Processo nº 0811269-13.2022.8.20.5106
ID: 327992874
Tribunal: TJRN
Órgão: 2ª Vara Criminal da Comarca de Mossoró
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 0811269-13.2022.8.20.5106
Data de Disponibilização:
17/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
SERGIMAR FRANCISCO DE OLIVEIRA
OAB/RN XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 2ª Vara Criminal da Comarca de Mossoró Alameda das Carnaubeiras, 355, Presidente Costa e Silva, MOSSORÓ - RN - CEP: 59625-410 Contato: (84) 36739885 …
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 2ª Vara Criminal da Comarca de Mossoró Alameda das Carnaubeiras, 355, Presidente Costa e Silva, MOSSORÓ - RN - CEP: 59625-410 Contato: (84) 36739885 - Email: mrosucri@tjrn.jus.br Processo nº: 0811269-13.2022.8.20.5106 Autor: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte Réu: Marileudo Santos Silva SENTENÇA Vistos, etc., I – RELATÓRIO Trata-se de ação penal apresentada pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte em face do acusado Marileudo Santos Silva, já qualificado nos autos, como incurso no artigo 180, § 1º, do Código Penal. Aduz a inicial acusatória (ID 94296836): "Em 12 de julho de 2020, horário indeterminado, na feira do “Vuco-Vuco”, em sua banca “Leudo Cell”, na Avenida Rio Branco, Bom Jardim, nesta cidade de Mossoró/RN, o denunciado Marileudo Santos Silva vendeu, em proveito próprio, no exercício de atividade comercial, coisa que devia saber ser produto de crime, pertencente à empresa SOLISTICA – FL BRASIL HOLDING LOGISTICA E TRASPORTES LTDA. A coisa vendida pelo denunciado foi um telefone celular Samsung A20S, azul, IMEI 36187011820115, adquirido por Emerson Wiliam de Medeiros Silva. Em 25 de novembro de 2021, a Delegacia Especializada em Furtos e Roubos – DEFUR/MOSSORÓ recebeu Carta Precatória de nº 15/21, expedida pelo Delegado de Polícia Civil da Delegacia de Crimes Contra o Patrimônio da Capital – DCCPat, do Estado da Paraíba, com solicitação para a qualificação e inquirição de Emerson Wiliam de Medeiros, pessoa que, conforme rastreamento técnico realizado, estava na posse do aparelho telefônico descrito, subtraído da citada empresa vítima, com diversos outros aparelhos, no dia 5 de junho de 2020 (ID 82812393, p. 4/6). Emerson Wiliam de Medeiros Silva foi localizado e afirmou que comprou o telefone celular na loja do denunciado, pelo preço de R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais), dividido em 10 (dez) parcelas de R$ 120,00 (cento e vinte), acrescido de juros, com o produto ainda na respectiva caixa, acompanhado dos acessórios correspondentes, e apresentou a nota da compra, constante no ID 82812393, p. 22. O denunciado confirmou a venda do aparelho celular, mas disse que, devido ao lapso temporal, não se recorda de quem o havia adquirido, além de ter alegado que não registrou a devida entrada do produto em sua loja, afirmações essas que, aliadas às circunstâncias apuradas, evidenciam a prática de receptação qualificada. Diante do exposto, o Ministério Público denuncia Marileudo Santos Silva como incurso no crime do artigo 180, § 1º, do Código Penal, devendo ser citado para responder, por escrito, processado, interrogado e, ao final, condenado, tudo nos termos dos artigos 396 e seguintes, do Código de Processo Penal, e ouvindo-se, na instrução, as pessoas indicadas no rol abaixo." Recebida a denúncia em 31 de janeiro de 2023 (ID 94451744). O réu Marileudo Santos Silva foi devidamente citado, conforme certidão de ID 97286036. Após, o réu constituiu defesa nos autos, tendo apresentado resposta à acusação de ID 97623677. Em seguida, foi realizada audiência de instrução e julgamento em 03 de julho de 2025, na qual foi ouvida a testemunha Emerson Wiliam de Medeiros Silva. Na mesma ocasião, foi interrogado o réu Marileudo Santos Silva (termo de audiência de ID 155954210). Em alegações finais apresentadas oralmente em audiência, constantes no ID 156434046, o Ministério Público aduziu que o acusado vendeu, em exercício de sua atividade comercial, coisa que sabia ou deveria saber ser produto do crime, requerendo sua condenação nos termos da denúncia. Em alegações finais apresentadas por memoriais, constantes em ID 157512748, a Defesa postulou, em síntese, pela absolvição, apontando ausência de dolo na conduta do réu e a boa fé objetiva. Subsidiariamente, em caso de condenação, requereu a aplicação da atenuante da confissão. É o sucinto relatório. Fundamento. Decido. II – FUNDAMENTAÇÃO Concluída a instrução processual, estando o feito pronto para julgamento, impõe-se o exame sobre as provas produzidas, a fim de avaliar as pretensões do Ministério Público e da defesa, de modo a aplicar o direito cabível, diante dos fatos que ensejam a presente persecução criminal. Neste sentido, compulsando os autos, verificam-se presentes as condições da ação e os pressupostos processuais. Ademais, como inexistem questões preliminares ou prejudiciais a serem resolvidas, bem como eventuais nulidades a serem sanadas, passo à análise do mérito da demanda. II. 1. DA MATERIALIDADE E AUTORIA DO DELITO DE RECEPTAÇÃO QUALIFICADA (art. 180, § 1º, do CPB) Importa destacar que o delito de receptação qualificada, conforme informado na denúncia do Ministério Público, está previsto no tipo penal do art. 180, § 1º, do Código Penal, in verbis: Receptação qualificada § 1º – Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime: Pena – reclusão, de três a oito anos, e multa. No que concerne à materialidade delitiva do crime de receptação, verifica-se no inquérito policial que foi identificado e apreendido, em posse de Emerson William de Medeiros Silva, um celular SAMSUNG modelo A20S, cor azul, IMEI 351840118210115 (Auto de Exibição e Apreensão ID 82812393, p. 19), restando comprovado que referido celular foi adquirido da pessoa de Marileudo Santos, ora réu (cf. depoimento de Emerson e nota fiscal apresentada em ID 82812393, p. 22). Além disso, aludido delito também restou comprovado face ao depoimento testemunhal e do próprio réu, conforme detalhados abaixo. Ademais, o celular apreendido foi proveniente de um delito de furto em 05/06/2020, ocorrido em desfavor da empresa de carga SOLISTICA – FL BRASIL HOLDING LOGISTICA E TRASPORTES LTDA (ID 82812393, págs. 04 a 06). Passa-se a análise da autoria delitiva. Quanto aos fatos, a testemunha Emerson Wiliam de Medeiros Silva, narrou em audiência: "que comprou o celular em uma loja na feira do vuco-vuco (01:19/01:30); que foi na referida loja buscando um celular e se interessou por um que estava lacrado, na caixa (01:44); que comprou o celular no cartão, parcelado em 10 vezes de R$ 120,00 (01:58); que a banca pertencia a Marileudo e que foi a primeira vez que comprou lá (02:07/06:00); que só ficou sabendo que o celular era produto de crime quando a polícia chegou até ele (02:27); que depois Marileudo lhe deu outro celular (02:42); que não se recorda da data da compra do celular (03:11); que como era um box no vuco vuco, pensou que era tudo lícito (04:45); que Marileudo forneceu nota fiscal (05:12); que ia passando, parou no box, gostou do celular e comprou (06:05); que o preço do celular era o mesmo valor de outros cantos (06:15); que o telefone era novo, na caixa (06:27); que quando começou a usar o telefone, identificou que realmente era novo (06:38); que quando a polícia chegou até ele, foi entregue toda a documentação do aparelho celular (06:51); que Marileudo o viu na delegacia e disse que depois ele poderia ir lá pegar outro aparelho, assim o fazendo (07:11); que o celular que lhe foi dado, era um celular 'mais ou menos' equivalente ao antigo (07:31); que já tinha terminado de pagar as parcelas do celular em seu cartão (07:41); que o outro telefone que recebeu era novo e não teve nenhum problema depois (07:56); que não fez outros negócios com Marileudo e nem soube de outra pessoa que também comprou celular a ele (08:07)", conforme mídia de ID 156434042. Em interrogatório, o réu Marileudo Santos Silva relatou: "que é verdadeira a acusação que lhe é imputada (01:55); que tinha deixado de trabalhar com telefone e voltou a trabalhar com telefone novos e lacrados (02:00); que um rapaz lhe procurou para trocar seu telefone em um telefone de volume maior (02:09); que verificou o telefone, consultou IMEI, não achou nada e ficou um período com o telefone, o qual era lacrado (02:15); que depois o telefone foi vendido a Emerson (02:22); que não lembra quem era o indivíduo que lhe vendeu e nunca tinha feito negócio com ele (02:27); que não houve dinheiro nessa primeira negociação, sendo troca de celulares (02:40); que não tinha nenhuma restrição cadastrada no IMEI do celular (02:59); que o rapaz lhe disse que tinha comprado o telefone e não tinha gostado da configuração, querendo um celular de outra configuração (03:11); que o rapaz não lhe apresentou nota fiscal (03:22); que após a troca do aparelho, ficou com ele em torno de 03 a 04 meses, pois era um aparelho mais ruim de venda (03:33); que quanto a negociação com Emerson, este passou na loja procurando um telefone exatamente do modelo em questão, tendo sido realizada a venda da forma que Emerson falou, parcelado no cartão (03:44); que soube da origem do aparelho quando foi notificado em seu estabelecimento, tendo ido até a delegacia e confirmado que vendeu o telefone a Emerson (04:02); que lá lhe disseram que o produto era fruto de uma transportadora (04:23); que após o fato, procurou Emerson, pediu desculpas e disse que ele poderia ir em sua loja pegar outro telefone, assim o fazendo (04:39); que depois disso não trabalha mais com compra de aparelhos, apenas com manutenção (05:07); que não teria pegado o celular se soubesse da origem ilícita (05:23); que no momento não pensou em pedir a nota fiscal do aparelho (05:30); que nunca comprou um produto conscientemente de que era ilícito para seu comércio (06:11)", conforme mídia ID 156434049. Pois bem, averiguando a materialidade e a autoria delitiva do crime de receptação qualificada (art. 180, §1º, CP), verifica-se que o acusado vendeu um celular o qual era proveniente de um delito de furto. Nesse contexto, o referido aparelho foi apreendido em poder de Emerson William, terceiro de boa-fé que adquiriu o bem diretamente do réu, pelo valor de R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais), em 10 (dez) parcelas no cartão de crédito. Inclusive, Emerson apresentou a nota de compra emitida pelo acusado (ID 82812393, pág. 22). O aparelho em questão trata-se de um Samsung, modelo A20S, IMEI 351840118210115, que foi furtado juntamente com outros celulares (ID 82812393, pág. 13), os quais estavam sendo transportados pela empresa SOLISTICA – FL BRASIL HOLDING LOGÍSTICA E TRANSPORTES LTDA, no dia 05/06/2020 (ID 82812393, págs. 04 a 06). Outrossim, quanto ao exercício de atividade comercial por parte do acusado, este restou devidamente comprovado. Consta que o réu mantinha uma "banca" no centro comercial conhecido como "Vuco-Vuco", conforme relatado por testemunha em mídia de ID 156434042 (minutos 01:19, 02:07 e 06:00). Ademais, o próprio acusado confirmou, em interrogatório (ID 156434049, minuto 02:00), que trabalhava com a venda de telefones celulares novos e lacrados. Dessa forma, resta configurada a elementar do tipo penal qualificado, previsto no §1º do art. 180 do CP, que prevê como qualificadora o fato de o agente "vender, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime". Aplica-se, portanto, a qualificadora, visto que o celular furtado foi comercializado no exercício regular de atividade comercial, aproveitando-se o réu da facilidade proporcionada pela condição de comerciante. Ademais, evidencia-se a habitualidade do exercício da atividade comercial, uma vez que o próprio réu admitiu, em seu interrogatório (ID 156434049, minutos 02:00 a 02:22), que se dedicava à compra e venda de celulares, o que demonstra continuidade e profissionalismo na atividade. Ressalte-se, ainda, que o celular em questão não possuía nota fiscal de origem, conforme admitido pelo próprio acusado durante o interrogatório (ID 156434049, minutos 03:22 e 05:30). Dessa maneira, comprovada a atuação habitual do réu na atividade comercial, bem como a ausência de documentação idônea do bem negociado, resta evidente que o acusado assumiu o risco de adquirir e revender produto de origem ilícita, preenchendo, assim, os requisitos da qualificadora prevista no art. 180, §1º, do Código Penal (adquirir/vender coisa que deve saber ser produto de crime). Nesse sentido, tem-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME DE RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. NÃO COMPROVAÇÃO DA HABITUALIDADE. ATIVIDADE QUE NÃO SE ENQUADRA NO CONCEITO LEGAL DE ATIVIDADE COMERCIAL OU INDUSTRIAL. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Para que se configure a modalidade qualificada há a exigência legal de que a prática de um dos verbos nucleares ocorra no exercício de atividade comercial ou industrial. Inteligência do art. 180, § 1º, do CP. 2. A expressão "no exercício de atividade comercial ou industrial" pressupõe, segundo abalizada doutrina, habitualidade no exercício do comércio ou da indústria, "pois é sabido que a atividade comercial (em sentido amplo) não se aperfeiçoa com um único ato, sem continuidade no tempo" (MASSON, Cleber. Código Penal Comentado, 6ª ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Método, 2018. 3. Concluir que os agravados estavam inseridos no contexto de atividade comercial, diversamente do que afirmou o Tribunal local, é medida que esbarra na Súmula 7/STJ. 4. Agravo regimental não provido. (Informativo nº 771/2023, AgRg no AREsp n. 2.259.297/MG, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 18/4/2023, DJe de 24/4/2023). HABEAS CORPUS. PENAL RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. CONSTITUCIONALIDADE. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. INOCORRÊNCIA. PRECEDENTES. 1. Esta Corte Suprema já se posicionou acerca da constitucionalidade do § 1º do art. 180 do Código Penal, em razão da maior gravidade e reprovabilidade social da receptação qualificada; infração penal relacionada à pessoa do comerciante ou do industrial, que, no exercício dessas atividades, valendo-se da maior facilidade para agir como receptador, adquire, recebe, transporta, conduz, oculta, tem em depósito, desmonta, monta, remonta, vende, expõe a venda, ou de qualquer forma utiliza, em proveito próprio ou alheio, coisa a qual deve saber ser produto de crime a justificar, por isso mesmo, a atuação mais severa. Precedentes. 2. Recurso ordinário a que se nega provimento. (Informativo 712, RHC 117143, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 25/06/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-158 DIVULG 13-08-2013 PUBLIC 14-08-2013). Continuamente, ainda quanto a qualificadora, constata-se sua presença pelo fato da atividade comercial exercida pelo réu, conforme preleciona jurisprudência do TJ-DF: PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. ABSOLVIÇÃO . MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. CONDENAÇÃO MANTIDA. DESCLASSIFICAÇÃO. INVIABILIDADE . 1. Inviável acolher o pedido de absolvição, quando a prova angariada aos autos é robusta e harmoniosa quanto à autoria, materialidade e elemento subjetivo do tipo. 2. No crime de receptação, segundo construção jurisprudencial, há inversão do ônus da prova, cabendo ao acusado demonstrar a origem lícita do bem ou a sua boa-fé na aquisição . 3. Comprovado que a ré exercia atividade informal de revenda de aparelhos celulares, correta a incidência do crime na sua forma qualificada, incabível o acolhimento do pleito de desclassificação para modalidade culposa ou simples. 4. Recurso não provido. (TJ-DF 0705991-38.2023.8.07 .0001 1793889, Relator.: ASIEL HENRIQUE DE SOUSA, Data de Julgamento: 30/11/2023, 1ª Turma Criminal, Data de Publicação: 13/12/2023) Nesse ínterim, cumpre destacar que o §1º do art. 180 do Código Penal tipifica a conduta de receptação qualificada, cuja configuração admite a presença de dolo eventual, sobretudo quando se trata de comerciante atuante no ramo específico. Isso porque, espera-se do comerciante conhecimento técnico e experiência mínima na aquisição e revenda de mercadorias, o que lhe impõe um dever de cautela redobrado. No caso em análise, o acusado comercializou um aparelho celular que havia sido furtado, o que evidencia o dolo em sua conduta, ainda que na forma eventual. Outrossim, diferentemente do que alega a defesa, há justo motivo para a presunção da ilicitude do bem, uma vez que o acusado exercia de forma habitual a atividade de compra e venda de celulares. Assim, era exigível que se atentasse à origem dos itens comercializados, especialmente quanto à apresentação da nota fiscal ou outro comprovante idôneo de procedência. Ressalte-se que não há dúvidas quanto à origem ilícita do bem, conforme carta precatória oriunda da autoridade policial da Paraíba (ID 82812393, págs. 04 a 06), que comprova que o celular vendido pelo réu foi objeto de furto. Além disso, destaca-se que o bem foi comercializado sem qualquer procedimento de segurança mínimo, tendo o réu fornecido ao comprador apenas uma "nota para conferência", desprovida de informações confiáveis acerca da procedência do equipamento. Tal conduta, praticada por alguém que atua profissionalmente no comércio de eletrônicos, evidencia a ausência de cautela e a indiferença frente à origem do bem, o que reforça a existência de dolo, afastando-se, portanto, qualquer hipótese de mera culpa. Por fim, embora o acusado tenha confessado em juízo a venda do celular, alegou desconhecer sua origem ilícita. Porém, como já mencionado, era seu dever mínimo, na condição de comerciante, exigir a apresentação de nota fiscal ou outro documento que atestasse a licitude do bem, o que não foi feito. A ausência dessa verificação configura assunção do risco, suficiente para a caracterização do dolo eventual. Dessa forma, restam comprovadas a materialidade e a autoria do crime de receptação qualificada, previsto no art. 180, §1º, do Código Penal, praticado pelo acusado Marileudo Santos Silva. III. DISPOSITIVO Diante do exposto, considerando tudo mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva estatal para o fim de CONDENAR o réu MARILEUDO SANTOS SILVA, já qualificado, como incurso nas penas do crime de receptação qualificada, tipificado no art. 180, §1º, do Código Penal. Passo à dosimetria da pena. IV. DOSIMETRIA DA PENA IV.1 – DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS (1ª FASE) Ao analisar as circunstâncias judiciais do art. 59, do Código Penal verifico que o réu Marileudo Santos Silva, quanto ao delito cometido: a) Culpabilidade: normal à espécie, nada tendo a se valorar; b) Antecedentes Criminais (desfavorável): observa-se na certidão de ID 157597413, que o réu possui os seguintes processos: 0104783-91.2017.8.20.0106 - termo circunstanciado; 0104320-33.2009.8.20.0106 - processo com extinção da punibilidade pelo cumprimento integral do SURSIS; 0105415-83.2018.8.20.0106 - processo arquivado. Também consta o processo de execução SEEU nº 5000624-65.2024.8.20.0106, no qual é referente ao processo nº 0107779-28.2018.8.20.0106, quanto ao delito de receptação cometido em 20/05/2018, com sentença transitada em julgado em 27/08/2024. Assim, o processo de nº 0107779-28.2018.8.20.0106 deve ser considerado para fins de antecedentes criminais, oportunidade em que este quesito deve ser valorado como desfavorável. c) Conduta Social: não foram colhidos elementos capazes de valorar negativamente a conduta social; d) Personalidade: não há outros elementos foram coletados a respeito da personalidade do agente, razão pela qual deixo de valorá-la; e) Motivos do crime: normais ao tipo; f) Circunstâncias do crime: conforme comprovação nos autos, o crime foi praticado sem circunstâncias extravagantes que imponham uma valoração negativa suplementar; g) Consequências do crime: entende-se que as consequências são normais ao tipo; h) Comportamento da vítima: em nada influiu para o evento delituoso, razão pela qual essa circunstância deve ser considerada neutra. Em obediência à imposição de julgamento individualizado e sopesadas individualmente cada uma das circunstâncias em referência, considerando a existência de UMA circunstância desfavorável, entendendo necessário e suficiente à reprovação e prevenção do crime, fixo-lhe a pena-base em 03 (três) anos e 7 (sete) meses de reclusão. Para esse cômputo converteu-se as penas em meses e subtraiu-se a mínima da máxima, com o resultado sendo dividido por oito, porque número das circunstâncias judiciais. Assim, aumentou-se 7 (sete) meses para cada circunstância desfavorável. IV.2. CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES e AGRAVANTES (2ª fase) Não vislumbro circunstâncias agravantes no presente caso. Outrossim, quanto às atenuantes, apesar de o réu não confessar a ciência de que celular adquirido tinha sido anteriormente furtado, confessou a sua aquisição e sua posterior venda. Assim, considerando que essa confissão parcial do réu foi considerada na fundamentação da sentença condenatória, aplico em seu favor a atenuante da confissão, prevista no art. 65, inciso III, d, do Código Penal. Desta feita, a pena deve ser diminuída em 1/6, porém, nos moldes da Súmula 231 do STJ, não pode, nesta fase, ficar abaixo do mínimo, ao passo que a diminuo no quantum de 07 (sete) meses, fixando a pena intermediária em: em 03 (três) anos de reclusão pela prática do delito de receptação qualificada, previsto no art. 180, § 1º, caput, do Código Penal. IV.3. CAUSAS DE DIMINUIÇÃO E AUMENTO DA PENA (3ª fase) Não há, ademais, causas de diminuição ou aumento de pena aplicáveis ao caso em análise. Com isso, fixo a pena definitiva no patamar de em 03 (três) anos de reclusão pela prática do delito de receptação qualificada, previsto no art. 180, §1º, do Código Penal. IV.4. DA PENA DE MULTA Em decorrência da pena privativa de liberdade dosada e verificando que o tipo penal de receptação qualificada (art. 180, §1º do CP) possui pena de multa cominada no seu preceito secundário, a qual deverá guardar exata proporcionalidade com aquela, bem como, com a situação econômica do réu a teor do art. 60 do CP, o réu ficará condenado ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, cada um no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo, nos termos do art. 49, §1º do CP, vigente à época do fato, ante a inexistência de informações a respeito da situação financeira do réu. Para o referido cálculo, nos termos da doutrina de Ricardo Augusto Schmidt em "Sentença Penal Condenatória" (Editora Juspodium, 14ª, 2020), utilizou-se a seguinte fórmula matemática: PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE PENA DE MULTA Pena Aplicada - Pena Mínima Pena Aplicada - Pena Mínima Pena Máxima - Pena Mínima Pena Máxima - Pena Mínima Pena Aplicada = pena privativa de liberdade aplicada em concreto; Pena Aplicada = pena de multa aplicada em concreto (atribuído o valor de "X"); Pena Mínima = pena mínima privativa de liberdade prevista em abstrato para o tipo penal; Pena Mínima = pena mínima de multa prevista em abstrato para o tipo penal; Pena Máxima = pena máxima privativa de liberdade prevista em abstrato para o tipo penal; Pena Máxima = pena máxima de multa prevista em abstrato para o tipo penal; Convertidas as penas em meses em relação ao máximo da pena corporal, "x" como valor da pena de multa em concreto e 360 (trezentos e sessenta) como sendo o valor máximo da pena de multa (porque crimes do Código Penal Brasileiro e não de leis extravagantes), é realizada a fórmula da "regra de 3" para chegar-se ao valor de "x", e, assim, ao valor da pena de multa em exata proporcionalidade com a pena corporal. V. DA FIXAÇÃO DA PENA DEFINITIVA Ante o exposto, torno definitiva a pena de Marileudo Santos Silva em 03 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, em decorrência da prática do delito tipificado no art. 180, §1º, do Código Penal VI. DO REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA Em razão da pena aplicada, porém considerando a existência de circunstâncias desfavoráveis, em consonância com o art. 33, §2º, “C” e §3º do Código Penal, o condenado Marileudo Santos Silva deverá iniciar o cumprimento de pena no regime SEMIABERTO. Para fundamentar o regime fixado, observa-se que o réu apresenta uma circunstância judicial desfavorável na primeira fase da dosimetria da pena, qual seja: os 'antecedentes criminais' devidamente fundamentada no item IV.1, alínea 'b'. VII. DA SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE Verifica-se que, na hipótese em análise, é incabível a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos. A situação fática dos autos demonstra que tal substituição se revela inadequada, sobretudo diante da existência de maus antecedentes. Dessa forma, nos termos do artigo 44, inciso III, do Código Penal, deixo de substituir a pena privativa de liberdade imposta ao réu Marileudo Santos Silva, por entender que as penas restritivas de direitos seriam insuficientes para a adequada reprovação e prevenção do delito, especialmente diante de seus maus antecedentes. De igual modo e pela mesma fundamentação, incabível a aplicação do Sursis previsto no artigo 77 do Código Penal. VIII. DO DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE Considerando que o réu permaneceu em liberdade neste processo e não há demonstrações de que isso resultaria perigo à ordem pública, CONCEDO o direito de recorrer em liberdade ao condenado Marileudo Santos Silva. IX. DA DETRAÇÃO (art. 387, § 2º, do CPP) Deixo de realizar a detração porque entendo que tal encargo é do Juízo da Execução. X. DA REPARAÇÃO DE DANOS Embora o Ministério Público tenha requerido a fixação de reparação de danos em inicial acusatória, deixo, por ora, de estabelecer um quantum mínimo, pois não há nos autos comprovação acerca dos danos sofridos pela vítima. No entanto, isso não impede a posterior propositura de ação autônoma na esfera cível. XI. DAS DISPOSIÇÕES FINAIS Condeno o réu ao pagamento das custas processuais, na forma do artigo 804 do Código Penal, indeferindo o pedido de justiça gratuita por ausência de comprovação de hipossuficiência. Intime-se o condenado, por meio de seu defensor, bem como o representante do Ministério Público, na forma do art. 392 do CPP. Oportunamente, após o trânsito em julgado, tomem-se as seguintes providências: I. Comunique-se ao Cartório Eleitoral para os fins do art. 15, caput e III, da CF, através do sistema INFODIP; II. Com relação à pena pecuniária (multa), em conformidade com o art. 51 do CP, comunique-se ao Juízo da Execução Penal, a quem caberá fazer a compensação em caso de fiança depositada em Juízo ou cobrar os valores devidos. III. Expeça-se a Guia de Execução Definitiva. Quanto ao celular apreendido (ID 82812393, pág. 19), proceda-se com sua restituição à empresa proprietária (SOLISTICA – FL BRASIL HOLDING LOGISTICA E TRASPORTES LTDA), no prazo de 15 (quinze) dias. Transcorrido o prazo assinalado sem eventual interesse do proprietário em sua restituição, decreto o perdimento e determino a expedição de mandado de avaliação. Caso seja avaliado em valor superior a 20% do salário-mínimo vigente (R$ 303,60), inclua-se em leilão judicial. Do contrário, avaliado a menor, proceda-se com a destruição. Publique-se. Registre-se. Cumpra-se. Após o trânsito em julgado e cumprida todas as determinações, arquive-se os presentes autos com baixa na distribuição. Cumpra-se. Mossoró/RN, data da assinatura eletrônica. VAGNOS KELLY FIGUEIREDO DE MEDEIROS Juiz de Direito em substituição legal (assinado eletronicamente na forma da lei 14.063/2020)
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