Processo nº 7014883-66.2022.8.22.0002
ID: 256389195
Tribunal: TJRO
Órgão: Ariquemes - 2ª Vara Criminal
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 7014883-66.2022.8.22.0002
Data de Disponibilização:
14/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Processo: 7014883-66.2022.8.22.0002 Classe: Ação Penal - Procedimento Ordinário Assunto: Ameaça , Contra a Mulher AUTOR: M. -. M. P. D. E. D. R., - 76926-000 - MIRANTE DA SERRA - RONDÔNIA REU: J. L. …
Processo: 7014883-66.2022.8.22.0002 Classe: Ação Penal - Procedimento Ordinário Assunto: Ameaça , Contra a Mulher AUTOR: M. -. M. P. D. E. D. R., - 76926-000 - MIRANTE DA SERRA - RONDÔNIA REU: J. L. C. D. L., PICA PAU 2591 SETOR 07 - 76864-000 - CUJUBIM - RONDÔNIA ADVOGADO DO REU: DEFENSORIA PÚBLICA DE RONDÔNIA SENTENÇA I - RELATÓRIO O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA ofereceu denúncia em desfavor de JORGE LUIZ COELHO DE LIMA, qualificado nos autos, como incurso na prática do artigo 129, §13 do Código Penal (1º fato) e artigo 147, caput, do Código Penal (2º fato), na forma do artigo 69 do Estatuto Repressivo, combinado com as disposições da Lei n.º 11.340/2006. Narra a denúncia (ID.84970501): 1º FATO: No dia 26 de agosto de 2022, no período da madrugada, na Rua Condor, n.º 2396, Setor 02, no Município de Cujubim/RO, o denunciado JORGE LUIZ COELHO DE LIMA, dolosamente, em razão de violência doméstica e familiar praticada contra a mulher, ofendeu a integridade física da vítima J. D. S. S., sua ex-companheira, causando-lhe as lesões corporais descritas no laudo de exame de corpo de delito de fl. 13, consistentes em “hematoma orbitaria do lado esquerdo, dor e edema no nariz, dor e edema na região do pé esquerdo”. Segundo apurado, a vítima e o denunciado mantiveram um relacionamento amoroso por, aproximadamente, quatro anos, estando separados há cerca de um ano. Na data dos fatos, o denunciado se dirigiu até a residência da vítima, ocasião que passaram a discutir de forma acalorada. Ato contínuo, o imputado começou a desferir socos e chutes contra o rosto da ofendida, atingindo, também, o abdômen da vítima, ocasionando as lesões corporais acima descritas. 2º FATO No mesmo dia e local, após a prática do primeiro fato, o denunciado JORGE LUIZ COELHO DE LIMA, dolosamente, em contexto de violência doméstica, ameaçou causar mal injusto e grave à vítima J. D. S. S, sua ex-companheira. Consta que, o denunciado ameaçou a ofendida, dizendo que; “se ela o denunciasse ele a atropelaria com o carro”, dado os fatos a vítima se sentiu atemorizada. A denúncia foi regularmente oferecida em 06/12/2022 (ID 84970501) e recebida em 07/12/2022 (ID 85001308), ocasião em que foi determinada a citação do acusado. A citação foi devidamente certificada por oficial de justiça (ID 86461451). O acusado apresentou resposta à acusação (ID 89309029). Não sendo caso de absolvição sumária, foi designada audiência de instrução e julgamento inicialmente para o dia 26/10/2023 e, posteriormente, remarcada para 09/05/2024. Diante da ausência das partes, a audiência foi redesignada para 11/07/2024, quando foram colhidos os depoimentos da vítima e da testemunha PM Jean Carlos Ferreira Oleias. As partes dispensaram a oitiva das demais testemunhas, o que foi homologado pelo Juízo. Em seguida, foi realizado o interrogatório do réu (ID 108332903). Em alegações finais, apresentadas por memoriais, o Ministério Público reiterou integralmente os termos da denúncia, sustentando que o conjunto probatório, especialmente os depoimentos prestados em audiência, confirma a materialidade e autoria dos delitos imputados ao réu. Afirmou inexistirem causas excludentes de ilicitude ou culpabilidade, requerendo a procedência da pretensão punitiva estatal, com a condenação do acusado pela prática dos crimes previstos nos arts. 129, § 13, e 147, caput, ambos do Código Penal, na forma do art. 69 do mesmo diploma, combinado com as disposições da Lei nº 11.340/2006 (ID 108872289). A defesa, também por memoriais, reconheceu a materialidade do crime de lesão corporal, com fundamento nos elementos constantes do inquérito policial nº 115/2022/1ºDP-CJB (ID 84965150), na ocorrência policial nº 147583/2022, no termo de declarações da vítima e demais provas produzidas em juízo. Todavia, requereu que eventual pena fosse fixada no mínimo legal, ante a ausência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, agravantes ou causas de aumento. Em relação ao crime de ameaça, alegou a atipicidade da conduta, sustentando que a vítima não se sentiu efetivamente ameaçada, conforme declarado em audiência, e que não há nos autos provas suficientes a demonstrar a materialidade e a autoria do delito, pugnando, assim, pela absolvição do réu, com fundamento nos incisos I e III do art. 386 do Código de Processo Penal (ID 109766159). II - FUNDAMENTAÇÃO Inexistindo questões prejudiciais a serem analisadas, passo ao mérito. Inicialmente, importante destacar que os fatos ocorreram antes da entrada em vigor da Lei nº 14.994/24, que aumentou as penas para diversos crimes praticados no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher. Dessa forma, em observância ao princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa, aplica-se a legislação vigente à época dos fatos. II.I - 1º Fato (artigo 129, §13 do Código Penal): A Lei nº 14.188/2021 inseriu o § 13 ao art. 129 do Código Penal, estabelecendo uma qualificadora específica para os casos em que a lesão corporal é praticada contra a mulher por razões da condição do sexo feminino. A referida qualificadora aplica-se quando a violência tem motivação de gênero, caracterizando-se, assim, como crime de violência doméstica ou familiar. A pena cominada à conduta é de reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, o que evidencia a gravidade da infração e reforça a necessidade de proteção das mulheres em situação de vulnerabilidade. É cediço que o crime de lesão corporal é delito material, ou seja, exige a produção de resultado naturalístico e deixa vestígios. Assim, para sua comprovação, é imprescindível a realização de exame de corpo de delito direto, nos termos do art. 158 do Código de Processo Penal, que dispõe: "Art. 158 – Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado." No contexto da violência doméstica e familiar, a materialidade pode ser demonstrada por meio de laudos médicos ou prontuários fornecidos por unidades de saúde, conforme autoriza o art. 12, § 3º, da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Ainda, em caráter excepcional, admite-se que a prova técnica seja suprida por prova testemunhal, quando os vestígios tiverem desaparecido, nos termos do art. 167 do Código de Processo Penal: "Art. 167 – Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta." Diante dessas premissas, verifica-se que a materialidade do crime está demonstrada por diversos elementos, a saber: o inquérito policial nº 115/2022/1ªDP-CJB (ID 84965150), a ocorrência policial nº 147583/2022 (ID 84965150, págs. 05/06), o termo de declaração da vítima (ID 84965150, pág. 14), o depoimento da amiga da vítima, E.A.L. (ID 84965150), o laudo de exame de corpo de delito (ID 84965150, págs. 15/16), além das provas orais produzidas em audiência. Do mesmo modo, a autoria restou amplamente comprovada pela prova oral colhida em juízo, corroborada pelos demais elementos reunidos durante a fase investigativa. Em seu termo de declaração prestado na Delegacia de Polícia (ID 84965150, pág. 14), a vítima relatou: "Foi casada com JORGE por aproximadamente quatro anos e possuem uma filha de dois anos; Estão separados a um ano; Já foi agredida anteriormente e registrou ocorrência, mas não se lembra da data; Pediu medida protetiva na oportunidade; Estava com sua amiga ERICA na madrugada de hoje e quando retornou para casa JORGE apareceu Iá; Discutiram e falou umas coisas para ele; JORGE perdeu a cabeça e começou a agredi-la com socos no rosto, atingindo-a no nariz e olhos; Ele também bateu no abdômen e está com dores na região, além de uma lesão no pé; JORGE disse que se o denunciasse ele a atropelaria com o carro; Ele também quebrou o controle da tv uma bicicleta e o aparelho celular da Declarante, o qual levou com chip e tudo; Deseja representar contra ele, bem como requerer medidas protetivas; Não deseja ser encaminhada a abrigo." Em audiência de instrução, contudo, a vítima declarou que não desejava mais dar prosseguimento ao processo, alegando que transcorreu tempo considerável desde os fatos. Afirmou ter comparecido à audiência apenas para verificar se seria possível o cancelamento do processo. Após ser instada pela representante do Ministério Público, que relembrou o conteúdo da denúncia, confirmou lembrar-se do ocorrido, mas reiterou o desejo de não mais se envolver com a situação. A testemunha E.A.L., amiga da vítima, em sede policial (ID 84965150), afirmou: "eu sou amiga da J. D. S. S, e paro na casa dela aos fins de semana; eu conheço o JORGE, ele era amigo do meu ex marido; o JORGE e J. D. S. S conviveram e se separaram; tem cerca de um ano que se separaram definitivamente; não e a primeira vez que a J. D. S. S sofre agressões; não raro, o JORGE bebe e vai na casa dela; já chegou, inclusive, a expulsar um rapaz da casa da J. D. S. S, com quem ela estaria mantendo um relacionamento; no dia do fato, eu estava na casa, e presenciei quando o JORGE chegou ao local e a J. D. S. S conversou com ele; de repente, começaram a discutir e o JORGE terminou agredindo a J. D. S. S fisicamente; o JORGE deu vários socos na cara da J. D. S. S e a machucou, de sorte que ate hoje a J. D. S. S sente dores no nariz e no maxilar; no dia do fato, eu estava acompanhada do ALIFER, que também presenciou os fatos; eu e o ALIFER tentamos afastar o JORGE da J. D. S. S, porem não conseguimos; o JORGE me empurrou e eu caí sobre a bicicleta e sofri lesões, porém, eu não quis fazer ECD e NAO DESEJO REPRESENTAR CRIMINALMENTE contra o JORGE pelas lesões que sofri; a J. D. S. S conseguiu correr, e o JORGE entrou no carro dele, um fiat UNO e afirmou que iria passar por cima dela; a J. D. S. S se escondeu numa casa abandona e o JORGE parou o carro e ficou pedindo perdão para ela; o JORGE não chegou a jogar o carro sobre ela; se eu e o Alifer não estivéssemos no local, temo que ele teria matado a J. D. S. S de tanto bater; foi horrível, pois ele socava a cara da J. D. S. S como se estivesse socando a cara de um homem; ele ainda tentou estrangular o pescoço da J. D. S. S com o braço e deu vários socos em suas costas;" O boletim de ocorrência (ID 84965150, págs. 05 e 06) lavrado pelos policiais militares consignou: "Esta guarnição foi acionado via 190, a comparecer em frente a prefeitura onde encontrava uma suposta vitima de Maria da Penha, chegando no local foi constatado o foto , a vitima J. D. S. S. nos informou que estava em uma festa com sua amiga E. A. L. quando retomou para sua residência por volta das 04h00min e o seu ex namorado JORGE LUIZ COELHO DE LIMA chegou Ihe agredindo com socos e pontapés quando sua amiga e o namorado dela tentaram intervir mas não lograram êxito, JORGE LUIZ COELHO DE LIMA só cessou os ataques quando a vítima jogou uma cartinha de bebê nele e disse que acionaria a polícia, foi quando ele pegou seu celular e quebrou e levou embora e sua amiga E também foi agredida com socos e empurrões onde chegou até a cair, a vítima informou que seu ex fugiu em um carro uno prata , não sobe informar a placa, nós informou também que não é a primeira vez que isso acontece, que essas agressão está sendo constante e que já estão separados a mais de uma ano e passaram mais de 4 anos juntos, a vítima informou que não quer pedir medida protetiva porque disse que nunca funcionou pra ela ,nada mais a acrescentar…." Em juízo, o policial militar ouvido confirmou as lesões aparentes na vítima e relatou que a diligência limitou-se ao atendimento da ocorrência e relato dos fatos conforme informado pela vítima e sua amiga. Interrogado em audiência, o acusado optou por permanecer em silêncio. É pacífico o entendimento de que, em crimes de violência doméstica, a palavra da vítima assume especial relevância, dada a frequência com que tais delitos ocorrem em ambiente reservado e sem testemunhas presenciais. Nesse sentido, a jurisprudência tem reconhecido que, desde que coerente e em harmonia com os demais elementos de prova, o depoimento da vítima pode, por si só, fundamentar juízo condenatório: Em casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, a palavra da vítima tem especial relevância, haja vista que muitos desses casos ocorrem em situações de clandestinidade. STJ. Corte Especial. Inq 1.447-DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 2/10/2024 (Info 830). APELAÇÃO CRIMINAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. AMEAÇA DURANTE DISCUSSÃO. PALAVRA DA VÍTIMA. TEMOR CONCRETIZADO. RECURSO DEFENSIVO NÃO PROVIDO. 1. A palavra da vítima, quando apresentada de forma coerente e corroborada por outros elementos, constitui prova suficiente para a condenação pelo crime de ameaça, o qual, por ser formal e instantâneo, configura-se com o temor causado, ainda que o mal desejado não se concretize ou que tenha sido proferido sob o ânimo alterado. 2. Recurso não provido. APELAÇÃO CRIMINAL, Processo nº 7006413-10.2022.822.0014, Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, 1ª Câmara Criminal, Relator (a) do Acórdão: Juiz Sérgio William Domingues Teixeira, Data de julgamento: 16/07/2024 (TJ-RO - APELAÇÃO CRIMINAL: 70064131020228220014, Relator: Juiz Sérgio William Domingues Teixeira, Data de Julgamento: 16/07/2024) Nessa perspectiva, ao analisar o conjunto probatório, verifica-se que a vítima, em suas declarações prestadas na fase policial, afirmou ter sido agredida fisicamente pelo acusado no dia dos fatos. Posteriormente, embora tenha demonstrado resistência em depor em juízo — o que é perfeitamente compreensível, tendo em vista o sofrimento e a exposição emocional que episódios de violência doméstica costumam provocar —, confirmou expressamente que se lembrava dos acontecimentos. É notório que, em casos de violência doméstica, é comum que mulheres submetidas ao ciclo de violência revelem, em juízo, certa relutância em confirmar os fatos anteriormente narrados, por receio, pressão psicológica ou tentativa de reatar vínculos com o agressor. Essa dinâmica é amplamente reconhecida pela doutrina e pela jurisprudência especializada na matéria. Apesar da retração parcial da vítima em audiência, suas declarações prestadas na fase policial encontram relevante corroboração em outros elementos de prova constantes dos autos. A testemunha E.A.L., amiga da vítima, prestou depoimento em sede policial afirmando que presenciou diretamente a agressão física perpetrada pelo acusado, descrevendo em detalhes os socos desferidos no rosto da vítima, os atos de estrangulamento e os danos físicos observados no momento dos fatos. A testemunha relatou ainda a tentativa da vítima de se esconder e o comportamento ameaçador do acusado, o que confere elevada força probatória à sua narrativa. Adicionalmente, o laudo pericial acostado aos autos (ID 84965150) constatou: “Paciente apresenta hematoma orbitária no lado esquerdo, dor e edema no nariz, dor e edema na região do pé esquerdo. Paciente com sinais de maus-tratos. Tipo de lesão: equimose e hematoma, com resposta afirmativa ao quesito de ofensa à integridade física.” Tais constatações médicas são inteiramente compatíveis com os relatos da vítima e da testemunha ocular. Ainda, o policial militar ouvido em audiência confirmou que a vítima apresentava lesões visíveis no momento do atendimento da ocorrência, reforçando a consistência da versão apresentada na fase inquisitorial. Dessa forma, não se pode afirmar que o depoimento da vítima em sede policial encontra-se isolado nos autos. Ao contrário, seus relatos acham respaldo firme e coerente nas declarações testemunhais, na prova pericial e nos elementos colhidos pela autoridade policial, formando um conjunto harmônico e suficiente para o reconhecimento da materialidade e da autoria do delito de lesão corporal praticado em contexto de violência doméstica e familiar. Nesse sentido, colaciono entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia sobre o tema: Violência doméstica. Lesão corporal. Palavra da vítima. Conjunto probatório harmônico. Absolvição. Improcedência. A palavra da vítima aliada ao laudo pericial que atestou a existência de lesão corporal compatível com o evento delituoso é suficiente para sustentar o édito condenatório. APELAÇÃO CRIMINAL, Processo nº 7012435-48.2021.822.0005, Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, 2ª Câmara Criminal, Relator (a) do Acórdão: Des. José Jorge R. da Luz, Data de julgamento: 25/04/2023 (TJ-RO - APR: 70124354820218220005, Relator: Des. José Jorge R. da Luz, Data de Julgamento: 25/04/2023) APELAÇÃO CRIMINAL. LESÃO CORPORAL. PALAVRA DA VÍTIMA. LAUDO PERICIAL. CONJUNTO PROBATÓRIO HARMÔNICO. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. IMPROVIMENTO. A palavra da vítima, firme e coerente no sentido de apontar o apelante como o autor do crime de lesão corporal, somada ao Laudo de Exame de Corpo de Delito, que atesta a ofensa à integridade corporal, impõem a manutenção da condenação em face do apelante. (TJ-RO - APL: 10090085420178220501 RO 1009008-54.2017.822.0501, Data de Julgamento: 13/08/2020, Data de Publicação: 25/08/2020). No caso em análise, verifica-se a ilicitude da conduta, pois não há causas que justifiquem sua exclusão. O réu é plenamente imputável, sendo-lhe exigível conduta diversa. Ademais, possuía plena consciência da ilicitude de suas ações (potencial conhecimento do injusto), o que confirma sua culpabilidade. Dessa forma, restaram incontestes a autoria e a materialidade delitiva, havendo perfeito enquadramento típico da conduta ao disposto no art. 129, § 13º, do Código Penal, na forma prevista pela Lei nº 11.340/2006. II.II - 2º Fato (art. 147, caput, do Código Penal) Ao réu é imputada, ainda, a prática do crime de ameaça, com incidência das disposições da Lei Maria da Penha, por ter sido praticado no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher. O art. 147, caput, do Código Penal, assim tipifica a conduta: "Art. 147 – Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave. Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa. Parágrafo único – Somente se procede mediante representação." Da norma penal extraem-se os elementos essenciais do tipo: (a) a exteriorização de uma ameaça por qualquer meio (verbal, escrito, gestual ou simbólico); (b) a promessa de um mal que seja ao mesmo tempo injusto e grave. A doutrina de Guilherme de Souza Nucci esclarece: “Ameaçar significa procurar intimidar alguém, anunciando-lhe um mal futuro, ainda que próximo. Por si só, o verbo já nos fornece uma clara noção do que vem a ser o crime, embora haja o complemento, que se torna particularmente importante, visto não ser qualquer tipo de ameaça relevante para o Direito Penal, mas apenas a que lida com um ‘mal injusto e grave’.” (Código Penal Comentado. 13. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 740) Na mesma linha, lecionam Mauricio Schaun Jalil e Vicente Greco Filho: “O núcleo do tipo é o verbo ameaçar, que significa intimidar, atemorizar, prometer castigo ou malefício. A ameaça é crime de forma livre, que pode ser praticado por qualquer meio de execução. A lei faz referência à palavra, escrito, gestos ou qualquer outro meio simbólico. (...) É necessário que o meio de execução empregado tenha idoneidade, isto é, que seja sério e capaz de intimidar o homem médio. Este é o referencial de apuração.” (Código Penal Comentado: doutrina e jurisprudência. 7. ed. – Barueri/SP: Manole, 2025) Tendo em vista as considerações acima, verifica-se que a materialidade do delito de ameaça encontra respaldo no inquérito policial nº 115/2022/1ªDP-CJB (ID 84965150), na ocorrência policial nº 147583/2022 (ID 84965150, págs. 05/06), no termo de declaração da vítima (ID 84965150, pág. 14), no depoimento prestado pela amiga da ofendida, E.A.L. (ID 84965150), e nas demais peças constantes dos autos. Contudo, a autoria do delito não restou suficientemente comprovada sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. Em sede policial, a vítima relatou que o acusado, após tê-la agredido fisicamente, teria dito que, caso fosse denunciado, a atropelaria com o carro. Já em audiência de instrução, embora tenha confirmado lembrar-se dos fatos, optou por não prestar declarações sobre o ocorrido, limitando-se a dizer que não desejava mais dar prosseguimento ao processo. A testemunha E.A.L., que em sede inquisitorial confirmou ter presenciado o acusado proferir a ameaça de atropelamento, não foi ouvida em juízo, o que inviabiliza a valoração de seu relato como meio autônomo de prova, nos termos do art. 155 do Código de Processo Penal. O boletim de ocorrência também consignou a narrativa da vítima sobre a suposta ameaça, mas trata-se de documento elaborado com base em informações prestadas informalmente à guarnição policial, sem a observância do contraditório. O policial militar ouvido em juízo afirmou que a vítima apresentava lesões visíveis no momento da diligência, mas não se recordava de qualquer relato envolvendo ameaça. Por sua vez, o réu optou por permanecer em silêncio durante seu interrogatório judicial. Nesse cenário, diversamente do que ocorreu em relação ao crime de lesão corporal, cuja materialidade e autoria foram confirmadas por prova técnica (laudo pericial) e testemunhal colhida em juízo, o crime de ameaça não foi demonstrado por nenhum meio de prova produzido na fase judicial. Nos termos do art. 155 do Código de Processo Penal, "o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas." Não se trata aqui de prova cautelar ou irrepetível, razão pela qual os elementos produzidos exclusivamente na fase policial não se prestam a embasar um decreto condenatório. Dessa forma, à míngua de provas produzidas sob a égide do contraditório que confirmem a ameaça narrada na denúncia, impõe-se a absolvição do acusado, com fundamento no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, por ausência de provas suficientes para a condenação. Aplica-se, no caso, o princípio do in dubio pro reo, que impõe ao julgador o dever de absolver quando persistirem dúvidas razoáveis sobre a autoria ou a existência do fato típico em sua inteireza. Nesse sentido: Apelação criminal. Violência doméstica. Ameaça. Prova . Palavra da vítima. Dúvida. In dúbio pro reo. Absolvição . Recurso provido. 1. Absolve-se o recorrente quanto ao crime de ameaça quando as provas carreadas para os autos não forem suficientes para sanar a dúvida quanto à existência do fato, mormente na ausência de outros elementos de convicção que possam reforçar a palavra isolada da vítima, a qual sequer soube especificar o dia dos fatos. 2 . Recurso provido. (TJ-RO - APL: 00000811520188220006 RO 0000081-15.2018.822 .0006, Data de Julgamento: 02/12/2020, Data de Publicação: 21/12/2020) Apelação criminal. Violência doméstica. Autoria não comprovada. Condenação baseada em provas exclusivamente inquisitoriais . Impossibilidade - art. 155 do CPP. Elementos imprestáveis para fins de condenação. Afronta aos princípios do contraditório e da ampla defesa . Prova judicial frágil. Recurso não provido. O inquérito policial é procedimento meramente informativo, que não se submete ao crivo do contraditório e no qual não se garante ao indiciado o exercício da ampla defesa. Constatando nos autos que a prova judicial não confirma a prova realizada na fase policial, consoante disciplina o art . 155 do CPP, é inadmissível a condenação baseada unicamente em elementos colhidos na fase inquisitorial, sem a submissão ao crivo do contraditório. (TJ-RO - APL: 00057802920148220005 RO 0005780-29.2014.822 .0005, Relator.: Desembargador Miguel Monico Neto, Data de Julgamento: 08/07/2015, 2ª Câmara Criminal, Data de Publicação: Processo publicado no Diário Oficial em 22/07/2015.) III - INDENIZAÇÃO Deixo de fixar valor mínimo para reparação dos danos, nos termos do art. 387, IV, do Código de Processo Penal, ante a ausência de pedido expresso nesse sentido. IV – DISPOSITIVO Isso posto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão punitiva estatal, para: a) CONDENAR o acusado J. L. C. D. L. como incurso nas sanções do art. 129, § 13, do Código Penal, combinado com as disposições da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha); b) ABSOLVER o acusado J. L. C. D. L. da imputação prevista no art. 147, caput, do Código Penal, combinado com as disposições da Lei nº 11.340/2006, com fundamento no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, por ausência de provas suficientes à condenação. Evidenciada a procedência parcial do pedido condenatório, passo à individualização da pena, nos termos dos arts. 59 e 68 do Código Penal e art. 387 do Código de Processo Penal. Na primeira fase da dosimetria, a culpabilidade, entendida como o grau de reprovabilidade da conduta, revela-se compatível com a natureza do delito, não se mostrando exacerbada. As consequências do crime não ultrapassaram aquelas ordinariamente previstas para o tipo penal imputado, e tanto a motivação quanto as circunstâncias do fato se inserem na normalidade da conduta delitiva. O réu possui antecedentes criminais, conforme registrado nos autos de execução penal nº 1004212-62.2017.8.22.0002, oriundos do SEEU. Embora a pena tenha sido extinta em 23/08/2022, em razão do cumprimento, verifica-se que o réu estava em gozo de livramento condicional desde 25/02/2021, ou seja, à época dos fatos ainda se encontrava no período depurador previsto no art. 64, I, do Código Penal, razão pela qual sua reincidência será valorada na segunda fase da dosimetria. Inexistem nos autos elementos que permitam aferir, com segurança, a conduta social e a personalidade do agente. As vítimas não contribuíram para a ocorrência do delito. Dessa forma, fixo a pena-base em 01 (um) ano de reclusão. Na segunda fase, incide a agravante do art. 61, II, “f”, do Código Penal, diante da prática de violência contra a mulher em contexto doméstico e familiar, o que justifica o aumento da pena em 1/6. Além disso, reconheço a reincidência, nos termos do art. 61, I, do Código Penal, o que impõe novo acréscimo de 1/6. Aplicados ambos os aumentos, elevo a pena para 01 (um) ano, 04 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão. Na terceira fase, ausentes causas legais de aumento ou de diminuição de pena. Assim, fixo a pena definitiva em 01 (um) ano, 04 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão. Considerando que o réu é reincidente e ponderando a natureza e a gravidade concreta do delito praticado, fixo o regime semiaberto para o início do cumprimento da pena privativa de liberdade, nos termos do art. 33, § 2º, do Código Penal e da Súmula 269 do Superior Tribunal de Justiça. Tratando-se de réu reincidente, tendo o crime sido cometido no âmbito de violência doméstica e familiar contra a mulher, e não se revelando socialmente recomendável a substituição da pena no caso concreto, deixo de aplicar tanto a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos quanto a suspensão condicional da pena (sursis), nos termos dos arts. 44, I e II, e 77 do Código Penal, bem como da Súmula 588 do STJ, que assim dispõe: "A prática de crime ou contravenção penal contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico impossibilita a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos." Concedo ao réu o direito de recorrer em liberdade, por ter permanecido solto durante toda a instrução processual, salvo se por outro motivo estiver preso. Isento o réu do pagamento das custas processuais, à luz de sua hipossuficiência econômica, evidenciada por sua representação pela Defensoria Pública, não havendo nos autos qualquer elemento que indique possuir condições de arcar com tais encargos sem prejuízo de sua subsistência, nos termos do art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal. Deixo de fixar valor mínimo para reparação dos danos, nos termos do art. 387, IV, do Código de Processo Penal, ante a ausência de pedido expresso nesse sentido Disposições finais: Cientifique-se a vítima acerca do teor da presente decisão. Intime-se o acusado, já qualificado nos autos, para manifestar eventual interesse em recorrer (art. 593, inciso I, do CPP). Após o trânsito em julgado: Expeça-se Guia de Execução Penal e demais providências necessárias ao cumprimento da pena; Efetivem-se as comunicações de praxe, incluindo INI/DF, II/RO, TRE/RO, entre outros órgãos competentes. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Expeça-se o necessário. SERVE A PRESENTE COMO MANDADO/CARTA/CARTA PRECATÓRIA/OFÍCIO. Ariquemes, 12 de abril de 2025 Marina Murucci Monteiro Juíza Substituta
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