Processo nº 5004490-72.2020.4.03.6106
ID: 317879079
Tribunal: TRF3
Órgão: 4ª Vara Federal de São José do Rio Preto
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 5004490-72.2020.4.03.6106
Data de Disponibilização:
07/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
INGRYD SILVERIO DOS SANTOS
OAB/SP XXXXXX
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NUGRI BERNARDO DE CAMPOS
OAB/SP XXXXXX
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DANIEL VICENTE RIBEIRO DE CARVALHO ROMERO RODRIGUES
OAB/SP XXXXXX
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LUCAS VICENTE ROMERO RODRIGUES FRIAS DOS SANTOS
OAB/SP XXXXXX
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AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Nº 5004490-72.2020.4.03.6106 / 4ª Vara Federal de São José do Rio Preto AUTOR: M. P. F. -. P., P. -. P. F. REU: N. A. M. Advogados do(a) REU: DANIEL VICENTE …
AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Nº 5004490-72.2020.4.03.6106 / 4ª Vara Federal de São José do Rio Preto AUTOR: M. P. F. -. P., P. -. P. F. REU: N. A. M. Advogados do(a) REU: DANIEL VICENTE RIBEIRO DE CARVALHO ROMERO RODRIGUES - SP329506, INGRYD SILVERIO DOS SANTOS - SP434703, LUCAS VICENTE ROMERO RODRIGUES FRIAS DOS SANTOS - SP374156, NUGRI BERNARDO DE CAMPOS - SP343409 S E N T E N Ç A RELATÓRIO O Ministério Público Federal ofereceu denúncia pela prática dos tipos descritos nos artigos 241-A, caput e 241-B, caput, c.c. o 241-E, todos da Lei n. 8.069/1990, na forma do art. 69 do CP (id 58122637) em face de N. A. M. , brasileiro, solteiro, nascido em 28/08/1988, filho de Alaide Correia Martelli e Lourival Antonio Martelli, portador da cédula de identidade – RG nº 44048916-SSP/SP e do CPF 370.654.308-7. Narra a denúncia, em síntese, que o réu, por meio de acesso à rede mundial de computadores (internet), e utilizando programa específico, armazenou, desde ao menos o dia 03/12/2014 (id. 41677260 - pg. 27) até a data do cumprimento do mandado de busca e apreensão, 02/12/2020, bem como compartilhou, nos meses de dezembro de 2018 e janeiro de 2019, vídeos e/ou outros registros contendo cena de sexo explícito ou pornográfico envolvendo criança ou adolescente a partir de dispositivos móveis e/ou computadores instalados no seu endereço residencial. Descreve, ainda, que as apurações tiveram início com informações oriundas da Espanha que identificaram intensa atividade do denunciado na rede mundial de computadores, notadamente em websites e chats internacionais especializados em conteúdo pedofílico, no bojo da “Operação Zeus”, deflagrada naquele país. De acordo com aquelas informações, o usuário “martellinick” e com o nome "Imma Nelli" era um dos membros do chat pago na plataforma MEGA.NZ, de nome “Pizza Maestra”, o qual era utilizado não só para bate-papo, mas também compartilhamento de conteúdo de exploração sexual infantil. Narra, por fim, que ao cabo das investigações realizadas no inquérito policial aqui instaruado, constatou-se que o réu mantinha armazenado, bem como compartilhou arquivos com conteúdo de pornografia infantil. A autoridade policial, durante as investigações, representou pela expedição de mandado de busca e apreensão, o que foi deferido. A busca e apreensão foi cumprida, conforme id 45984832 – fls. 12/19 e respectivo termo de apreensão (id 45984832 – fls. 29). O MPF deixou de oferecer proposta de suspensão condicional do processo, bem como ANPP, tendo em vista a pena mínima resultante do concurso de crimes, além de as medidas serem incabíveis no caso concreto (id 58122637 – fls. 1/3). A denúncia foi recebida em 09 de novembro de 2021 (ID 150022983). O acusado foi citado (ID 238979366) e apresentou resposta à acusação, com preliminar de nulidade de provas (ID 262985214). Ausente qualquer causa de absolvição sumária, foi determinado o prosseguimento do feito. Ainda, as preliminares foram rechaçadas (ID 274528201). Durante a instrução, foram ouvidas duas testemunhas arroladas pela acusação, três pela defesa e, ao final, foi o acusado interrogado (ID 278812781). Na mesma ocasião, o MPF não requereu diligências complementares. A defesa requereu a individuação e nomeação de todos os participantes presentes na busca em apreensão realizada na casa do réu, o que foi deferido. A Polícia Federal encaminhou os nomes dos participantes da busca e apreensão (ID 280988485). A defesa requereu novas diligências (ID 281924936), o que foi indeferido (ID 301296128). Em alegações finais, o Ministério Público Federal, entendendo comprovadas a materialidade e a autoria do delito, pugnou pela condenação do réu (ID 302469100). A defesa, na mesma oportunidade, alegou, preliminarmente, nulidade das provas, por violação ao princípio da não autoincriminação e por violação à cadeia de custódia, bem como cerceamento de defesa pelo indeferimento do incidente de insanidade mental e da oitiva de testemunhas. No mérito, pugnou pela absolvição do réu, por impossibilidade de condenação por crime culposo (ID 303034829). É a síntese do necessário. Passo a decidir. FUNDAMENTAÇÃO PRELIMINARES A defesa traz diversas preliminares em suas alegações finais, as quais passo a apreciar articuladamente. 1. Da violação ao princípio da não autoincriminação Inicialmente, rechaço a preliminar de nulidade das provas por violação ao princípio da não autoincriminação, vez que se trata de opção do réu, não de vedação de conduta. Tal princípio garante ao investigado a prerrogativa de não apenas manter-se em silêncio como, também, de não produzir prova contra si mesmo, como se extrai do artigo 5º, LVI e inciso LXIII, da CF, bem como dos artigos 14.3, g, do PIDCP e 8º, 2, g, da CADH. Por outro lado, tal princípio não significa que o investigado não possa colaborar com a investigação, já que se trata de um sujeito de direitos e não simples objeto de prova. No caso em tela, verifico que o cumprimento de mandado de busca e apreensão transcorreu conforme os ditames legais expostos nos artigos 240 e ss. do Código de Processo Penal. Houve o anúncio, pela autoridade policial, quanto à sua qualidade e o objeto da diligência, a presença de testemunhas, a gravação da diligência, assim como também houve colaboração por parte do acusado, tudo como prevê o artigo 245 do CPP: Art. 245. As buscas domiciliares serão executadas de dia, salvo se o morador consentir que se realizem à noite, e, antes de penetrarem na casa, os executores mostrarão e lerão o mandado ao morador, ou a quem o represente, intimando-o, em seguida, a abrir a porta. § 1o Se a própria autoridade der a busca, declarará previamente sua qualidade e o objeto da diligência. § 2o Em caso de desobediência, será arrombada a porta e forçada a entrada. § 3o Recalcitrando o morador, será permitido o emprego de força contra coisas existentes no interior da casa, para o descobrimento do que se procura. § 4o Observar-se-á o disposto nos §§ 2o e 3o, quando ausentes os moradores, devendo, neste caso, ser intimado a assistir à diligência qualquer vizinho, se houver e estiver presente. § 5o Se é determinada a pessoa ou coisa que se vai procurar, o morador será intimado a mostrá-la. § 6o Descoberta a pessoa ou coisa que se procura, será imediatamente apreendida e posta sob custódia da autoridade ou de seus agentes. § 7o Finda a diligência, os executores lavrarão auto circunstanciado, assinando-o com duas testemunhas presenciais, sem prejuízo do disposto no § 4o. Aliás, a título de esclarecimento, percebe-se pelas filmagens que o réu informou, por sua própria iniciativa, possuir mais celulares, agindo, assim, em conformidade com o disposto no artigo 245, §5º, do Código de Processo Penal. Ora, por óbvio que o cumprimento de um mandado de busca e apreensão traz desconforto ao investigado. Porém, isso não significa que tenha havido coação por parte dos policiais no exercício de seu mister, hostilidade, o que fica claro pelas filmagens analisadas. Em momento algum os agentes, peritos e Delegado ameaçaram o réu de que sofreria consequências caso não colaborasse. A defesa tampouco indicou algum indício ou prova de que tivesse havido tal coação, à luz do artigo 156 do CPP. Vale anotar, também, que embora a defesa faça um esforço argumentativo, não houve nenhuma entrevista ou interrogatório informal do réu no local do cumprimento do mandado. Registro, finalmente, que a decisão que deferiu a expedição de mandado de busca e apreensão também autorizou a quebra de sigilo de dados no material aprendido, tal como representado pela autoridade policial (id 45984832 – fls. 8/9), tendo o réu voluntariamente fornecido a senha de acesso aos seus celulares. Corroborando o exposto: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. BUSCA E APREENSÃO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE. FUNDADAS RAZÕES. ART. 240, §1º, DO CPP. DIREITO AO SILÊNCIO SUPOSTAMENTE NÃO INFORMADO. NULIDADE RELATIVA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. ORDEM DENEGADA. 1. Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de Juliany Carvalho Borba, contra ordem do Juízo da 5ª Vara Federal da Seção Judiciária de Mato Grosso, que, no curso da operação policial denomina "SIGN OFF", destinada a apurar suposta prática de crimes de descaminho, associação criminosa, lavagem de dinheiro e evasão de divisas, determinou a medida de busca e apreensão Criminal nº 1006705-90.2023.4.01.3600, em desfavor dos investigados nos autos do IPL nº 1009842- 17.2022.4.01.3600, dentre os quais figura a paciente. 2. De acordo com o art. 240, §1º, do Código de Processo Penal, a medida de busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, será deferida nas hipóteses das alíneas a a h, devendo o mandado indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador, além de mencionar o motivo e os fins da diligência e ser subscrito pelo escrivão e assinado pela autoridade que o fizer expedir. 3. Hipótese em que restou comprovado que a paciente recebeu transferência de R$ 317.226,02 (trezentos e dezessete mil, duzentos e vinte e seis reais e dois centavos), oriunda de investigado pessoa física e da empresa M. C. Comércio de Produtos Eletrônicos, que foi apontada como uma das responsáveis por receber dinheiro de empresas que comercializavam produtos eletrônicos por preço consideravelmente inferior ao valor de mercado para depois transferir esses valores para empresas dedicadas à intermediação de negócios, pagamentos e cobranças, instituições financeiras responsáveis por operações de câmbio e pessoas jurídicas dedicadas ao comércio de eletrônicos, localizadas na região de fronteira com o Paraguai. A decisão impugnada demonstrou a materialidade dos fatos e indícios suficientes de autoria, não havendo se falar em ausência de fundadas razões (art. 240, §1º, do CPP), tampouco em desproporcionalidade no deferimento da medida. 3. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que eventual irregularidade na informação acerca do direito de permanecer em silêncio é causa de nulidade relativa, cujo reconhecimento depende da comprovação do prejuízo. (AgRg no HC n. 864.786/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 11/12/2023, DJe de 19/12/2023.) 4. No caso dos autos, verifica-se que a paciente, de forma livre, foi colaborativa com as diligências, inclusive fornecendo a senha de seu celular e notebook, sem qualquer comprovação de que teria sido coagida. Caberia à parte impetrante demonstrar que a informação acerca do direito da paciente de permanecer em silêncio ensejaria conduta diversa, situação que não se verifica nos autos. 5. Ordem de habeas corpus denegada. (HC 1035497-87.2023.4.01.0000, DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO COSTA, TRF1 - DÉCIMA TURMA, PJe 12/04/2024 PAG.) – destaquei. No mesmo sentido: "RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 215261 - MG (2025/0150165-6) DECISÃO Em petição de recurso em habeas corpus, interposto em favor de Rafael Pascoal Pinto, alega-se coação ilegal em relação ao acórdão prolatado pelo Tribunal Regional Federal da 6ª Região. O recorrente foi preso em flagrante, em 10/2/2025, após cumprimento de mandado de busca e apreensão, sendo posteriormente decretada sua prisão preventiva, pela suposta prática do crime previsto no art. 241-B da Lei n. 8.069/90, em razão da apreensão de arquivos de conteúdo pornográfico envolvendo crianças e adolescentes em seu aparelho celular. A petição expõe a existência de constrangimento ilegal, sustentando, em síntese, a nulidade do flagrante sob o argumento de que a entrega do aparelho celular e da respectiva senha de acesso teria se dado em contexto de coação ambiental e psicológica, durante o cumprimento de mandado de busca e apreensão, sem a presença de defensor, o que configuraria vício de consentimento e afronta ao princípio da não autoincriminação. Alega, ainda, a inexistência dos pressupostos legais autorizadores da prisão preventiva, porquanto a decisão que a decretou se apoia em fundamentação genérica, fundada exclusivamente na gravidade abstrata do delito imputado, sem indicação de elementos concretos que demonstrem risco atual à ordem pública, à instrução criminal ou à efetividade da aplicação da lei penal. Sustenta, por fim, que o recorrente é tecnicamente primário, possui residência fixa e exerce atividade profissional lícita, o que evidenciaria a suficiência e adequação da aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, nos termos do art. 319 do Código de Processo Penal, para assegurar o regular andamento do processo. Assim, o pedido especifica-se na revogação da prisão preventiva, com ou sem aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, previstas no art. 319 do CPP. O Ministério Público Federal manifestou-se pelo não provimento do recurso ordinário em habeas corpus, nos termos da seguinte ementa (e-STJ, fls. 126-127): RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ARMAZENAMENTO DE REGISTROS CONTENDO PORNOGRAFIA INFANTIL. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. NULIDADE AFASTADA. PRISÃO PREVENTIVA. GRAVIDADE DA CONDUTA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. - Não há que se falar em nulidade por vício de consentimento. Observa-se que o recorrente não comprovou a caracterização de qualquer vício de consentimento na entrega do seu aparelho celular e fornecimento de senha, inexistindo elemento de prova capaz de invalidar a autorização aos dados contidos no aparelho celular afirmada em solo policial, notadamente quando se constata que o acusado "agiu de forma voluntária e colaborativa", inclusive quando afirmou expressamente na audiência de custódia "que os policiais foram educados e que ele foi bem tratado no decorrer das diligências" (e-STJ, fl. 102), e que uma incursão mais detida acerca do tema exigiria o revolvimento do acervo fático-probatório dos autos, providência inviável na via estreita do habeas corpus. - A prisão preventiva é medida cautelar de constrição da liberdade do indivíduo por razões de necessidade e adequação, com esteio na existência do fumus comissi delicti e dopericulum libertatis, respeitados os requisitos e os pressupostos estabelecidos nos arts. 312 e 313 do Código de Processo Penal. - Diversamente do que alegado pela defesa, as instâncias de origem assentaram a necessidade da segregação preventiva com lastro nos elementos concretos vertidos nos autos que revelam a gravidade do delito imputado ao paciente, que armazenava em seu aparelho celular "cenas de abuso sexual infanto-juvenil", bem como "indícios de compartilhamento de imagens com pessoas de outros países". O risco de reiteração delitiva se revela pela informação de que o paciente foi relacionado a 15 notificações ao National Center for Missing & Exploited Children (NCMEC), por parte de provedores de internet sediados nos Estados Unidos, em razão de suspeita de materiais de abuso sexual infanto-juvenil (e-STJ, fl. 102). - Condições pessoais favoráveis não têm o condão de, por si sós, revogarem a prisão preventiva, se há nos autos elementos suficientes a demonstrar a necessidade da medida extrema. - Parecer pelo não provimento do recurso ordinário em habeas corpus. É o relatório. A Constituição da República assegura no art. 5º, caput, LXVII, que "conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder". Não obstante a excepcionalidade que é a privação cautelar da liberdade antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, reveste-se de legalidade a medida extrema quando baseada em elementos concretos, nos termos do art. 312 do CPP. Acerca das questões aqui trazidas, a decisão proferida pelo juízo de primeiro grau, que converteu a prisão em flagrante em prisão preventiva, assim dispôs (e-STJ, fl. 80): [...] O Tribunal de origem, por sua vez, manifestou-se nos seguintes termos (e-STJ, fls. 101-103): O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL EDILSON VITORELLI (RELATOR): Pretende o impetrante, por meio deste writ, em resumo, a colocação em liberdade do paciente, preso preventivamente por decisão exarada nos autos nº 6006209-46.2025.4.06.3800, pela suposta prática dos delitos do artigo 241-A e do artigo 241-B, ambos da Lei 8.069/1990. Inicialmente, não vislumbro a alegada ilegalidade da prisão em flagrante. O crime previsto no artigo 241-B do Estatuto da Criança e do Adolescente é de natureza permanente, ou seja, sua consumação se protrai no tempo enquanto o agente mantém a posse ou armazena o material ilícito. Assim, o fato de as denúncias que deram origem à investigação serem antigas não impede a configuração do flagrante, desde que o agente seja encontrado na posse do material no momento da diligência, o que, ao que tudo indica, ocorreu no caso dos autos. Ademais, não há, nos autos, elementos que indiquem que o paciente tenha sido coagido a entregar seu telefone celular e fornecer a senha de acesso aos agentes policiais. Ao contrário, conforme se depreende do Auto de Prisão em Flagrante e das informações prestadas pela autoridade apontada como coatora, o paciente colaborou com a investigação, apresentando voluntariamente seu aparelho celular e fornecendo a senha de acesso. Em audiência de custódia, inclusive, o paciente afirmou, expressamente, que os policiais foram educados e que ele foi bem tratado no decorrer das diligências. Nesse contexto, não se pode presumir, como pretende a defesa, que a colaboração do paciente com as investigações foi fruto de algum constrangimento indevido por parte dos agentes policiais. A alegação de que o paciente não teve alternativa real, senão entregar seu telefone celular e fornecer a senha de acesso aos agentes policiais, não encontra respaldo nos elementos dos autos, que indicam que o paciente agiu de forma voluntária e colaborativa. [...] Por fim, quanto à alegada nulidade da prisão em flagrante por vício de consentimento, verifica-se que não há nos autos elementos que comprovem qualquer forma de coação indevida ou constrangimento no momento da entrega do celular e do fornecimento da senha. Ao contrário, conforme consta do auto de prisão em flagrante e da própria audiência de custódia, o recorrente declarou que foi tratado com urbanidade pelos agentes e colaborou de forma voluntária com a investigação, inclusive fornecendo espontaneamente os dados de acesso ao dispositivo. Ante o exposto, nego provimento ao recurso em habeas corpus. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 17 de junho de 2025. Ministro Carlos Cini Marchionatti (Desembargador Convocado TJRS) Relator (RHC n. 215.261, Ministro Carlos Cini Marchionatti (Desembargador Convocado TJRS), DJEN de 23/06/2025.)" - destaquei. 2. Quebra da cadeia de custódia Tampouco verifico a quebra da cadeia de custódia. Preliminarmente, registre-se que os fatos objeto da presente ação penal ocorreram em novembro de 2020, quando já estava em vigor a Lei 13.964/2019, que introduziu no Código de Processo Penal os arts. 158-A a 158-F, estabelecendo procedimentos específicos para a cadeia de custódia de vestígios. Assim, mostra-se aplicável ao caso a nova sistemática legal, devendo ser analisado se os procedimentos adotados pela autoridade policial observaram os parâmetros estabelecidos pela legislação vigente. Veja-se. 2.1. Do lapso alegado A defesa aponta como vício o intervalo de aproximadamente 7 horas entre a apreensão dos equipamentos e a formalização do termo de apreensão. Contudo, tal alegação não encontra respaldo técnico-jurídico. O art. 158-B, inciso V, do CPP estabelece que no acondicionamento deve constar "anotação da data, hora e nome de quem realizou a coleta e o acondicionamento", sem fixar prazo específico entre a coleta e a formalização documental. O que a lei exige é a rastreabilidade e documentação adequada dos procedimentos, não a simultaneidade absoluta entre apreensão física e formalização burocrática. O lapso, por si só, não configura violação à cadeia de custódia, especialmente considerando que: a) Os equipamentos permaneceram sob custódia policial durante todo o período; b) Houve identificação e numeração adequada dos lacres (nº 0012976, 0026146, 0008590); c) Existe correlação documental entre apreensão, lacração e perícia subsequente. 2.2. Do manuseio durante a busca e apreensão A alegação de que os policiais "vasculharam" os equipamentos durante a diligência não configura irregularidade, mas sim ato inerente ao cumprimento do mandado de busca e apreensão. O art. 240, §1º, do CPP expressamente autoriza o exame dos objetos apreendidos, estabelecendo que "a busca será domiciliar ou pessoal" e que "proceder-se-á à busca quando houver fundada suspeita de que alguém oculta em sua pessoa, ou em local de que tem conhecimento, instrumento de crime". Importante distinguir o manuseio investigativo inicial — necessário para identificação e avaliação preliminar dos objetos — da alteração deliberada de conteúdo digital. No caso, não há qualquer indício de que o manuseio tenha resultado em modificação, adulteração ou corrupção dos dados armazenados nos equipamentos. 2.3. Da documentação dos procedimentos Contrariamente ao alegado pela defesa, os autos demonstram adequada documentação da cadeia de custódia: a) Termo de Apreensão nº 1585003/2020 devidamente lavrado; b) Identificação específica de cada equipamento apreendido (ID 45984832); c) Numeração individualizada dos lacres aplicados; d) Laudos periciais correlacionados (ID 54404575 e ID 55753298); e, e) Rastreabilidade mantida desde a apreensão até a análise pericial. Vale ressaltar, ainda, que o Superior Tribunal de Justiça tem orientação consolidada no sentido de que a cadeia de custódia não exige perfeição absoluta, sendo suficiente a rastreabilidade documentada e a preservação da finalidade probatória. Conforme precedente do STJ no AgRg no RHC 143.169/RJ, a quebra da cadeia de custódia somente se configura quando há comprometimento efetivo da integridade das provas ou prejuízo concreto à defesa, o que não se verifica no presente caso. 2.4. Da proporcionalidade e razoabilidade Ademais, saliento que na aplicação dos novos padrões de cadeia de custódia deve-se observar os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, considerando que: a) Os procedimentos foram realizados em período de adaptação à nova legislação; b) As autoridades policiais seguiram as práticas consolidadas e legalmente previstas; c) Não há evidência concreta de alteração ou comprometimento das provas; d) A finalidade probatória foi integralmente preservada. 2.5. Da ausência de prejuízo concreto Elemento essencial para configuração de nulidade é a demonstração de prejuízo efetivo à defesa. No caso em análise, a defesa não demonstrou qualquer prejuízo concreto decorrente dos alegados vícios procedimentais. Os laudos periciais foram realizados de forma técnica e imparcial, permitindo à defesa o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa, inclusive com a produção de prova técnica própria, se assim desejasse. Nesse sentido, assim já entendeu o c. STJ no AgRg no HC n. 1.003.213/RS e nos EDcl no AgRg no RHC n. 185.119/SC. 2.6. Da valoração técnica das deficiências Reconheço que os procedimentos adotados apresentam deficiências técnicas quando comparados aos padrões internacionais mais rigorosos de evidência digital, especialmente quanto à: a) Verificação criptográfica de integridade (hash MD5/SHA-256); b) Documentação temporal minuciosa; c) Ambiente controlado para primeiro acesso. Contudo, tais deficiências não alcançam o grau de comprometimento necessário para configurar nulidade absoluta, considerando: a) Manutenção da rastreabilidade básica; b) Ausência de evidência de alteração maliciosa; c) Suficiência para fins probatórios no ordenamento brasileiro; e, d) Proporcionalidade entre rigor técnico e efetividade processual. Ante o exposto, com fundamento nos arts. 158-A e seguintes do CPP e na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (AgRg no HC 752444/SC; AgRg no AREsp 2295047/SC), REJEITO a alegação de nulidade por quebra da cadeia de custódia, pelos seguintes fundamentos: 1. A cadeia de custódia apresenta deficiências técnicas que não alcançam o grau de comprometimento necessário para configurar nulidade absoluta; 2. A rastreabilidade básica foi mantida, com documentação adequada da apreensão, lacração e perícia dos equipamentos; 3. Ausência de evidência de alteração maliciosa ou comprometimento da integridade das provas; 4. Os procedimentos adotados atendem à suficiência probatória exigida pelo ordenamento brasileiro; 5. A aplicação de padrões técnicos mais rigorosos de forma retroativa violaria a segurança jurídica e a razoabilidade procedimental; 6. Ausência de prejuízo concreto demonstrado pela defesa. 3. Ilicitude das provas Outrossim, no que tange à ilicitude das provas, por ter a ação se pautado em prova produzida no estrangeiro sem a participação do Ministério da Justiça, melhor sorte não assiste à defesa. Conforme id 41677256 – fls. 1, o inquérito policial foi instaurado após o recebimento de ofício e análise de polícia judiciária encaminhados pelo Núcleo de Repressão aos Crimes de Ódio e à Pornografia Infantil (NURCOP) da Polícia Federal, sediado em Brasília, a denotar que não foi instaurado tão logo houve o recebimento de informação pela Polícia espanhola. Ademais, não há que se falar em pedido de cooperação, uma vez que a Polícia espanhola tão somente informou o que fora encontrado em investigação por ela realizada, para o caso de o Brasil se assim quisesse, INICIAR uma investigação. Isso fica claro pelo seguinte trecho do e-mail (id 41677256 – fls. 7): “(...) We don´t know if this is enough to start an investigation in Brazil, for that reason, we share all the information we have about the Brazilian members with you”. Tal trecho, traduzido para nosso idioma, afirma o seguinte: “Nós não sabemos se isso é o suficiente para iniciar uma investigação no Brasil, por tal razão, compartilhamos todas as informações que temos sobre os membros brasileiros com vocês”. O comunicado foi, em suma, uma notícia de crime, não houve nenhuma investigação em conjunto; basta ver que não houve qualquer envio de provas à autoridade espanhola. Fica claro, assim, que a defesa se equivoca ao categorizar a atuação da autoridade espanhola como pedido de auxílio/acordo de cooperação, nos termos do Decreto n. 6.681/08, o qual prevê a possibilidade de trocas espontâneas de informação, como se infere de seu artigo 21: ARTIGO 21 Troca Espontânea de Informação 1.As Partes poderão, sem solicitação prévia, trocar informação relativa a fatos delituosos, caso considerem que tal informação possa ser útil para iniciar ou conduzir investigações ou processos. 4. Cerceamento de provas Por fim, não há que se falar em cerceamento de provas. Em primeiro lugar, no que tange ao indeferimento do pedido de instauração de insanidade mental, renovo os fundamentos da decisão id 274528201. Ressalto, mais uma vez, que o fato de o réu ser diagnosticado com depressão e transtorno de controle do impulso não indica que ele não tenha capacidade de entender o caráter ilícito de sua conduta apontada como criminosa, qual seja, os atos de compartilhar e armazenar arquivos com pornografia infantil. Ademais, também vale destacar, já que a defesa pauta seu requerimento no depoimento da psicóloga que acompanha o réu, que ela mesma afirmou, em Juízo que “(...) Nós não tratamos muito sobre ela até pelo constrangimento (...) então ficamos muito voltados aos quadros de humor e as questões familiares e de relacionamento. Eventualmente, essa questão chega, mas não é muito frequente (...)”, a denotar que não é a compulsão por pornografia algo avaliado com afinco até mesmo no tratamento psicológico do réu. Não bastasse, o réu defende-se afirmando que não possui compulsão por pornografia infantil, que é o objeto da ação penal e, portanto, seria o motivo para uma eventual instauração de incidente de sanidade mental. E, em segundo lugar, porque a oitiva dos peritos criminais, para se aferir quando houve a lacração dos materiais apreendidos seria inócua, já que, como bem certificou o Delegado da Polícia Federal (id 280988485) “no local de busca os materiais costumam ser meramente arrecadados, procedimento formalizado através do AUTO CIRCUNSTANCIADO DE BUSCA E ARRECADAÇÃO lavrado no local. Posteriormente, tais materiais são trazidos à Delegacia de Polícia Federal, onde são formalizados os demais procedimentos de polícia judiciária cabíveis, tal como a lavratura do TERMO DE APREENSÃO”. Aliás, mais uma vez anoto que tal fato não vicia a prova produzida, como já anotado acima, quando da análise da preliminar acerca da cadeia de custódia. Não bastasse, nenhum prejuízo comprovou a defesa sobre a alegada lacração a destempo pelos policiais federais, não havendo, por conseguinte, espaço para nulidade, à luz do artigo 563 do Código de Processo Penal. Afastadas as preliminares, passo, por conseguinte, à análise do mérito. MÉRITO Inicialmente, trago os tipos penais imputados ao réu: Lei n. 8.069/90 Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) (...) Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) (...) 1. Art. 241-A: Materialidade Para a configuração do tipo penal previsto no artigo 241-A da Lei n. 8.069/90 é necessário haver comprovação quanto à disponibilização, por meio de sistema de informática ou telemático (para se atestar a competência da Justiça Federal), de fotos, vídeos ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente, isto é, envolvendo pessoas menores de 18 anos. A materialidade do delito, no caso em tela, resta suficientemente comprovada pelo Auto Circunstanciado de Busca e Arrecadação (id 45984832 - fls. 12/15) e Termo de Apreensão nº 1585003/2020 (id 45984832 - fls. 29); pelos laudos periciais realizados sobre os materiais apreendidos no endereço residencial do acusado (laudo n. 84/2021 - id 54404575 - fls. 05/14 e laudo n. 202/2021 - id 55753298); bem como pelo Relatório Circunstanciado nº 06/2021 (id 54404575 - fls. 25/60). Trago, nesse sentido, a conclusão exposta no laudo pericial n. 84/2021, referente ao aparelho de telefone celular móvel da marca “Samsung”, item 01 da apreensão 140/2021: “(...) foram encontrados no aparelho celular examinado 524 (quinhentos e vinte e quatro) arquivos de imagem e 252 (duzentos e cinquenta e dois) arquivos de vídeo contendo cenas de sexo explícito ou pornográficas envolvendo indivíduos aparentando ter idade inferior a 18 anos. (...) A partir da análise do conjunto de arquivos de mídia identificados foi possível verificar um subconjunto de arquivos que consiste em arquivos enviados e/ou recebidos pelo usuário do aparelho examinado através dos aplicativos de conversação instantânea WhatsApp e Telegram, ambos instalados no sistema operacional do dispositivo. Através do exame das mensagens eletrônicas referentes a esse subconjunto de arquivos foram verificados 09 (nove) registros correspondentes ao envio de conteúdo por parte do usuário do dispositivo a outros usuários dos citados aplicativos. (...) Em complemento, foram encontrados, igualmente em dados de conversas eletrônicas pertencentes aos aplicativos WhatsApp e Telegram instalados, registros de mensagens de texto contendo termos ou expressões diretamente relacionados à pornografia infantil na internet, tais como ‘cp’ (abreviação de child porn), ‘pedo’, ‘preteen’, ‘pedofilia’, dentre outros. (...) Durante a análise do aparelho examinado foi verificada também, conforme requisitado, a existência de arquivos e/ou registros referentes a serviços de armazenamento de dados em nuvem utilizados pelo usuário do dispositivo. (...)” - destaquei. No mesmo sentido foi a conclusão exposta no Relatório Circunstanciado nº 06/2021: “(...) Apesar do investigado se colocar com maior frequência como consumidor de material pornográfico infantil, conseguimos identificar uma ocasião em que este se posicionou como fornecedor desta espécie de material. Verificamos uma conversa mantida por meio do aplicativo Whatsapp com o usuário do telefone (13) 13635-9815, identificado como “Visj”, na qual NICHOLAS, identificado como “Nick”, compartilha diversos vídeos contendo jovens meninas em posições de nudez ou performando atos sexuais. (...) Logo após, o relatório traz algumas imagens destacadas dos vídeos compartilhados pelo celular do acusado (fls. 56/59). Assim, comprovada a materialidade do delito em tela. 2. Art. 241-B: Materialidade Para a configuração do tipo penal em questão basta possuir ou armazenar fotos, vídeos ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente, isto é, envolvendo pessoas menores de 18 anos. E neste caso, o crime resta comprovado, pelo Relatório de Análise de Polícia Judiciária Espanhola (id 41677260 - fls. 26/34); pelo Auto Circunstanciado de Busca e Arrecadação (id 45984832 - fls. 12/15) e Termo de Apreensão nº 1585003/2020 (id 45984832 - fls. 29); pelos laudos periciais realizados sobre os materiais apreendidos no endereço residencial do acusado (laudo n. 84/2021 - id 54404575 - fls. 05/14 e laudo n. 202/2021 - id 55753298); bem como pelo Relatório Circunstanciado nº 06/2021 (id 54404575 - fls. 25/60). Trago, nesse sentido, a conclusão exposta no laudo pericial n. 84/2021, referente ao aparelho de telefone celular móvel da marca “Samsung”, item 01 da apreensão 140/2021: “(...) foram encontrados no aparelho celular examinado 524 (quinhentos e vinte e quatro) arquivos de imagem e 252 (duzentos e cinquenta e dois) arquivos de vídeo contendo cenas de sexo explícito ou pornográficas envolvendo indivíduos aparentando ter idade inferior a 18 anos. (...) A partir da análise do conjunto de arquivos de mídia identificados foi possível verificar um subconjunto de arquivos que consiste em arquivos enviados e/ou recebidos pelo usuário do aparelho examinado através dos aplicativos de conversação instantânea WhatsApp e Telegram, ambos instalados no sistema operacional do dispositivo. Através do exame das mensagens eletrônicas referentes a esse subconjunto de arquivos foram verificados 09 (nove) registros correspondentes ao envio de conteúdo por parte do usuário do dispositivo a outros usuários dos citados aplicativos. (...) Em complemento, foram encontrados, igualmente em dados de conversas eletrônicas pertencentes aos aplicativos WhatsApp e Telegram instalados, registros de mensagens de texto contendo termos ou expressões diretamente relacionados à pornografia infantil na internet, tais como ‘cp’ (abreviação de child porn), ‘pedo’, ‘preteen’, ‘pedofilia’, dentre outros. (...) Durante a análise do aparelho examinado foi verificada também, conforme requisitado, a existência de arquivos e/ou registros referentes a serviços de armazenamento de dados em nuvem utilizados pelo usuário do dispositivo. (...) Foram verificados no aparelho celular examinado arquivos e registros referentes a serviços de armazenamento de dados em nuvem utilizados pelo usuário do dispositivo. (...)” - destaquei. Ainda, o laudo pericial n. 202/2021, referente a um disco rígido da marca Western digital, correspondente ao item 10 da apreensão 140/2020 anotou o seguinte: “(...) Finalizado o procedimento de busca, foram encontrados no disco rígido examinado 1.097 (mil e noventa e sete) arquivos de imagem e 115 (cento e quinze) arquivos de vídeo contendo cenas de sexo explícito ou pornográficas envolvendo indivíduos aparentando ter idade inferior a 18 anos, cujas características físicas tais como fisionomia, porte físico e/ou anatomia são compatíveis com atributos físicos marcantes em pessoas menores de idade. (...) Em adição, foram verificados também arquivos de texto cujo conteúdo se refere a descrições e endereços eletrônicos de sítios na internet possivelmente relacionados à pornografia infantil na internet, apresentando termos correlativos ao objeto tais como “ptsc” (abreviação de preteen softcore), “preteens” e “lolitas”. (...) No mesmo sentido foi a conclusão exposta no Relatório Circunstanciado nº 06/2021: (...) Identificamos a participação do investigado em diversos grupos de Whatsapp destinados ao compartilhamento de material pornográfico. Dentre estes, merece destaque o grupo denominado “TUDO LIBERADO CP + TUDO” (grifo nosso). A sigla “CP” é costumeiramente utilizada para abreviar a expressão “child porn”, ou “pornografia infantil” no idioma nacional. Este chat foi criado na data de 16/11/2018 às 21:06h pelo usuário do telefone (85) 9842-9726. O número do telefone do investigado, (17) 99602-2426, ingressou no grupo aproximadamente uma hora após sua criação, por volta das 22:22h, o integrando pelo menos até a data de 06/01/2019. (...) Considerando que o investigado permaneceu neste chat por aproximadamente dois meses. Considerando a identificação da sigla “CP” no título do grupo. Considerando a explicitude dos textos e arquivos compartilhados. E, considerando ainda que, alguns dos arquivos de conteúdo pornográfico infantil compartilhados no grupo ainda se encontram armazenados no telefone celular periciado. Resta evidente portanto a intenção do investigado em consumir esta espécie de material. (...)”. Assim, comprovada a materialidade do delito em tela, anoto que sua consumação ocorreu na data da busca e apreensão, 02/12/2020, já que se trata de crime permanente, conforme jurisprudência (v.TRF3, ApCrim0005312-33.2011.4.03.6181, 11ºT, rel. Juíza convocada MONICA BONAVINA, d.j. 07/11/2019), a qual passo a acompanhar. 3. Conduta e autoria A autoria de ambos os delitos é certa. Inicialmente, trago o interrogatório do acusado: “(...) Como já foi dito pelas testemunhas (...) eu tenho um problema meio forte com pornografia. E o armazenamento é muito grande, muito grande mesmo. Então, se me perguntar em números, eu não saberia te dizer (...). Eu diria que pelo menos 1,5 Tera. É uma coisa que fugiu do meu controle e muitas vezes eu nem vejo o que está sendo baixado porque quando faz parte de grupos que compartilha pornografia, eu acabo baixando tudo para ver depois, mas a gente acaba baixando tanto que é impossível ver tudo depois. Emule e Kazaa não. P2P não. Eu usava majoritariamente sistema de nuvens mesmo, para armazenamento próprio. Eu baixava de grupos de telegram e internet. Mas não necessariamente um software para isso. Numa dessas buscas por pornografia, eu acabei caindo nesse site e eu já tinha costume de pagar alguma coisa para ter acesso a conteúdo em sistemas novos, como onlyfans (...). Eu vi, fiquei sabendo, não sei informar como fiquei sabendo (...) e entrei em contato, como era possível, e entrei no grupo. Ele funcionava pelo sistema de compartilhamento (...) de nuvem. Eu não compartilhei nada no grupo. E francamente, quando eu entrei no grupo, como sempre tive problema com pornografia, esse problema começou a crescer. E o pornô industrial já não me chamava mais a atenção e por isso parti para o pornô amador (...). Quando me deparei nesse grupo, minha busca era por esse tipo de pornografia, encontrar conteúdo que seria amadorismo. Mas quando cheguei no grupo não foi o que encontrei de início. (...) Como era um sistema meio indireto, você comunica a pessoa, faz pagamento e depois a pessoa vai te colocar, eu demorei pelo menos uma semana para lembrar que havia feito alguma coisa relacionada. A partir do momento em que entrei, verifiquei o que tinha (...) e, logo em seguida, minha conta foi banida. (...) Eu não me recordo (de ter compartilhado em dezembro/18 e janeiro/19). (...) Minha mãe me acordou e falou que a polícia federal estava lá fora. Eu me levantei, me troquei e fui conversar com o Delegado. Ele veio e disse que estavam ali por conta do ‘Pizza Nostra’ e depois ele explicou que era sobre pornografia infantil. Eu fiquei em choque, porque também me pegou de surpresa, porque não é o tipo de coisa que eu gosto, que eu teria me envolvido. Em seguida, ele me entregou o papel com a ordem e saiu perguntando ‘onde é seu quarto?’. Primeiro levei eles ao quarto, fizeram uma revista (...) e depois perguntaram onde estaria o computador. Levei-os ao computador, que ficava no escritório (...). Lá eles pediram para colocar a senha, foram vasculhando o escritório em busca de outros dispositivos de mídia (...), perguntaram de celular (...). Eu falei que podia pegar, porque nesse momento eu já estava me sentindo intimidado. (...) Tiveram dois agentes que estavam tentando arrancar resposta, mas faziam isso longe das câmeras. E um deles foi o delegado Bruno, perguntando como fiz o pagamento, se por cartão de crédito. E o outro, também, mas não me lembro o nome. Mas eu não tinha ciência de nada, por ser a primeira vez eu não sabia o que poderia fazer ou não. Eles estavam em 7, 8 pessoas. O Delegado estava com a arma exposta então não tinha o que fazer na minha posição. E era a Polícia Federal, que tem mais prestígio. E eu cooperei, era minha intenção cooperar. Eu tenho uma cervejaria. Continuei trabalhando. A gente abriu oficialmente em janeiro de 2020. Logo em março, a pandemia bateu, meu ramo foi um dos mais afetados, meu sócio teve que buscar outras fontes de renda (...). Meu pai teve uma piora de quadro, ele era quem fazia as receitas, e faleceu em agosto. Eu ainda tenho a cervejaria, mas eu tive que assumir o trabalho dele, que é a retífica (...). Na época, eu era dependente do meu pai. Com o falecimento dele, eu tive que assumir a empresa, eu e minha mãe cuidamos do administrativo. Ainda moro com minha mãe. Não tenho irmão. (...) Não (não despertava prazer ver imagem de criança). (...)”. Embora o réu afirme ter problemas com pornografia e que não tinha conhecimento de que o site acessado inicialmente (Pizza Maestra) compartilhava pornografia infantil, o laudo pericial n. 84/2021 e o Relatório Circunstanciado n. 06/2021 comprovam que o réu, além de consumir, compartilhou material contendo pornografia infantil em aplicativos de conversação instantânea, como Whatsapp e Telegram. A partir de seu celular, foram verificados 09 (nove) registros correspondentes ao envio de conteúdo por parte do usuário do dispositivo a outros usuários dos citados aplicativos. Em relação a esses 9 vídeos, como fora exposto no Relatório Circunstanciado n. 06/2021, o compartilhamento foi verificado na conversa mantida por meio do aplicativo Whatsapp com o usuário do telefone (13) 13635-9815, identificado como “Visj”, na qual NICHOLAS estava identificado como “Nick”. O relatório traz as imagens destacadas dos vídeos compartilhados pelo celular do acusado (fls. 56/59 do id 54404575), sendo quatro vídeos no dia 19/12/2018, um no dia 20/12/2018, um no dia 21/12/2018, um no dia 06/01/2019 e dois no dia 12/01/2019, totalizando 9 vídeos. Tal compartilhamento pelo réu denota que ele tinha pleno conhecimento do que compartilhava. É nítido que não se tratava de pornografia normal, mas sim de crianças e adolescentes. E no que tange ao crime previsto no artigo 241-B da Lei n. 8.069/90, nenhuma dúvida quanto à autoria e o dolo do acusado. No seu aparelho celular foram encontrados 524 (quinhentos e vinte e quatro) arquivos de imagem e 252 (duzentos e cinquenta e dois) arquivos de vídeo contendo cenas de sexo explícito ou pornográficas envolvendo indivíduos aparentando ter idade inferior a 18 anos. Além disso, em seu computador, foram encontrados no disco rígido mais 1.097 (mil e noventa e sete) arquivos de imagem e 115 (cento e quinze) arquivos de vídeo com mesmo tipo de conteúdo. Essa imensa quantidade de material permite concluir que o réu tinha total ciência do que armazenava, não sendo crível que apenas buscasse por pornografia adulta. Ademais, os nomes de vários dos arquivos já indicam o seu conteúdo. Ademais, além de haver ingressado no chat que deu início às investigações, o qual era pago para o recebimento de material com conteúdo pornográfico infanto-juvenil, também restou comprovado que o réu ingressou em grupo de conversas por meio do Whastapp chamado “Tudo liberado CP+ Tudo”, no dia 16/11/2018. O termo “CP” é costumeiramente utilizado para abreviar a expressão “Child porn” e o réu disso sabia. A finalidade do grupo, vale destacar, fica explícita com a seguinte mensagem: Por fim, como se extrai dos laudos periciais e relatório circunstanciado, foram encontrados, igualmente em dados de conversas eletrônicas pertencentes aos aplicativos WhatsApp e Telegram instalados no celular do acusado, registros de mensagens de texto contendo termos ou expressões diretamente relacionados à pornografia infantil na internet, tais como ‘cp’ (abreviação de child porn), ‘pedo’, ‘preteen’, ‘pedofilia’, razão pela qual não tenho dúvidas quanto à sua ciência acerca dos vídeos e imagens por ele compartilhados e armazenados. As oitivas das testemunhas em Juízo, da mesma forma, corroboram para essa conclusão, valendo frisar que a psicóloga, embora tenha relatado o tratamento do réu e seu vício em pornografia, nada mencionou acerca do crime aqui delineado. Trago os depoimentos testemunhais: Ricardo Gazolla: “(..) Chegamos no local, a residência dele, mora com os pais, foi tranquilo. Foi aberto, franqueado. (...) O réu franqueou acesso aos computadores dele, desbloqueou o celular e foi encontrado muito material pornográfico. (...) Foi feita análise posterior pela perícia. Mas havia muito material pornográfico. Eu só participei da equipe de busca. Dentro do inquérito policial, não tenho conhecimento aprofundado (...). Estávamos o APF Alan, Maurício, eu e o papiloscopista (...). Não temos perito lotado em São José do Rio Preto. (...) Durante o cumprimento da busca, o pai dele estava junto, foi bem tranquilo, o menino franqueou acesso aos dados. (...) Foi apresentado o mandado, agora os dizeres eu não me recordo quem fez isso. Eu, por exemplo, tenho uma função específica na busca, fui atrás de testemunha, ajudei a filmar (...). O réu colaborou em tudo (...). Foi apreendido HD, celular, tudo foi pra perícia. Foi feito auto circunstanciado. (...) A gente confecciona o auto de apreensão, o material é acondicionado e depois é feito o termo de apreensão na Delegacia e é encaminhado à perícia. (...). O papiloscopista está sempre junto com a gente. É um programa que a perícia disponibiliza para o caso de flagrante. Como havia muito material de pornografia, não deu pra definir a pornografia infantil, foi para perícia, que conseguiu extrair material pornográfico infantil. O papiloscopista Fabio, o APF Alan tem conhecimento para fazer (...) a constatação prévia. (...). A gente explicou pra ele que era questão de pornografia infantil e ele franqueou acesso.” Bruno Camargo Rigotti Alice: “(...) No mundo existe a Interpol, congregação entre as polícias mundiais. A Interpol, no Brasil, é a Polícia Federal. (...) Ela repassa e recebe informações das polícias estrangeiras. A Interpol da Polícia Federal, cuja sede fica em Brasília, recebeu a informação através da Interpol da Espanha sobre esse caso investigado. Haveria um grupo de chat, seria um site como se fosse uma pizzaria, e até teria que dissimular a compra de uma pizza para entrar. E aí você entra no chat (...) que seria utilizado para troca de imagens relacionadas à pornografia infantil. Não me lembro nesse caso concreto, mas sempre existe um ofício, um memorando, sempre existe um documento. Eu me lembro que foi encaminhado de Brasília, me lembro que nesse grupo, havia mais um (...) suposto investigado no Brasil. (...) A própria Brasília, através dos IPs, fez as pesquisas (...). E daí Brasília fez diligências preliminares para descobrir quem seria o dono do IP. E chegou até um dos alvos que estaria em são José do Rio Preto. A partir disso Brasília fez a informação (...). Eu não tenho conhecimento se houve ou não pedido de cooperação (...). Ele não está nos autos por participar daquilo. Foi uma mera informação de inteligência dizendo que havia alguém que poderia estar participando de pornografia infantil. E aí, por isso, após várias diligências preliminares, que foi instaurado inquérito para apurar se ele estaria praticando o crime no Brasil. Nesse caso, não existe prova internacional, tanto que a informação era de que ele apenas participava de pornografia infantil, no grupo ele nem publicou nem guardou imagem. Não existe cooperação de provas nisso. Houve pedido de dados cadastrais da pessoa que usa o IP. A operadora informa pra gente (...) os dados cadastrais. Não há necessidade de autorização judicial (...). Sim (acompanhei a ordem de busca e apreensão). Todos os direitos dele foram informados, ele estava acompanhado do pai e da mãe. Ele teve todos os direitos garantidos. Ele voluntariamente abriu o computador e o celular. Se não me engano, tinha dois peritos, um ou dois. Eu me lembro bem de um computador e de um telefone celular. Salvo engano, tinham algumas mídias, como pen drive, cartão de memória. Pelo nosso procedimento, a gente faz o lacre no ato da apreensão. (...) Não sei informar se existe um software pra isso, sei informar que aqui não temos perito lotado, não existe área de perícia. A perícia se divide por área e a área de informática é feita pela Polícia Federal de Ribeirão Preto. Em Ribeirão Preto eles não possuem software para quebrar senha. Se existe órgão superior (...) eu não tenho conhecimento. (...) A gente tem um sistema operacional da Polícia Federal (...)0 em que a gente chama o recrutamento de policiais. (...) Não me recordo o nome dos peritos que acompanharam, mas com certeza está no auto da busca. A perícia de informática nossa é feita em Ribeirão Preto. O que aconteceu, durante o mandado de busca os peritos ingressaram na residência e a ideia era vasculhar o computador e ver se encontrava materialidade para até haver um auto de prisão em flagrante. O que ocorreu: ele tinha muitos e muitos gigas de pornografia (...) e naquele meio poderia ou não ter material de pornografia infantil. Era impossível ver naquele ato. Então a opção da equipe foi a apreensão dos equipamentos e encaminhamento para a perícia (...). O Cellebrite a gente tem, Ribeirão tem. Mas tem que pagar para cada desbloqueio de senha. A princípio ele só extrai os dados. Então, compra pacote de 10, 100, 1000 desbloqueios de senha. Sei que no estado de São Paulo, não sei se na capital, mas nas unidades não têm o valor pago para o desbloqueio de senha”. Fabiana Viveiro Ferreira: “(...) Eu conheço o Nicholas desde 2018 e sou psicóloga dele. São semanais. Nicholas é um paciente bastante frequente e assíduo. (...) Ele me contou depois que as pessoas entraram na casa para ter acesso aos materiais. Ele estava muito abatido, com sinais e sintomas depressivos, estava muito ansioso e com uma sensação de culpa e bastante constrangido. O Nicholas faz tratamento desde 2018 para tratamento de um quadro de distimia, um quadro de depressão crônico, não tão crônico como depressão grave (...). O que me chamou a atenção quando isso foi tratado foi a questão do volume, da quantidade e da forma como se dava isso (pornografia). (...) O que a mim parece é um quadro de transtorno do controle do impulso, equivalente às dependências. Existe uma dependência vinculada ao uso de pornografia e me pareceu devido ao volume, à quantidade. (...) Assim como qualquer outra dependência, é um transtorno progressivo (...). Então, a pessoa acessa isso, tem uma sensação ligada ao centro de recompensa do cérebro. E imediatamente após o acesso (...), dá uma sensação de muito prazer e de recompensa, vinculada imediatamente à culpa por ter feito. E como está ligado à dopamina, conforme o tempo passa (...), isso deixa de ter a mesma recompensa do estímulo anterior. Então a ideia é que se aumente o consumo e o tipo de consumo. (...) às vezes o prazer em ter também aciona o controle de recompensa do cérebro, mesmo sem o acesso. (...) Ter a garantia de ter ali caso necessitasse. (...) O estímulo novo e diferente é sempre uma fonte de recompensa maior do que um estímulo anterior. Isso, em condições naturais, é humano. Quando a gente não consegue a controlar o desejo, é patológico. Tem alguns estudos que apontam que quando a pessoa tem esse humor rebaixado, no caso da distimia, ela busca mais a sensação de recompensa e prazer. (...). Como qualquer tipo de vício, o prognóstico é bem complicado. (...) Nós não tratamos muito sobre ela até pelo constrangimento (...) então ficamos muito voltados aos quadros de humor e as questões familiares e de relacionamento. Eventualmente, essa questão chega, mas não é muito frequente. Se eu soubesse que se trata de alguém que é uma ameaça, nesse caso é muito claro sobre a quebra do sigilo para proteção de possíveis vítimas. Sobre o aspecto da sexualidade, ele é uma pessoa muito estável em seus relacionamentos (...). Uns 3, 4 anos. (...) O Nicholas se mostra muito disposto a melhorar todos os tipos de dificuldades que ele tem (...). É um transtorno tratável, é um prognóstico difícil, mas é possível haver um controle sobre ele também (...). Não se tem uma relação direta sobre isso, mas a gente está falando de um transtorno crônico (a distimia) pautado sempre na baixa autoestima, na desesperança, na falta de perspectiva. E é uma possibilidade que a gente evita a todo custo. Não vi até hoje no Nicholas nenhum pensamento suicida de fato. (...)”. Daniel Pereira Rosa Justo: “(...) Eu conheço o Nicholas desde a 5ª série, devia ter 11, 12 anos. Hoje tenho 35 anos. Era final de agosto de 2020 e ele tinha acabado de terminar um relacionamento, o pai dele não estava muito bem de saúde e ele mencionou estar começando com um vício em pornografia, o que estava dificultando bastante (...) Eu o aconselhei a buscar ajuda (...). Sei que alguns meses depois ele começou a se tratar. Sobre o processo em si fiquei sabendo mais tarde, quando a polícia foi até à casa dele (...). Ele relatou que o vício dele estava bastante grave, que ele tinha muito material pornográfico no computador dele, inclusive no celular dele, se não me engano. Então ele me revelou que, entre as fotos, haveria algumas imagens possivelmente de menores de idade. Ele estava muito mal, bem desesperado, sem saber o que fazer. Eu estava longe aquele dia, aqui em São Paulo (...). Eu acredito que sim (que desde a conversa até a polícia ir até à casa dele ele aumentou o consumo). (...) Eu sei que ele tem feito terapia, inclusive voltada para esse aspecto e ele tem me reportado uma melhora significativa (...). Hoje, na verdade, até onde eu sei, ele não apresenta sintomas compulsivos. (...)”. Allan Saldanha Muniz: “(...) Participei da investigação desde o momento em que chegou a informação da Espanha de que havia um suspeito de Rio Preto de acessar um fórum de compartilhamento de material pornográfico-infantil no exterior. Sim (participou da busca). Nós chegamos na casa dele, se não me engano, estavam o pai, a mãe dele e ele. Entramos, mostramos o mandado (...), inclusive foi tudo filmado. Ele foi bem solícito, mostrou a casa, mostrou o computador, deixou a gente acessar, mostrou as contas de armazenamento em nuvem (...). Na verdade, ele franqueou o acesso a vários sites diferentes de armazenamento em nuvem e a gente encontrou ali muita pornografia comum. Ele tinha um banco de dados enorme, organizado, estruturado de pornografia comum. Só que pedofilia, naquele momento, não encontramos nenhuma, tanto que não foi feito flagrante. (...) Se não me engano, veio pela Interpol, as informações são concentradas em Brasília, que distribui para as unidades (...), foi via SEI. Algum grau de cooperação internacional tem entre os países (...). Não me recordo, mas está tudo gravado. Foi perito da polícia, eu teria que confirmar, mas quase certeza que foi perito sim. Nós averiguamos na residência e, depois, foi apreendido para uma análise mais profunda. A análise na residência é mais superficial. (...) Não vou saber, muitas vezes lacram na delegacia, outras, na residência. Não vi nada nesse sentido (sobre a investigação na Espanha). Eu acredito que decisão judicial não veio nenhuma (da Espanha). Sei que veio um CD. (...) Isso a gente costuma dizer na oitiva (direito ao silêncio, de ter advogado). O Nicholas foi tão participativo, não botou imposição nenhuma, inclusive até fiquei em dúvida se acharia alguma coisa, porque ele estava abrindo tudo, sem criar nenhuma dificuldade. (...) Eu acredito que eu filmei uma parte, o APF Maurício filmou outra parte. Cada um segurava um pouco a câmera (...). Mas, de qualquer forma, é comum entregarem a senha (...). Não teve hostilidade nenhuma no caso. A gente costuma ir com arma ostensiva no coldre, mas em nenhum momento apontou a arma para ninguém (...). Existe um software que quebra a senha, às vezes dá certo, às vezes não. Essa foi bem demorada porque tinha muito arquivo. O banco de dados de pornografia dele era bem extenso e bem-organizado. Então foi bem demorada a diligência porque a gente olhou bastante coisa lá. E, de novo, ele franqueou a senha por livre e espontânea vontade porque, provavelmente, ele sabia que a gente não encontraria nada ali, tanto que não foi encontrado”. Veja-se que a testemunha de defesa, Daniel Pereira Rosa Justo, chegou a confirmar que o réu lhe revelara ter, possivelmente, entre o material de pornografia, arquivos contendo pornografia infanto-juvenil. Assim, ante todo o exposto, comprovada a autoria dos delitos, a condenação é medida de rigor. Passo, por conseguinte, à dosimetria da pena. 4. Dosimetria Inicialmente, importa registrar que, a fim de aplicar a pena com critérios mais objetivos, adoto o posicionamento do Magistrado e professor Guilherme de Souza Nucci, segundo o qual a primeira fase de dosimetria da pena leva em consideração sete circunstâncias judiciais, as quais, somadas, representam a culpabilidade. Além disso, também entende o doutrinador que pesos diferentes devem ser dados a cada circunstância judicial, já que cada um possui uma relevância. Nesse sentido, trago seus ensinamentos: Tal mecanismo deve erguer-se em bases sólidas e lógicas, buscando harmonia ao sistema, mas sem implicar em singelos cálculos matemáticos. Não se trata de soma de pontos ou frações como se cada elemento fosse rígido e inflexível. Propomos a adoção de um sistema de pesos, redundando em pontos para o fim de nortear o juiz na escolha do montante da pena-base. É evidente poder o magistrado, baseando-se nos pesos dos elementos do art. 59 do Código Penal, pender para maior quantidade de pena ou seguir para a fixação próxima ao mínimo. A ponderação judicial necessita voltar-se às qualidades e defeitos do réu, destacando o fato por ele praticado como alicerce para a consideração de seus atributos pessoais. Seguindo-se essa proposta, às circunstâncias personalidade, antecedentes e motivos atribui-se peso 2, dada sua maior relevância frente às demais, não apenas pelo que dispõe o artigo 67 do Código Penal, mas pela análise da legislação penal como um todo, que se preocupa mais com tais tópicos, a exemplo do que dispõem os artigos 44, III, 67, 77, II, 83, I, todos do Código Penal, 5º, 9º, da LEP, dentre outros. As demais circunstâncias, via de consequência, terão peso 1. Eis a explicação de Nucci: Os demais elementos do art. 59 do Código Penal são menos relevantes e encontram-se divididos em dois grupos: a) componentes pessoais, ligados ao agente ou à vítima; b) componentes fáticos, vinculados ao crime. Os pessoais são a conduta social do agente e o comportamento da vítima. Os fáticos constituem os resíduos não aproveitados por outras circunstâncias (agravantes ou atenuantes, causas de aumento ou de diminuição, qualificadoras ou privilégios), conectados ao crime: circunstâncias do delito e consequências da infração penal. A esses quatro elementos atribui-se o peso 1. Quando todas as circunstâncias são neutras ou positivas, parte-se da pena mínima. Ao contrário, caso todas as circunstâncias sejam negativas, deve-se aplicar a pena-base no limite máximo. Assim, quando uma pena-base varia entre 2 e 5 anos, em uma escala de zero a dez, cada fração (peso) equivalerá a 109,5 dias (ou seja, 10% sobre o intervalo da diferença entre a pena mínima e máxima = 3 anos dividido por 10). Com tais ponderações, passo a realizar a dosimetria da pena efetivamente. a) Pena-base (circunstâncias judiciais) O tipo-base do art. 241-A da Lei n. 8.069/90 prevê pena de reclusão, de 3a 6anose multa. Já oart. 241-B da Lei n. 8.069/90 prevê pena de reclusão de 1 a 4 anos e multa. Passo a analisar as circunstâncias em espécie: → Antecedentes: o réu não possui maus antecedentes, razão pela qual a circunstância é favorável. → Conduta social: nada há acerca de sua conduta social. → Personalidade: não há elementos para se perquirir a personalidade voltada para a prática de delitos, razão por que considero essa circunstância neutra. → Motivos: não verifico motivos externos aos dos tipos penais em questão. Entendo que tal circunstância é neutra. → Circunstâncias: não há nada a indicar que as circunstâncias do delito sejam desfavoráveis. → Consequências: são gravíssimas, dada a quantidade expressiva de arquivos compartilhados e armazenados pelo acusado. → Comportamento da vítima: não há vítima determinada, portanto, a circunstância é neutra. → Culpabilidade: embora prevista no caput do art. 59 do CP, a culpabilidade, entendida como reprovabilidade da conduta social, acaba sendo o resumo de todas as circunstâncias anteriores, motivo pelo qual deixo de considerá-la. Assim, sopesando as circunstâncias, fixo a pena-basede cada delito em seu mínimo legal, em 3 anos de reclusão, acrescida de 10 dias-multa e 1 ano de reclusão, acrescida de 10 dias-multa, respectivamente. b) Agravantes e atenuantes (circunstâncias legais – pena provisória) Não existem circunstâncias que agravem a pena ou atenuem a pena, mantendo a pena provisória fixada anteriormente. c) Causas de aumento ou diminuição Não existem causas de aumento ou de diminuição, motivo pelo qual as penas definitivas são iguais às penas provisórias. d) Concurso de crimes Reconheço, em favor do réu, a continuidade delitiva (art. 71 do CP), no que tange aos 9 vídeos compartilhados de seu celular, já que ocorridos em datas próximas (19/12/2018, 20/12/2018, 21/12/2018, 06/01/2019 e 12/01/2019), pelo mesmo modo (conversa por Whatsapp) e com a mesma pessoa, a indicar uma atividade criminosa estendida no tempo, razão pela qual aumento a pena do crime previsto no art. 241-A da Lei n. 8.069/90 em 1/3 (conforme súmula 659 do c. STJ), totalizando a pena de 4 anos de reclusão e 13 dias-multa. Por fim,reconheço o concurso material de crimes (art. 69 do CP) entre o crime do art. 241-A e o crime do art. 241-B, ambos da Lei acima, razão pela qual somo as penas intermediárias, totalizando a pena definitiva de 5 anos de reclusão, acrescida de 23 dias-multa. e) Pena de multa, regime e substituição das penas privativas de liberdade À multa aplicada fixo o dia-multa no valor 1/3 do salário mínimo vigente à época dos fatos, considerando a condição econômica favorável do acusado, possuidorde formação superiore profissão remunerada, devendo ser corrigido monetariamente tal valor ao azo do pagamento, nos termos do art. 49 e §§ e 50 e §§, do Código Penal. O regime inicial de cumprimento de pena, nos termos do artigo 33, §2º, “b” e §3º, c.c. o artigo 59, ambos do Código Penal, é o REGIME SEMIABERTO. DISPOSITIVO Ante o exposto, como consectário da fundamentação, CONDENO N. A. M. como incurso nos artigos 241-A e 241-B, ambos da Lei n. 8.069/1990, c.c. os artigos 71 e 69, ambos do Código Penal, à pena unificada de 5 anos de reclusão, a ser cumprida no regime inicial semiaberto, acrescida de 23 dias-multa, no valor de 1/3 do salário mínimo vigente à época dos fatos cada dia-multa. Ausentes os requisitos do art. 44, I, do Código Penal, deixo de converter a pena privativa de liberdade do réu em restritiva de direitos. Da mesma forma, ausentes os requisitos para a aplicação do sursis (art. 77, caput, do CP). O valor da pena de multa deverá ser corrigido monetariamente ao azo do pagamento, nos termos do art. 49 e §§ e 50 e §§, do Código Penal e, no caso de descumprimento, será executada pelo Parquet ou, subsidiariamente, pela Procuradoria da Fazenda Nacional (CP, art. 51 e ADI 3150/DF). Nos termos do artigo 804 do Código de Processo Penal, o réu arcará ainda com as custas processuais. À luz do artigo 387, IV, do Código Penal, deixo de arbitrar valor mínimo de reparação, por não haver pedido do MPF e não haver meios de aferi-lo com os elementos dos autos. Concedo ao réu o direito de recorrer em liberdade. No que tange aos bens apreendidos, considerando que já foram periciados e a maioria (itens 2 a 9 e 11 da apreensão n. 140/2020, cf id 45984832 – fls. 29) não continha imagens e vídeos de conteúdo criminoso, nos termos dos laudos periciais de id 54404575 – fls. 15/22 e 65/68, determino sua restituição ao réu, que deverá ser intimado, na pessoa de seu mandatário, para retirada dos referidos bens no prazo de 30 (trinta) dias, munido dos respectivos comprovantes de propriedade. Não sendo retirados no prazo, os bens serão destruídos. Por fim, no que tange ao aparelho celular da marca Samsung, modelo SM-G6900/DS, correspondente ao item 1 da Apreensão n. 140/2020 e ao HD WD Blue de 1 TB, correspondente ao item 10 da Apreensão n. 140/2020 (id 45984832 – fls. 29), considerando que se trata de instrumento do crimes, decreto seu perdimento, com fulcro no artigo 91, II, "a", do Código Penal e determino sua destruição, após o trânsito em julgado, certificando-se nos autos. Em relação à mídia que instruiu o laudo pericial n. 84/2021-NUTEC/DPF/RPO/SP(HD externo portátil da marca WD Elements, S/N: WX31A68C12PZ), conforme id 54404575 e ao CD contendo documentos disponibilizados pela NURCO/DRCC/CGPFAZ/DICOR/PR referentes à Operação Zeus, determino que seja providenciado o upload de seu conteúdo para os autos, com sua devolução posterior à autoridade policial. Também após o trânsito em julgado, comunique-se o S.I.N.I.C., I.I.R.G.D. e T.R.E. Segue planilha com cálculos de prescrição penal deste processo, formulada por este juízo para ciência e facilitação da análise respectiva. Considerando que a sentença é causa interruptiva da prescrição (Código Penal, artigo 117, IV) e mais, considerando que se encerrou o processamento do presente feito em primeira instância, anote-se na tabela de controle de prescrição dos feitos em andamento a condição INATIVO. Intimem-se. Cumpra-se. São José do Rio Preto, datado e assinado eletronicamente. Dasser Lettiére Júnior Juiz Federal Nucci, Guilherme de Souza. Manual de direito penal– 10. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 416. Ibidem, p. 416.
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