaram nenhuma queixa. Afirma não poder confirmar essa percepção, tratando-se de uma conjectura baseada em sua experiência hospitalar. O réu, segundo relatado, não estava há muito tempo no hospital, e seus plantões ocorriam com baixa frequência, quinzenalmente aos domingos. Desconhece se a equipe não teve tempo ou não achou adequado denunciar anteriormente. Não compreende em que ponto exato decidiram fazer a filmagem, pois nunca lhe foi relatado qualquer suspeita antes do episódio. Durante todo o tempo, tanto por telefone quanto pessoalmente, o acusado manteve um comportamento tranquilo, sem demonstrar preocupação. Considera assustador que, mesmo após os fatos, o acusado tenha conversado consigo com tamanha serenidade. Participou da sindicância instaurada no hospital e foi ouvido. A sindicância recomendou mais de 15 modificações nas condutas hospitalares; entende que várias dessas sugestões eram repetitivas, mas visavam dar uma resposta à gravidade do ocorrido. O hospital adotou as medidas sugeridas. Para o depoente, o problema não decorreu de falha técnica, pois até então o réu não apresentava qualquer comportamento técnico ou interpessoal inadequado. Não houve orientação específica sobre coleta de material, mas, ao verem o vídeo, as enfermeiras separaram o que havia sido utilizado pelo acusado na cirurgia, antes mesmo da chegada da polícia. A sindicância, segundo se recorda, foi conduzida por duas enfermeiras da Fundação Saúde. Afirma que o ato registrado no vídeo não corresponde à conduta de nenhum anestesista ou profissional da saúde. Na aplicação de raquianestesia, não há necessidade do uso de capote, pois normalmente se usam apenas luvas. O capote é utilizado para procedimentos em veias profundas. Ao abrir um pacote cirúrgico, geralmente vêm de 3 a 4 capotes; se houver sobra, e o centro cirúrgico estiver frio, é comum outro profissional utilizar o capote remanescente. Quando utilizado por frio, é posto com a amarração para frente, o que não é incomum. O incomum foi o uso feito pelo acusado, que utilizava o capote de modo a esconder a cabeça da paciente, algo que nunca se faz. Confirma o conteúdo registrado em fl. 468, último parágrafo, e fl. 469. Em relação à sala de cirurgia, esclarece que apenas funcionários do setor e um acompanhante têm autorização para entrar. O número de pessoas no ambiente está diretamente ligado ao risco de infecção, pois quanto maior o número, maior o risco. A presença do acompanhante é garantida por lei em cesarianas, sendo comum o debate sobre o momento apropriado de entrada. Fora os profissionais designados, não se permite entrada de terceiros, pois se trata de ambiente estéril. Ressalta que os técnicos de enfermagem não têm formação nem conhecimento técnico suficiente para questionar a anestesia aplicada pelo anestesista; conhecem apenas os padrões usuais. Detalha que, na laqueadura, são ligadas e cortadas as trompas da paciente. Na cesariana, o útero é aberto para a retirada do bebê, que ocorre antes da sutura do útero e fechamento dos planos musculares e da pele. Após a sutura do útero, se houver laqueadura, as trompas são amarradas e cortadas. É um procedimento inserido dentro da mesma via de acesso da cesariana, prolongando a duração da cirurgia, mas não consistindo necessariamente em uma outra cirurgia. Uma cesariana, a depender da habilidade do cirurgião, costuma durar entre 60 e 90 minutos, embora possa haver médicos mais lentos ou situações específicas que prolonguem esse tempo. Quando a cirurgia é rápida, geralmente a paciente tolera bem o procedimento sem necessidade de mais anestesia ou sedação. Em casos em que é feita também a laqueadura, principalmente se o cirurgião for lento, já se torna comum a necessidade de sedação, pois o tempo cirúrgico é maior, o que aumenta a chance de aplicação de sedativos ou de uso de mais fármacos. Após a criação da lei do acompanhante, a presença do acompanhante na sala de cirurgia passou a ser obrigatória, mas não foi acompanhada de definição de quem é responsável por ele ou por orientá-lo, sendo, na prática, jogado dentro da sala. Costuma orientar os acompanhantes da melhor maneira possível para tornar a experiência menos traumática, mas essa conduta não é obrigatória, dependendo do feeling pessoal de cada equipe. Relatou que viu o vídeo mais curto do crime no celular da chefe da enfermagem, Ana Luiza, mas não conseguiu assisti-lo integralmente. Também viu o vídeo mais longo no celular de uma das técnicas de enfermagem, cujo nome não se recorda. A equipe presente era formada por 4 técnicos e 1 ou 2 enfermeiras. O acusado estava atuando no Hospital da Mulher havia cerca de 3 ou 4 meses. Uma das técnicas, cujo celular foi apreendido pela polícia, ficou abalada com a perda do aparelho por não ter condições financeiras, e por isso o depoente lhe deu um celular. Não sabe informar se o vídeo que assistiu estava no celular apreendido pela polícia. Acredita que o aparelho de Ana Luiza não continha o vídeo completo por seu tamanho, e que Ana teria filmado a tela de outro celular com esse trecho específico. Até a data dos fatos não havia qualquer reclamação formal, de paciente ou funcionário, quanto à conduta ou técnica do acusado. O acusado foi indicado por uma médica que havia saído do hospital e o conhecia de outro local, tendo trabalhado com ele no Hospital da Mãe. Antes de assumir o posto fixo, o acusado teria feito um ou dois plantões de cobertura. Na escala fixa do Hospital da Mulher, estava há dois ou três meses. O depoente havia assumido a coordenação há pouco tempo, desde fevereiro, e acumulava também a coordenação no Hospital da Mãe, numa diretriz da fundação de unificar gestões. No Hospital da Mãe, onde o acusado estava há mais tempo, não houve qualquer reclamação quanto a ele. Esclareceu que a escolha da anestesia, tanto da droga quanto da técnica, é responsabilidade exclusiva do anestesista. O cirurgião pode sugerir, mas a decisão final cabe ao anestesista. A necessidade de comunicar modificações na técnica anestésica varia conforme o grau de interação da equipe. A vítima, conforme registrado, era considerada uma paciente de risco. Pacientes com hipertensão severa tendem a apresentar episódios de hipotensão durante a cirurgia, o que aumenta a possibilidade, embora não seja uma regra, de necessidade de sedação um pouco maior. Segundo o prontuário médico, a sedação aplicada na paciente foi considerada leve. A conferência de prontuários não é feita de forma rotineira pelo depoente, apenas sob demanda, pois seria inviável verificar todos os registros. Consta no laudo que o acusado realizou cateterismo vesical, o que é um procedimento comum em anestesia. Na obstetrícia, esse procedimento não é obrigatório, mas é bastante rotineiro. Após o corte do cordão umbilical, não há mais qualquer relação entre a mãe e o bebê. Apontou que, de acordo com o que lhe foi relatado, o monitor da paciente teria emitido um sinal sonoro durante a cirurgia, e o acusado teria olhado e o desligado. Esse tipo de procedimento, segundo explicou, é comum; o monitor é um parâmetro, mas seu desligamento não implica necessariamente risco à paciente, dependendo do tipo de alerta que estiver sendo emitido. Ao ver o vídeo do crime, afirmou que a vítima estava visivelmente sedada e completamente imóvel, sem demonstrar qualquer reação. Nesse dia especificamente em que ocorreram os fatos, houve partos anteriores e chegou a analisar os dois prontuários dessas pacientes. Ao examinar a ficha anestésica do acusado posteriormente, já havia observado algumas outras fichas do mesmo profissional em outro hospital, por ocasião de discussões clínicas sem relação direta com a anestesia. Nessas discussões, analisou um caso de uma paciente obstétrica que teve um sangramento no Hospital da Mãe e que havia sido anestesiada pelo acusado. Percebeu que, nessa ficha anterior, a qualidade da descrição era melhor, mais detalhada. Atribuiu essa diferença à possível gravidade do quadro clínico, pois quando a paciente está em situação mais grave, tende-se a descrever melhor os procedimentos. Em contraste, as fichas do dia dos fatos narrados, embora contivessem as informações principais, não apresentavam o mesmo padrão de detalhamento, e não eram bem descritas. Não observou, no entanto, qualquer conduta fora do comum por parte do acusado. No total, naquele dia, foram 3 pacientes atendidas, e uma delas não recebeu sedação. Considerou que, dentro daquilo que analisou, as condutas estavam dentro do padrão habitual do réu. Não teve conhecimento de qualquer desentendimento prévio entre o acusado e a equipe antes dos fatos narrados. Mencionou o caso da paciente do Hospital da Mãe, que evoluiu com hemorragia e precisou de histerectomia. Na ocasião, discutiu-se a conduta global da equipe, da qual o acusado fazia parte, mas sem foco específico em sua atuação. Esclareceu que uma equipe típica para esse tipo de cirurgia é formada por dois técnicos de enfermagem, um enfermeiro, que pode ou não permanecer dentro da sala, um pediatra, dois cirurgiões e o anestesista. Dentro do centro cirúrgico, é comum a entrada de profissionais de outras equipes, sendo frequente o trânsito de pessoas autorizadas naquele setor. A testemunha Lizz Ingrid Justiniano Eguez, médica presente na sala de cirurgia, prestou as seguintes declarações em juízo: esteve presente na primeira e na terceira cirurgia realizadas naquele dia. Tratava-se de uma paciente com indicação para cesariana e laqueadura, um procedimento eletivo. A paciente havia sido internada especificamente para esse fim. Não tinha conhecimento de que a câmera do celular havia sido posicionada com a intenção de registrar as atitudes do acusado. Não observou qualquer atitude do acusado, pois, ao entrar na cirurgia, o objetivo da equipe é a realização do procedimento para que a paciente tenha o bebê em segurança e ambos saiam bem. A preocupação está voltada para o bem-estar materno-fetal. Não se recorda das enfermeiras Thaisa e Renata. Começou a trabalhar no Hospital da Mulher em março de 2022. Seus plantões ocorriam quinzenalmente, aos domingos. Não se lembra quantos plantões realizou com o acusado. A equipe que participa de uma cirurgia é composta por um cirurgião (sendo ela, naquele dia, auxiliar do cirurgião), um anestesista, uma ou duas pediatras, um ou dois técnicos, e uma enfermeira que entra na sala apenas para sondar a paciente e depois sai. Em procedimentos cirúrgicos, os campos são colocados para delimitar a área de trabalho, no caso o abdômen da paciente, com o objetivo de evitar infecções. Há também campos para proteção da cabeça da mãe, das laterais e dos pés, cobrindo praticamente todo o corpo da paciente. São utilizados quatro campos ao todo. O campo que protege a cabeça é sustentado nos suportes de soro, uma área de atuação exclusiva do anestesista. O ingresso de acompanhantes na sala de cirurgia é sempre permitido. Alguns pacientes optam por entrar com o acompanhante desde o início, enquanto outros preferem que ele ingresse apenas após o preparo e a colocação dos campos estéreis, para evitar contaminação. No caso da vítima deste processo, o acompanhante entrou após a colocação dos campos. Na ocasião, o anestesista já se encontrava na sala. Não sabe como se deu o pedido para que o acompanhante se retirasse da sala, mas é uma prática comum, inclusive por iniciativa dos próprios acompanhantes, que eventualmente pedem para sair. Recorda-se de que seu colega cirurgião perguntou se havia certeza quanto à realização da laqueadura, tendo o marido confirmado a intenção. Essa conversa ocorreu durante o parto. As salas de cirurgia são utilizadas em sistema de rodízio, o que é uma prática normal. Não havia qualquer razão para supor que a alteração de sala pudesse gerar suspeitas. Recorda-se do uso de capotes pela equipe, devido à baixa temperatura da sala, o que é uma conduta corriqueira e que, por si só, não levanta suspeitas. Quanto ao capote utilizado pelo acusado no dia dos fatos, não se recorda se era maior do que o usual. Lembra apenas que o acusado estava utilizando o capote, embora fosse um dia quente. O ar-condicionado da sala, salvo engano, não estava funcionando corretamente. Questionou se o acusado estava com frio, e ele respondeu que havia sentido um vento. Não presenciou qualquer manobra ou movimento realizado pelo acusado com a cabeça da vítima. Naquele dia, nem ela nem os colegas sabiam o que estava acontecendo ou o motivo da movimentação incomum no centro cirúrgico após aquele parto. Chegaram a questionar o que ocorria, mas não obtiveram respostas. Teve conhecimento da existência do vídeo apenas quando a delegada compareceu ao hospital para dar cumprimento à ordem de prisão. O ingresso na sala de cirurgia é permitido somente às pessoas da equipe previamente autorizadas, sendo exceções apenas os acompanhantes e os pacientes, que não pertencem à área médica. Estava presente naquele dia, participando das cirurgias, inclusive da realizada na sala 3. Não comentaram sobre o motivo da mudança de sala, tampouco foi informada sobre qualquer desconfiança existente em relação ao anestesista. A testemunha Paula Rios Gomes, arrolada pela defesa, prestou o seguinte depoimento em juízo: conhece o acusado, que foi residente, em 2018, no hospital onde trabalha. Não presenciou os fatos narrados na denúncia. Durante o contato profissional que teve com o acusado, nunca ocorreu nenhuma situação que desabonasse sua conduta como médico, residente ou colega de trabalho. Nas salas de cirurgia, normalmente ingressam o acompanhante, os médicos e os técnicos envolvidos no procedimento, não sendo o acesso livre a qualquer pessoa. Em relação à função do anestesista, não é obrigatória a realização da sondagem vesical. Às vezes, o procedimento é solicitado pelo obstetra. O anestesista pode se recusar a realizar e solicitar que o enfermeiro o faça, mas também pode optar por atender à solicitação do obstetra e proceder à sondagem. Trata-se de um procedimento que pode ser realizado tanto pelo médico quanto pelo enfermeiro. Após a realização do parto, a gestante passa a ser considerada puérpera. Durante a residência do acusado, era a médica responsável. O acusado não ficava sozinho na sala realizando procedimentos de anestesia. Geralmente, a equipe de pediatria permanece próxima ao local onde o anestesista se posiciona. A sedação costuma ser aplicada quando a cirurgia se prolonga e o bloqueio anestésico começa a perder efeito. Nesses casos, é necessária para complementar a anestesia ou quando ocorre alguma intercorrência que demande mudança para anestesia geral. Também pode ser administrada em razão de ansiedade impeditiva por parte da paciente. Normalmente, a sedação não chega ao ponto de provocar inconsciência. O acusado nunca ficou sozinho em cirurgias supervisionadas. Trabalhou no Hospital da Mulher, em São João de Meriti, realizando alguns plantões de cobertura, sem vínculo contratual. No dia do ocorrido, não estava presente. Atua no Hospital Geral de Nova Iguaçu, no Hospital Estadual da Mãe e no Getúlio Vargas. Teve acesso ao vídeo relacionado aos fatos. Normalmente, a paciente permanece acordada durante o procedimento, mas dependendo do que ocorrer no curso da cirurgia, pode ser necessária sedação, embora não seja o habitual. A decisão sobre eventual necessidade de sedação envolve, em geral, uma troca entre o cirurgião e o anestesista. Quando há uma condição cirúrgica desfavorável, isso pode ser comunicado ao anestesista, que buscará alternativas para melhorar as condições operatórias. Pode sedar um pouco mais a paciente ou iniciar a sedação, caso ela ainda não tenha sido sedada. Essa conduta, no entanto, nem sempre é consensual entre cirurgião e anestesista. Caso o cirurgião entenda que a paciente deve ser mais sedada, sinaliza ao anestesista, que, por sua vez, tem autonomia para administrar sedação quando julgar necessário. É anestesista. Afirmou que o excesso de anestesia não coloca necessariamente a vida da paciente em risco, pois depende da situação. O anestesista é habilitado para prestar assistência caso a anestesia se aprofunde além do esperado. Nem sempre é possível prever como a paciente reagirá, podendo ser mais sensível ou mais resistente, e o anestesista deve adaptar sua conduta conforme o caso. Referiu-se ao depoimento da Dra. Lizz, assistente do cirurgião, que relatou ter percebido a paciente roncar. Tal fato poderia ter sido causado por uma queda de língua, uma hipotensão, com consequente redução da pressão arterial, e diminuição do nível de consciência, gerando dificuldade respiratória, possivelmente decorrente da sedação. Ressaltou que isso não significa, necessariamente, que a paciente estivesse com obstrução das vias respiratórias. Normalmente, o anestesista posiciona o campo cirúrgico o mais alto possível, a fim de reduzir o risco de contaminação da equipe anestésica em relação ao campo cirúrgico. Apesar disso, não o coloca de modo que inviabilize sua atuação, mas sim na altura máxima possível. A testemunha Rebecca Oliveira Rolim de Carvalho, arrolada pela defesa, prestou as seguintes declarações em juízo: conhece o acusado do hospital, pois são colegas de trabalho. Não presenciou os fatos narrados na denúncia. Conheceu o acusado no início de 2020, tendo trabalhado com ele no Hospital da Posse, em Nova Iguaçu. Ambos faziam parte da especialização em anestesia, estando o acusado 1 ano à frente. Nesse período, não presenciou qualquer conduta desabonadora por parte do acusado. A sondagem vesical é uma função que pode ser desempenhada tanto pelo anestesista quanto pela equipe de enfermagem. Embora geralmente seja atribuída à enfermagem, em cesarianas, essa tarefa normalmente fica a cargo do anestesista. Na sala de cirurgia, é autorizada a entrada apenas dos profissionais de saúde e do acompanhante da paciente. Também foi realizada a oitiva da testemunha João Victor Maiolino de Olival, arrolada pela defesa: não presenciou os fatos. Conhece o acusado e são amigos desde os 8 anos de idade. Considera o acusado um bom amigo. Nunca presenciou qualquer desvio de caráter por parte dele. Tem boa relação com a própria família, com sua mãe e com sua esposa. As pessoas que o depoente conhece, todas mantêm boa relação com o acusado. A testemunha Henrique de Ligouri Gelbvaks, arrolada pela defesa, afirmou em juízo: é colega de faculdade do acusado e mantém com ele contato esporádico. Conhece o acusado há pelo menos 10 anos. Cursaram juntos a faculdade em Volta Redonda. É cirurgião geral. Durante a faculdade, o acusado namorou uma colega por quase todo o curso. Não era uma pessoa que frequentava festas ou eventos, nem costumava ingerir bebidas alcoólicas em excesso. Não era de sair e não apresentava nenhum comportamento anormal ou fora do esperado. Era uma pessoa querida no ambiente da faculdade, sem envolvimento em brigas, intrigas ou situações semelhantes. Nunca soube de nenhum incidente ou fato que desabonasse a conduta do acusado. Em 2020, passou por problemas em seu relacionamento e encontrou o acusado no Rio de Janeiro para conversar. Na ocasião, o acusado o acolheu e o ajudou. Conversaram sobre trabalho, e o acusado relatou estar se saindo bem, dedicado à residência em anestesia. Não teve contato com o acusado dentro do ambiente de trabalho. O acusado sempre foi visto como um bom médico, considerado um bom profissional pela comunidade médica. Também foi registrado o depoimento do perito criminal Aulos Rafael Dutra de Souza, acerca da elaboração do laudo pericial do telefone celular utilizado para registrar o vídeo em questão, cujo detalhamento foi resumido acima, ao se rejeitar a nulidade apontada pela defesa, ao qual se remete o leitor, para evitar repetições desnecessárias. Por sua vez, durante a instrução do processo n. 0800606-22.2023.8.19.0054 foram colhidos os depoimentos da vítima Marcelle e de seu cônjuge, bem como das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, além da versão apresentada pelo acusado durante seu interrogatório, conforme o detalhamento não literal resumido a seguir. A vítima Marcelle dos Reis Pereira narrou em juízo: chegou ao hospital acompanhada de seu companheiro, Jonatan. Entrou para trocar de roupa, enquanto ele permaneceu do lado de fora. Subiu para a sala de cirurgia, onde o acusado já se encontrava no momento de sua chegada. A interação com o acusado foi tranquila; ele se mostrou muito simpático, apresentou-se e explicou como seria o procedimento para aplicação da anestesia. Recebeu a anestesia sentada e, em seguida, deitou-se, momento em que os demais médicos começaram a entrar. Após a aplicação da anestesia, seu companheiro ingressou na sala de parto. Durante o procedimento, sentiu muita sede e tontura, tendo o acusado dito que isso era normal. Nesse momento, o parto ainda estava em andamento. Seu companheiro estava à sua direita, e o acusado, à sua esquerda. Não conseguiu segurar as filhas devido à sedação intensa. Percebeu sonolência; conseguia mover os braços, mas estava muito fraca e, por isso, não conseguiu segurá-las. Não lembra onde o acusado estava nesse momento, mas se recorda de que ele se movimentava pela sala, indo para trás da maca e depois retornando. As crianças ficaram em um berçário, na própria sala, com o companheiro. Posteriormente, ele retornou e permaneceu próximo à vítima. Antes do nascimento das filhas, chegou a dormir, sem saber por quanto tempo. Após o parto, dormiu novamente. Antes de adormecer pela segunda vez, recorda-se de ter visto o acusado mexendo na medicação do acesso localizado em seu braço esquerdo. Ao despertar, a cirurgia ainda estava em andamento e seu companheiro não estava mais presente na sala. Informaram-lhe que a cirurgia estava no final. Perguntou ao companheiro por que havia saído da sala, e ele respondeu que lhe haviam pedido para sair. Não se lembra de o acusado estar presente nesse momento final da cirurgia. Permaneceu acordada até sair da sala de cirurgia, mas estava muito tonta e sonolenta. Recorda-se do momento em que deixou o centro cirúrgico. Antes de entrar na sala de cirurgia, ficou em uma sala com macas e, ao sair, foi colocada novamente nesse local. Ficou muito tempo sem ver as filhas e o companheiro. Ao questionar sobre elas, foi informada de que deveria aguardar. Não lhe explicaram por que precisava permanecer naquela sala. Quando acordou na sala de cirurgia, estava com um gosto muito ruim na boca. Perguntou se havia vomitado ou algo semelhante, e lhe responderam que sim. Ouviu pessoas comentando, com indignação, que tinham que ter visto o vídeo. Pensou, inicialmente, que se tratava de um assunto pessoal entre elas. Apenas sentiu o gosto ruim na boca. Nunca teve problemas com refluxo ou situações semelhantes. Escutou algumas pessoas se manifestando de forma indignada, mencionando que iriam denunciar. Ouvia essas falas enquanto saía da sala de cirurgia, acompanhada por médicos e enfermeiras. Não chegou a perguntar se era normal ter apagado daquela forma. Teve contato com o companheiro e as filhas apenas após as 19h. Segundo seu companheiro, o anestesista lhe pediu para sair da sala, mas ele não saiu; posteriormente, uma moça fez novo pedido, e então ele saiu. Ninguém informou o motivo da solicitação para que ele se retirasse. Seu cabelo não permanecia completamente dentro da touca, e o acusado tocou em seu cabelo. No momento, não percebeu nada anormal. Posteriormente, perguntou à irmã se era normal sentir tontura durante o parto, e a irmã respondeu que isso não havia ocorrido com ela; por isso, passou a ficar atenta em relação ao que sentiu. O acusado usava roupa verde e uma capa , sem saber se a utilizou durante todo o procedimento. Não se recorda se a capa estava aberta. Não lembra de ter vomitado. Não se recorda das características físicas da pessoa que falou sobre o vídeo. Não sabe quem solicitou ao seu companheiro que saísse da sala. Não lhe explicaram o motivo do vômito. Não questionou o gosto ruim na boca por acreditar que se devia ao episódio de vômito. A testemunha Jonatha dos Santos Souza, companheiro da vítima, que a acompanhou no hospital e esteve presente na sala de cirurgia até o momento em que lhe foi solicitado que deixasse o local, afirmou em juízo: chegou com a vítima ao hospital por volta das 6h40min. Por volta das 8h, a vítima entrou e o depoente permaneceu do lado de fora. Explicaram que ela passaria por exames antes de ir para a cirurgia. Até então, ainda conseguia vê-la. Na recepção, foi informado de que só poderia acompanhar a vítima até o nascimento dos bebês. Tinha conhecimento da lei que assegura à mãe o direito de ser acompanhada antes, durante e após a cirurgia, e questionou a informação, mas responderam que ele estava errado e que seria chamado quando fosse aberta a sala para o procedimento. Por volta das 10h40min, foi chamado. Passou pela rouparia, deixou sua identidade e, inicialmente, não pôde entrar, ficando em uma sala anterior àquela onde ocorreria a cirurgia. Tinha visibilidade do parto a partir do corredor. O acusado o avistou, apontou para ele e avisou à vítima que seu companheiro estava ali. A vítima o viu e ficou mais tranquila. Quando a cirurgia começou, ficou ao lado dela, segurando sua mão. O acusado comentou: esse pai é diferente, não tem medo. Esquece. Ele não fazia contato visual com o depoente. Estava com a máscara abaixada. O pano que separava a cabeça da paciente da área cirúrgica estava baixo, permitindo ao depoente visualizar a barriga. Até o nascimento das bebês, a vítima estava consciente. Quando começaram a fechar sua barriga, o acusado injetou uma segunda dose no acesso da vítima. O depoente questionou o motivo, e o acusado respondeu que se tratava de um procedimento padrão. Após a injeção, a vítima perdeu a força nos braços e não conseguiu segurar as filhas. Ela não se lembra dessa parte. Estava inconsciente. O depoente comentou que sua sogra ficou acordada durante procedimento semelhante, e o acusado respondeu que cada paciente reage de forma diferente à anestesia. A vítima apagou . O acusado tocou sua testa, chamando-a por Marcele, Marcele , mas ela não respondeu mais. Por isso, o depoente tirou fotos sozinho com as filhas. As bebês foram retiradas da sala, e ele permaneceu sentado ao lado da vítima. Uma enfermeira orientou que permanecesse ali, pois lhe entregaria um papel. Em seguida, outra enfermeira pediu que ele saísse da sala. Viu o acusado fazendo um sinal para essa enfermeira retirá-lo do local. Inicialmente, o acusado lhe disse: se quiser, você já pode descer. O depoente respondeu que preferia permanecer um pouco mais com ela. A enfermeira saiu, comentou algo sobre as crianças e isso o deixou preocupado, pois haviam sido levadas para outra sala. Perguntou se poderia ir até lá, mas a enfermeira negou. Disseram que, ao final da cirurgia, a vítima seria levada a uma sala e que as crianças seriam levadas até ela. Deveria descer com o papel, pois não poderia retornar. Houve contradição entre as orientações das enfermeiras, pois uma dizia para ele descer, outra para permanecer. Saiu em direção à sala indicada, mas permaneceu parado no corredor. Uma enfermeira passou e disse: paizinho, estou fingindo que não estou vendo, o senhor sabe que não pode. Continuou no corredor, observando o interior da sala. O acusado mudou de lado, posicionando-se junto à cabeça da Marcele. Vestia um capote aberto para a frente. Subiu o pano separador da cabeça da paciente, elevando-o tanto que o depoente só conseguia ver a parte superior da cabeça do acusado. Escutava o monitor emitindo sinais sonoros de alarme. Ficou um pouco nervoso porque já havia sido informado de que parto de gêmeos era mais delicado e a vítima havia tido complicações durante a gestação. Uma enfermeira lhe disse que ele precisaria sair do corredor e descer. O aparelho monitor apitava sempre que o acusado se aproximava do lado da vítima. Enquanto estava na sala, o acusado permanecia ao lado esquerdo da vítima. Após sua saída da sala, o acusado passou para o lado direito e elevou o pano separador, momento em que os aparelhos começaram a disparar. Foi inicialmente orientado a sair da sala pelo próprio acusado, e em seguida por uma enfermeira. O acusado disse para ele ficar tranquilo, que a vítima apenas dormiria um pouco para descansar, que a cirurgia havia transcorrido bem e que não havia nada de errado. Não viu a vítima vomitando. Depois que desceu, não lhe permitiram mais subir. Desceu por volta de 12h/13h e só voltou a ver sua companheira às 19h. Ninguém lhe informou que a vítima havia vomitado. Na segunda-feira, a vítima contou que acordou com um gosto muito ruim na boca e que havia vomitado. Após a aplicação do remédio, o acusado apenas disse que era um procedimento normal. Durante o parto, a vítima não teve nenhuma intercorrência aparente e estava bem calma. Disse que estava se sentindo estranha e que estava vendo tudo girando . Após a aplicação da segunda dose pelo acusado, a vítima desligou totalmente . O acusado tocou na testa dela três ou quatro vezes, chamou-a pelo nome, mas não houve qualquer reação. O acusado afirmou que, naquele momento, ela iria dormir um pouco. Na segunda-feira, procurou a diretoria do hospital. Sua sogra o informou que havia um caso de um anestesista abusando de pacientes e, com base no que a vítima relatou, ela poderia ser uma das vítimas. Sua sogra lhe mostrou uma foto do anestesista, que o depoente reconheceu como sendo o acusado. Sentiu que seu direito de estar ao lado da companheira havia sido violado. Gravou um vídeo do local onde ficou, que tinha visibilidade para a sala de cirurgia. Apresentou o vídeo na delegacia, mas lhe disseram que não havia relevância. Gravou o vídeo quando chegou, por estar revoltado com o fato de não ter entrado diretamente com sua companheira. Descreveu que a enfermeira que pediu para ele sair do corredor era loira, esbelta, com uma tatuagem no pescoço. Quando o acusado aplicou a segunda dose e disse que a vítima iria dormir, o fez em um tom de voz normal, nem alto nem baixo. Informou que a gravidez da vítima era considerada de risco, motivo pelo qual foi indicada para aquele hospital. A vítima não tinha nenhum problema de saúde, exceto a diabetes gestacional, que fazia sua pressão arterial oscilar. Era sua primeira gestação. Primeiramente, quem pediu para ele sair da sala foi o acusado; em seguida, uma enfermeira loira, que usava aparelho nos dentes, orientou que ele descesse. Outra enfermeira, de pele escura, havia dito para que permanecesse na sala aguardando o papel. Posteriormente, uma terceira enfermeira pediu que ele saísse, mas não se recorda se essa última teve contato com o acusado ou com outro médico. Ao sair, permaneceu no corredor e uma outra enfermeira lhe pediu que descesse. Enquanto estava no corredor, o acusado subiu o pano separador e o depoente passou a ter visão apenas da barriga da vítima para baixo. O acusado cobriu o rosto da vítima. O pano foi posicionado de modo a passar pelas bordas da maca, tampando o tronco do acusado. A visão era de frente, com vista para os pés e a barriga da vítima. Naquele momento, o acusado encontrava-se do lado direito da vítima. Ficou no corredor por cerca de 10 a 15 minutos. Quando saiu do corredor, os médicos ainda estavam fechando as duas últimas camadas da incisão. Após esse momento, não sabe por quanto tempo a vítima permaneceu na sala de cirurgia. A testemunha Priscila Garcia Cavalcanti Cordeiro, integrante da equipe de enfermagem que estava de plantão na data dos fatos, prestou as seguintes declarações em juízo: é técnica de enfermagem e começou a trabalhar no hospital em setembro de 2021. Não se recorda a partir de quando o acusado passou a atuar na unidade. Até então, tudo transcorria conforme o esperado, e nunca havia observado atitude suspeita por parte do acusado. No dia dos fatos, não estava na sala de cirurgia, mas na RPA (área de recuperação pós-anestésica), embora, por conta do regime de escala, eventualmente também atue na sala de cirurgia. Até aquele momento, não havia observado nada específico em relação ao acusado, pois a rotina no centro cirúrgico é muito corrida. Sua função consiste em dar suporte a todos dentro da sala, sem hábito de fiscalizar o trabalho dos demais, considerando que cada um tem sua função e desempenha suas atribuições. No plantão anterior ao dia dos fatos, a profissional Renata havia se atentado ao comportamento do acusado e comentou com a equipe. Renata disse que ele ficava muito próximo das pacientes e achava a conduta estranha. Naquele momento, ninguém da equipe, nem mesmo Renata, imaginou que pudesse se tratar de algo de natureza sexual. Não chegou a desconfiar de nada específico. O acusado era uma pessoa fechada, não costumava conversar com frequência, mas nunca destratou ninguém na presença da depoente. Mantinha uma relação estritamente profissional com os colegas. Após o alerta feito por Renata, recordou-se de que as pacientes atendidas pelo acusado saíam da sala de cirurgia mais sedadas do que o habitual. Tal sedação era considerada fora do padrão, pois normalmente as mães saem da sala amamentando, o que não ocorria com as pacientes sob cuidado do acusado. Não era comum os anestesistas utilizarem capote fora do momento do procedimento cirúrgico. Apenas o acusado tinha essa conduta. O capote, por ser estéril, deve ser utilizado exclusivamente durante o procedimento. Não é prática usual circular com ele nos corredores, por exemplo. A conduta do acusado era incomum, pois costumava tirar o capote, deixá-lo pendurado e depois colocá-lo novamente. Outras colegas também comentaram que o campo cirúrgico posicionado pelo acusado com o uso do capote era algo fora do padrão. O acusado era muito sutil em seu comportamento e não aparentava nervosismo quando alguém se aproximava. Essa percepção de malícia surgiu apenas após assistirem ao vídeo, quando começaram a compreender os comportamentos que antes pareciam normais. Nunca viu o acusado limpar a boca de paciente, exceto no vídeo. Renata comentou com ela que já havia presenciado esse tipo de atitude. No plantão do dia dos fatos, passaram a observar o acusado com mais atenção. Renata disse que ele estava agindo de forma muito estranha. A depoente entrou na sala e ouviu o som da placa de bisturi. Perguntou a Renata se estava tudo bem, e ela respondeu que estava apenas ajeitando a placa. Entrou para ajudar Renata e passou a observar atentamente o comportamento do acusado. Olhou diretamente para a pelve do acusado e viu que ele apresentava uma ereção. Assim que percebeu que havia sido observado, o acusado imediatamente fechou o capote. Estava posicionado próximo à vítima Marcelle. O acusado tentava disfarçar sua conduta mexendo em algum objeto. Não o viu realizando nenhum ato com a vítima, apenas observou que seu pênis estava ereto. Relatou o ocorrido à equipe, e a enfermeira Amanda disse que somente seria possível comprovar algo por meio de imagens. Diante disso, decidiram filmar a terceira cirurgia. Não pode afirmar que Renata também viu a ereção. Naquele plantão, estavam preparados para observar atentamente o comportamento do acusado. Partos gemelares costumam ser realizados na sala 3, por ser mais ampla. O parto da paciente Aline ocorreu nessa sala, mas não pode afirmar se o parto anterior, da vítima Marcelle, foi realizado também na sala 3. A depoente e a profissional Thaisa foram as responsáveis por posicionar o celular para realizar a filmagem, utilizando o aparelho da própria Thaisa. O técnico Davi se ofereceu para permanecer na sala durante o procedimento. A vítima Marcelle chegou à sala RPA (recuperação pós-anestésica) muito sonolenta, sem forças para segurar os bebês, o que não é considerado normal em partos por cesariana. Não conseguiu amamentá-los, devido ao nível de sedação. Não observou secreção na boca da paciente. Colocou os bebês no berço aquecido, aguardando a recuperação da mãe. Não recebeu informação de que Marcelle teria vomitado. Enjoo é um sintoma comum, mas vômito intenso não. Quando ocorrem situações incomuns, é habitual que sejam registradas no prontuário. Ao se aproximar do acusado, ele estava de frente para a paciente, com o monitor ao seu lado. O procedimento habitual, após a realização das intervenções, é que o anestesista se sente e acompanhe o monitor. Não é comum a administração de sedação, exceto em casos de intercorrência. Os acompanhantes, normalmente, permanecem na sala até o término do procedimento. O acusado, após os partos, tinha o hábito de solicitar à equipe de enfermagem que retirasse o acompanhante da sala. Recorda-se de que, em ao menos uma ocasião, ele já havia pedido que retirasse um acompanhante, conduta incomum entre os demais anestesistas. Na época dos fatos, o procedimento padrão era que o acompanhante permanecesse presente durante todo o parto e saísse junto com a paciente no momento da transferência para a RPA, onde o acompanhante não ficava. Atualmente, esse protocolo mudou, permitindo a presença do acompanhante durante toda a internação. É comum observar os medicamentos utilizados nos procedimentos. O controle maior é feito por meio da folha de psicotrópico da farmácia, que acompanha a caixa, e cujo preenchimento é obrigatório. A oxitocina não é anestésica e seu uso é comum. Não sabe informar se o acusado utilizou propofol no parto gemelar em questão. A profissional Renata acompanhou o parto. É normal que enfermeiras ou técnicos entrem na sala de cirurgia para prestar auxílio. Amanda, enfermeira, pode ter entrado por alguma necessidade da equipe, o que é comum. A depoente estava em seu posto no RPA e não pode afirmar quem, além da equipe designada, entrou na sala de cirurgia. Renata foi designada para acompanhar a cirurgia, e geralmente é um técnico que faz esse acompanhamento. Provavelmente a vítima apresentava indicação médica para a realização da cesariana. Durante o curso de formação, há aprendizado em farmacologia, e na prática diária há contato constante com os medicamentos e seus efeitos. Aprendem muitas condutas também na rotina profissional. Não conhece a pessoa descrita pelo marido da vítima, loira com tatuagem no pescoço, e não presenciou ninguém pedindo para que ele se retirasse. A atitude do acusado ao fechar o capote chamou sua atenção. Ele vestia pijama cirúrgico e, ainda assim, foi possível perceber a ereção. Após perceber que estava sendo observada, o acusado rapidamente fechou o capote, disfarçou e pegou o telefone. Não se recorda de nenhuma intercorrência durante o parto, nem de ter recebido qualquer informação nesse sentido. Enjoo é comum, e há medicamentos preventivos para isso, mas vômito não é. Não foi informada de nenhuma condição que justificasse sedação mais intensa ou cuidados especiais com a vítima ao chegar na RPA. Quando algo atípico ocorre, o usual é avisar à equipe da RPA. Era visível que a paciente estava sedada, mas não lhe disseram o motivo. Não se recorda do tempo que a vítima permaneceu na sala RPA. Em seguida, a testemunha Renata dos Santos Pereira de Carvalho, técnica de enfermagem que também estava de plantão no dia dos fatos, prestou o seguinte depoimento em juízo: é técnica de enfermagem e havia começado a trabalhar naquele hospital pouco tempo antes dos fatos. Nunca tinha trabalhado com o acusado antes. Tem 10 anos de formação e sempre atuou em centro cirúrgico. A atitude do acusado lhe pareceu muito diferente da dos outros médicos. O comportamento de permanecer excessivamente próximo às pacientes era incomum, uma vez que, normalmente, o anestesista permanece sentado, acompanhando os parâmetros da paciente no monitor. Começou a estranhar o fato de o acusado, além de utilizar o campo estéril normalmente destinado à paciente, montar uma espécie de cabana para limitar a visão dos demais. Nunca havia presenciado esse tipo de conduta. O acusado não explicou o motivo de montar essa estrutura, e a depoente também não perguntou. A partir desse momento, passou a desconfiar de sua conduta. No plantão seguinte, na semana seguinte aos fatos, comunicou à equipe sua percepção sobre o comportamento do acusado. Disse que ele agia de forma diferente dos outros médicos e que não sabia se era impressão sua. A equipe, então, passou a observar. A segunda paciente do dia era a vítima Marcelle. A depoente atuou como circulante de sala durante o parto. Observou o acusado fazendo movimentos estranhos. Somente após as filmagens foi possível concluir que se tratava de abuso sexual. Até então, nenhum comportamento de natureza sexual havia sido cogitado ou questionado. Durante o parto de Marcelle, o acusado utilizou um capote. Normalmente, esse equipamento é utilizado para manter a esterilidade do cirurgião, sendo vestido pela frente e amarrado nas costas. O acusado, porém, utilizou o capote ao contrário. A depoente tentou filmar o parto, mas o acusado criou uma barreira visual e posicionou-se de costas para ela. Na ocasião, percebeu que ele fazia movimentos de vai-e-volta com o corpo, que ocorreram após o nascimento das crianças, em momentos em que os demais profissionais estavam concentrados em suas funções. Durante a primeira cirurgia do dia, não conseguiu observar o comportamento do acusado. O companheiro da paciente acompanhou o parto e, após o nascimento, retirou-se da sala para tratar da parte burocrática. Na época, era procedimento padrão o acompanhante se retirar após as fotos e dirigir-se a outra sala. Atualmente, o acompanhante permanece até o fim do procedimento. O acusado sinalizou à depoente que era o momento de o acompanhante sair. Sentiu-se nervosa e desconfiada de que ele pretendia fazer algo. Comentou com Thaisa, que respondeu que o acompanhante tinha direito de permanecer por mais tempo. A depoente disse ao acusado que iria primeiro vacinar os bebês e depois retiraria o acompanhante. Após concluir os cuidados com os recém-nascidos, o acusado sinalizou novamente para que retirasse o acompanhante. Em seguida, atendeu à solicitação, retirou o acompanhante da sala e sentou-se. Tentou gravar o momento em que o acusado começou a fazer os movimentos, mas não conseguiu. Não era possível filmar sem que ele percebesse. Durante o procedimento, foi posicionada uma placa na paciente, que emite um alerta sonoro caso seja movimentada. O aparelho começou a apitar, e a depoente se dirigiu à paciente. Nesse momento, a vítima começou a vomitar, sendo necessário o uso do aspirador. Estava sedada. Esse tipo de situação não é comum. O acusado mexia no monitor e administrou medicamentos para evitar o vômito. Em geral, nesses casos, é utilizada bromoprida, mas a depoente não sabe qual medicação foi aplicada. O episódio de vômito ocorreu após os movimentos observados no acusado, não imediatamente, mas algum tempo depois. A profissional Priscila entrou na sala para ajudar quando o aparelho apitou e comentou que percebeu um volume na região pélvica do acusado, o qual ele tentou esconder com o capote. Nesse momento, o acompanhante da vítima já não estava mais presente na sala de cirurgia. O parto da vítima ocorreu na sala 3, por ser maior, o que possibilitou a equipe a posicionar o telefone para realizar a gravação. O acusado estava de lado para o monitor e próximo da paciente, embora também olhasse diretamente para o monitor. Seu posicionamento não era comum. Em geral, os anestesistas permanecem sentados, monitorando os parâmetros da paciente e, no máximo, acalmando-a, o que não se aplicava ao caso da vítima Marcelle, que estava bastante sedada. Normalmente, a equipe consegue visualizar todo o campo de trabalho a partir do local onde permanece sentada. Contudo, além do campo cirúrgico habitual, o acusado posicionava seu corpo de forma a criar uma barreira visual, utilizando o capote. Embora um dos motivos para o uso do capote seja a baixa temperatura no centro cirúrgico, naquele hospital o ambiente não era frio, justamente por conta da presença dos bebês, e não era comum o uso desse equipamento. Ainda assim, o uso do capote pelo acusado não causava estranheza à primeira vista. A paciente Marcelle saiu da sala de cirurgia muito sedada, a ponto de não conseguir segurar os bebês. Tal nível de sedação não era habitual. O padrão é que, no máximo, se administrem medicamentos leves para relaxar a paciente em caso de nervosismo, mas não ao ponto de comprometer sua capacidade de responder. Não observou nenhuma intercorrência durante o procedimento que justificasse o excesso de sedação. Era comum que as pacientes atendidas pelo acusado saíssem da sala mais sedadas que o normal. As medicações normalmente utilizadas para anestesiar em partos cesáreos são morfina e xilocaína, que agem da cintura para baixo. Para relaxamento da paciente, costuma-se usar propofol. Referindo-se ao documento identificado como ID 46813834, fl. 51, declarou que se trata das anotações do anestesista. O item 2 refere-se à raquianestesia; não conseguiu identificar o que está escrito no item 3. O item 7, ocitocina, e o item 6, tramal ou dramin, são medicações que não têm relação com efeito anestésico. A dose de 60 mg de morfina não é suficiente para sedar a paciente, pois normalmente, pacientes nessa dosagem permanecem acordadas e falantes. O anestesista costuma registrar todas as medicações administradas. Não se recorda se foi encontrado propofol no quarto onde ocorreu o parto da Marcelle. É usual que seja disponibilizada uma caixa com os medicamentos que podem ser utilizados, e cabe ao anestesista manuseá-los e registrar o que foi efetivamente utilizado. Caso precise de medicamento fora da caixa ou em dose maior, solicita ao técnico. No parto da vítima, a única técnica presente era a própria depoente. Priscila entrou na sala apenas quando o aparelho começou a apitar, para ajudar. Não se recorda se Amanda entrou na sala. Thaisa permaneceu fora e, da porta, apenas disse que o pai da criança poderia ficar. Não conhece a pessoa descrita pelo companheiro da vítima, uma mulher loira com tatuagem no pescoço. Não presenciou ninguém pedindo ao companheiro da vítima que se retirasse. Não se recorda de ter consultado os parâmetros da paciente Marcelle quando ela vomitou. O vômito pode estar associado à queda de pressão arterial. Nesse caso, o vômito decorrente de hipotensão não é algo estranho. Não sabia se Marcelle tinha diagnóstico de diabetes gestacional. Indicativo de cesariana geralmente está relacionado à existência de riscos para a mãe ou para o bebê. Não observou se o acusado tocava a paciente, pois ele estava de costas. Estava vestido com calça. Quando via as costas do acusado, os médicos estavam realizando o fechamento da incisão abdominal da paciente. O acusado fazia movimentos pélvicos, de vai-e-volta com o quadril, enquanto permanecia próximo ao rosto da paciente. Não estava presente no parto posterior, aquele que foi efetivamente filmado. Ao assistir à filmagem, interrompeu ao ver o momento em que o acusado expõe seu membro e não quis continuar assistindo. Não se recorda de ter visto, nas filmagens, movimentos semelhantes aos que presenciou no parto de Marcelle, pois estava posicionada em local diferente. No plantão anterior, não conseguiu ver os movimentos porque o acusado havia construído um campo que limitava sua visão. Além da limitação normal do campo de visão, posicionado próximo ao tronco da paciente para que ela não veja a cirurgia, o acusado prendia um pano no suporte do soro, estendendo-o até o carrinho, formando uma barreira que impedia a visão de quem passava atrás. No caso do parto de Marcelle, não utilizou essa barreira adicional, apenas o capote, o que permitiu à depoente observar seus movimentos. Existe ainda uma extensão do campo, usada para proteger os braços da paciente, que leva a barreira além do limite da maca. Contudo, não era comum os anestesistas montarem esse tipo de campo. A testemunha Amanda de Castro Valentim prestou depoimento em juízo, esclarecendo o seguinte: não participou do parto da vítima Marcelle. Entrou na sala rapidamente e, nesse momento, o acusado abriu e fechou o capote de forma rápida, olhando para ela com expressão de susto. Já havia trabalhado com o acusado em outros plantões. No plantão anterior aos fatos, a equipe começou a observar comportamentos do acusado que se diferenciavam dos demais médicos. Ele utilizava o capote virado para frente e fazia uma espécie de cortina com o campo de proteção sobre a paciente. Também costumava sair da sala com o capote, usado de maneira invertida, ou seja, aberto na frente. Renata havia comentado que o acusado permanecia muito próximo à cabeça das pacientes. A sedação aplicada por ele não era normal. Nos partos em que atuava, as pacientes saíam inconscientes, o que era algo rotineiro apenas nos casos em que o acusado participava. No dia dos fatos, a equipe combinou que fariam uma gravação. Ao entrar na sala, o intuito era observar o comportamento do acusado. Naquele momento, ele estava próximo à maca, com a paciente Marcelle deitada. Assim que percebeu a presença da depoente, fechou rapidamente o capote. A equipe suspeitava da possibilidade de um abuso sexual, mas não havia certeza de nada. Renata participou do parto. A depoente não viu a vítima saindo da sala e indo para a RPA, mas a recebeu posteriormente em outra sala, após o procedimento cirúrgico. Não se recorda exatamente do estado da paciente naquele momento. As técnicas relataram que a paciente estava muito sonolenta. Não sabe informar se houve episódio de vômito durante o parto. Nunca participou diretamente de um parto com o acusado dentro da sala de cirurgia. Costumava permanecer na sala pós-anestésica com outras pacientes. Apesar de tudo ocorrer no mesmo centro cirúrgico, não tinha o hábito de permanecer nas salas de cirurgia durante os partos. O uso de propofol no parto não é comum, sendo indicado apenas em casos em que a raquianestesia não tem o efeito desejado. O procedimento padrão é a aplicação da raquianestesia. Referindo-se ao documento constante no ID 46813834, fl. 51, explicou que se trata da folha preenchida pelo anestesista com as medicações utilizadas. No item 1 está registrado o uso de kefazol 2g, antibiótico. O item 2 parece indicar raquianestesia e o tipo de agulha utilizada. O terceiro item refere-se à sondagem vesical, o quarto à ocitocina. O item 6 parece ser tramal, o 2, morfina, e o item 7 está ilegível. O documento ID 46813836 refere-se ao consumo de cirurgia, ou seja, aos materiais utilizados no procedimento. Na parte inferior da folha consta o registro de uso de propofol. Entende-se, assim, que o medicamento foi utilizado durante o procedimento. Outras medicações também estão listadas nessa folha. Credé, por exemplo, é um colírio aplicado em recém-nascidos. Recorda-se de que o parto ocorreu na sala 3. Em alguns casos, pacientes submetidas à cesariana com raquianestesia podem vomitar. Não se recorda se o companheiro da vítima estava presente na sala quando entrou. Sua entrada foi breve e sua atenção foi imediatamente capturada pelo gesto do acusado fechando o capote de forma rápida. Renata havia mencionado anteriormente que o acusado costumava limpar a boca das pacientes. Naquele dia, a depoente estava realizando diversas tarefas. Não sabe identificar quem teria solicitado ao acompanhante da vítima que se retirasse. Não ouviu o apito do monitor. Sua entrada na sala foi motivada pela rotina de trabalho. Entrou após o nascimento das crianças e estava sozinha. Não se recorda do que Priscila estava fazendo naquele momento, nem da posição exata em que Renata se encontrava. Observou as crianças na incubadora e saiu rapidamente. Seu foco principal era observar o comportamento do acusado, em razão das suspeitas que já haviam sido levantadas. A testemunha Thaisa Kelly Ramos da Silva Ferreira também prestou depoimento em juízo e afirmou: é técnica de enfermagem. No plantão anterior aos fatos, sua colega de trabalho, Renata, a alertou que estava desconfiando de algumas atitudes do acusado. Relatou que não achava normal o grau de sedação aplicado pelo acusado, bem como alguns movimentos que ele fazia próximo às pacientes. A partir disso, passaram a ficar mais atentas ao comportamento dele. Observou que as pacientes do acusado costumavam sair mais sedadas ou dormindo, o que não acontecia com pacientes atendidas por outros médicos. No plantão seguinte, intensificaram a vigilância sobre a conduta do acusado. Na primeira cirurgia do dia, ele montou uma espécie de cabana . Sedou a paciente. A depoente entrou na sala e questionou o motivo da sedação. O acusado respondeu: por quê? Você também quer? . Após isso, a depoente saiu da sala. Na segunda cirurgia do dia, o acusado retirou o acompanhante da paciente. Renata avisou à depoente que o acusado estava tentando afastar o acompanhante e que deveriam tentar permanecer na sala o maior tempo possível. No entanto, o acompanhante acabou saindo. Renata chegou a sair rapidamente da sala para informar que ele já havia pedido a retirada do acompanhante. Reconhece que, anteriormente, alguns cirurgiões solicitavam a saída dos acompanhantes, mas a maioria não fazia esse pedido. Em si, essa conduta não causava estranheza, mas, diante dos comportamentos que vinham observando do acusado, passaram a vê-la com atenção. Queriam que o acompanhante ficasse até o final. Diante disso, decidiram gravar a cirurgia seguinte. Não se recorda de nenhuma atitude suspeita por parte do acusado anterior àquele plantão, passando a observá-lo apenas após o alerta feito por Renata. A construção de cabana pelo acusado não era prática comum entre os médicos. Ele colocava um capote estéril como se fosse um casaco e adicionava outro campo para obstruir a visão, criando uma barreira ao lado do campo estéril tradicional. Não se recorda se essa barreira foi utilizada no parto da Marcelle. Quando foi retirar a paciente da sala, havia um frasco de propofol e um de multiquetamina sobre o carrinho. São dois sedativos considerados fortes, e não era normal o uso desse tipo de medicação em partos como aquele. O uso de sedativos não era prática comum em procedimentos de cesariana. Ao conversar com colegas sobre aquele parto, soube que, ao manipularem a placa do bisturi, observaram um volume estranho na calça do acusado. Na manhã do ocorrido, estava em outra sala, realizando uma curetagem. Viu a vítima saindo da sala de cirurgia visivelmente sedada. Não esteve presente durante o procedimento. Acredita ter visto o acompanhante da Marcelle apenas no início do procedimento. A maioria dos médicos deixava os acompanhantes permanecerem até o final da cirurgia. Foi informada de que, no caso de Marcelle, o acusado pediu para que o acompanhante saísse. Referindo-se ao documento de ID 46813836, fl. 1, explicou que é preenchido pelos técnicos de enfermagem e depois inserido no prontuário do paciente. Segundo esse registro, foi utilizada uma ampola de propofol. Já o documento de ID 46813834, fl. 51, é a ficha de anestesia, preenchida pelo próprio anestesista. Declarou que só é possível afirmar a dosagem do medicamento consultando diretamente o prontuário. É possível que pacientes sintam enjoo e até vomitem em razão da aplicação da raquianestesia. A reação à anestesia varia de paciente para paciente. Não há anestesia diferenciada em função de a paciente ser diabética. O médico obstetra Leonardo de Almeida Henriques, que realizou o parto cesárea da vítima, prestou depoimento em juízo e declarou: era o obstetra responsável pela cirurgia da vítima, um parto gemelar que transcorreu sem dificuldades. Participou da cirurgia acompanhado da médica Nathalia. O acusado não era um profissional regular nos plantões de domingo, tampouco fazia parte da equipe fixa do depoente. Atuava naquela ocasião como coringa . Realizou duas cirurgias com o acusado naquele plantão. Durante o procedimento, o acusado pediu uma compressa ao cirurgião, o que normalmente é pedido ao circulante. Observou que a paciente apresentava nível de sedação acima do habitual. Em cirurgias cesáreas, não é costume aplicar sedação; o padrão é realizar apenas a raquianestesia, justamente para permitir que a paciente tenha contato com os recém-nascidos. No caso da vítima, percebeu que ela não conseguia segurar os bebês devido ao grau de sedação. Foi a primeira e única cirurgia que realizou com o acusado. Em alguns casos, quando a paciente é mais reativa ou a raquianestesia não faz efeito completo, pode haver necessidade de sedação. No entanto, quando o procedimento segue normalmente, como no caso da vítima, não há justificativa para sedação. A decisão sobre a anestesia ou sedação cabe ao anestesista. Em casos de agitação da paciente, o cirurgião pode solicitar ao anestesista que a acalme, mas não é comum que isso envolva sedação a ponto de provocar perda de consciência. O acusado não informou ao depoente que sedaria a paciente. Só percebeu que ela havia sido sedada quando viu que não conseguia segurar os bebês. O anestesista permanece na sala do início ao fim do procedimento. Afirmou que seria possível o acusado ter cometido violência sexual sem que ele percebesse, pois sua atenção estava totalmente voltada para a cirurgia. Entre a cabeça da paciente e o campo operatório, é colocada uma barreira de pano que impede tanto a visão da paciente quanto a do cirurgião em relação à região da cabeça. Para visualizar essa área, seria necessário se inclinar de forma evidente, o que não foi feito, pois não houve necessidade. O anestesista geralmente permanece ao lado da cabeça da paciente e, ao final do procedimento, é comum que continue na sala. No caso em questão, o acusado permaneceu, pois havia sedado a paciente e era responsável por despertá-la. Acredita que o pedido de compressa feito pelo acusado foi para limpar vômito ou alguma substância na região oral da paciente. As imagens do vídeo correspondem ao dia dos fatos, e reconheceu que era a mesma equipe que atuava naquele plantão. A cirurgia da vítima Marcelle transcorreu normalmente, sem qualquer intercorrência que justificasse a sedação. Em conversas posteriores com outras equipes, foi informado que a sedação era uma prática recorrente do acusado. Não presenciou nenhum ato sexual durante a cirurgia da vítima. Não viu a paciente vomitar. Também não parou para observar diretamente. Acredita que o acusado pediu a compressa para limpar vômito da paciente, mas não tem conhecimento da quantidade de sedação aplicada. Recorda-se de que a vítima estava mais sedada do que o habitual, a ponto de não conseguir segurar os bebês. Após o nascimento, os recém-nascidos são entregues à equipe de pediatria, que tenta interagir com a mãe ainda durante o procedimento. Finalizada a cirurgia, o depoente e a médica Nathalia saíram da sala. Cabe ao anestesista reverter o efeito da sedação antes de se retirar, sendo o responsável pela paciente naquele momento, chamado de pós-anestésico. A vítima estava acordada, mas não totalmente consciente do que acontecia, uma vez que não conseguiu interagir com os bebês. Após a cirurgia, não teve contato com o acusado. O acusado estava ali em plantão extra, como coringa , e não integrava sua equipe fixa. Afirmou que a equipe de enfermagem já sabia de comportamentos suspeitos do acusado, mas não dispunha de provas. Declarou que não tinha conhecimento de nada do que estava acontecendo nem das suspeitas da equipe de enfermagem. Soube dos fatos apenas após a prisão do acusado. A médica assistente Nathalia Cristina Cruz Silva, que assistiu ao parto da vítima, prestou os seguintes esclarecimentos em juízo: foi a primeira cirurgia que realizou com o acusado. Chegou ao plantão por volta de 7h e pouco, e já havia algumas cirurgias agendadas. Encontrou o acusado primeiramente no staff médico, onde ele lhe pareceu uma pessoa comum. Depois, desceu para atender os demais casos do plantão. Como a primeira cirurgia do dia já havia iniciado, participou da segunda, auxiliando o médico Leonardo em uma cesariana gemelar. Durante o procedimento, não perceberam nada de anormal. Em determinado momento, o acusado solicitou que o acompanhante da paciente se retirasse da sala, mas não notaram nada incomum na ocasião. Acredita que o acompanhante fosse alguém da família, talvez o marido da paciente, e que estava assistindo ao parto. Às vezes, os acompanhantes permanecem ao fundo da sala enquanto a equipe trabalha. Em certo momento, o acusado pediu uma compressa, o que chamou sua atenção e a fez supor que a paciente tivesse vomitado. A cirurgia foi concluída e o plantão prosseguiu normalmente. Por volta das 14h, voltou ao staff médico e observou que outro anestesista havia assumido o centro cirúrgico; o acusado já não se encontrava mais lá, tendo sido realocado para o staff. Não compreendeu naquele momento o motivo da mudança. O plantão estava agitado, e só retornou ao staff médico por volta das 22h, quando parou para jantar. Naquele momento, já havia um policial civil ao lado do acusado. Inicialmente, não sabia do que se tratava. Não assistiu ao vídeo nem no dia nem posteriormente, pois afirmou que não teve coragem de ver. Soube depois que o acusado foi preso, e que outro anestesista, colega seu, havia assistido ao vídeo e lhe relatado a situação. Durante a cirurgia, o que mais lhe chamou a atenção foi o pedido de compressa feito pelo acusado, o que a levou a questionar se a paciente havia vomitado, sem, no entanto, obter resposta. Supôs que ela tivesse vomitado, pois já havia presenciado isso em outras ocasiões. Explicou que, às vezes, devido à demora no procedimento anestésico ou ao fato de o jejum não ter sido realizado adequadamente, pode ocorrer vômito durante a cirurgia. Outro ponto que lhe pareceu incomum foi o pedido do acusado para que o acompanhante se retirasse da sala, sem oferecer justificativa. Afirmou que não é comum o anestesista fazer esse tipo de solicitação. Embora tanto o anestesista quanto o obstetra possam eventualmente pedir isso, em regra não se retira o acompanhante, a não ser que haja uma situação extrema, como conversão do procedimento cirúrgico para uma histerectomia, de modo que se torne mais difícil conciliar tudo ao mesmo tempo, exigindo maior concentração da equipe. No caso específico da cirurgia da paciente Marcelle, afirmou que foi tranquila e sem qualquer intercorrência. Observou que foi ministrada raquianestesia na paciente e que não percebeu sedação. A raqui foi visível porque é aplicada antes da entrada na sala, enquanto os médicos aguardam para se escovar e iniciar o procedimento. Viu a aplicação da raqui, mas não presenciou qualquer sedação, pelo menos até o nascimento dos bebês. Relatou que os recém-nascidos foram mostrados à mãe, que estava acordada nesse momento. Destacou que a parte do nascimento é a mais rápida da cirurgia, o acesso à cavidade e a retirada dos bebês, enquanto o fechamento da paciente é a que mais demanda tempo. Não observou se a mãe conseguiu segurar os bebês após o parto, tampouco se houve dificuldade nesse sentido. O doutor Leonardo, obstetra responsável pela cirurgia, não comentou nada a respeito da dificuldade da paciente em segurar as crianças. O acusado permaneceu o tempo inteiro atrás do campo superior. Explicou que esse campo é um dos quatro campos estéreis que são colocados ao redor da paciente, que permanece deitada. Um é posicionado nos pés, outro superior, que geralmente vai de pouco abaixo do umbigo até o pescoço da paciente, com a finalidade de impedir que ela veja a cirurgia. Além desses, há campos laterais, utilizados para manter a área estéril. O acusado permaneceu o tempo todo atrás desse campo superior, e, nessa configuração, o resto do rosto da paciente fica livre. Não se recorda se o acusado estava sentado ou em pé próximo a esse campo. Considera que, dependendo da posição, quem poderia ter visibilidade sobre o que se passava atrás do campo seria o circulante, pessoa responsável por entregar materiais cirúrgicos aos médicos e que fica fora do campo, ou o pediatra, que permanece próximo à cabeça da mãe, mexendo no berço neonatal, e poderia ter uma visão lateral da área. Afirmou que os profissionais posicionados à frente da paciente, como ela própria, não conseguem visualizar nada do que ocorre atrás do campo. Acredita ser possível que, nessas circunstâncias, o anestesista pudesse cometer algum tipo de abuso sem ser visto pela equipe, pois se posicionava de costas para os demais. O local onde se posicionou, de costas para a equipe, coincidia com a área onde se encontrava o berço, de modo que o pediatra ou o circulante, estando atrás do berço, não teriam visão do que ocorria do outro lado. Do lado oposto da sala, não ficava ninguém. Foi dessa forma que o acusado se posicionou durante o procedimento. Declarou não ter assistido ao vídeo por ter ficado enojada com a situação. Não teve mais contato com o acusado após esse dia. Na posição em que se encontrava, não era possível ver qualquer ato sexual cometido pelo réu, pois a barreira bloqueava completamente sua visão. Reforçou que, durante a realização de uma cesárea, é necessário manter foco total na cirurgia, dada a responsabilidade envolvida, e que, além disso, nada chamou sua atenção durante o procedimento, o que atribui também ao cinismo do acusado. Com a barreira posicionada, afirmou ser impossível ver o que ocorria do outro lado, a menos que se deslocasse e colocasse a cabeça por trás do campo, o que não seria conduta adequada no momento cirúrgico. Após o nascimento das crianças, estas foram mostradas à mãe, e essa pode ter sido a ocasião em que o crime foi cometido. Uma cesárea normal dura cerca de 40 a 50 minutos, e o acesso aos bebês ocorre nos primeiros cinco minutos. Após o nascimento, o bebê é mostrado à mãe e, em seguida, passa aos cuidados da equipe de pediatria. Enquanto isso, a cirurgia prossegue com a sutura do útero e o fechamento das demais camadas. Dessa forma, concluiu que a maior parte do tempo da cirurgia a paciente permanece sozinha. A médica pediatra Lorena Branquinho Ferreira, que estava presente na sala de parto da vítima, prestou depoimento em juízo e afirmou: Estava de plantão no dia dos fatos e participou do parto como pediatra da sala de parto, em razão de uma troca de plantão, pois aquele não era seu dia habitual no hospital. Nunca havia visto o acusado antes. Entrou na sala somente após a aplicação da anestesia e passou a cuidar do bebê após o nascimento. Realizou todos os procedimentos pediátricos pertinentes, mostrou o bebê à mãe e ao pai, deixou-o na UCR e saiu da sala de parto. Não presenciou nenhum fato relacionado ao caso. Afirmou que não faz parte da sua função permanecer na sala durante todo o parto. Não percebeu se a paciente estava sedada e não se recorda se a paciente chegou a tirar foto com os bebês. Logo após sair da sala, observou que o pai também havia saído, mas não soube o motivo. Indicou que seu trabalho é exclusivamente voltado para o bebê e que não se recorda com quem a paciente ficou após sua saída. Afirmou que normalmente os obstetras e o técnico de enfermagem permanecem na sala até o fim da cirurgia. Disse que é a última a entrar e a primeira a sair da sala. Esclareceu que o capote é uma vestimenta usada para garantir a esterilidade da equipe médica, geralmente amarrado na parte de trás, e que o acusado estava com o capote invertido. Disse que o centro cirúrgico é frio e que alguns profissionais usam o capote para se cobrir, mas que a forma invertida de uso não é comum. Declarou que não quis ver as filmagens do caso. Foi a única cirurgia da qual participou com o acusado, pois seus plantões ocorrem às quartas-feiras à noite, e nesse dia específico estava cobrindo outro profissional. Desconhecia a instalação de câmeras ou celulares para gravação, assim como não tinha ciência das suspeitas levantadas pela equipe de enfermagem. Já presenciou o uso de capote como forma de se proteger do frio, sendo comum o uso invertido nesse contexto, diante da proibição de casacos no centro cirúrgico. Explicou que o anestesista fica posicionado atrás do campo cirúrgico, fora da visão do obstetra, e que a parte da cabeça da paciente também não fica visível. A sua posição na sala não permite visibilidade da paciente, do anestesista ou do obstetra. Sua atuação dura, em média, de 5 a 10 minutos, tempo necessário para secar, aspirar, posicionar o bebê, auscultar, avaliar más-formações, medir, pesar e entregar o bebê aos pais para foto, se desejado. Após isso, posiciona o bebê no berço e se retira da sala. Enquanto o obstetra sutura a paciente, o anestesista permanece na sala para monitoramento da anestesia até o fim. Não percebeu se havia excesso de anestesia. A testemunha Paula Rios Gomes, arrolada pela defesa, prestou o seguinte depoimento em juízo: não presenciou os fatos. Conhece o acusado e foi sua preceptora durante todo o período de residência, mantendo contato com ele após esse período. Relatou que o acusado chegou a realizar anestesia com ela em atendimentos privados. É médica anestesista. Explicou que, em regra, em partos cesáreos, os anestesistas optam por realizar raquianestesia com bloqueio subdural, uma vez que há contraindicações à anestesia geral nesses casos. Quanto aos efeitos colaterais da raquianestesia, indicou que a queda de pressão é considerada normal. Ressaltou que, independentemente da medicação, algumas pacientes podem apresentar estado emocional alterado devido a fatores hormonais ou por ser um momento de grande importância, gerando crises de ansiedade. A anestesia pode provocar náuseas, vômitos e dificuldade para respirar, exigindo assistência do anestesista. Em casos de pacientes muito nervosas, pode ser necessário administrar sedação leve, embora isso não seja a maioria dos casos. Afirmou que, quando a cirurgia se estende além do previsto e da duração do efeito da raquianestesia, pode ser necessário complementar a anestesia para evitar a realização de uma nova raquianestesia ou de anestesia geral. Em casos de cirurgia que se complicam inesperadamente, procura realizar uma sedação um pouco mais profunda. Relatou que, havendo complicações após o parto, é comum solicitar que o acompanhante se retire da sala de cirurgia, o que ocorre com frequência, pois o acompanhante, por não compreender a situação, pode atrapalhar a equipe médica. Destacou que esse pedido é usual quando há intercorrências, sendo posteriormente explicado ao acompanhante. Esclareceu que, a partir do nascimento da criança, a mulher é considerada em estado puerperal, deixando de ser gestante, e que esse estado pode causar alterações psicológicas ou emocionais. Relatou já ter presenciado situações em que, mesmo animadas durante o trabalho de parto, algumas mulheres se recusaram a ver o bebê após o nascimento, o que pode decorrer do pico hormonal ou do nervosismo, embora ressalte que um obstetra teria mais propriedade para tratar do tema. Afirmou conhecer a experiência profissional do acusado, tendo sido sua preceptora durante toda a residência médica. Informou já ter prestado depoimento anteriormente, imaginando tratar-se do mesmo fato, e que só depois percebeu que se tratava de outro processo. Disse que teve conhecimento do episódio registrado em vídeo e acreditava que seria ouvida novamente sobre aquele caso, embora não tenha presenciado nada. Como colega de profissão e preceptora, afirmou jamais ter ouvido algo que desabonasse a conduta do acusado, ressaltando que o acompanhou durante toda a residência em salas cirúrgicas e que sua conduta sempre foi adequada. Explicou que, após o nascimento da criança e durante o procedimento de sutura, não é de praxe utilizar sedativos, mas que em algumas situações pode ser necessário. A depender da razão pela qual se decide sedar, a sedação pode ser profunda ou não. Em casos em que o bloqueio anestésico não é suficiente e falta pouco para concluir a cirurgia, o anestesista tende a realizar uma sedação um pouco mais profunda para garantir conforto à paciente, sem a necessidade de aplicar nova técnica anestésica. Nesses casos, a mãe pode ficar impossibilitada de amamentar por algumas horas, a depender da medicação utilizada. Por sua vez, em seu interrogatório, o acusado negou a prática do crime que lhe foi imputado na denúncia e apresentou a seguinte versão dos fatos: afirmou que, além do processo semelhante ao presente, não responde a nenhum outro processo criminal. Declarou que a acusação não é verdadeira. Sustentou ser impossível a visualização de uma ereção em razão do excesso de roupas exigidas no centro cirúrgico. Explicou que utilizava o capote ao contrário, como um casaco, devido ao ambiente frio do centro cirúrgico, que assim se mantém para evitar infecção hospitalar, e que não se pode usar qualquer tipo de roupa nesse ambiente, sendo o capote esterilizado. Acrescentou que, por não estar envolvido diretamente com o procedimento cirúrgico, optou por não utilizar o capote da forma tradicional, com a abertura para trás. Alegou que o uso do capote dessa maneira é prática comum entre anestesistas e membros da equipe técnica que não participam diretamente do procedimento. Explicou que seu posicionamento é sempre próximo à cabeça da paciente, com o objetivo de observar qualquer intercorrência nas vias aéreas, o que considera ser a função principal do anestesista. Disse desconhecer qualquer movimentação atípica que tenha sido relatada. Relatou que a técnica de enfermagem permaneceu ao seu lado durante todo o procedimento. Disse lembrar que a paciente Marcelle passou mal, tendo sido necessário realizar manobras para evitar que ela engolisse o próprio vômito, motivo pelo qual movimentou sua cabeça. Afirmou ter pedido ajuda à técnica de enfermagem Renata, diante do risco à paciente, e que toda a movimentação da cabeça da paciente teve esse propósito específico. Ressaltou que a técnica ficou ao seu lado durante a maior parte do tempo, presenciando toda a situação, e que não ocorreu nada de anormal. Argumentou que, se algo tivesse acontecido, a técnica de enfermagem, que estava ao seu lado, teria sido a primeira a perceber. Disse que é comum a paciente passar mal após um parto gemelar e que a presença do acompanhante poderia atrapalhar eventual intervenção mais crítica que necessitasse ser realizada. Pediu apenas que o acompanhante da paciente se afastasse, e não que saísse da sala. Disse que, em determinadas circunstâncias, o uso de sedativos é necessário e que, no caso da vítima, o fato de ela ter passado mal indicaria uma possível falha no bloqueio anestésico. Alegou que a anestesia tem um tempo de duração limitado e, em gestantes, esse tempo costuma ser ainda menor. Justificou que a sedação pode ser empregada para evitar que a paciente sinta os cortes cirúrgicos, especialmente quando o bloqueio não é suficiente ou quando há agitação. Afirmou, porém, não se recordar se utilizou sedativo nesse procedimento específico. Segundo ele, em procedimentos que ocorrem sem intercorrências, a sedação pode não ser necessária. Explicou que o anestesista tem autonomia para decidir sobre a aplicação de sedativos, independentemente de solicitação do cirurgião ou da paciente, sendo capaz de avaliar sinais como aumento da frequência cardíaca, que pode indicar dor. Afirmou que, caso a paciente manifeste dor, o anestesista deve agir imediatamente, mas que essa atitude não depende de manifestação do cirurgião ou da paciente. Ressaltou que a sedação é feita para durar somente durante o procedimento cirúrgico, mas cada pessoa tem um metabolismo. Nenhum paciente sai da sala do centro cirúrgico inconsciente, e após o sedativo a paciente pode apresentar sonolência, mas nada que comprometa seu estado de consciência. Ele mesmo apenas libera a paciente quando ela está consciente, acordada e responsiva. Assegurou que, no caso da vítima, ela deixou a sala em estado consciente e capaz de interagir com os bebês. Quando deixou a paciente nos cuidados da enfermagem, ela estava acordada, responsiva e interagindo. Declarou que, se houve rebote por alguma medicação, não fez parte deste momento. Disse que o parto gemelar é classificado como de alto risco, independentemente da condição de saúde da paciente, e que, para a equipe de anestesia, esse tipo de parto exige maior atenção a eventuais complicações. Afirmou não se recordar das condições de saúde da paciente, mas lembra que ela tinha uma idade avançada para um parto gemelar. Relatou que usava uma cueca, calça jeans, a calça do centro cirúrgico e um cinto prendendo a calça jeans. Assim, concluída a instrução, em ambos os processos, os depoimentos das vítimas e das testemunhas de acusação apresentam relatos firmes e coerentes, que formam um conjunto probatório contundente em desfavor do acusado. Quanto ao crime praticado contra Aline, a ocorrência do fato é incontestável, uma vez que a conduta do réu foi registrada em vídeo e descrita com precisão no relatório de análise videográfica (fls. 301/315), cujas imagens são suficientemente claras e expressivas para afastar qualquer interpretação divergente dos acontecimentos. No que se refere à execução do delito, o relatório descreve o momento em que o réu ajusta o suporte de soro para ampliar o bloqueio do campo de visão de quem se encontrava atrás, administra os sedativos enquanto acaricia os cílios da vítima, expõe o pênis e o introduz na boca da paciente, satisfazendo-se por completo, tudo isso durante o trabalho de parto. Veja-se (fls. 309/315): [...] 00:59:15 - GIOVANNI fica de pé, encostado em um dos suportes do campo cirúrgico, com o corpo virado para a cabeça de ALINE. Estica o suporte, aumentando o bloqueio do campo de visão de quem está atrás. Passa os dedos nos cílios de ALINE; 00:59:26 - GIOVANNI novamente pega a seringa para aplicar algo em ALINE, via injetor lateral; 00:59:41 - GIOVANNI coloca mais medicamento na seringa, e deixa a mesma ao lado da cabeça de ALINE; 00:59:47 - GIOVANNI novamente passa os dedos nos cílios de ALINE; 00:59:58 - GIOVANNI vira a cabeça de ALINE para sua direção; 01:00:05 - GIOVANNI, com os dedos, abre a boca de ALINE; 01:00:21 - GIOVANNI coloca a cabeça de ALINE na posição anterior, e mais uma vez faz movimentos com os dedos para abrir sua boca; 01:00:50 - Mais uma vez GIOVANNI aplica o produto da seringa que estava ao lado da cabeça de ALINE no injetor lateral, sob o campo cirúrgico; 01:01:08 - GIOVANNI vira a cabeça de ALINE novamente, fazendo também movimentos com os dedos para abrir sua boca; 01:02:07 - GIOVANNI coloca o pênis para fora da calça, apoiando sobre os lábios de ALINE; 01:02:20 - GIOVANNI abre a boca de ALINE, e força seu pênis para dentro; 01:02:36 - Com o pênis dentro da boca de ALINE, GIOVANNI segura a cabeça da mesma e tenta se ajeitar. Retira o pênis no 01:02:42; 01:03:05 - GIOVANNI novamente força para abrir a boca de ALINE, colocando seu pênis apoiado em seus lábios, ajeitando sua cabeça; 01:03:32 - GIOVANNI força para introduzir o pênis na boca de ALINE, segurando também sua cabeça; 01:04:30 - GIOVANNI coloca o pênis sobre os lábios de ALINE, e passa a esfregá-lo; 01:04:43 - Integrante da equipe técnica entra na sala para falar com DAVI. GIOVANNI continua com o pênis esfregando nos lábios e rosto de ALINE, cobrindo o campo de visão tanto com o capote quanto com o campo cirúrgico; 01:06:00 - GIOVANNI abre a boca de ALINE e novamente força a entrada de seu pênis; 01:06:15 - GIOVANNI fecha o capote parcialmente, pega a seringa que mantém ao lado da cabeça de ALINE e aplica mais medicamento no injetor lateral, sob o campo cirúrgico, deixando a seringa lá espetada; 01:06:37 - GIOVANNI esfrega o pênis no rosto de ALINE. Em 01:06:45, passa os dedos nos cílios dela; 01:06:53 - Mais uma vez GIOVANNI abre a boca de ALINE, forçando a entrada do pênis; 01:07:08 - É possível ouvir o choro do recém-nascido. GIOVANNI mantém o pênis na boca de ALINE; 01:07:25 - GIOVANNI agarra os cabelos de ALINE, e faz movimentos próximos à cabeça dela. Sons da criança chorando. GIOVANNI segura ALINE lateralmente pelo pescoço; 01:08:26 - Com a seringa ainda espetada no injetor lateral, GIOVANNI aplica mais medicamento; 01:09:10 - GIOVANNI segura a boca de ALINE, mantendo-a aberta, até o tempo 01:09:35, quando novamente força seu pênis para dentro da boca da paciente. É possível ouvir o choro alto do recém-nascido; GIOVANNI passa a se movimentar mais em direção à cabeça de ALINE, segurando a mesma ora pela cabeça, ora pela lateral do pescoço; 01:10:31 - Ainda com o pênis introduzido na boca de ALINE, e segurando a mesma pelos cabelos, GIOVANNI interage verbalmente com a equipe médica, que está do outro lado do campo cirúrgico, conversando sobre algo relacionado ao alarme que toda nos aparelhos de monitoramento; 01:10:57 - GIOVANNI, segurando a cabeça de ALINE pelos cabelos, passa a movimentar a cabeça da paciente em direção ao seu corpo, com o pênis dentro da boca dela, até retirar e ejacular, no tempo 01:11:12; 01:11:26 - GIOVANNI se limpa e limpa o rosto de ALINE. Coloca seu pênis dentro da calça no tempo 01:12:13. Continua limpando o local e rosto de ALINE no tempo 01:13:06. 01:13:50 - Uma médica participante da cirurgia olha os monitores de medição, pois há um alarme soando, chegando a olhar para o rosto de ALINE sobre o campo cirúrgico; 01:15:01 - GIOVANNI retira a seringa do injetor lateral, jogando fora na mesma lixeira onde joga outros materiais de limpeza; 01:15:43 - GIOVANNI coloca máscara de ventilação no rosto de ALINE; 01:16:40 - GIOVANNI prepara medicamento em uma seringa e troca o frasco de soro, aplicando o medicamento no injetor lateral. 01:17:49 - GIOVANNI faz anotações em uma ficha; 01:19:21 - GIOVANNI pega seu telefone celular, é possível ver em execução aplicativo de rede social. 01:22:13 - ALINE movimenta sua cabeça para o lado, é possível ver seus olhos movimentando levemente; 01:29:20 - Equipe técnica e médica fazem curativo no abdome de ALINE, que está neste momento de olhos abertos. GIOVANI está com o telefone celular na mão, vendo rede social; 01:32:00 - DAVI trabalha na recomposição da paciente ALINE; 01:34:30 - GIOVANNI joga mais material no lixo, e passa também a arrumar seu material, descartando outras coisas no lixo, deixando o campo de visão da filmagem no tempo 01:35:16; 01:35:53 - A equipe técnica está reunida ao redor de ALINE, evidenciando algo na lateral do rosto de ALINE; 01:36:15 - THAISA retira o telefone celular, e a gravação se encerra no tempo 01:36:20. [...] Comprovado de forma suficiente o fato relativo a Aline, é necessário associá-lo à prova oral colhida nos autos, a fim de demonstrar que idêntico delito foi praticado contra Marcelle, durante a cirurgia anterior, com um idêntico modo de execução. A partir das declarações prestadas pelas testemunhas Thaisa, Renata, Davi, Priscila, Amanda e Fabrícia (integrantes da equipe de enfermagem do centro cirúrgico do Hospital Heloneida Stuart no dia dos fatos) constata-se que, nas duas primeiras cesarianas realizadas no turno da manhã, incluindo o parto de Marcelle, foram observados comportamentos atípicos por parte do acusado, que os deixaram alarmados. Tais condutas motivaram a equipe a registrar, por meio de gravação, a terceira cirurgia do dia, correspondente ao parto de Aline. Os depoimentos, com firme consistência e coerência, revelam que o acusado costumava montar uma espécie de barreira visual ao redor da cabeça da paciente, dificultando que os demais presentes na sala de cirurgia tivessem visibilidade daquela região. Além disso, permanecia em pé junto à cabeça da parturiente, utilizando o capote cirúrgico de uma maneira incomum, com a abertura voltada para a frente, conduta destoante do padrão adotado por outros anestesistas em procedimentos da mesma natureza. Outro ponto comum nos relatos diz respeito ao elevado grau de sedação das pacientes atendidas pelo acusado. Conforme relataram as testemunhas, todas as pacientes apresentavam-se, como padrão, tão sonolentas que não conseguiam segurar ou amamentar os filhos na primeira hora de vida, prática recomendada pela Sociedade Brasileira de Pediatria (https://www.sbp.com.br/especiais/pediatria-para-familias/testenutricao/amamentacao-na-primeira-hora-de-vida. Acesso em 04/06/2025). Nesse contexto, a gravação realizada pela equipe de enfermagem da terceira cirurgia do dia revela-se plenamente justificada diante da necessidade de esclarecer o que efetivamente ocorria durante os procedimentos em que o acusado atuava como anestesista. As próprias testemunhas que compunham a equipe cirúrgica afirmaram que não havia outro meio igualmente eficaz e menos invasivo para a obtenção da prova, razão pela qual optaram pelo registro audiovisual, para saber o que ocorreria com Marcelle. O conteúdo da filmagem, desse modo, afasta qualquer dúvida quanto à conduta ilícita do acusado, evidenciando o uso do capote e do campo cirúrgico não como medidas de proteção estéril, mas como barreiras visuais destinadas a encobrir os atos libidinosos por ele praticados. As imagens demonstram, de forma clara, a instrumentalização do ambiente cirúrgico para fins ilícitos, em completa deturpação da função médica. Embora algumas testemunhas tenham relatado a possibilidade de o capote ser utilizado para aquecer o corpo devido à baixa temperatura do centro cirúrgico, essa justificativa não se sustenta, diante do modo como o acusado o vestia. Ao invés de envolvê-lo para preservar o calor corporal, usava o capote aberto e invertido, com a parte frontal exposta, ampliando sua silhueta e dificultando a visibilidade da cabeça da paciente, especialmente de quem se posicionava do lado direito da mesa cirúrgica. Tal circunstância torna ainda mais improvável a alegada motivação relacionada ao frio, sobretudo diante do depoimento da médica Lizz Ingrid, auxiliar na cirurgia, que afirmou que o ar-condicionado da sala estava inoperante naquele dia, e que o ambiente não estava frio, como alegado pelo réu. Assim, a explicação apresentada pelo acusado em seu interrogatório revela-se inverossímil e destoante dos demais relatos colhidos em juízo. Prosseguindo, a autenticidade da gravação que documenta a conduta criminosa do acusado foi confirmada por perícia técnica, a qual atestou não haver qualquer indício de edição ou manipulação no vídeo extraído do aparelho celular utilizado para o registro. A confiabilidade do conteúdo audiovisual é ainda reforçada pelos depoimentos das testemunhas que estavam presentes no centro cirúrgico, observaram comportamentos suspeitos durante o procedimento e decidiram realizar a gravação. Em juízo, relataram com precisão os atos capturados nas imagens, corroborando integralmente a materialidade dos abusos praticados contra a vítima Aline, conforme descrito na peça acusatória. Além disso, o relatório de análise videográfica (fls. 301/315) e o parecer técnico 080387-1540/2022 de resposta à consulta médico-legal, solicitada pela delegada, a partir do prontuário médico da vítima e do vídeo da cirurgia (fls. 448/470), descrevem de maneira fidedigna o procedimento cirúrgico e a ação criminosa praticada durante a cirurgia. É possível observar, nos documentos mencionados, que, antes de iniciar os atos libidinosos contra Aline, o réu vestiu o capote, administrou nova medicação à vítima e esticou o suporte do campo cirúrgico, bloqueando completamente a visão de quem se encontrava atrás dele na sala. Consta, ainda, que o acusado, por mais de uma vez, verificou o reflexo ciliar da paciente, com o claro intuito de se certificar de que ela se encontrava inconsciente. O estado de inconsciência e a vulnerabilidade da vítima são confirmados por seu próprio depoimento, no qual afirmou ter dormido após o nascimento do filho, fato que também foi compartilhado com seu marido. Diante disso, constata-se que a vítima não tinha domínio sobre si para resistir à ação do réu, razão pela qual também não foi capaz de relatar, em detalhes, a violência sofrida. No tocante à sedação administrada à paciente, é relevante destacar que, conforme afirmado por médicos ouvidos em juízo, tal conduta pode, em tese, integrar a rotina do anestesista, desde que motivada por intercorrências clínicas específicas ou situações emergenciais que exijam controle adicional da paciente. Contudo, conforme frisado até mesmo pela testemunha de defesa Paula Rios Gomes, preceptora do réu durante sua residência médica, o uso de sedativos como o propofol e a quetamina deve ser reservado a situações excepcionais, como nervosismo exacerbado da gestante ou prolongamento da cirurgia para além da duração estimada da raquianestesia, cenários esses que, no presente caso, não foram verificados. Com efeito, inexiste nos autos qualquer prova que justifique o grau de sedação aplicado pelo réu. As testemunhas presentes à cirurgia, como o técnico de enfermagem Davi e o companheiro da vítima Aline, Weskley Adriano, afirmaram que o procedimento transcorreu normalmente, sem intercorrências. Ademais, o prontuário médico da paciente não registra qualquer complicação que pudesse fundamentar a sedação acentuada. Não obstante, tanto o prontuário quanto o parecer técnico de fls. 448/470 (autos n. 0184307-18.2022.8.19.0001) atestam expressamente o uso de quetamina e propofol no curso do procedimento, além de outras substâncias. A corroborar tal análise, a parecerista Ana Paula Catalano, perita legista do Instituto Médico Legal Afrânio Peixoto, afirma que (fl. 460): [...] o propofol e a quetamina não são comumente administrados para sedação em cesarianas, exceto quando há falha no bloqueio (raquianestesia), ou ainda quando alguma condição materna torna contraindicada a realização de bloqueio (nesse caso ter-se ia optado por anestesia geral). Não há referência na ficha de anestesia, nem evidência na mídia enviada de falha na raquianestesia (agitação da paciente, queixa de dor). Na ficha de anestesia, o aumento da pressão arterial e/ou da frequência cardíaca indicaria a possibilidade de falha do bloqueio e consequente indicação de intervenção do anestesiologista com administração de drogas analgésicas. No entanto, pela análise da ficha de anestesia, a pressão está controlada e mais baixa do que a inicial da paciente (resultado esperado durante o procedimento); a frequência cardíaca não foi anotada [...] O médico Fábio Poças Zambelli, que atuava como coordenador da anestesia do hospital à época dos fatos, confirmou em juízo as informações previamente apontadas pela médica legista, especialmente no que diz respeito à inexistência de qualquer anotação na ficha anestésica da paciente que indicasse a realização de sedação. Embora tenha reconhecido que os medicamentos utilizados - propofol e quetamina - são eventualmente empregados para suprir falhas no bloqueio anestésico, a testemunha destacou que sua aplicação em cesarianas não é comum. As provas constantes nos autos demonstram, portanto, de forma inequívoca, que o réu introduziu o pênis na boca da vítima Aline, praticando felação enquanto esta se encontrava completamente incapaz de oferecer qualquer resistência, em virtude do estado de inconsciência induzido pela sedação aplicada pelo acusado, sem qualquer justificativa clínica aparente. A dinâmica do crime foi integralmente registrada por meio de prova audiovisual, cuja autenticidade foi confirmada por perícia técnica, tendo sido fundamentadamente rechaçadas todas as alegações de nulidade quanto à sua obtenção e validade. Ademais, no que se refere ao crime de estupro de vulnerável cometido contra a vítima Marcelle, no parto realizado imediatamente antes daquele em que foi violentada a vítima Aline, os depoimentos colhidos nos autos do processo n. 0800606-22.2023.8.19.0054, em conjunto com os documentos que instruíram a denúncia e com os elementos probatórios do presente feito, permitem concluir com segurança pela materialidade e à autoria do crime, no sentido de que ambas as vítimas foram submetidas a violências idênticas. As testemunhas Thaisa, Renata, Priscila e Amanda, que também foram ouvidas no processo acima referido, relataram condutas atípicas adotadas pelo réu durante o procedimento cirúrgico da paciente Marcelle, as quais levaram a equipe de enfermagem a decidir pelo registro em vídeo da cirurgia seguinte, prevendo a possibilidade da repetição dos comportamentos observados. A ausência de qualquer intercorrência no parto de Marcelle, conforme afirmado pelos médicos Leonardo e Nathalia - obstetra principal e médica assistente -, reforça o entendimento de que a sedação aplicada à paciente não se justificava do ponto de vista técnico, indicando, portanto, que teve finalidade distinta daquela reconhecida como correta pela prática médica. No ponto, é relevante observar que, embora inexista gravação da conduta do réu durante a cirurgia de Marcelle, e apesar de as testemunhas não terem conseguido visualizar diretamente os atos praticados contra essa paciente, em razão do arranjo elaborado pelo acusado para obstruir a visão dos demais profissionais presentes, posicionando-se estrategicamente de forma a impedir qualquer observação de suas ações, os elementos probatórios reunidos são suficientes para afirmar, com segurança, que também nessa ocasião ocorreu a prática de ato criminoso de natureza sexual. Do depoimento de Marcelle, extrai-se que a paciente foi submetida a uma sedação intensa, desproporcional às circunstâncias da cirurgia, sem qualquer justificativa clínica plausível, o que resultou em sua completa debilidade física, impossibilitando-a, inclusive, de segurar os filhos recém-nascidos após o parto. O relato do marido da paciente, Jonathan, reforça esse cenário. Segundo declarou, o réu demonstrou uma estranha insistência para que se retirasse imediatamente da sala, permanecendo a paciente desacompanhada com o anestesista. Ainda que, à época, tal conduta fosse compatível com os protocolos então vigentes para o pós-parto, o contexto específico revela uma finalidade diversa daquela prevista pelas normas hospitalares, evidenciando uma finalidade distinta. A partir desse momento, conforme relatado, o réu deslocou-se para o lado direito da paciente - posição que dificultava ainda mais a visualização de seus atos -, elevou o campo cirúrgico com a clara intenção de bloquear totalmente a visão de terceiros e cobriu o rosto da parturiente. Simultaneamente, houve sinalização nos monitores ligados à vítima, em um idêntico retrato ao que ocorreu com Aline. Nesse contexto, merece destaque o depoimento da médica assistente Nathalia Cristina Cruz Silva, que participou da cesariana realizada em Marcelle. Segundo afirmou, o pedido feito pelo réu para a retirada do acompanhante da paciente lhe causou estranheza, pois, conforme a prática médica habitual, esse tipo de solicitação somente é formulado por anestesistas em eventos extremos, que exijam atenção concentrada da equipe médica em razão de complicações inesperadas, o que não ocorreu naquele procedimento. Além disso, as testemunhas que integraram a equipe cirúrgica confirmaram, em unanimidade, o estado de sedação incomum em que se encontrava a paciente, incompatível com a situação clínica apresentada. Nesse ponto, alguns membros da equipe relataram condutas observadas no comportamento do réu que corroboram, com segurança, a prática do ato criminoso. Destaca-se, inicialmente, o depoimento da técnica de enfermagem Priscila Garcia Cavalcanti Cordeiro, que declarou ter visualizado um volume na região pélvica do réu, compatível com uma ereção, indicando evidente excitação sexual enquanto se posicionava ao lado da paciente. Conforme relatado, ao perceber que havia sido observado, o réu rapidamente fechou o capote, que vestia de forma invertida, com abertura frontal, o que destoava da forma tradicional de uso do equipamento e, por si só, já havia chamado a atenção da testemunha. Embora o acusado tenha negado a possibilidade de se identificar qualquer ereção em razão das roupas que utilizava, a testemunha foi categórica ao afirmar que o réu usava apenas o pijama cirúrgico sob o capote, o que tornava perceptível o volume relatado, demonstrando a coerência de seu depoimento. A chefe da enfermagem, Amanda de Castro Valentim, embora não tenha participado diretamente da cirurgia da vítima Marcelle, entrou na sala em determinado momento, movida pelas suspeitas já levantadas pela equipe, e também presenciou o acusado com o capote aberto, posicionado junto à parturiente, tendo este imediatamente fechado a vestimenta ao notar sua presença, em uma rápida e alarmante reação. Ainda nesse sentido, a técnica de enfermagem Renata dos Santos Pereira de Carvalho informou que o réu se posicionava de maneira incomum, muito próximo ao rosto da paciente, além de montar um bloqueio visual atípico, dificultando a visibilidade dos demais profissionais. Apesar disso, a testemunha conseguiu visualizar claramente o acusado realizando movimentos pélvicos de vai-e-vem, evidenciando uma conduta que não se coaduna com qualquer prática médica legítima e se assemelha a um comportamento de natureza sexual. Embora a equipe não tenha obtido êxito em produzir um vídeo da cirurgia de Marcelle, nem mantido uma visualização direta da exposição do órgão genital do acusado na ocasião, a prova delineia, de maneira inequívoca, a existência de outros elementos reveladores, todos observados no mesmo procedimento, em momentos distintos, e que, analisados em conjunto, revelam a prática de ato libidinoso não consentido, do qual o acusado extraiu satisfação sexual, quais sejam: os movimentos corporais do réu, a excitação sexual observada sob a calça cirúrgica, a posição estratégica adotada para impedir a visão alheia, o uso do capote de forma invertida, com a abertura na pelve, a montagem de um bloqueio em forma de tenda ou cabana e a sedação excessiva e não comunicada à equipe médica. Dessa forma, comprovada a identidade no modus operandi , tem-se que o réu, valendo-se do estado de inconsciência das pacientes, induzido por sedação, e do isolamento promovido intencionalmente dentro da sala de cirurgia, praticou estupro de vulnerável contra Marcelle e repetiu a conduta criminosa na cirurgia subsequente, de Aline, tendo apenas a última sido registrada em vídeo. Com disso, ao contrário do que sustenta a defesa técnica, os depoimentos testemunhais, associados às demais provas coligidas nos autos, fornecem substrato probatório robusto e suficiente à formação de um juízo condenatório, especialmente por se tratar de relatos harmônicos, consistentes entre si e compatíveis com os elementos colhidos na fase investigatória. A defesa não logrou êxito em apontar nenhuma contradição capaz de infirmar os respectivos depoimentos, sendo certo que pequenas discrepâncias são normais diante do decurso do tempo, não maculando a prova oral apresentada. As testemunhas arroladas pelas defesas não presenciaram os fatos, bem como não integravam a equipe de plantão no centro cirúrgico naquela data, em nada contribuindo para o seu esclarecimento. A adoção do mesmo padrão aberrante de comportamento pelo réu nas duas cirurgias, como observado no vídeo e relatado pelas funcionárias da equipe de enfermagem em seus depoimentos, permite inferir que, em ambas, o réu agiu com a mesma intenção, inexistindo qualquer óbice à consecução do resultado criminoso pretendido. Por sua vez, a versão apresentada pelo réu em seu interrogatório, durante audiência realizada nos autos do processo no qual figura como vítima Marcelle, não está alinhada às provas dos autos, tratando-se de mero exercício do direito de defesa. Afinal, a simples negativa do acusado de que não praticou ato libidinoso contra a vítima para satisfazer sua própria lascívia não basta para elidir a imputação descrita na exordial, pois o réu não tem obrigação de dizer a verdade, como ocorreu nesse caso. Observe-se que não há nos autos nada a indicar que as vítimas e as testemunhas pudessem ter incriminado falsamente o réu. Seus depoimentos foram prestados com riqueza de detalhes, não tendo a defesa apresentado nenhuma prova capaz de gerar qualquer dúvida sobre a imparcialidade de seus depoimentos. Caberia à defesa apontar, de forma clara e objetiva, a existência de elementos concretos que revelassem ter ocorrido uma falsa percepção da realidade pelas vítimas e/ou uma manipulação para que os fatos fossem interpretados erroneamente como atos lascivos, o que não ocorreu. Portanto, há lastro suficiente para o decreto condenatório. Além disso, a consumação do crime se dá com a prática de qualquer ato de natureza libidinosa, que ofenda a dignidade sexual da vítima vulnerável. A consumação independe da intensidade ou superficialidade do ato praticado, de modo que tais condutas, uma vez configuradas, impedem sua desclassificação para o delito previsto no artigo 215-A do Código Penal. Nesse sentido, colaciono os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. INEXISTÊNCIA. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 217-A E 14, I E II, AMBOS DO CP. PRÁTICA DE ATOS LIBIDINOSOS DIVERSOS DA CONJUNÇÃO CARNAL. CONSUMAÇÃO CONFIGURADA. AFASTAMENTO DA FORMA TENTADA. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO IMPROVIDO. 1. O julgamento monocrático encontra previsão no Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, permitindo, ao relator, dar provimento ao recurso se o acórdão recorrido for contrário à jurisprudência dominante acerca do tema. 2. É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que, com a interposição de agravo regimental, torna-se superada eventual violação do princípio da colegialidade, tendo em vista que se devolve a matéria recursal ao órgão julgador competente. 3. É pacífica a compreensão desta Corte no sentido de que para a consumação do crime de estupro de vulnerável, basta a prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal, sendo suficiente a conduta de fazer a vítima sentar-se no colo do autor do fato e passar a mão em seu corpo, inclusive nas partes íntimas, como na espécie. 4. A Corte de origem, ao reconhecer a forma tentada do delito de estupro de vulnerável ao fundamento de que não houve penetração, vai de encontro ao entendimento da jurisprudência acerca do tema. Precedentes. 5. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1894974/PR, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 09/03/2021, DJe 12/03/2021) AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA IMPORTUNAÇÃO SEXUAL. IMPOSSIBILIDADE. CONSUMAÇÃO CONFIGURADA. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. Para a consumação do crime de estupro de vulnerável, basta a prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal, sendo suficiente a conduta de passar a mão no corpo da vítima, ou a prática de qualquer ato de libidinagem ofensivo à dignidade sexual da vítima, o que se evidenciou na espécie. 2. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema Repetitivo 1121, fixou a tese de que, presente o dolo específico de satisfazer à lascívia, própria ou de terceiro, a prática de ato libidinoso com menor de 14 anos configura o crime de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP), independentemente da ligeireza ou da superficialidade da conduta, não sendo possível a desclassificação para o delito de importunação sexual (art. 215-A do CP). 3. Lastreada a condenação em conjunto probatório contundente colhido nas fases inquisitorial e judicial, incabível a desclassificação da conduta. 4. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC: 745846 SP 2022/0164571-7, Relator: Ministro JESUÍNO RISSATO DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT, Data de Julgamento: 06/03/2023, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/03/2023) Consigne-se, ainda, que a ausência de discernimento para a prática do ato e a impossibilidade de oferecer resistência, em razão do excesso de medicação ministrado pelo próprio acusado, também ficou demonstrada nos autos pelos depoimentos das testemunhas, notadamente, das técnicas de enfermagem que tiveram contato com as vítimas ao final do procedimento cirúrgico. Quanto ao enquadramento típico, verifica-se que as vítimas se encontravam em estado de absoluta incapacidade de oferecer resistência, pois foram fortemente sedadas pelo réu, a ponto de terem sua consciência completamente suprimida. A conduta do réu, portanto, amolda-se à descrição típica prevista no art. 217-A, § 1º, do Código Penal. Pelas provas colacionadas aos autos, depreende-se também que o réu agiu de forma premeditada, valendo-se de recursos que estavam a sua disposição, em razão da sua função, a fim de garantir a realização da empreitada criminosa. Nem mesmo a presença de outras pessoas na sala de cirurgia foi capaz de dissuadir o réu de sua intenção de violar a liberdade sexual das pacientes, revelando um padrão de conduta que se distancia daquele comumente observado em crimes dessa natureza, usualmente praticados de forma oculta. Nesse aspecto, merece destaque o relato das testemunhas que afirmaram que o réu agia nos momentos em que todos estavam concentrados em suas funções específicas, o que explica a ausência de percepção imediata, por parte da equipe, quanto ao comportamento anormal por ele adotado. Ressalte-se, ainda, o depoimento do médico Fábio Poças Zambelli, que informou ter comunicado ao réu seu afastamento das atividades cirúrgicas e, em resposta, ouviu dele uma reação absolutamente tranquila, sem qualquer sinal de apreensão ou surpresa, o que evidencia a frieza com que o acusado encarava as consequências de seus atos. Não assiste razão à defesa quanto ao pleito de afastamento da agravante tipificada no artigo 61, inciso II, alínea h , do Código Penal (mulher grávida). A previsão legal do estado gravídico da mulher, como forma de agravar a pena do agente se justifica devido à maior dificuldade da vítima em se defender, facilitando a prática do delito. Ademais, é indispensável a existência de uma relação entre a gravidez e o delito perpetrado. No caso dos autos, embora os atos tenham sido praticados após retirada do bebê do útero da vítima, é notório que ocorreram devido ao seu estado gravídico e ainda durante a realização da cirurgia de parto, enquanto a ferida cirúrgica era fechada pelos médicos. Logo, inegável o reconhecimento da respectiva circunstância agravante. De igual modo, há de se observar que incide no caso a agravante tipificada no artigo 61, inciso II, alínea g , do CP, pois o réu cometeu o crime dentro do centro cirúrgico, enquanto exercia a função de médico anestesista, durante a realização da cesariana da vítima em especial, violando assim dever inerente à profissão, já que deixou de agir com o máximo zelo e no melhor interesse do paciente submetido a seus cuidados. Deve ser destacado também o impacto devastador que os fatos tiveram sobre as vítimas e suas famílias, em um momento que deveria ser marcado apenas pela felicidade do nascimento dos filhos. Frise-se que ambas as vítimas foram privadas do contato inicial com os filhos, bem como de amamentá-los em razão da sedação que foi ministrada pelo acusado. Observa-se, ainda, que o acusado era plenamente imputável por ocasião dos fatos, tendo capacidade de entender o caráter ilícito de sua conduta e de determinar-se segundo tal entendimento. Nesse ponto, vale mencionar que uso de esteroides/anabolizantes ( oxandrolona ) pelo réu não é suficiente para afastar a sua responsabilidade criminal e reduzir a pena, aplicando-se à espécie a teoria do actio libera in causa . Além de se tratar de medicação de ingestão voluntária, não há indícios de que o medicamento tenha influenciado, em qualquer sentido, a capacidade de percepção e a voluntariedade do acusado. Não há dúvida de que o réu estava ciente do seu modo agir e dele se poderia exigir, naquelas circunstâncias, conduta compatível com a norma proibitiva implicitamente contida no tipo penal em análise. Ademais, ele não demonstrou a presença de causas que pudessem justificar sua reprovável conduta, excluir culpabilidade ou isentar a inflição de uma pena. Portanto, impõe-se o acolhimento da pretensão punitiva do Estado, nos termos propostos na denúncia. 5) Dispositivo: Diante de todo o exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão acusatória estatal para CONDENAR o réu, GIOVANNI QUINTELLA BEZERRA, com fundamento no artigo 387 do CPP, nas penas do artigo 217-A, §1º, do Código Penal, por duas vezes. 6) Dosimetria: Como consequência, passa-se à fixação da pena, observando o artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal e os artigos 59 e 68 do Código Penal, bem como, o artigo 42 da Lei n. 11.343/06. Do crime praticado contra a vítima Aline: 1ª FASE: No que tange ao critério numérico de aumento para cada circunstância judicial negativa, consigno o entendimento do STJ no sentido de que a análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não atribui pesos absolutos para cada uma delas a ponto de ensejar uma operação aritmética dentro das penas máximas e mínimas cominadas ao delito. Assim, é possível que o magistrado fixe a pena-base no máximo legal, ainda que tenha valorado tão somente uma circunstância judicial, desde que haja fundamentação idônea e bastante para tanto (AgRg no REsp n. 143071/AM, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe de 6/5/2015 - grifei). Ademais, entende-se que não há direito do subjetivo do réu à adoção de alguma fração de aumento específica para cada circunstância judicial negativa, seja ela de 1/6 sobre a pena-base, 1/8 do intervalo supracitado ou mesmo outro valor (AgRg no REsp n. 1.966.870/RS, Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe de 18/3/2022 - grifei). Estabelecida essa premissa, a culpabilidade do acusado se revela intensa, uma vez que o crime foi praticado durante um procedimento cirúrgico do qual ele participava enquanto médico anestesista, na presença de toda a equipe médica e de enfermagem responsável pela condução segura e exitosa do parto. Tal circunstância evidencia não apenas uma ousadia excessiva, mas também um elevado descontrole dos próprios impulsos. Ademais, a organização do campo cirúrgico, com o posicionamento estratégico de objetos, que deveriam ser destinados apenas a suavizar o evento e restringir a visão da gestante quanto às incisões, assim como a forma de utilização das vestimentas cirúrgicas, demonstram que suas ações foram fruto de um planejamento meticuloso e rigorosamente executado, acentuando a reprovabilidade penal do fato. No ponto, o STJ entende ser cabível a exasperação da pena-base, pela análise desfavorável da culpabilidade, fundamentada na premeditação do crime (REsp 1.843.481/PE, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 07/12/2021, DJe 14/12/2021). Diante disso, considerando a reunião de diferentes fatores que, por si sós, poderiam justificar a majoração da pena, se individualmente considerados, exaspero a pena-base em 1 ano e 4 meses de reclusão. O condenado não tem anotações criminais aptas a configurar antecedentes negativos. Não há elementos suficientes acerca da conduta social do acusado, razão pela qual deixo de valorá-la. A personalidade do acusado merece valoração negativa, pois, ao executar o delito, demonstrou extrema frieza, sem qualquer indício de descontrole emocional ou inquietação, mesmo estando na presença de diversos profissionais dentro da sala cirúrgica. Em um contexto de elevado grau de exposição, o réu não apresentou qualquer sinal de tensão ou hesitação, conduzindo o plano criminoso até sua consumação com impressionante serenidade. Tal postura permaneceu inalterada inclusive quando foi informado de seu afastamento por seu superior hierárquico, que relatou, em depoimento, o assombro causado por tamanha indiferença, também nítida durante o interrogatório. Conforme a jurisprudência do STJ, a valoração negativa da personalidade pode prescindir de laudos técnicos de especialistas, havendo nos autos outros elementos que demonstrem a má índole do acusado, a frieza e o comportamento perverso e voltado à criminalidade (HC 180.941/RJ, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 24/11/2015, DJe 07/12/2015). Por isso, exaspero a pena-base em 1 ano e 4 meses de reclusão. Os motivos do crime, voltados à satisfação da lascívia, não ultrapassam os limites do tipo penal. As circunstâncias extrapolam a normalidade e agravam significativamente a conduta do acusado. No interior do centro cirúrgico, o réu violou diversos preceitos sanitários e normas de segurança, atuando sem o uso de luvas e promovendo contato desnecessário com a paciente, o que compromete a assepsia do ambiente e aumenta significativamente os riscos decorrentes de sua ação. Ademais, ao submeter a paciente a uma sedação descrita como excessiva e desnecessária durante o parto de seu filho, momento de grande significado pessoal, o acusado a privou da possibilidade de vivenciar plenamente a experiência, suprimindo sua consciência e a formação integral das memórias daquele instante, o que inclui a amamentação. Agrava ainda mais o quadro o fato de o acusado ter ejaculado na boca da vítima, ato que, além de absolutamente desnecessário à consumação do crime, representou uma exposição adicional a potenciais infecções sexualmente transmissíveis, ampliando os danos físicos e psicológicos suportados pela ofendida. Diante desse conjunto de fatores, exaspero a pena-base em 1 ano e 4 meses de reclusão. As consequências do crime revelam-se particularmente graves, tendo em vista que a vítima enfrentou uma série de traumas psicológicos no período posterior ao fato, iniciando-se pela impossibilidade de amamentar o próprio filho, logo após a alta hospitalar, corroborados pelo laudo de fls. 372/378. Nos meses seguintes, experimentou um medo constante ao sair de casa e necessitou de acompanhamento psicológico. Durante o puerpério, ao invés de permanecer em repouso, precisou deslocar-se para prestar depoimento em sede policial e iniciar tratamento terapêutico, o que ocasionou uma cicatrização tardia da cirurgia. Submeteu-se, ainda, ao consumo de medicamentos anti-HIV, medida que lhe gerou intensa angústia, em razão do conflito entre o desejo de amamentar o filho e a orientação médica no sentido de evitar o aleitamento materno, em virtude do risco potencial à saúde da criança. Diante desse contexto, exaspero a pena-base em 1 ano e 4 meses de reclusão. O comportamento da vítima é inaplicável ao caso. Sendo assim, fixo a pena-base em 13 anos e 4 meses de reclusão, observando-se que sua fixação em grau próximo ao máximo foi especificamente fundamentada para cada circunstância judicial, a partir da avaliação de dados do caso concreto. 2ª FASE: Não há circunstâncias atenuantes. Incide, no caso, a agravante prevista no art. 61, II, alínea g , do Código Penal, uma vez que o acusado se aproveitou do estado gravídico da vítima, no exato momento do parto, para executar o crime, circunstância que evidencia a acentuada vulnerabilidade da mulher nesse período, conforme anteriormente exposto. Reconheço, ainda, a agravante prevista na alínea h do mesmo inciso, porquanto o réu violou dever inerente à profissão de médico, ao deixar de atuar com o máximo zelo e em estrito alinhamento ao melhor interesse da paciente que se encontrava sob sua responsabilidade. Acrescento que o juiz pode reconhecer de ofício circunstâncias agravantes não requeridas expressamente pela acusação. Com efeito, o STJ tem entendimento consolidado no sentido de que é possível o reconhecimento das agravantes pelo magistrado, ainda que não descritas na denúncia, porquanto, a recognição de agravante não envolve a questão da quebra de congruência entre a imputação e a sentença. Inteligência do art. 385 do CPP (precedentes) (STJ, HC 335.413/SC, DJe 30/08/2016). Desse modo, reconheço, de ofício, a agravante prevista no art. 61, II, alínea c , do Código Penal, pois o crime foi praticado mediante dissimulação, com a montagem de uma estrutura semelhante a uma cabana, formada por um capote e pelo suporte de soro, com o objetivo de impedir que os demais integrantes da equipe médica visualizassem a cabeça da paciente a partir de suas respectivas posições. Sob essa estrutura, o acusado consumou o delito, introduzindo o pênis na boca da paciente sem ser visto, já que os demais tiveram seu campo visual em relação à região pélvica do réu e à cabeça da vítima obstruído. Além disso, para dificultar ainda mais a possibilidade de defesa da vítima, o acusado determinou a retirada do acompanhante do local, reduzindo ao máximo qualquer possibilidade de vigilância. Reconhecendo, assim, três circunstâncias agravantes, exaspero a pena em 1/2, fixando, no entanto, a pena intermediária em 15 anos de reclusão, por ter sido alcançado o máximo legal permitido, nos termos da Súmula 231 do STJ. 3ª FASE: Não há causas de diminuição ou de aumento da pena aplicáveis ao caso em julgamento, mantendo-se a pena em 15 anos de reclusão. Do crime praticado contra a vítima Marcelle: 1ª FASE: Com base nas idênticas premissas acima fixadas para a dosimetria, tem-se que a culpabilidade do acusado se revela intensa, uma vez que o crime foi praticado durante um procedimento cirúrgico do qual ele participava enquanto médico anestesista, na presença de toda a equipe médica e de enfermagem responsável pela condução segura e exitosa do parto. Tal circunstância evidencia não apenas uma ousadia excessiva, mas também um elevado descontrole dos próprios impulsos. Ademais, a organização do campo cirúrgico, com o posicionamento estratégico de objetos, que deveriam ser destinados apenas a suavizar o evento e restringir a visão da gestante quanto às incisões, assim como a forma de utilização das vestimentas cirúrgicas, demonstram que suas ações foram fruto de um planejamento meticuloso e rigorosamente executado, acentuando a reprovabilidade penal do fato. Diante disso, considerando a reunião de diferentes fatores que, por si sós, poderiam justificar a majoração da pena, se individualmente considerados, exaspero a pena-base em 1 ano e 4 meses de reclusão. O condenado não tem anotações criminais aptas a configurar antecedentes negativos. Não há elementos suficientes acerca da conduta social do acusado, razão pela qual deixo de valorá-la. A personalidade do acusado merece valoração negativa, pois, ao executar o delito, demonstrou extrema frieza, sem qualquer indício de descontrole emocional ou inquietação, mesmo estando na presença de diversos profissionais dentro da sala cirúrgica. Em um contexto de elevado grau de exposição, o réu não apresentou qualquer sinal de tensão ou hesitação, conduzindo o plano criminoso até sua consumação com impressionante serenidade. Tal postura permaneceu inalterada inclusive quando foi informado de seu afastamento por seu superior hierárquico, que relatou, em depoimento, o assombro causado por tamanha indiferença, também nítida durante o interrogatório. Conforme a jurisprudência do STJ, a valoração negativa da personalidade pode prescindir de laudos técnicos de especialistas, havendo nos autos outros elementos que demonstrem a má índole do acusado, a frieza e o comportamento perverso e voltado à criminalidade (HC 180.941/RJ, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 24/11/2015, DJe 07/12/2015). Por isso, exaspero a pena-base em 1 ano e 4 meses de reclusão. Os motivos do crime, voltados à satisfação da lascívia, não ultrapassam os limites do tipo penal. As circunstâncias extrapolam a normalidade e agravam significativamente a conduta do acusado. No interior do centro cirúrgico, o réu violou diversos preceitos sanitários e normas de segurança, atuando sem o uso de luvas e promovendo contato desnecessário com a paciente, o que compromete a assepsia do ambiente e aumenta significativamente os riscos decorrentes de sua ação, em uma gravidez gemelar, já considerada de risco por sua própria natureza, conforme descrito pelos médicos ouvidos em juízo e pelo próprio acusado. Diante desse conjunto de fatores, exaspero a pena-base em 1 ano e 4 meses de reclusão. As consequências do crime revelam-se especialmente graves, pois a vítima, em razão da sedação excessiva administrada pelo acusado e de seu consequente estado de inconsciência, foi privada de vivenciar o contato imediato com seus filhos no pós-parto, impossibilitada de realizar registros fotográficos daquele que deveria ser um momento de plenitude e felicidade. Também não pôde amamentar os recém-nascidos, o que repercutiu diretamente sobre o pai das crianças, seu companheiro, que, em vez de partilhar integralmente essa experiência, foi tomado por profunda preocupação e desconfiança quanto aos procedimentos adotados. Diante desse contexto, exaspero a pena-base em 1 ano e 4 meses de reclusão. O comportamento da vítima é inaplicável ao caso. Sendo assim, fixo a pena-base em 13 anos e 4 meses de reclusão, observando-se que sua fixação em grau próximo ao máximo foi especificamente fundamentada para cada circunstância judicial, a partir da avaliação de dados do caso concreto. 2ª FASE: Não há circunstâncias atenuantes. Incide, no caso, a agravante prevista no art. 61, II, alínea g , do Código Penal, uma vez que o acusado se aproveitou do estado gravídico da vítima, no exato momento do parto, para executar o crime, circunstância que evidencia a acentuada vulnerabilidade da mulher nesse período, conforme anteriormente exposto. Reconheço, ainda, a agravante prevista na alínea h do mesmo inciso, porquanto o réu violou dever inerente à profissão de médico, ao deixar de atuar com o máximo zelo e em estrito alinhamento ao melhor interesse da paciente que se encontrava sob sua responsabilidade. Acrescento que o juiz pode reconhecer de ofício circunstâncias agravantes não requeridas expressamente pela acusação. Com efeito, o STJ tem entendimento consolidado no sentido de que é possível o reconhecimento das agravantes pelo magistrado, ainda que não descritas na denúncia, porquanto, a recognição de agravante não envolve a questão da quebra de congruência entre a imputação e a sentença. Inteligência do art. 385 do CPP (precedentes) (STJ, HC 335.413/SC, DJe 30/08/2016). Desse modo, reconheço, de ofício, a agravante prevista no art. 61, II, alínea c , do Código Penal, pois o crime foi praticado mediante dissimulação, com a montagem de uma estrutura semelhante a uma cabana, formada por um capote e pelo suporte de soro, com o objetivo de impedir que os demais integrantes da equipe médica visualizassem a cabeça da paciente a partir de suas respectivas posições. Sob essa estrutura, o acusado consumou o delito, introduzindo o pênis na boca da paciente sem ser visto, já que os demais tiveram seu campo visual em relação à região pélvica do réu e à cabeça da vítima obstruído. Além disso, para dificultar ainda mais a possibilidade de defesa da vítima, o acusado determinou a retirada do acompanhante do local, reduzindo ao máximo qualquer possibilidade de vigilância. Reconhecendo, assim, três circunstâncias agravantes, exaspero a pena em 1/2, fixando, no entanto, a pena intermediária em 15 anos de reclusão, por ter sido alcançado o máximo legal permitido, nos termos da Súmula 231 do STJ. 3ª FASE: Não há causas de diminuição ou de aumento da pena aplicáveis ao caso em julgamento, mantendo-se a pena em 15 anos de reclusão. Concurso de crimes: Por fim, no que se refere à pluralidade de crimes, observa-se que as ações praticadas pelo réu ocorreram em momentos distintos, durante cirurgias realizadas em vítimas diferentes, sem qualquer vínculo subjetivo entre os eventos criminosos que permitisse reconhecer a existência de dolo único. A prova produzida revela que o réu agiu com desígnios autônomos, não havendo entrelaçamento entre as condutas nem indícios de que a segunda ação tenha representado desdobramento da primeira. Ademais, os bens jurídicos violados pertencem a duas vítimas distintas, ambas submetidas a agressões sexuais individualizadas e em contextos distintos. Nesse panorama, constata-se uma reiteração criminosa que não comporta qualquer espécie de indulgência na aplicação da pena, impondo-se a cumulação das reprimendas, sob pena de se estabelecer desproporcionalidade extremamente favorável ao agressor e de se tutelar de forma insuficiente a dignidade sexual das mulheres ofendidas. Com igual conclusão, cito o STJ: PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. DUPLO HOMICÍDIO. ALEGAÇÃO DE EXCESSO NA DOSIMETRIA, ESPECIALMENTE QUANTO À CULPABILIDADE E CONDUTA SOCIAL. CONCRETOS FUNDAMENTOS. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. FRAÇÃO DE REDUÇÃO. SEMI-IMPUTABILIDADE. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. CONTINUIDADE DELITIVA ENTRE OS DOIS CRIMES DEVIDA. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. DECISÃO MANTIDA. [...] 2. O Julgador local entendeu que, apesar de praticados os crimes no mesmo contexto fático, foram contra vítimas diferentes e com desígnios autônomos, de modo que fica mantido o concurso material. 3. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC 651.442/SC, Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 24/08/2021, DJe 30/08/2021 - grifei) Sendo assim, à vista do cúmulo material, nos termos do art. 69 do Código Penal, procedo à soma das penas, totalizando 30 anos de reclusão, pena que torno definitiva. 7) Fixação de regime de pena: No caso concreto, observando a natureza hedionda dos crimes de estupro de vulnerável, as circunstâncias judiciais reconhecidas e a quantidade de pena aplicada, fixo o regime fechado para início do cumprimento da sanção penal aplicada, em atenção ao disposto no artigo 33, §2º, alínea a , e §3º, do Código Penal. 8) Detração: Deixo de realizar a detração para fins de regime prisional, prevista no artigo 387, §2º, do Código de Processo Penal, uma vez que o tempo de prisão provisória é incapaz de alterar o regime prisional. 9) Substituição de pena: Inaplicável à espécie a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direito (art. 44, CP) e o sursis penal (art. 77, CP), em razão do montante da pena aplicada. 10) Direito de apelar em liberdade: Nego ao condenado o direito de apelar em liberdade, nos termos do art. 387, §1º, do Código de Processo Penal, uma vez que não se verifica qualquer alteração fática ou jurídica que justifique a revogação da medida nesta fase processual (HC 507.171/MT, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 25/6/2019, DJe 2/8/2019), sobretudo diante da condenação ora imposta. A prisão do acusado mostra-se necessária para a garantia da ordem pública, especialmente diante das circunstâncias concretas do crime e do modus operandi empregado, caracterizado por estupro de vulnerável e por evidente descontrole de seus impulsos sexuais, circunstâncias que evidenciam a periculosidade concreta do agente e a probabilidade de reiteração criminosa. A frieza demonstrada na execução do delito reforça a necessidade da segregação cautelar, diante do fundado receio de nova prática delitiva. Nesse sentido, firmou-se o entendimento da Corte Superior de que deve ser mantido o decreto prisional preventivo respaldado na gravidade concreta da conduta investigada, no ardiloso modus operandi empregado na empreitada criminosa, na potencial periculosidade do agente e no fundado risco de reiteração delitiva (AgRg no RHC n. 137.515/PA, Sexta Turma, Relª. Minª. Laurita Vaz, DJe de 16/2/2022). Outrossim, a concessão da liberdade neste momento poderia comprometer a aplicação da lei penal, considerando o montante da pena privativa de liberdade e o regime de cumprimento imposto, que tornam plausível a possibilidade de evasão com o objetivo de evitar o cumprimento da reprimenda. Ressalte-se que, diante do quadro fático delineado nos autos, nenhuma das medidas cautelares diversas da prisão, previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, revela-se suficiente para atender à finalidade da custódia. Presentes, portanto, os requisitos legais do art. 313 e os pressupostos fáticos do art. 312, ambos do Código de Processo Penal, impõe-se a manutenção da prisão preventiva, já decretada nos autos n. 0184307-18.2022.8.19.0001 e estendida aos autos n. 0800606-22.2023.8.19.0054, nos quais o Ministério Público requereu a custódia cautelar do réu. Assim, dada a identidade de contextos que justificam o segregamento provisório, deve ser mantida/decretada a prisão e indeferido o pedido de apelar em liberdade, em ambos os processos. Expeça-se mandado de prisão nos autos n. 0800606-22.2023.8.19.0054. 11) Indenização mínima - dano moral: A fixação de indenização, em valor mínimo, a título de danos morais em favor das vítimas na sentença penal condenatória, a teor do artigo 387, IV, do Código de Processo Penal, prescinde de produção de prova acerca da extensão do dano, sendo suficiente que seja comprovada a prática da infração penal. Nesse sentido, entende o STJ que A fixação de valor mínimo para indenização à vítima por danos morais não exige instrução probatória específica acerca do dano psíquico, do grau de seu sofrimento, nos termos do art. 387, IV do CPP, bastando que conste o pedido expresso na inicial acusatória, garantido o exercício do contraditório e da ampla defesa (AgRg no REsp n. 2.056.589/MG, Quinta Turma, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, DJe de 29/11/2023). No caso, verifico que o Ministério Público formulou pedido de condenação do acusado ao pagamento de indenização às vítimas na fase de alegações finais, o que se mostra suficiente para atender à finalidade compensatória da medida, tendo em vista que o dano in re ipsa dispensa dilação probatória. Dessa forma, restaram assegurados o contraditório e a ampla defesa. O pedido expresso, seja na denúncia, seja nas alegações finais, é apto a cientificar o acusado de que, em caso de condenação, poderá ser compelido a indenizar a vítima, oferecendo-lhe a devida oportunidade de defesa e evitando surpresa com imposição que não constasse do objeto processual. Inviável, portanto, a alegação de violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Registro, ainda, que não se exige a indicação do valor exato da reparação na peça acusatória para que o pleito indenizatório seja acolhido. Nesse contexto, o arbitramento do valor a título de reparação deve observar o binômio necessidade/possibilidade, levando-se em conta a situação socioeconômica das partes. Assim, em atenção aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, e considerando a gravidade das condutas praticadas pelo acusado, fixo o valor mínimo de R$ 50.000,00, a título de indenização por danos morais, em favor de cada uma das vítimas. Tal valor deverá ser corrigido monetariamente conforme o índice fixado pela Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro, a contar da data desta decisão (Súmula 362 do STJ), e acrescido de juros moratórios de 1% ao mês, a partir da data dos fatos (Súmula 54 do STJ), até a entrada em vigor da Lei n. 14.905/2024, que ocorreu em 30/08/2024, a partir de quando incidirá o IPCA como índice para a correção monetária e a Taxa Selic (deduzido o índice de atualização monetária - IPCA) para fins de juros moratórios, nos termos dos artigos 389, parágrafo único, e 406, § 1º, do Código Civil. Cumpre ressaltar que, por se tratar de valor indenizatório mínimo, permanece facultado à vítima pleitear, em juízo cível, eventual complementação da quantia ora fixada. 13) Compartilhamento de provas O Ministério Público requereu, às fls. 3652/3653 do processo n. 0184307-18.2022.8.19.0001, a extração de cópia integral dos autos, com autorização para o compartilhamento de todos os elementos probatórios nele produzidos, a fim de atender ao requerimento formulado pela Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Núcleo de Belford Roxo. Conforme informado no ofício expedido pela referida Promotoria, o inquérito civil tem por finalidade apurar eventual prática de improbidade administrativa por parte de profissional médico que, supostamente, teria cometido atos ilícitos no exercício de suas atividades laborais, bem como possíveis condutas omissivas atribuídas aos responsáveis técnicos do Hospital Estadual Heloneida Studart. O compartilhamento da prova, na hipótese, encontra respaldo no princípio da duração razoável do processo, previsto no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição da República, o qual visa garantir a prestação jurisdicional de forma célere e eficiente. Não se identificam óbices ao empréstimo da prova colhida no processo penal para utilização em sede de ação civil pública, uma vez que o Código de Processo Civil não estabelece qualquer vedação à utilização recíproca de provas entre as esferas penal e civil. Nesse mesmo sentido, a jurisprudência do STJ: EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. IMPETRAÇÃO CONTRA DECISÃO DO JUIZ CRIMINAL QUE DEFERIU O COMPARTILHAMENTO DA PROVA PRODUZIDA NO INQUÉRITO POLICIAL PARA FIM DE INSTRUÇÃO DE AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. CONTRADITÓRIO DIFERIDO. INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS PENAL, CÍVEL E ADMINISTRATIVA. 1. Hipótese em que o impetrante se insurge contra decisão do juiz criminal que, após homologado o arquivamento do inquérito policial, deferiu o compartilhamento das provas produzidas para fim de instrução de ação cível de improbidade administrativa. 2. É firme o entendimento jurisprudencial deste Sodalício no sentido da possibilidade de utilização, na seara cível, para fins de apuração de improbidade administrativa, de prova produzida na esfera penal. (AgRg no REsp 1714914/RS, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 27/02/2018, DJe 08/03/2018). 3. O uso da prova emprestada estará sujeito à efetivação do contraditório no foro em que a prova vier a ser utilizada. Precedentes. 4. Agravo interno não provido. (AgInt no RMS: 61408 RJ 2019/0212188-0, Relator: Ministro BENEDITO GONÇALVES, Data de Julgamento: 11/05/2020, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/05/2020) Outrossim, não se deve olvidar sobre a conveniência do traslado da prova para o referido inquérito civil, pois, apesar de o procedimento ser mais abrangente, já que visa à apuração de eventual improbidade administrativa por parte do acusado, bem como eventuais condutas omissivas por parte dos responsáveis técnicos do Hospital Estadual Heloneida Studart, verifica-se que há pertinência da prova para a elucidação dos fatos. Pelo exposto, defiro a extração de cópia integral dos autos, a ser providenciada pelo Ministério Público, e sua utilização como prova emprestada no inquérito civil, respeitado posteriormente o direito ao contraditório, a ser oportunamente exercido nos autos de futura ação civil pública. 14) Considerações Finais: Condeno, ainda, o sentenciado ao pagamento das despesas processuais, com fundamento no artigo 804 do CPP. Eventual pedido de isenção deverá ser efetuado na fase de execução, conforme Súmula 74 do TJ/RJ. Após o trânsito em julgado, adotem-se as seguintes providências: (i) Oficie-se ao Tribunal Regional Eleitoral, comunicando acerca da condenação para atendimento do disposto no artigo 15, III da CRFB/88 e artigo 258, inciso XXIX, do Código de Normas da CGJ do TJ/RJ - Parte Judicial -, observando-se, ainda, o Aviso CGJ nº 482/2021. (ii) Comuniquem-se aos órgãos de identificação criminal, em especial IFP e INI conforme artigo 258, incisos XXVII, do Código de Normas da CGJ do TJ/RJ - Parte Judicial - e artigo 809, inciso VI, do CPP. (iii) Lance-se o trânsito em julgado no sistema informatizado para cada parte do processo, conforme o caso (código 54 - trânsito em julgado; código 54 - trânsito em julgado MP), nos termos do artigo 258, inciso XXVI, do Código de Normas da CGJ do TJ/RJ - Parte Judicial. (iv) Expeça-se a CES definitiva. Publique-se. Registre-se. Intimem-se na forma do art. 392 do CPP. Após o cumprimento de todas as medidas, dê-se baixa e arquivem-se os autos.

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