Processo nº 0000182-58.2018.4.03.6006
ID: 300892032
Tribunal: TRF3
Órgão: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 0000182-58.2018.4.03.6006
Data de Disponibilização:
17/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
FABIO ADRIANO ROMBALDO
OAB/MS XXXXXX
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JOAN CARLOS XAVIER BISERRA
OAB/MS XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000182-58.2018.4.03.6006 RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL…
PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000182-58.2018.4.03.6006 RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, INACIO BATISTA DE MELLO Advogados do(a) APELANTE: FABIO ADRIANO ROMBALDO - MS19434-A, JOAN CARLOS XAVIER BISERRA - MS22491-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, INACIO BATISTA DE MELLO Advogados do(a) APELADO: FABIO ADRIANO ROMBALDO - MS19434-A, JOAN CARLOS XAVIER BISERRA - MS22491-A OUTROS PARTICIPANTES: DENUNCIADO: KELI VERONICA BARALDI PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000182-58.2018.4.03.6006 RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, INACIO BATISTA DE MELLO Advogados do(a) APELANTE: FABIO ADRIANO ROMBALDO - MS19434-A, JOAN CARLOS XAVIER BISERRA - MS22491-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, INACIO BATISTA DE MELLO Advogados do(a) APELADO: FABIO ADRIANO ROMBALDO - MS19434-A, JOAN CARLOS XAVIER BISERRA - MS22491-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O JUIZ FEDERAL CONVOCADO ALEXANDRE SALIBA (Relator): O Ministério Público Federal, em 01/04/2021, denunciou Inácio Batista de Mello, qualificado nos autos, nascido em 08/11/1970, como incurso no artigo 1º, caput e § 4º, da Lei nº 9.613/1998. Consta da denúncia (ID 265792708): (...) 1.Consta do incluso inquérito policial que, ao menos entre janeiro de 2016 e julho de 2018, nos municípios de Mundo Novo/MS e Guaíra/PR, o denunciado INÁCIO BATISTA DE MELLO, com consciência e vontade, dissimulou a origem e a movimentação de valores provenientes de infração penal em processo de branqueamento de ativos, mediante a conduta de emprestar contas bancárias sob sua administração para terceiro(s) com plena consciência de que os valores ali movimentados tinham origem na prática de crimes, particularmente dos delitos de contrabando de cigarros e tráfico internacional de drogas. 2. Conforme consta no inquérito policial encartado ao feito, após a Polícia Federal receber informações acerca de movimentação bancária extravagante realizada pelo denunciado INÁCIO BATISTA em agências bancárias dos municípios de Mundo Novo/MS e Guaíra/PR, foram realizadas diligências de campo buscando confirmar tal fato. 3. As diligências resultaram na Informação de Polícia Judiciária (IPJ) 411/2017 (...), que registrou deslocamento feito pelo denunciado até agência do Banco do Brasil, de onde saiu portando um envelope volumoso de cor parda, provavelmente contendo os valores sacados (...). 4. Feita solicitação de mais informações ao COAF, obteve-se o Relatório de Inteligência Financeira (RIF) n. 30449.2.4186.7443, produzido em 24/10/2017. Nele, constatou-se que, entre 01/02/2016 e 31/07/2017, o denunciado movimentou a elevada quantia de mais de R$ 6.500.000,00 (...) a crédito, e cerca de R$ 6.800.000,00 (...) a débito, montante incontestavelmente incompatível com a renda mensal declarada de R$ 1.800,00 (...). 5. Após análise detalhada do RIF, a Polícia Federal elaborou a IPJ n. 13/2018 (...) e a IPJ n. 96/2018 (...), que constataram padrões atípicos de movimentação bancária das contas que foram objeto da investigação. 6. As principais atipicidades da movimentação em questão consistiram no seguinte: a) Fracionamento dos valores, com depósitos abaixo de R$ 10.000,00, em uma mesma data, em um mesmo caixa e em autenticações sequenciadas; b) Recebimento de valores originários de contas-correntes titularizadas por indivíduos envolvidos com o contrabando de cigarros (art. 334-A do CP), tráfico de drogas (art. 33 da Lei 11.343/06) e outros crimes; c) Saque em espécie dos valores recebidos, dificultando o rastreamento do destinatário final das quantias; d) Depósitos realizados por pessoas localizadas em diversas regiões do país (Rio de Janeiro/RJ, Ponta Grossa/PR, Pesqueira/PE, Porto Velho/RO, Ji-Paraná/RO, Teresina/PI, São Desidério/BA, João Dourado/BA, Apuí/AM, Parnamirim/RN, Jaru/RO, Várzea Grande/MT, Duque de Caxias/RJ, Novo Hamburgo/RS, São Paulo/SP, Cuiabá/MT) e e) Depositantes sem capacidade econômica para realização de transferências financeiras de grande vulto, muitos deles registrados no Cadastro Único do Governo Federal para recebimento de benefícios sociais. 7. Somente no período compreendido entre 01/02/2016 e 31/07/2017, o denunciado sacou em espécie R$ 4.780.000,00 (...), o que corresponde a uma média mensal de saque em espécie superior a R$ 260.000,00 (...). 8. INÁCIO BATISTA, além das contas bancárias de sua titularidade, era o responsável pela movimentação bancária das contas de sua genitora Maria do Socorro Escuro da Silva e de sua ex-namorada Kei Verônica Baraldi. (...) 11. Dados obtidos por meio da quebra do sigilo bancário das contas de INÁCIO BATISTA, Maria do Socorro Escuro da Silva e de Keli Verônica Baraldi demonstram que foram movimentados, no período de 01/01/2015 a 31/12/2018, valores superiores a exorbitante quantia de R$ 87.000.000,00 (...). 12. Perante a autoridade policial, o denunciado declarou que possui um capital próprio de R$ 600.000,00, sendo sua renda mensal em torno de R$ 30.000,00 (...). Tais valores seriam resultantes do comércio de compra e venda de carros e de empréstimo de dinheiro a juros (agiotagem). Já o uso de contas bancárias de terceiros seria decorrente do bloqueio judicial incidente sobre suas próprias contas. 13. Identificados alguns dos indivíduos que transacionaram com INÁCIO BATISTA, tornou-se possível obter mais detalhes acerca da dinâmica utilizada pelo denunciado, bem como sobre a proveniência ilícita dos valores, conforme exemplos abaixo. 14. Quesia Ferreira Lima emprestou sua conta bancária para recebimento de valores de terceiros e, logo após a disponibilização dos valores em sua conta, estes eram repassados para INÁCIO BATISTA. Ela recebia uma pequena fração dos valores movimentados e sua conta bancária foi bloqueada em razão dos depósitos realizados (...). 15. Keli Verônica Baraldi afirmou que INÁCIO BATISTA era o responsável por realizar as transações bancárias em sua conta, desconhecendo as pessoas com quem foram realizadas tais transações (...). 16. Willian Bruno Lopes Cavalcanti, que remeteu R$ 105.000,00 (...) para o denunciado INÁCIO BATISTA (...), é proprietário de um mercadinho no pequeno município de Pesqueira, no Estado do Pernambuco – Marcadinho da Economia (...). (...) 19. O RIF 30449 ainda indicou Mayron Douglas do Nascimento Velani como um dos transacionistas com o denunciado INÁCIO BATISTA (...). Trata-se de denunciado na Operação Laços de Família, que desmantelou organização criminosa comandada pela família Molina na cidade de Naviraí/MS. Tal organização se dedicava ao tráfico internacional de drogas, sobretudo com destino ao Nordeste do Brasil. (...) 22. Outro transacionista identificado foi Paulo Afonso Farias Sevilha, que realizou um depósito no valor de R$ 67.000,00 (...) na conta do denunciado. Paulo Afonso Farias Sevilha possui condenação nos autos n. 1005069-02.2017.8.22.0005 pelo cometimento do crime de contrabando (...). 23. O montante elevadíssimo e as pessoas com as quais as quantias foram transacionadas comprovam que os valores não pertenciam ao denunciado INÁCIO BATISTA, tratando-se de interposta pessoa, que utilizou suas próprias contas bancárias, e de sua genitora e a de sua ex-namorada para dissimular a origem e a própria movimentação de valores ilícitos, permitindo a ocultação dos reais responsáveis e proprietários dos valores. 24. Basicamente, INÁCIO BATISTA recebia depósitos de várias localidades do país, em seguida, sacava os montantes em espécie e entregava ao verdadeiro destinatário. 25. As transações demonstram que as operações financeiras ainda contaram em alguns casos com uma outra camada de interposição de pessoas, visando dificultar a fiscalização. Isto porque parte dos remetentes de recursos para as contas analisadas não possuem capacidade financeira para realizar as movimentações em apreço, conforme demonstrado na IPJ n. 13/2018 (...). (...) A denúncia foi recebida em 12/05/2021 (ID 265792845). Processado o feito, sobreveio sentença (ID 265793488), publicada em 14/10/2022, que julgou parcialmente procedente a denúncia, para condenar Inácio Batista de Mello como incurso no delito no artigo 1º, caput e § 4º, da Lei nº 9.613/1998, à pena de 07 anos, 01 mês e 15 dias de reclusão no regime inicial semiaberto e pagamento de 144 dias-multa no valor unitário correspondente a 1/5 do maior salário-mínimo mensal vigente à data do fato. Apela o Ministério Público Federal (ID 265793495). Em suas razões recursais, sustenta, em síntese, que o cálculo utilizado para fixação da pena-base, embora aceito pela jurisprudência, não refletiria a adequada individualização da pena. Alega que, na terceira fase da dosimetria, a causa de aumento do § 4º do artigo 1º da Lei nº 9.613/1998 deveria incidir em seu patamar máximo (2/3), uma vez que houve reiteração e presença de organização criminosa. Aduz, ainda, a necessidade de fixação de valor mínimo de indenização a título de dano moral coletivo, na forma do artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal. Apela também Inácio Batista de Mello (ID 267126633). Preliminarmente, argui a nulidade das provas consistentes em dados obtidos por quebra do sigilo bancário sem a devida autorização judicial. No mérito, sustenta que não estaria caracterizado o delito da lavagem de capitais, porquanto não teria havido a demonstração de crime antecedente, o que imporia sua absolvição pelo princípio in dubio pro reo. Alega que os valores movimentados teriam origem lícita, sendo decorrentes de seu trabalho como comerciante de veículos e da concessão de empréstimos pessoais, ainda que na informalidade. Subsidiariamente, requer a reforma da dosimetria da pena. Sustenta que, na primeira fase, as circunstâncias e as consequências seriam inerentes ao tipo penal, não comportando valoração negativa, de maneira que a pena-base deveria ser fixada no mínimo legal. Além disso, na terceira fase, não haveria prova segura quanto à reiteração e a movimentações ligadas à lavagem de capitais, de maneira a ser afastada ou reduzida ao mínimo a causa de aumento do § 4º do artigo 1º da Lei nº 9.613/1998. Com contrarrazões (ID 268261378), subiram os autos. O DD. Órgão do Ministério Público Federal manifestou-se pelo provimento da apelação interposta pela acusação e pelo não provimento da apelação interposta pela defesa (ID 268683789). É o relatório. À revisão. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000182-58.2018.4.03.6006 RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, INACIO BATISTA DE MELLO Advogados do(a) APELANTE: FABIO ADRIANO ROMBALDO - MS19434-A, JOAN CARLOS XAVIER BISERRA - MS22491-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, INACIO BATISTA DE MELLO Advogados do(a) APELADO: FABIO ADRIANO ROMBALDO - MS19434-A, JOAN CARLOS XAVIER BISERRA - MS22491-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (RELATOR): Ratifico o relatório. Inicialmente, há de ser afastada a preliminar de nulidade decorrente da obtenção, sem autorização judicial, de informações bancárias do apelante. As informações bancárias do acusado, aqui resumidas no chamado Relatório de Inteligência Financeira – RIF, foram obtidas licitamente junto ao COAF, tendo sido o referido relatório elaborado a partir da comunicação obrigatória das instituições financeiras acerca de operações suspeitas em razão da não comprovação de origem. Como confirmado pela jurisprudência pacífica dos tribunais superiores, é constitucional o compartilhamento dos relatórios da Unidade de Inteligência Financeira – UIF com o Ministério Público Federal, por força da constatação de possível ilícito penal, sendo desnecessária a prévia autorização judicial. Nesse sentido: Ementa Repercussão geral. Tema 990. Constitucional. Processual Penal. Compartilhamento dos Relatórios de inteligência financeira da UIF e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil com os órgãos de persecução penal para fins criminais. Desnecessidade de prévia autorização judicial. Constitucionalidade reconhecida. Recurso ao qual se dá provimento para restabelecer a sentença condenatória de 1º grau. Revogada a liminar de suspensão nacional (art. 1.035, § 5º, do CPC). Fixação das seguintes teses: 1. É constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil - em que se define o lançamento do tributo - com os órgãos de persecução penal para fins criminais sem prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional; 2. O compartilhamento pela UIF e pela RFB referido no item anterior deve ser feito unicamente por meio de comunicações formais, com garantia de sigilo, certificação do destinatário e estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios. (STF, RE 1055941, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 04-12-2019, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-243 DIVULG 05-10-2020 PUBLIC 06-10-2020 REPUBLICAÇÃO: DJe-052 DIVULG 17-03-2021 PUBLIC 18-03-2021) DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. COMPARTILHAMENTO DE DADOS FINANCEIROS. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Agravo regimental interposto contra decisão que negou provimento ao recurso em habeas corpus, no qual se alegava a nulidade de obtenção de Relatórios de Informação Financeira (RIF) sem prévia autorização judicial, mediante compartilhamento direto entre o COAF e autoridades atuantes em persecução penal. 2. Os agravantes sustentam que a requisição de relatórios de inteligência financeira pelo Ministério Público e pela Polícia Judiciária ao COAF/UIF depende de autorização judicial, e que o inquérito policial foi instaurado após a requisição dos relatórios. II. Questão em discussão 3. A questão em discussão consiste em saber se o compartilhamento de dados financeiros entre o COAF e as autoridades de persecução penal, sem autorização judicial, é constitucional, especialmente quando solicitado por essas autoridades. III. Razões de decidir 4. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 990 de repercussão geral, estabeleceu que é constitucional o compartilhamento de relatórios de inteligência financeira da UIF e da Receita Federal com órgãos de persecução penal para fins criminais, sem necessidade de prévia autorização judicial, desde que respeitado o sigilo das informações. 5. A decisão do STF permite que os relatórios emitidos pelo COAF sejam solicitados pelos órgãos de persecução penal, sem autorização judicial, desde que cumpridas as exigências legais e garantido o sigilo das informações. 6. A divergência interna no STF sobre a possibilidade de requisição direta de dados bancários ou fiscais pelo Ministério Público sem autorização judicial não justifica a declaração de ilicitude das provas obtidas, podendo eventual ilicitude ser reconhecida posteriormente. IV. Dispositivo e tese 7. Agravo regimental desprovido. Tese de julgamento: "1. É constitucional o compartilhamento de relatórios de inteligência financeira da UIF e da Receita Federal com órgãos de persecução penal para fins criminais sem prévia autorização judicial. 2. Os relatórios podem ser solicitados pelos órgãos de persecução penal, desde que respeitado o sigilo das informações". Dispositivos relevantes citados: CR/1988, art. 5º, XII; Lei nº 9.613/1998, art. 15.Jurisprudência relevante citada: STF, RE 1055941, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 04.12.2019. (STJ, AgRg no RHC n. 200.983/SC, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 17/12/2024, DJEN de 30/12/2024) Firmado isso, passo ao mérito recursal. Da materialidade A materialidade do crime está demonstrada pelo Relatório de Inteligência Financeira – RIF nº 30449.2.4186.7443 (ID 265792229, p. 11/26), emitido pelo COAF, bem como pelas Informações de Polícia Judiciária n. 13/2018 e 96/2018 (ID 265792229, p. 36/63, ID 265792231, p. 1/24 e p. 28/39), mediante os quais se atestou a intensa movimentação de créditos e débitos na conta corrente do acusado, em valores superiores à sua capacidade financeira, pulverizados entre pessoas jurídicas e pessoas físicas, algumas notoriamente envolvidas com o crime organizado. Da autoria e do dolo A autoria de Inácio Batista de Mello está suficientemente comprovada pelo conjunto probatório, que demonstra a intensa movimentação financeira nas contas bancárias do acusado no período compreendido entre 2016 e 2018, incompatível com sua renda declarada e sem comprovação de origem e destino. Além disso, o réu admitiu ter se utilizado de contas bancárias de terceiros, especificamente sua genitora e sua consorte à época, para movimentar recursos financeiros. Quanto ao elemento subjetivo do tipo, o conjunto probatório demonstra satisfatoriamente a vontade livre e consciente do réu de ocultar e dissimular a natureza, origem, localização, movimentação e propriedade de valores provenientes de atividade criminosa, utilizando-se para isso de diversas contas de passagem titularizadas por interpostas pessoas em diferentes localidades do país, distantes entre si. Nesse ponto, trancrevo o seguinte excerto do Relatório de Inteligência Financeira – RIF nº 30449.2.4186.7443, proveniente do COAF (ID 265792229, p. 11/26): (...) Os depósitos online ocorreram por meio de 96 transações de valores predominantemente iguais ou inferiores a R$ 10.000,00 e foram realizados principalmente em Cacoal-RO, Pesqueira-PE, Rio de Janeiro-RJ (Bairro Andaraí) e Picos-PI. Houve, em uma mesma data, vários depósitos por meio de envelope em terminais de autoatendimento. Por vezes foram realizados vários depósitos de valores abaixo do acima citado, em uma mesma data, em um mesmo caixa e em autenticações sequenciadas, aparentando intenção de burla aos controles de identificação de movimentação de valores em espécie. Tais situações impossibilitaram a identificação das origens/depositantes dos recursos. Dos valores a débito (no total de R$ 2.487.666,70), os mais representativos foram R$ 1.531.781,96 saques R$ 172.417,33 TEDs R$ 130.456,93 transferências. Alguns destinos dos valores: R$ 112.687,33 MAYRON DOUGLAS DO NASCIMENTO VELANI (vendedor e auxiliar de serviços gerais) R$ 63.621,93 titular em análise R$ 31.500,00 MARIA DO SOCORRO ESCURO DA SILVA R$ 25.000,00 BARALDI & CALIXTO LTDA R$ 11.000,00 ASSOCIAÇÃO PARANAENSE DE ENSINO E CULTURA. Os saques ocorreram por meio de 256 transações de valores predominantemente abaixo de 20 mil reais. A elevada quantidade impossibilitou a identificação dos destinos dos recursos. Abaixo, algumas informações prestadas pela agência de relacionamento: - Valores movimentados em conta corrente, incompatíveis com a capacidade financeira do cliente. – Ocorreram diversos depósitos em dinheiro com origem em diversas regiões do país, bem como saques em grandes volumes. – Quando do atendimento do cliente em ambiente de caixa na agência, foi orientado sobre a possibilidade de execução das transações através de transferências e TEDs, porém o mesmo sempre se nega a utilizar tais opções. – A agência encontra-se no município de Mundo Novo/MS, que faz divisa com o estado do Paraná e com o Paraguai, através de fronteira seca. (...) Consta ser autônomo (Vendedor), com renda mensal de R$ 3.000,00. Entre 01.05 e 03.10.2016 os créditos somaram R$ 849.253,00, por meio de 72 depósitos realizados nas praças de Belo Horizonte-MG, Bituruna-PR, Cacoal-RO, Contagem-MG, Eldorado-MS, Guairá-PR, Guanambi-BA, Jaru-RO, Joinville-SC, Mundo Novo-MS, Pesqueira-PE, Ponta Grossa-PR, Porto Velho-RO e São João de Meriti-RJ e R$ 126.100,00 provenientes de 6 TEDs. Demonstramos os principais depositantes e remetentes: VALOR R$ ORIGEM DOS RECURSOS 547.105,00 constando como depositados em espécie 68 transações 60.000,00 Paulo Afonso Sevilha (...) 44.500,00 Wesley Lima Teixeira (...) 28.000,00 Inácio Batista de Mello (...) 24.567,00 Maysa Macedo de Aquino (...) 19.200,00 Juvenil Sebastião de Ornelas (...). Os débitos, em igual período, totalizaram R$ 853.125,00, sendo R$ 137.642,00 sacados em espécie, 142 retiradas e R$ 665.571,00 pagos pela compensação de 61 cheques, dos quais R$ 542.280,00 constando como favorecido Inácio Batista de Mello (...). O Sr. William Bruno Lopes Cavalcanti (...) queria efetuar um depósito em espécie na conta da Sra. Keli Verônica Baraldi, porém ao indagá-lo sobre a origem dos recursos, decidiu não realizar o depósito. Segundo informações não confirmadas, os recursos seriam do tio de William, o Sr. José Antônio Farias de Souza (...), oriundos da venda de cigarros importados sem notas fiscais. (...) Por ocasião de sua oitiva em Juízo, o acusado declarou que os recursos movimentados no período seriam oriundos de suas atividades profissionais, a saber: compra e venda informal de veículos e empréstimos pessoais a juros à margem do sistema financeiro oficial, que lhe proporcionavam capital de giro. Não há evidências, no entanto, de que as vultosas quantias que passaram pelas contas movimentadas pelo acusado estejam vinculadas a referidas atividades, sendo desnecessário tecer quaisquer considerações quanto à ilicitude da agiotagem, para o caso concreto. Com efeito, o acusado admitiu em Juízo nunca ter formalizado contratos de compra e venda de veículos. Bem assim, perguntado sobre a que se referiam os depósitos efetuados em sua conta por pessoas desconhecidas, declarou tratar-se de pagamentos de dívidas, de forma vaga e sem maiores esclarecimentos. De maneira geral, o acusado procurou justificar nas atividades mencionadas – compra e venda informal de veículos e empréstimos a juros – a origem dos recursos movimentados. Todavia, não apresentou uma única prova apta a confirmar suas declarações, não se mostrando plausível que um credor não disponha de um mínimo controle contábil, ainda que manual, para saber qual devedor pagou qual dívida, mormente em se considerando as elevadas somas de dinheiro movimentadas. Nem se diga que a condenação estaria lastreada em mera presunção, porquanto não haveria prova de dolo colhida no curso da instrução processual. Deve-se recordar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admite a condenação embasada em provas colhidas durante a fase inquisitiva, desde que venham a ser corroboradas por outras, produzidas em Juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. Nesse sentido: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ROUBO MAJORADO. CONDENAÇÃO BASEADA EXCLUSIVAMENTE EM ELEMENTOS COLHIDOS NA FASE INQUISITORIAL. NÃO OCORRÊNCIA. RETRATAÇÃO DE CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL. VALOR QUE PERSISTE. RECONHECIMENTO DE PESSOA CORROBORADO POR PROVA PRODUZIDA EM JUÍZO. AUSÊNCIA DE NULIDADE. I - A jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que é possível a utilização das provas colhidas durante a fase inquisitiva para lastrear o édito condenatório, desde que corroboradas por outras provas produzidas em juízo, sob crivo do contraditório e da ampla defesa. II - No caso vertente, consoante se depreende dos excertos acima transcritos, o acórdão recorrido concluiu que a condenação do recorrente pelo delito de roubo não foi fundamentada exclusivamente em elementos colhidos no inquérito policial, havendo menção expressa aos depoimentos prestados em juízo pelas vítimas e pelos policiais, além das imagens captadas por câmeras de segurança que registraram a ação criminosa, bem como as características do veículo, elementos que respaldaram a prolação de um decreto condenatório. III - Em relação à confissão cabe destacar que a "retratação de confissão extrajudicial, do corréu, em Juízo, por si só, não tem o condão de retirar o valor de seus depoimentos extrajudiciais, notadamente se estes são compatíveis com depoimentos testemunhais, colhidos à luz do contraditório" (AgRg no AREsp n. 277.963/PE, Sexta Turma, Rel. Min. Assusete Magalhães, DJe de 7/5/2013). IV - Na hipótese, o reconhecimento de pessoa se mostrou pouco relevante para a solução do caso, na medida em que havia outras provas da autoria delitiva. O acórdão atacado está em conformidade com a jurisprudência desta Corte, além de que é inviável o reexame de fatos e provas para afastar as conclusões das instâncias ordinárias acerca da autoria do delito. Agravo regimental desprovido. (STJ, AgRg no AREsp n. 2.282.356/PR, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 14/5/2024, DJe de 20/5/2024) No caso dos autos, é certo que a prova consubstanciada no RIF nº 30449.2.4186.7443 foi obtida na fase investigativa. Há de se recordar, no entanto, que à defesa foi concedida a oportunidade de esclarecer, com base em provas hábeis, a origem e o destino dos valores que passaram pelas contas bancárias utilizadas pelo réu. Se assim não procedeu, entende-se que se deve à inexistência de elementos concretos que confiram respaldo às alegações do acusado. Ademais, o conjunto probatório não permite validar a alegação de que teria sido uma simples coincidência o fato de algumas das operações financeiras terem envolvido pessoas relacionadas ao crime organizado. Citem-se, como exemplo, Paulo Alfonso Farias Sevilha, investigado por contrabando, que entre 01/02/2016 e 31/07/2016 transferiu R$ 67.000,00 para as contas do acusado; e Mayron Douglas do Nascimento Velani, preso por envolvimento com o tráfico de drogas, que recebeu de Inácio Batista de Mello R$ 122.687,33 no mesmo período (cf. IPJ nº 13/2018, ID 265793229, p. 55 e ID 265793231, p. 14). Ouvido como testemunha, Mayron Douglas do Nascimento Velani afirmou não conhecer o acusado. Admitiu ter sido titular de uma conta bancária “emprestada” para Jefferson Molina, traficante investigado na Operação Laços de Família da Polícia Federal. Apenas para que se esclareça o contexto da utilização dessas muitas contas de passagem, segundo a testemunha, em 2016, era Jefferson Molina quem ficava com o cartão do banco. Declarou que não ganhava valor fixo pelo empréstimo da conta, mas pegava com Jefferson Molina o quanto precisasse. Por fim, afirmou desconhecer a origem do depósito de mais de cem mil reais realizado por Inácio Batista de Mello em seu favor (ID 265793102 e 265793106). Ressalte-se que, embora o acusado tenha declarado não poder responder pelas atividades de terceiros com quem ocasionalmente teria transacionado veículos, na absoluta ausência de demonstração da existência de tais negócios jurídicos, entendo tratar-se de indícios fortes da vinculação do dinheiro movimentado com atividades ilícitas, conclusão que vem a ser respaldada pelo depoimento em Juízo do Delegado da Polícia Federal que presidiu o inquérito (ID 265793112 e 265794114). Segundo declarou, a investigação não conseguiu identificar a existência do patrimônio anteriormente adquirido de R$ 600.000,00, que o acusado alegou utilizar como capital de giro. Além disso, foram identificadas pessoas que remeteram valores à sua conta, bem como pessoas que receberam valores provenientes de sua conta bancária. Todas se localizavam em diversas regiões do país, distantes do local de atuação do acusado e, quando ouvidas durante as investigações, a maioria alegou desconhecer Inácio e nenhuma delas alegou ter contraído qualquer tipo de empréstimo ou adquirido veículo do acusado. Apurou-se, ainda, que essas pessoas não possuíam capacidade financeira para as operações apontadas no RIF, sendo que muitas estavam inscritas no cadastro único do governo para recebimento de benefícios assistenciais. Tudo indicava, portanto, que se tratava de interpostas pessoas utilizadas para que as transferências fossem realizadas, com a ocultação do real destinatário e do remetente dos valores movimentados. A testemunha citou expressamente Mayron Douglas do Nascimento Velani, que, ao contrário dos demais (que transferiam valores para Inácio), recebeu aproximadamente R$ 100.000,00 do acusado. No entender da testemunha, o fato de ter restado comprovado que a conta de Mayron foi aberta e era movimentada por Jefferson Molina sugere a possibilidade de alguma vinculação entre o dinheiro movimentado e o tráfico de drogas. Ademais, a testemunha também citou nominalmente Quésia Ferreira Lima que, durante as investigações, teria esclarecido ser titular de uma conta de passagem e receber um percentual sobre os valores que passavam dela para a conta de Inácio Batista de Mello. A testemunha chamou a atenção para o fato de que, se o dinheiro fosse oriundo de atividade lícita, as taxas cobradas pelo setor financeiro oficial seriam muito inferiores ao percentual cobrado sobre o valor bruto das transferências, o que reforçou a convicção de que havia a intenção de ocultar o real destinatário do dinheiro. Quésia Ferreira Lima também foi ouvida pelo Juízo (ID 265793119). Declarou conhecer o acusado de vista, da região. Sobre a transferência de R$ 55.000,00, afirmou que alguém próximo a Inácio pediu para que emprestasse sua conta, mas não ficou com nenhuma parte desse valor. Às vezes ia ao banco, tirava o dinheiro e entregava para alguém que sempre passava e levava o dinheiro para Inácio, com quem nunca negociou veículos. O acusado, por sua vez, declarou em Juízo que o empréstimo de contas bancárias de terceiros, incluindo sua genitora, teria por motivo o bloqueio de suas próprias contas, em três instituições financeiras distintas. Questionado sobre o motivo de todas as suas contas terem sido bloqueadas, o acusado reconheceu que isso aconteceu em razão da entrada e saída reiterada de valores incompatíveis com sua situação econômica, em operações desprovidas de qualquer comprovação quanto à origem dos recursos (ID 265793353, 265793355, 265793357, 265793359, 265793364, 265793368 e 265793370). Com base no conjunto probatório, portanto, pode-se afirmar que a movimentação financeira do acusado tinha a função de auxiliar na pulverização de recursos auferidos com atividades criminosas, conclusão que vem a ser reforçada pela impossibilidade de identificação dos destinatários de muitas das transações bancárias efetuadas pelo réu. Assim, a caracterização do crime de lavagem de capitais encontra suporte nos elementos de prova trazidos aos autos. Ressalte-se que, como delito autônomo em relação ao crime antecedente, a eventual falta de comprovação da materialidade ou da identificação da autoria do crime antecedente não consistiria em óbice à imputação da denúncia, uma vez que a ilicitude da origem dos recursos está amplamente demonstrada. Nesse sentido: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. LAVAGEM DE CAPITAIS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. "O crime de lavagem de capitais é delito autônomo em relação à infração penal antecedente. Assim, a falta de identificação da autoria ou da comprovação da materialidade do crime antecedente não prejudica a imputação de lavagem de ativos, sendo de se exigir apenas a demonstração da ilicitude da origem dos ativos "(AgRg no REsp n. 1.875.233/PR, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), relator para acórdão Ministro João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado em 7/6/2022, DJe de 23/6/2022). 2. In casu, a inicial descreve a existência de organização criminosa voltada à prática de crime de lavagem de dinheiro decorrente dos crimes de tráfico de drogas, contrabando e descaminho, além de falsidade ideológica e evasão de divisas. O modus operandi consistia em abertura de contas bancárias com movimentação financeira de grande vulto entre empresas de fachada, transferência de valores para pessoas físicas e jurídicas que eram objeto de lavagem de dinheiro e evasão de divisas. 3. "Na linha dos precedentes desta Corte, não é necessário que a denúncia apresente detalhes minuciosos acerca da conduta supostamente perpetrada, pois diversos pormenores do delito somente serão esclarecidos durante a instrução processual, momento apropriado para a análise aprofundada dos fatos narrados pelo titular da ação penal pública." (AgRg no AREsp n. 1.831.811/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 22/6/2021, DJe de 29/6/2021). 4. Se as instâncias ordinárias reconheceram que as condutas imputadas ao recorrente, em princípio, se subsomem ao tipo previsto no art. 1º, caput, e § 4º, da Lei n. 9.613/98, verifica-se a existência de justa causa para o prosseguimento da ação penal. 5. Agravo regimental desprovido. (STJ, AgRg no RHC n. 188.200/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 26/2/2024, DJe de 28/2/2024) Ademais, a caracterização do crime do artigo 1º da Lei nº 9.613/1998 prescinde da demonstração exata das três etapas da lavagem de capitais. Trata-se da divisão doutrinária do processo em: a) introdução; b) ocultação; e c) integração, fases que, olhadas em conjunto ou separadamente, revelam a prática de ações cujo objetivo é a reintrodução na economia formal de valores obtidos ilicitamente, aos quais é conferida aparência de legalidade. Não há exigência legal de dissecação dessas fases quando da análise do caso concreto, e nem poderia haver, uma vez que a classificação do ciclo completo da lavagem de dinheiro em introdução – ocultação – integração é doutrinária e de fins didáticos, tendo o Supremo Tribunal Federal se manifestado no sentido de que basta, para fins de caracterização do delito, a prova da autoria e da materialidade de uma das etapas da lavagem de dinheiro (STF, AP 470, Relator(a): JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 17-12-2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-074 DIVULG 19-04-2013 PUBLIC 22-04-2013 RTJ VOL-00225-01 PP-00011). No mesmo sentido também se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. MEMBRO DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL. PRELIMINAR. DELAÇÃO ANÔNIMA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. TEMA 990 DE REPERCUSSÃO GERAL. CONTROVÉRSIA JURÍDICA. DISTINÇÃO. SOBRESTAMENTO DO PROCESSO. INDEFERIMENTO. DENÚNCIA. REQUISITOS. ART. 41 DO CPP. LAVAGEM DE DINHEIRO. ART. 1º DA LEI 9.613/98. CRIME ANTECEDENTE. PECULATO. ART. 312 DO CP. APTIDÃO. JUSTA CAUSA. ART. 395, III, DO CPP. LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO. PRESENÇA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. ART. 397 DO CPP. INVIABILIDADE. RECEBIMENTO. (...) 8. A aptidão da denúncia relativa ao crime de lavagem de dinheiro não exige uma descrição exaustiva e pormenorizada do suposto crime prévio, bastando, com relação às condutas praticadas antes da Lei 12.683/12, a presença de indícios suficientes de que o objeto material da lavagem seja proveniente, direta ou indiretamente, de uma daquelas infrações penais mencionadas nos incisos do art. 1º da Lei 9.613/98. 9. Na presente hipótese, a denúncia contém a correta delimitação dos fatos e da conduta do acusado em relação à suposta prática do crime do art. 1º da Lei 9.613/98, não havendo, por consequência, prejuízo a seu direito de ampla defesa. 10. A justa causa corresponde a um lastro mínimo de prova, o qual deve ser capaz de demonstrar a pertinência do pedido condenatório e que está presente na hipótese em exame, consubstanciada em documentos obtidos na residência do acusado por meio de busca e apreensão; depoimento de testemunha e dados obtidos mediante a quebra de sigilo bancário devidamente autorizada. 11. Na circunstância de a denúncia ser apta para ensejar a instauração do processo penal, o exame de forma antecipada do mérito da pretensão punitiva depende da demonstração indiscutível, inquestionável, dos pressupostos que autorizariam a absolvição do acusado, cuja ocorrência deve, pois, prescindir de produção probatória. 12. O tipo penal do art. 1º da Lei 9.613/98 é de ação múltipla ou plurinuclear, consumando-se com a prática de qualquer dos verbos mencionados na descrição típica e relacionando-se com qualquer das fases do branqueamento de capitais (ocultação, dissimulação; reintrodução), não exigindo a demonstração da ocorrência de todos os três passos do processo de branqueamento. 13. Na espécie, há possibilidade, em tese, de que as movimentações financeiras indicadas pela acusação à inicial tenham sido praticadas de forma autônoma em relação ao crime antecedente (autolavagem) e utilizadas como forma de ocultação da alegada origem criminosa dos valores, mediante distanciamento do dinheiro de sua alegada origem criminosa pela transferência de titularidade de quantias vultosas entre contas bancárias de titularidade de terceiros, mas supostamente controlada pelo acusado, não sendo, pois, manifesta a atipicidade da conduta. (...) 15. Denúncia recebida, com o afastamento cautelar do denunciado do cargo público por ele ocupado. (STJ, APn n. 923/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 23/9/2019, DJe de 26/9/2019) No caso concreto, observa-se claramente a materialidade da fase de introdução, consubstanciada no fracionamento de grandes quantias de dinheiro em valores menores que, ao passarem pelas contas emprestadas de interpostas pessoas, dificultaram ou mesmo impossibilitaram a determinação de sua origem e destino. Assim, estando satisfatoriamente demonstrados a autoria delitiva e o dolo, resta mantido o decreto condenatório. Passo à revisão da dosimetria. Da dosimetria Na primeira fase da dosimetria, a r. sentença considerou desfavoráveis as circunstâncias e as consequências do cometimento do delito, atribuindo a cada uma o acréscimo de 10 meses e 15 dias a partir da pena-base, fixando-a em 04 anos e 09 meses de reclusão e 96 dias-multa. Na segunda fase, não identificou atenuantes nem agravantes, permanecendo a pena intermediária no mesmo patamar. Na terceira fase, fez incidir a causa de aumento de pena prevista no § 4º do artigo 1º da Lei nº 9.613/1998 na fração de 1/2, fixando ao acusado a pena definitiva de 07 anos, 01 mês e 15 dias de reclusão e 144 dias-multa. Diante disso, a acusação sustenta que o cálculo utilizado para a fixação da pena-base não refletiria a adequada individualização da pena. Afirma, ainda, que a culpabilidade deve ser considerada desfavorável ao réu. Alega, ainda, que, na terceira fase da dosimetria, a causa de aumento do § 4º do artigo 1º da Lei nº 9.613/1998 deveria incidir em seu patamar máximo (2/3), uma vez que teria havido reiteração e presença de organização criminosa. Já a defesa pugna pela redução da pena-base ao mínimo legal, uma vez que as circunstâncias e as consequências seriam inerentes ao tipo penal. Além disso, na terceira fase, entende que não haveria prova segura quanto à reiteração e a movimentações ligadas à lavagem de capitais, de maneira a ser afastada ou reduzida ao mínimo a causa de aumento do § 4º do artigo 1º da Lei nº 9.613/1998. Pois bem. Segundo entendimento jurisprudencial pacificado, a fixação da pena não obedece a critérios matemáticos, estando sujeita à discricionariedade do magistrado no exame dos elementos do delito. Contudo, este Colegiado não tem admitido o cálculo da pena-base a partir do termo médio entre as penas mínima e máximas previstas em abstrato no preceito secundário do tipo penal. A propósito, cito o seguinte jugado do STJ: (...) Embora haja fundamentação idônea, no caso, para fixar a pena-base de todos os delitos acima do mínimo legal, a forma de cálculo do incremento punitivo, pelo termomédio, está em desconformidade com a jurisprudência desta Corte, resultando em aumento desproporcional. - Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para reduzir a pena definitiva do paciente ao novo montante de 16 anos, 03 meses e 29 dias de reclusão e 53 dias-multa, mantidos os demais termos da condenação. (destaquei) (HC - HABEAS CORPUS - 447857 2018.01.00245-9, REYNALDO SOARES DA FONSECA, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:28/08/2018) No mesmo sentido: 06. Quanto à dosimetria penal, no que tange ao pleito ministerial para que se adote a teoria do chamado termo médio, verifica-se que tal procedimento não se coaduna com a necessidade de justificar a exasperação da reprimenda com base em fatores que maculem concretamente a conduta do acusado, de forma que a pena-base deve partir do mínimo legal e ser exasperada de acordo com a gravidade das circunstâncias judiciais peculiares do caso. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. (TRF 3ª Região, 11ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 0000957-25.2009.4.03.6124, Rel. Desembargador Federal FAUSTO MARTIN DE SANCTIS, julgado em 28/01/2022, Intimação via sistema DATA: 02/02/2022) Nesses termos, merece reparo o cálculo da pena. No caso, a sentença, acertadamente, majorou a pena-base com fundamento nas circunstâncias e consequências do crime. No que diz respeito às circunstâncias do crime, mediante a estratégia adotada de utilização de diversas contas de passagem e fracionamento dos valores de maneira a assegurar a ocultação da origem e do destino do dinheiro, consubstancia fator que justifica a elevação da pena-base. Nesse sentido, já decidiu este Colegiado: (...) Em relação às circunstâncias do crime, tem-se que a complexidade dos atos empreendidos para a execução criminosa constitui argumento eficaz para valorar negativamente aludido vetor. Com efeito constata-se a existência de aspectos mais reprováveis do modus operandi na hipótese dos autos e que desbordam do próprio tipo penal, como o uso de inúmeras pessoas jurídicas. Para além disso, o mecanismo de lavagem adotado muitas das vezes foi o de diversos depósitos em quantias inferiores para não chamar a atenção da fiscalização, tendo como objetivo que o dinheiro espúrio da traficância transparecesse lícito, tornando-o difícil de ser rastreado pelas autoridades competentes. Em suma, tal método utilizado para além de se amoldar ao próprio tipo penal da lavagem revela um incremento no modo de atuação, o que dificulta sobremaneira o rastreamento do crime e justifica a exasperação da pena. A quantidade de empresas utilizadas desborda do usual para crimes da mesma natureza, o que justifica a manutenção da fração de 1/3 (um terço) utilizada pelo magistrado.(...) (TRF 3ª Região, 11ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 5008242-50.2022.4.03.6181, Rel. Desembargador Federal FAUSTO MARTIN DE SANCTIS, julgado em 23/05/2025, Intimação via sistema DATA: 30/05/2025) Em relação às consequências do crime, também se mostram excepcionais na espécie, porquanto foram movimentados valores provenientes de atividade criminosa superiores a 87 milhões de reais, entre créditos, débitos e saques promovidos pelo acusado em cerca de dois anos, justificando a manutenção da exasperação da pena-base. Por seu turno, a culpabilidade, ao contrário do sustentado pelo órgão ministerial em seu apelo, não se revela anormal no caso concreto. Com efeito, o objetivo de acobertar delitos graves, com ligação com organização criminosa, decorre da própria natureza do delito de lavagem de capitais, não se divisando excepcionalidade que autorize a majoração a pena-base em razão da culpabilidade. Assim, dada a gravidade acentuada das circunstâncias judiciais desfavoráveis (circunstâncias e consequência do crime), justifica-se a majoração da pena-base em 1/3 para cada uma, de modo que a pena-base resta redimensionada nesta etapa inicial para 05 anos de reclusão, acrescida do pagamento de 16 dias-multa. Na segunda fase, não há agravantes nem atenuantes. Na terceira fase, incide a causa de aumento prevista no § 4º do artigo 1º da Lei nº 9.613/1998, porquanto caracterizado o cometimento do crime de lavagem de dinheiro de forma reiterada, conforme explicitado na sentença. O órgão ministerial pretende seja reconhecida a prática do crime por intermédio de organização criminosa. Já a Defesa busca o afastamento da causa de aumento. Sem razão ambas as partes. Quanto à reiteração, os elementos dos autos demonstram que efetivamente o réu realizou diversas operações de lavagem de capitais ao longo de janeiro de 2016 e julho de 2018, autorizando a incidência da causa de aumento. No que toca à prática do crime por intermédio de organização criminosa, ainda que a sentença tenha narrado atos de lavagem em favor de grupo organizado, no caso a “família Molina”, envolvida em tráfico de drogas, não se constata que os delitos aqui tenham sido realizados por meio desta organização. O que se verificou na hipótese é que o acusado praticou reiterados delitos de lavagem de capitais a diversas pessoas, envolvidas em delitos de contrabando e tráfico de drogas, mas não, especificamente, por intermédio de uma organização criminosa. Nesses termos, os fatos não alcançam o aperfeiçoamento do delito por intermédio de organização criminosa, mas sim, em favor de uma ou mais, o que não justifica a incidência da causa de aumento. Assim, mantenho a incidência da causa de aumento pela reiteração delitiva. Considero razoável o acréscimo determinado pela r. sentença de 1/2, haja vista o longo período que os delitos foram perpetrados de forma reiterada. Em consequência, a pena definitiva resulta em 07 anos e 06 meses de reclusão, além do pagamento de 24 dias-multa. Ficam mantidos o regime inicial semiaberto, uma vez que aplicado nos termos do § 2º, alínea “b”, do artigo 33 do Código Penal, bem como o valor de cada dia-multa em 1/5 do salário mínimo, posto que adequado às circunstâncias fáticas. Por fim, incabível a fixação de valor mínimo de indenização a título de dano moral coletivo, na forma do artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, uma vez inexistente no caso concreto a comprovação da extensão do dano à sociedade, o que, nos termos da jurisprudência pacífica, demandaria instrução específica. Nesse sentido: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL E RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE EXASPERADA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. ART. 42 DA LEI Nº 11.343/2006. DANOS MORAIS COLETIVOS. INSTRUÇÃO ESPECÍFICA AUSENTE. NECESSIDADE. AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR PROVIMENTO AO RESP. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (...) II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 4. Há duas questões em discussão: (i) se a fixação da pena-base acima do mínimo legal no crime de tráfico de drogas foi devidamente fundamentada; e (ii) se a ausência de instrução específica impede a fixação de indenização por danos morais coletivos no âmbito da condenação. III. RAZÕES DE DECIDIR (...) 7. No tocante à fixação de indenização por danos morais coletivos, entende-se que a ausência de instrução probatória específica, indispensável para apuração da extensão e relevância do dano à sociedade, impede a sua fixação, ainda que exista pedido expresso do Ministério Público. A fixação de danos coletivos requer demonstração concreta, não se tratando de hipótese de dano presumido. 8. A jurisprudência do STJ é pacífica ao exigir instrução específica para a fixação de valor mínimo de reparação por danos morais coletivos, em observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa. IV. AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR PROVIMENTO AO RESP. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (STJ, REsp n. 2.144.002/MG, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 18/2/2025, DJEN de 25/2/2025) Ante o exposto, afasto a preliminar suscitada e, no mérito, dou parcial provimento à apelação interposta pela acusação, para corrigir o critério adotado para fixação da pena-base; e nego provimento à apelação interposta pela defesa, ficando mantida a condenação de Inácio Batista de Mello à pena definitiva de 07 anos e 06 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e pagamento de 24 dias-multa, cada qual no valor de 1/5 do salário mínimo. É o voto. Autos: APELAÇÃO CRIMINAL - 0000182-58.2018.4.03.6006 Requerente: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL e outros Requerido: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL e outros Ementa: PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO. LAVAGEM DE DINHEIRO (ART. 1º, I E III, E § 4º, LEI 9.613/1998). COMPARTILHAMENTO DE RELATÓRIO DE INTELIGÊNCIA FINANCEIRA NA FASE INVESTIGATIVA. DESNECESSIDADE DE PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. UTILIZAÇÃO DE CONTAS BANCÁRIAS DE INTERPOSTAS PESSOAS. FRACIONAMENTO DOS VALORES MOVIMENTADOS COM O INTUITO DE OCULTAÇÃO DA ORIGEM E DESTINO DOS RECURSOS. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO CARACTERIZADOS. CIRCUNSTÂNCIAS DO COMENTIMENTO DO DELITO INERENTES AO TIPO PENAL. ADEQUAÇÃO DA PENA-BASE. FIXAÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS: NÃO CABIMENTO. RECURSO DA ACUSAÇÃO NÃO PROVIDO. RECURSO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDO. I. Caso em exame 1. Apelações interpostas contra sentença que condenou o acusado pela prática do delito previsto no artigo 1º, incisos I e III, e § 4º, da Lei nº 9.613/1998, em sua redação original. II. Questão em discussão 2. Há três questões em discussão: (i) avaliar eventual nulidade do compartilhamento, na fase investigativa, de Relatório de Inteligência Financeira elaborado pela UIF (COAF) sem prévia autorização judicial; (ii) analisar a caracterização do dolo em contraposição à alegação de exercício de atividade lícita pelo acusado; e (iii) avaliar o cabimento de indenização por danos morais coletivos, no caso concreto. III. Razões de decidir 3. As informações bancárias do acusado, aqui resumidas no chamado Relatório de Inteligência Financeira – RIF, foram obtidas licitamente junto ao COAF, tendo sido o referido relatório elaborado a partir da comunicação obrigatória das instituições financeiras acerca de operações suspeitas em razão da não comprovação de origem. Como confirmado pela jurisprudência pacífica dos tribunais superiores, é constitucional o compartilhamento dos relatórios da Unidade de Inteligência Financeira – UIF com o Ministério Público Federal, por força da constatação de possível ilícito penal, sendo desnecessária a prévia autorização judicial. Precedentes. 4. Ao tempo dos fatos, a Lei nº 6.913/1998 ainda exibia sua redação original, relacionando nos incisos do artigo 1º os crimes previstos como antecedentes do delito de lavagem de dinheiro. Nesse contexto, figurava no inciso I do artigo 1º da Lei nº 9.613/1998 o tráfico de drogas e, no inciso III, o contrabando, sendo esses os delitos antecedentes mencionados na denúncia. 5. A materialidade do crime previsto no artigo 1º, incisos I e III, da Lei nº 9.613/1998 está demonstrada pelo Relatório de Inteligência Financeira – RIF nº 30449.2.4186.7443, emitido pelo COAF, bem como pelas Informações de Polícia Judiciária n. 13/2018 e 96/2018, mediante os quais se atestou a intensa movimentação de créditos e débitos na conta corrente do acusado, em valores superiores à sua capacidade financeira, pulverizados entre pessoas jurídicas e pessoas físicas, algumas notoriamente envolvidas com o crime organizado. 6. A autoria do réu está suficientemente comprovada pelo conjunto probatório, que demonstra a intensa movimentação financeira em suas contas bancárias no período compreendido entre 2016 e 2018, incompatível com sua renda declarada e sem comprovação de origem e destino. Além disso, o réu admitiu ter se utilizado de contas bancárias de terceiros, especificamente sua genitora e sua consorte à época, para movimentar recursos financeiros. 7. Quanto ao elemento subjetivo do tipo, o conjunto probatório demonstra satisfatoriamente a vontade livre e consciente do réu de ocultar e dissimular a natureza, origem, localização, movimentação e propriedade de valores provenientes de atividade criminosa, utilizando-se para isso de diversas contas de passagem, titularizadas por interpostas pessoas em diferentes localidades do país, distantes entre si. 8. Por ocasião de sua oitiva em Juízo, o acusado declarou que os recursos movimentados no período seriam oriundos de suas atividades profissionais, a saber: compra e venda informal de veículos e empréstimos pessoais a juros à margem do sistema financeiro oficial, que lhe proporcionavam capital de giro. Não há evidências, no entanto, de que as vultosas quantias que passaram pelas contas movimentadas pelo acusado estejam vinculadas a referidas atividades, sendo desnecessário tecer quaisquer considerações quanto à ilicitude da agiotagem, para o caso concreto. 9. De maneira geral, o acusado procurou justificar nas atividades mencionadas – compra e venda informal de veículos e empréstimos a juros – a origem dos recursos movimentados. Todavia, não apresentou uma única prova apta a confirmar suas declarações, não se mostrando plausível que um credor não disponha de um mínimo controle contábil, ainda que manual, para saber qual devedor pagou qual dívida, mormente em se considerando as elevadas somas de dinheiro movimentadas. 10. Nem se diga que a condenação estaria lastreada em mera presunção, porquanto não haveria prova de dolo colhida no curso da instrução processual. Deve-se recordar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admite a condenação embasada em provas colhidas durante a fase inquisitiva, desde que venham a ser corroboradas por outras, produzidas em Juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. Precedente. 11. No caso dos autos, é certo que a prova consubstanciada no RIF nº 30449.2.4186.7443 foi obtida na fase investigativa. Há de se recordar, no entanto, que à defesa foi concedida a oportunidade de esclarecer, com base em provas hábeis, a origem e o destino dos valores que passaram pelas contas bancárias utilizadas pelo réu. Se assim não procedeu, entende-se que se deve à inexistência de elementos concretos que confiram respaldo às alegações do acusado. 12. O conjunto probatório não permite validar a alegação de que teria sido uma simples coincidência o fato de algumas das operações financeiras terem envolvido pessoas relacionadas ao crime organizado. Embora o acusado tenha declarado não poder responder pelas atividades de terceiros com quem ocasionalmente teria transacionado veículos, na absoluta ausência de demonstração da existência de tais negócios jurídicos, entende-se tratar-se de indícios fortes da vinculação do dinheiro movimentado com atividades ilícitas, conclusão que vem a ser respaldada pela prova testemunhal. 13. O acusado declarou em Juízo que o empréstimo de contas bancárias de terceiros, incluindo sua genitora, teria por motivo o bloqueio de suas próprias contas, em três instituições financeiras distintas. Questionado sobre o motivo de todas as suas contas terem sido bloqueadas, reconheceu que isso aconteceu em razão da entrada e saída reiterada de valores incompatíveis com sua situação econômica, em operações desprovidas de qualquer comprovação quanto à origem dos recursos. 14. Com base no conjunto probatório, portanto, pode-se afirmar que a movimentação financeira do acusado tinha a função de auxiliar na pulverização de recursos auferidos com atividades criminosas, conclusão que vem a ser reforçada pela impossibilidade de identificação dos destinatários de muitas das transações bancárias efetuadas pelo réu. 15. Como delito autônomo em relação ao crime antecedente, a eventual falta de comprovação da materialidade ou da identificação da autoria do crime antecedente não consistiria em óbice à imputação da denúncia, uma vez que a ilicitude da origem dos recursos está amplamente demonstrada. Precedente. 16. A caracterização do crime do artigo 1º da Lei nº 9.613/1998 prescinde da demonstração exata das três etapas da lavagem de capitais. Trata-se da divisão doutrinária do processo em: a) introdução; b) ocultação; e c) integração, fases que, olhadas em conjunto ou separadamente, revelam a prática de ações cujo objetivo é a reintrodução na economia formal de valores obtidos ilicitamente, aos quais é conferida aparência de legalidade. Não há exigência legal de dissecação dessas fases quando da análise do caso concreto, e nem poderia haver, uma vez que a classificação do ciclo completo da lavagem de dinheiro em introdução – ocultação – integração é doutrinária e de fins didáticos, tendo o Supremo Tribunal Federal se manifestado no sentido de que basta, para fins de caracterização do delito, a prova da autoria e da materialidade de uma das etapas da lavagem de dinheiro. Precedente. 17. No caso concreto, observa-se claramente a materialidade da fase de introdução, consubstanciada no fracionamento de grandes quantias de dinheiro em valores menores que, ao passarem pelas contas emprestadas de interpostas pessoas, dificultaram ou mesmo impossibilitaram a determinação de sua origem e destino. 18. A sofisticação da estratégia adotada para a lavagem de capitais no caso concreto, isto é, a utilização de diversas contas de passagem e fracionamento dos valores de maneira a assegurar a ocultação da origem e do destino do dinheiro, não difere do usualmente observado em casos análogos. Desse modo, entende-se que as circunstâncias do cometimento do delito são inerentes à espécie, não comportando valoração negativa. Redução proporcional da pena-base. 19. Dosimetria. Este Colegiado não tem admitido o cálculo da pena-base a partir do termo médio entre as penas mínima e máximas previstas em abstrato no preceito secundário do tipo penal. Acolhimento do pedido recursal da acusação. 20. Incabível a fixação de valor mínimo de indenização a título de dano moral coletivo, na forma do artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, uma vez inexistente no caso concreto a comprovação da extensão do dano à sociedade, o que, nos termos da jurisprudência pacífica, demandaria instrução específica. Precedente. IV. Dispositivo e tese 21. Preliminar afastada. Apelação interposta pelo Ministério Público Federal parcialmente provida. Apelação interposta por Inácio Batista de Mello desprovida. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu afastar a preliminar suscitada e, no mérito, dar parcial provimento à apelação interposta pela acusação, para corrigir o critério adotado para fixação da pena-base; e negar provimento à apelação interposta pela defesa, ficando mantida a condenação de Inácio Batista de Mello à pena definitiva de 07 anos e 06 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e pagamento de 24 dias-multa, cada qual no valor de 1/5 do salário mínimo, tendo o Des. Fed. José Lunardelli acompanhado o voto do Relator pela conclusão., nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. HÉLIO NOGUEIRA Desembargador Federal
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