Ministério Público Do Estado Do Paraná x Marcelo Cristiano Dos Santos
ID: 319592251
Tribunal: TJPR
Órgão: Vara Criminal de Cambé
Classe: PROCEDIMENTO ESPECIAL DA LEI ANTITóXICOS
Nº Processo: 0010106-89.2024.8.16.0056
Data de Disponibilização:
08/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
LEANDRO AUGUSTO DA SILVA
OAB/PR XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE LONDRINA - FORO REGIONAL DE CAMBÉ VARA CRIMINAL DE CAMBÉ - PROJUDI Av. Roberto Conceição, Nº532 - 3º andar - Jardim São José - …
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE LONDRINA - FORO REGIONAL DE CAMBÉ VARA CRIMINAL DE CAMBÉ - PROJUDI Av. Roberto Conceição, Nº532 - 3º andar - Jardim São José - Cambé/PR - CEP: 86.192-550 - Fone: (43)3572-9201 - E-mail: camb-3vj-s@tjpr.jus.br Autos nº. 0010106-89.2024.8.16.0056 Processo: 0010106-89.2024.8.16.0056 Classe Processual: Procedimento Especial da Lei Antitóxicos Assunto Principal: Tráfico de Drogas e Condutas Afins Data da Infração: 11/11/2024 Autor(s): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ Vítima(s): ESTADO DO PARANÁ Réu(s): MARCELO CRISTIANO DOS SANTOS S e n t e n ç a I – Relatório: O ilustre representante do Ministério Público perante este Juízo, no uso de suas atribuições legais e com base no incluso inquérito policial, ofereceu denúncia em face de Marcelo Cristiano dos Santos, brasileiro, solteiro, motorista de caminhão, portador do RG de nº 10.470.015-2/PR, cadastrada no CPF de nº 056.829.429-73, nascido em 16/04/1987 (37 anos de idade à época dos fatos), natural de Cambé/PR, filho de Dalva Maria de Morais Santos e Ilidio Dos Santos, residente e domiciliado na Rua Riachuelo, nº 189, Residencial Alvorada, no município de Cambé/PR, pela prática da seguinte conduta delituosa: "No dia 11 (onze) de novembro de 2024, aproximadamente às 10h20min, na residência localizada no endereço localizado na Rua Riachuelo, nº 189, Residencial Alvorada, nesta cidade de Cambé/PR, o denunciado MARCELO CRISTIANO DOS SANTOS, agindo com consciência e vontade, trazia consigo e mantinha em depósito, para fins de traficância, isto é, para venda a terceiros sem a devida autorização legal ou regulamentar, 83g (oitenta e três gramas) de substância entorpecente ordinariamente conhecida como ‘cocaína’, 05g (cinco gramas) de substância popularmente conhecida como ‘crack’, subdivididas em 20 (vinte) ‘pedra’, 27g (vinte e sete gramas) e 03 (três) plantas de Cannabis Sativa L., vulgarmente conhecida como 'maconha'. Estas substâncias possuem em sua composição hidrocloreto de benzoilmetilecgonina e princípio ativo THC (tetraidrocanabinol), sendo capazes de causarem dependência física e psíquica em seus usuários, razão pela qual sua comercialização e uso são proibidos no país, conforme disposto na Portaria SVS/MS 344/1998 e na Resolução da ANVISA nº 104/2000, de acordo com o Auto de Exibição e Apreensão de seq. 1.7 e o Auto de Constatação Provisória de Substâncias Entorpecentes de seq. 1.9. Durante as diligências de patrulhamento nas imediações do endereço supramencionado, a guarnição da Polícia Militar identificou a presença do ora denunciado em uma varanda de uma residência. O comportamento do denunciado despertou a atenção dos agentes de segurança, pois, ao notar a aproximação da viatura policial, ele imediatamente se evadiu para o interior do imóvel. Neste ínterim, lastreados em fundadas suspeitas, os milicianos procederam à abordagem do ora denunciado. Entretanto, ao realizar a revista pessoal, nada de natureza ilícita foi encontrado em sua posse. Em ato contínuo, os policiais, embasados em fundadas razões, efetuaram uma busca minuciosa no interior da residência, onde foram localizados, em posse do denunciado, 83g (oitenta e três gramas) de cocaína, 5g (cinco gramas) de crack, subdivididas em 20 (vinte) porções, 27g (vinte e sete gramas) de maconha, além de 03 (três) exemplares da planta Cannabis sativa L., comumente designada como ‘maconha’, e a quantia de R$ 37,00 (trinta e sete reais), conforme registrado no Auto de Exibição e Apreensão constante na seq. 1.7. Em face do exposto, Marcelo Cristiano foi formalmente autuado e conduzido às instalações policiais, de acordo com o registrado no Boletim de Ocorrência (seq. 1.1) e corroborado pelos depoimentos dos policiais militares de seq. 1.3 e 1.5.” Segundo a denúncia, por tais condutas, estaria o denunciado Marcelo Cristiano dos Santos, incurso nas sanções do delito previsto no artigo 33, “caput”, da Lei 11.343/2006. O denunciado foi devidamente notificado (seq. 61.1), a defesa constituída requereu, primeiramente, a oferta do ANPP, conduto, foi indeferido (seq. 72.1), remetendo os autos à instância revisora do Ministério Público (seq. 75.1). Em pronunciamento a subprocuradoria-geral de justiça indeferiu o pedido (seq.841). A defesa do acusado apresentou defesa preliminar, arrolando 03 (três) testemunhas (seq. 90.1). Afastadas as preliminares, a denúncia foi recebida em 15 de janeiro de 2025 (seq. 97.1). Na audiência de instrução e julgamento foram inquiridas 02 (duas) testemunhas arroladas pela acusação, 01 (uma) testemunha arrolada pela defesa, bem como realizado o interrogatório do réu (seq. 46.1). Nada foi requerido pelas partes na fase do artigo 402 do CPP. O Ministério Público apresentou memoriais, requerendo a condenação do réu, julgando-se procedente a denúncia (seq. 151.1). Por sua vez, a defesa do réu requer o reconhecimento da nulidade da prisão, em razão da ausência de fundadas suspeitas da entrada dos policiais na residência, e pela nulidade das provas advindas da ação dos policiais. Novamente a aplicação da ANPP, pois o réu preenche todos os requisitos para a sua aplicação, em razão da incidência do tráfico privilegiado. Requer, também, o afastamento do crime em relação aos pés de “maconha” tendo em vista o entendimento do STF firmado de que não constitui crime a posse de até seis pés de “maconha”. Pugna, ainda, pelo reconhecimento do tráfico privilegiado em seu grau máximo, fixando o regime aberto (seq. 169.1). É o breve relatório. Decido. II – Da Decisão e Seus Fundamentos: O Ministério Público do Estado do Paraná, titular desta Ação Penal, deduz a pretensão punitiva do Estado em face do denunciado Marcelo Cristiano dos Santos, dando-o como incurso nas sanções do delito previsto no artigo 33, “caput”, da Lei 11.343/2006. Pela análise da prova produzida, conclui-se que a pretensão punitiva merece prosperar. Pela análise da prova produzida, conclui-se que a pretensão punitiva merece prosperar, senão vejamos. Da preliminar: A defesa pugna pelo reconhecimento da nulidade das provas obtidas em decorrência da abordagem e da busca domiciliar realizada pelos policiais militares, sob o argumento de que a diligência teria se dado sem mandado judicial e sem o consentimento do acusado, violando o domicílio protegido pelo art. 5º, XI, da Constituição Federal. Entretanto, a tese defensiva não merece prosperar. É cediço que a proteção constitucional à inviolabilidade do domicílio, embora ampla, não é absoluta, admitindo mitigação quando presentes as exceções expressamente previstas na parte final do art. 5º, inciso XI, da Constituição Federal, como flagrante delito, desastre, prestação de socorro ou, durante o dia, por determinação judicial. No caso em tela, as circunstâncias concretas evidenciam a existência de fundada suspeita de prática de crime em flagrante, o que autoriza a atuação dos policiais, ainda que sem prévia autorização judicial. Segundo relatado pelos policiais militares, durante patrulhamento ostensivo de rotina, visualizaram o réu na varanda de sua residência, o qual, ao perceber a presença da viatura, demonstrou comportamento atípico, apresentando visível nervosismo e, em seguida, correu para o interior do imóvel. Tal conduta despertou suspeita justificada, compatível com situação de flagrância, a ensejar a atuação estatal imediata. Conforme jurisprudência pacífica dos tribunais superiores, a entrada em domicílio sem mandado judicial é legítima quando amparada por fundada suspeita de que o morador esteja cometendo crime em flagrante. Nesse sentido: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. BUSCA DOMICILIAR. FUNDADAS SUSPEITAS. PRISÃO PREVENTIVA. GRAVIDADE CONCRETA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 603.616/RO, apreciando o Tema n. 280 da repercussão geral, fixou a tese de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados. 2. Neste caso, o agravante foi preso em flagrante no dia 12 de abril de 2024, na posse de 1kg de maconha, 3g de cocaína, uma balança de precisão, dinheiro em espécie e uma arma de pressão. Policiais militares foram até o local da prisão após denúncias anônimas e repasse de informações pelo Setor de Inteligência. O agravante empreendeu fuga, pulando a janela do imóvel. 3. Constata-se, assim, que a abordagem do agravante se encontra embasada em fundadas razões, uma vez que, além das informações dando conta da traficância, os policiais decidiram pela abordagem em virtude do conjunto de circunstâncias antecedentes, dentre as quais, a evidente tentativa de fuga quando a guarnição policial foi avistada. 4. Quanto à prisão preventiva, verifica-se que a decretação foi motivada pela quantidade e diversidade de drogas. De fato, a gravidade concreta do crime como fundamento para a decretação ou manutenção da prisão preventiva deve ser aferida, como no caso, a partir de dados colhidos da conduta delituosa praticada pelo agente, que revelem uma periculosidade acentuada a ensejar uma atuação do Estado cerceando sua liberdade para garantia da ordem pública, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal. 5. Agravo regimental não provido. (AgRg no HC n. 915.811/SC, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 4/6/2024, DJe de 10/6/2024.) grifei AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. BUSCA PESSOAL. FUNDADAS SUSPEITAS. LICITUDE DAS PROVAS OBTIDAS. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Por ocasião do julgamento do RHC n. 158.580/BA (Rel. Ministro Rogerio Schietti, 6ª T, DJe 25/4/2022), a Sexta Turma desta Corte Superior de Justiça, à unanimidade, propôs criteriosa análise sobre a realização de buscas pessoais e apresentou as seguintes conclusões: "a) Exige-se, em termos de standard probatório para busca pessoal ou veicular sem mandado judicial, a existência de fundada suspeita (justa causa) - baseada em um juízo de probabilidade, descrita com a maior precisão possível, aferida de modo objetivo e devidamente justificada pelos indícios e circunstâncias do caso concreto - de que o indivíduo esteja na posse de drogas, armas ou de outros objetos ou papéis que constituam corpo de delito, evidenciando-se a urgência de se executar a diligência. b) Entretanto, a normativa constante do art. 244 do CPP não se limita a exigir que a suspeita seja fundada. É preciso, também, que esteja relacionada à "posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito". Vale dizer, há uma necessária referibilidade da medida, vinculada à sua finalidade legal probatória, a fim de que não se converta em salvo-conduto para abordagens e revistas exploratórias (fishing expeditions), baseadas em suspeição genérica existente sobre indivíduos, atitudes ou situações, sem relação específica com a posse de arma proibida ou objeto que constitua corpo de delito de uma infração penal. O art. 244 do CPP não autoriza buscas pessoais praticadas como "rotina" ou "praxe" do policiamento ostensivo, com finalidade preventiva e motivação exploratória, mas apenas buscas pessoais com finalidade probatória e motivação correlata. c) Não satisfazem a exigência legal, por si sós, meras informações de fonte não identificada (e.g. denúncias anônimas) ou intuições/impressões subjetivas, intangíveis e não demonstráveis de maneira clara e concreta, baseadas, por exemplo, exclusivamente, no tirocínio policial. Ante a ausência de descrição concreta e precisa, pautada em elementos objetivos, a classificação subjetiva de determinada atitude ou aparência como suspeita, ou de certa reação ou expressão corporal como nervosa, não preenche o standard probatório de "fundada suspeita" exigido pelo art. 244 do CPP. d) O fato de haverem sido encontrados objetos ilícitos - independentemente da quantidade - após a revista não convalida a ilegalidade prévia, pois é necessário que o elemento "fundada suspeita" seja aferido com base no que se tinha antes da diligência. Se não havia fundada suspeita de que a pessoa estava na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, não há como se admitir que a mera descoberta casual de situação de flagrância, posterior à revista do indivíduo, justifique a medida. e) A violação dessas regras e condições legais para busca pessoal resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, bem como das demais provas que dela decorrerem em relação de causalidade, sem prejuízo de eventual responsabilização penal do(s) agente(s) público(s) que tenha(m) realizado a diligência". 2. Certo é que, consoante entendimento sedimentado nesta Corte Superior de Justiça, a menção genérica dos agentes estatais de que o réu estaria em "atitude suspeita" ou de que haveria demonstrado certo nervosismo ao avistar os policiais não configura, por si só, fundada suspeita de posse de corpo de delito apta a validar a busca pessoal. Da mesma forma, não satisfazem a exigência legal, por si sós, meras informações de fonte não identificada (e.g. denúncias anônimas) ou intuições/impressões subjetivas, intangíveis e não demonstráveis de maneira clara e concreta, baseadas, por exemplo, exclusivamente, no tirocínio policial. Precedentes. 3. No caso, os elementos fático-probatórios amealhados aos autos durante a instrução criminal evidenciam que a revista pessoal foi precedida de fundadas suspeitas da posse de corpo de delito, bem demonstradas especialmente pelo fato de que, ao avistar os agentes estatais, o agravante empreendeu fuga correndo repentinamente. 4. Em sessão realizada no dia 18/4/2024, a Terceira Seção desta Corte Superior de Justiça, por ocasião do julgamento do HC n. 877.943/MS (Rel. Ministro Rogerio Schietti), decidiu que a conduta de fugir correndo repentinamente ao avistar uma guarnição policial preenche o requisito de fundada suspeita de corpo de delito para uma busca pessoal em via pública, nos termos do art. 244 do CPP. 5. Agravo regimental não provido. (AgRg no HC n. 862.522/SC, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 1/7/2024, DJe de 3/7/2024.) grifei (...) "se um agente do Estado não puder realizar abordagem em via pública a partir de comportamentos suspeitos do alvo, tais como fuga, gesticulações e demais reações típicas, já conhecidas pela ciência aplicada à atividade policial, haverá sério comprometimento do exercício da segurança pública" (RHC n. 229.514/PE, julgado em 28/8/2023) (AgRg no HC n. 854.674/AL, Relator Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 23/10/2023, DJe de 25/10/2023). Grifei E o Tribunal de Justiça do Paraná: TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, CAPUT, DA LEI N° 11.343/2006). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DO RÉU. 1)- PRELIMINARES. a)- BUSCA PESSOAL. ATUAÇÃO DA GUARDA MUNICIPAL. ILEGALIDADE. NÃO ACOLHIMENTO. BUSCA PESSOAL REALIZADA DIANTE DA FUNDADA SUSPEITA DE QUE O RÉU ESTARIA PORTANDO DROGAS. SITUAÇÃO DE FLAGRÂNCIA COMPROVADA. PRECEDENTES. INTELIGÊNCIA DO ART. 244, C/C ARTS. 301 E 302, DO CPP; b)- CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA DE JUNTADA DO LAUDO DE EXAME DE CORPO DE DELITO. ALEGADA IMPOSSIBILIDADE DE EXERCÍCIO DA AMPLA DEFESA PARA AVERIGUAR SUPOSTAS AGRESSÕES DOS AGENTES PÚBLICOS. TESE AFASTADA. SUPOSTA PRÁTICA DE VIOLÊNCIA POR PARTE DOS AGENTES PÚBLICOS QUE DEVE SER APURADA EM PROCEDIMENTO PRÓPRIO E NÃO INFLUENCIA NA CONFIGURAÇÃO DO DELITO DE TRÁFICO NO PRESENTE CASO. PRECEDENTE. PRELIMINARES REJEITADAS. 2)- PEDIDO DE ABRANDAMENTO DE REGIME PELA REALIZAÇÃO DA DETRAÇÃO PENAL. TESE NÃO ACOLHIDA. REGIME FIXADO COM BASE NA QUANTIDADE DE PENA ARBITRADA. INTELIGÊNCIA DO ART. 33, § 2°, “B”, DO CP. REALIZAÇÃO DA DETRAÇÃO PENAL QUE NÃO IMPLICA EM ALTERAÇÃO DO REGIME DE PENA NO PRESENTE CASO. REGIME SEMIABERTO MANTIDO. 3)- CONCESSÃO DO DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. IMPOSSIBILIDADE. FUNDAMENTOS QUE JUSTIFICARAM A CUSTÓDIA CAUTELAR DO RÉU PERMANECEM HÍGIDOS. NECESSIDADE DE MANUTENÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA PARA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. INTELIGÊNCIA DO ART. 312 DO CPP. DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE NEGADO. 4)- PEDIDO DE SUBSTITUIÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA POR PRISÃO DOMICILIAR. NÃO ACOLHIMENTO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO INEQUÍVOCA DE QUE O RÉU É O ÚNICO RESPONSÁVEL PELOS CUIDADOS DOS INFANTES. PRECEDENTES. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. PRISÃO PREVENTIVA MANTIDA. 5)- HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO PELA ATUAÇÃO DO DEFENSOR DATIVO EM FASE RECURSAL. REMUNERAÇÃO ESTABELECIDA COM FULCRO EM TABELA PREVISTA NA RESOLUÇÃO CONJUNTA Nº 015/2019 – PGE/SEFA.RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO, COM FIXAÇÃO DE VERBA HONORÁRIA.(TJPR - 4ª Câmara Criminal - 0002836-14.2022.8.16.0014 - Londrina - Rel.: DESEMBARGADORA SONIA REGINA DE CASTRO -J. 12.12.2022) A narrativa dos policiais mostra que não houve arbitrariedade, mas sim resposta imediata diante de indícios concretos da prática criminosa. O portão da residência, segundo os agentes, estava entreaberto, o que permitiu o contato visual e verbal com o morador. Este, ao ser interpelado, admitiu o porte de entorpecentes e indicou o local onde as substâncias estavam armazenadas. Assim, não se tratou de invasão arbitrária ou busca forçada, mas sim de diligência proporcional e motivada por suspeita razoável, com posterior colaboração do réu. A alegação defensiva de que o ingresso dos policiais se deu com abuso de autoridade e mediante violência física não encontra amparo nos demais elementos dos autos, revelando-se isolada, especialmente diante da narrativa firme e harmônica dos policiais, somada ao fato de que o réu confirmou a existência das substâncias ilícitas no local. Além disso, não há provas nos autos sobre a agressão por parte dos policiais como relatado em juízo, já que na audiência de custódia o réu não apresentava lesões e ao ser indagado se sofreu violência física, negou (seq. 35.1). Ademais, o vizinho ouvido não presenciou os fatos dentro da residência, mas apenas ouviu gritos e relatou o abalo emocional da criança, o que, embora relevante do ponto de vista humano, não compromete a legalidade da diligência em si. O conjunto probatório, portanto, afasta a existência de qualquer vício apto a macular a prova obtida. A busca domiciliar decorreu de situação fática que autorizava a pronta intervenção estatal, em face da prática de crime permanente, qual seja, o tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei 11.343/2006), o que por si só autoriza a entrada na residência mesmo sem autorização judicial, conforme apontado no Tema 208 do STF: Tese: A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados. Grifei Por tais fundamentos, afasto as questões prejudiciais, e passo à apreciação do meritum causae. Do mérito: A materialidade do delito encontra-se consubstanciada no Auto de Prisão em Flagrante Delito (seq. 1.2). Auto de Exibição e Apreensão (seq. 1.7). Auto de Constatação Provisória de Drogas (seq. 1.9) e Laudo Toxicológico Definitivo (seq. 65.1-65.5), Por sua vez a autoria é certa, recaindo, mercê de dúvidas, sobre a pessoa do denunciado, como adiante se demonstrará. Saliento que a prova oral foi colhida pelo sistema de videoconferência, tendo em vista o Juízo 100% Digital. Em seu interrogatório judicial (seq. 145.7), Marcelo Cristiano dos Santos afirmou que é usuário de cocaína e maconha. Que acordou e sua filha estava assistindo televisão. Que, quando abriu a porta de sua casa, a viatura estava parada em frente à sua residência. Que, na hora em que abriu a porta, os policiais já viraram o fuzil, momento em que voltou para dentro. Que eles falavam “para, para” e “abri o portão”. Que um ajudou o outro a entrar na residência pulando o muro. Que indagou os policiais sobre o mandado para entrar no local, momento em que eles deram-lhe dois socos, dizendo “o mandado está aqui”. Que obrigaram-no a abrir o portão. Que eles o mandaram sentar na varanda e começaram a vistoriar o local. Que afirmou que era usuário de cocaína e maconha, mas não usa crack. Que estava na depressão depois que sua mãe morreu e estava usando cocaína, sendo que as substâncias estavam na caixa de som. Que depois que sua mãe morreu acabou ‘desandando’. Que em nenhum momento franqueou a entrada dos policiais militares em sua residência, que eles afirmaram que “o mandado eram eles”. Que eles não deixaram o declarante entrar na casa, eles que revistaram o local. Que é usuário, que a maconha e cocaína eram para o seu uso. Que o portão estava trancado, até que um falou para pegar a chave e o outro pulou o muro. Que mora no local a 22 anos. A testemunha arrolada pela acusação, Wilber de Menezes Ferreira (seq. 145.1), policial militar, declarou que estavam fazendo patrulhamento de rotina, quando ao passar pela residência do réu, visualizaram o indivíduo na varanda da residência que ao perceber a presença da viatura, mostrou certo nervosismo, momento em que entrou correndo para dentro do imóvel. Que resolveram realizar a abordagem do acusado em razão da atitude suspeita. Que o portão estava entreaberto, sendo realizada a abordagem na porta da residência. Que, ao indagarem, o acusado afirmou que ficou com medo, mas posteriormente, alegou que estava portando uma quantidade de drogas e que teria entrado na residência para esconder dentro de uma aparelho de som no quarto. Que ele mostrou o local e encontraram essas drogas, sendo duas buchas de cocaína, mais quantidade de cocaína, crack e maconha. Que no fundo da residência havia alguns pés de maconha colhidos, que já estavam fora do solo prontos para o trabalho. Que deram voz de prisão ao acusado. Que a filha do réu menor de idade se encontrava no local, que fizeram contato com o avô e deixaram-na em sua responsabilidade. Que também foi localizado dinheiro. Que não conhecia o réu. Que o réu se mostrou confuso, afirmando que sua mãe havia morrido e estava precisando de dinheiro. Que não tem informação de que o local é de ponto de tráfico. Que o momento em que ele correu para a residência, o portão estava entreaberto. Que o abordou por conta da atitude suspeita. Que ele tentou segurar o portão, ameaçaram pular o muro, mas não foi necessário, ele acabou abrindo o portão. Que a casa é um plano elevado e dá para ver a varanda por cima do muro. Que de onde ele estava, ele os viu e viram ele. Que viu que ele entrou na casa com certo nervosismo. Que só estava o réu e a filha. Que o réu acompanhou a vistoria na residência em todo momento. Que as cocaínas foram encontradas no interior de uma caixa de som e no bolso de uma jaqueta, crack e cocaína. Que em um pote de vidro tinhas umas porções de maconha e no fundo da residência havia os pés de maconha. Que as drogas foram encontradas a partir das diligências e buscas, apenas o que estava na caixa de som foi o que ele mostrou a localização. Que ele disse que era usuário de drogas. O policial militar Myrllon Roggers Batista dos Santos (seq. 145.3), contou que no dia em questão estavam em patrulhamento, quando visualizaram um indivíduo por cima do muro da residência, que ao perceber a viatura demonstrou nervosismo correndo para a sua residência. Que decidiram pela abordagem para verificar o motivo pelo qual havia se evadido para o interior do local. Que chegaram até o portão e o acusado estava na parte externa da residência, sendo verbalizado o motivo pelo qual ele havia corrido e solicitado que abrisse o portão. Que ele franqueou a entrada e ao continuar as indagações, ele afirmou que havia guardado uma porção de cocaína, eis que era usuário, apontando o local onde elas estavam, e encontraram duas buchas de “cocaína”. Que essas drogas estavam em uma caixa de som. Que em buscas pela residência, foi localizado no quarto dentro de uma blusa algumas porções de cocaína e crack e dentro de outro recipiente. Que no fundo da residência havia pés de maconha dessecados prontos para manuseio. Que indagaram-no sobre as drogas, e ele afirmou que estava com problemas financeiros, necessitando “levantar” um dinheiro. Que a casa tem um plano elevado, de modo que a viatura tinha a visualização do local por cima do muro. Que não houve a necessidade de pular o muro, sendo realizado uma visualização do local por cima do muro, mas a entrada foi pelo portão. Que o comandante verbalizava com ele, em primeiro momento ele negou, mas posteriormente franqueou a entrada da equipe no local. Que o portão estava “meio aberto”, então solicitaram que ele abrisse o portão. Que no primeiro momento ele se negou a abrir, mas após conversas com ele, o acusado abriu o portão e franqueou a entrada dos policiais. Que o local era desconhecido pelo declarante. Que em primeiro momento o acusado afirmou que era usuário, mas depois ele declarou que estava tentando arrumar um dinheiro. Que salvo engano foram encontrados três pés de maconha, mas ratifica todas as informações do boletim de ocorrência. Por fim, a testemunha de defesa, Ivanilson Pereira Amorim (seq. 1455), vizinho do réu, afirmou que mora no local há aproximadamente 52 anos e vive na residência desde quando o Marcelo se mudou para lá. Que não tem costume de ver muitas pessoas entrando na residência. Que o local não é ponto de tráfico de drogas. Que na data dos fatos ouvia gritaria, a menina estava chorando, os “homens” estavam com fuzil e pulando o muro, encostando ele no muro. Que eles pularam o muro da residência, que um tentou abrir o portão e não conseguia, então um ajudou o outro a pular a entrada. Que neste momento do lado de casa no portão da sua residência. Que Marcelo estava meio depressivo e doente, pois a mãe dele havia morrido. Os policiais inquiridos em juízo afirmaram que em patrulhamento de rotina avistaram o acusado, o qual ao visualizar a viatura, correu para dentro de sua residência, os quais optaram por realizar a abordagem. Solicitaram ao acusado para abrir o portão e permitir a entrada, que, não permitido no primeiro momento, mas em concordância posteriormente o acusado permitiu a entrada dos policiais e indicou o local onde guardava as drogas, aduzindo ser para consumo pessoal. Porém, aos policiais, disse ser para fins de traficância, diante da situação financeira ruim que se encontrava após o falecimento de sua mãe. Na posse do acusado foi encontrado: 83g (oitenta e três gramas) de cocaína, 5g (cinco gramas) de crack, subdivididas em 20 (vinte) porções, 27g (vinte e sete gramas) de maconha, além de 03 (três) exemplares da planta Cannabis sativa L., comumente designada como ‘maconha’, e a quantia de R$ 37,00 (trinta e sete reais). Pela relevância, é preciso ressaltar: indiscutível que Policiais não devem ser considerados inidôneos ou suspeitos em virtude, simplesmente, de sua condição funcional, sendo certo e presumível que eles agem no cumprimento do dever, dentro dos limites da legalidade, não sendo razoável suspeitar, previamente e sem motivo relevante, da veracidade nos seus depoimentos, mormente quando condizentes com o restante das provas coligidas nos autos, como no caso em tela. Sobre o tema, leciona Guilherme de Souza Nucci: "(...) preceitua o art. 202 do CPP que 'toda pessoa pode ser testemunha', logo, é indiscutível que os policiais, sejam eles os autores da prisão do réu ou não, podem testemunhar sob o compromisso de dizer a verdade e sujeitos às penas do crime de falso testemunho. (...)" (in Leis Penais e Processuais Penais comentadas. 2ª ed. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, página 323). Aliás, a jurisprudência se firmou a respeito da validade dos depoimentos dos policiais como prova, quando em consonância com os outros elementos existentes nos autos: APELAÇÃO CRIMINAL – TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES (ART. 33, CAPUT, DA LEI Nº 11.343/2006) – SENTENÇA QUE DESCLASSIFICOU O CRIME DE TRÁFICO PARA O CRIME DE POSSE PARA USO PRÓPRIO, ART. 28 DA LEI 11.343/06 – PEDIDO DE CONDENAÇÃO PELO CRIME DE TRÁFICO – PROVAS SUFICIENTES PARA A CONDENAÇÃO DO RÉU – EXISTÊNCIA DE DENÚNCIAS DE QUE NO LOCAL EXISTIA O TRÁFICO DE ENTORPECENTES, CONFORME DEPOIMENTO DOS POLICIAIS – PALAVRAS DOS POLICIAIS CORROBORADAS PELAS DEMAIS PROVAS – DROGA APREENDIDA QUE ESTAVA FRACIONADA E PRONTA PARA VENDA – CRIME DE AÇÕES MÚLTIPLAS – TER EM DEPÓSITO SUFICIENTE PARA A CONFIGURAÇÃO DO CRIME – DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE MERCANCIA – IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DO CRIME DE USO – DOSIMETRIA DA PENA – RÉU QUE POSSUI MAUS ANTECEDENTES – EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE – IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA CAUSA ESPECIAL DE REDUÇÃO DA PENA DO ART. 33, §4º DA LEI 11.343/06 – REGIME INICIAL SEMIABERTO – RECURSO PROVIDO. (TJPR - 3ª C.Criminal - 0001666-42.2017.8.16.0156 - São João do Ivaí - Rel.: Desembargador João Domingos Küster Puppi - J. 21.04.2020)grifei APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, CAPUT, DA LEI Nº 11.343/2006). POSSE IRREGULAR DE MUNIÇÕES DE USO PERMITIDO (ART. 12 DA LEI Nº 10.826/2003). PLEITO ABSOLUTÓRIO SOB ALEGAÇÃO DE INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. NÃO ACOLHIMENTO. AUTORIA E MATERIALIDADE DEVIDAMENTE DEMONSTRADAS. DEPOIMENTO DE POLICIAIS MILITARES. MEIO DE PROVA IDÔNEO. CIRCUNSTÂNCIAS DO FATO E PROVA TESTEMUNHAL HARMÔNICAS. PLEITO DESCLASSIFICATÓRIO PARA O DELITO PREVISTO NO ART. 28 DA LEI Nº 11.343/2006. IMPOSSIBILIDADE. QUANTIDADE DE DROGA. ACONDICIONAMENTO QUE INDICA A TRAFICÂNCIA. DOSIMETRIA DA PENA. AGRAVANTE DE REINCIDÊNCIA. PLEITO DE DESCONSIDERAÇÃO. DESCABIMENTO. DECORRIDOS MENOS DE 05 (CINCO) ANOS ENTRE A DATA DA EXTINÇÃO DA PENA E A INFRAÇÃO POSTERIOR. INDULTO QUE ATINGE APENAS A PRETENSÃO EXECUTÓRIA DA PENA. PEDIDO DE JUSTIÇA GRATUITA. NÃO CONHECIDO. MATÉRIA QUE CABE AO JUÍZO DE EXECUÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA PARTE, NÃO PROVIDO. (TJPR - 3ª C.Criminal - 0004799-90.2018.8.16.0113 - Marialva - Rel.: Desembargador Sérgio Roberto Nóbrega Rolanski - J. 21.04.2020)grifei APELAÇÃO CRIME - CRIME DE TRÁFICO - ART.33, CAPUT, DA LEI 11.343/06 - DROGAS ENCONTRADAS COM O APELANTE - CRIME DE AÇÕES MÚLTIPLAS – DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE MERCÂNCIA - IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO - PLEITO ABSOLUTÓRIO AFASTADO - DESQUALIFICAÇÃO PARA O DELITO PREVISTO NO ARTIGO 28 DA LEI DE TÓXICOS - IMPOSSIBILIDADE - DEPOIMENTO TESTEMUNHAL DOS POLICIAIS - VALIDADE - PROVAS QUE CORROBORAM PARA A CONDENAÇÃO – DOSIMETRIA – PLEITO PELA APLICAÇÃO DA PENA BASE NO MINIMO LEGAL RECHAÇADO – PEDIDO DE APLICAÇÃO DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA – IMPOSSIBILIDADE – RÉU QUE EM NENHUM MOMENTO CONFESSOU O TRÁFICO – SUMULA 630 DO STJ – RECURSO DESPROVIDO. (TJPR - 3ª C.Criminal - 0001656-75.2019.8.16.0140 - Quedas do Iguaçu - Rel.: Desembargador Eugênio Achille Grandinetti - J. 21.04.2020) grifei Dessa forma, entendo que a prova produzida é suficiente para embasar o decreto condenatório do réu, não restando dúvidas quanto à prática delitiva o que irremediavelmente afasta qualquer possível alegação da defesa no sentido de desclassificação da conduta de posse de droga para consumo pessoal, dada a quantidade de droga apreendida e as circunstâncias fáticas foge do contexto de mero usuário de drogas. Ademais, salienta-se que para caracterizar o crime de tráfico não é necessário que o agente seja surpreendido quando da efetiva comercialização, bastando ser o agente flagrado portando a droga acondicionada para a venda e outros elementos probatórios que indiquem o comércio. No presente caso, o acusado estava na posse “cocaína”, "maconha" e "crack", prontas para a revenda. Como se sabe, o delito de tráfico um crime de ação múltipla ou conteúdo variado, basta que a conduta do agente se amolde a uma das condutas incriminadas no artigo 33, da Lei 11.343/2006, como por exemplo, o ato de “ ter em depósito”, para que se caracterize a hipótese delitiva. Com efeito, para a configuração do crime de tráfico faz-se necessária a análise de vários elementos, entre eles, o local e as condições em que aconteceu a empreitada criminosa, as circunstâncias da prisão, a conduta do acusado, a forma de acondicionamento da substância. Luiz Flávio Gomes[1] sintetiza: "Há dois sistemas legais para se decidir sobre se o agente (que está envolvido com a posse ou porte de droga) é usuário ou traficante: (a) sistema da quantificação legal (fixa-se, nesse caso, um quantum diário para o consumo pessoal; até esse limite legal não há que se falar em tráfico; (b) sistema do reconhecimento judicial ou policial (cabe ao juiz ou à autoridade policial analisar cada caso concreto e decidir sobre o correto enquadramento típico. (...) É da tradição da lei brasileira a adoção do segundo critério (sistema do reconhecimento judicial ou policial). (...) Para isso a lei estabeleceu uma série enorme de critérios. Logo, não se trata de uma opinião do juiz ou de uma apreciação subjetiva. Os dados são objetivos." A quantidade de substância entorpecente e a variedade de drogas revelam cenário incompatível com a destinação exclusivamente pessoal, até porque é corriqueiro nesses casos em que o indivíduo acaba traficando para a manutenção do seu vício, podendo tomar por base as próprias declarações do acusado de que estava passando por dificuldades financeiras e psicológicas após a morte da mãe, ficando afastada a tese defensiva de desclassificação da conduta para o delito previsto no artigo 28 da Lei nº 11.343/06. Ademais, tampouco é possível o acatar a tese defensiva de afastamento da tipicidade quanto às plantas cannabis encontradas na posse de acusado, eis que a própria denúncia não capitulou a conduta de forma específica, nos termos do artigo 33, §1º II da Lei 11343/06, o que impossibilita qualquer análise quanto a eventual aplicação do novo entendimento do STF sobre a posse de plantas para consumo pessoal. Ademais, convém ressaltar, que a apreensão de drogas em variedades e quantidades que indicam o tráfico evidencia que a posse de plantas (que constitui matéria prima para preparação de droga) se enquadra como parte da atividade do comércio ilícito, portanto, impossível, de qualquer forma, o acatamento da tese defensiva. Pelo exposto, convém destacar também que a ausência de comprovação de emprego lícito, somado com os demais elementos colhidos nos autos, comprovam a prática delitiva, não restando dúvidas quanto à autoria e à materialidade do delito, impondo-se ao réu um decreto condenatório. III – Dispositivo: Ante o exposto, e por tudo mais que dos autos constam, julgo procedente a denúncia, para condenar o réu Marcelo Cristiano dos Santos, como incurso nas sanções do artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, bem como o pagamento das custas e despesas do processo. IV - Aplicação e Dosimetria da Pena: Circunstâncias Judiciais: tendo em vista o disposto no artigo 42, da Lei nº 11.343/2006, bem como atenta às diretrizes traçadas pelo artigo 59, do Código Penal passo a estruturar-lhe as penas verificando que a culpabilidade restou evidenciada, estando presente o elemento subjetivo do tipo, vez que o denunciado agiu de forma livre e consciente na perpetração do delito que consumou, estando ainda ciente da reprovabilidade de sua conduta. Não há registro de antecedentes, conforme certidão do oráculo (seq. 171.1). Não há elementos nos autos para aquilatar a sua conduta social. Sua personalidade não foi tecnicamente avaliada. Os motivos do crime não foram suficientemente esclarecidos nos autos, mas ao que parece, visava o lucro. Quanto às circunstâncias do crime são as normais do tipo penal. Por fim, com referência às consequências, estas não o desfavorecem, posto que a apreensão da droga ocorreu antes de sua distribuição. Contudo é de se frisar as consequências genéricas: a insegurança social e familiar gerada por atitudes como as do réu, que colabora na destruição de vidas e destinos daqueles que se envolvem com drogas, sendo notória a estatística de que o tráfico de entorpecentes se encontra no topo da cadeia de crimes graves, normalmente sendo corolário de delitos contra o patrimônio e contra a vida, o que evidencia a gravidade de suas ações. Não há o que se falar em comportamento da vítima na espécie. Pena-Base: Pelo que se expôs, considerando o equilíbrio entre as circunstâncias judiciais favoráveis e desfavoráveis, fixo a pena base no seu mínimo legal, ou seja, em 05 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época do fato, corrigido monetariamente, levando-se em conta a ausência de informações quanto à situação financeira do réu, na forma do artigo 60 do Código Penal combinado com o artigo 43, da Lei 11343/2006. Circunstâncias legais: Não há. Causas Especiais de Aumento e/ou Diminuição de Pena: Reconheço a incidência da causa especial de redução de pena prevista no artigo 33, parágrafo 4º, da mesma Lei, eis que o réu é primário e sem registro de antecedentes criminais, não havendo indicação nos autos de que o mesmo participe de organização criminosa dedicada ao comércio de substâncias entorpecentes, e tampouco há informações de reiteração da conduta após os fatos. No entanto, há de se ter em vista preponderantemente estas circunstâncias referenciadas pelo art. 42 quando da fixação do percentual de diminuição. Com efeito, penso que as circunstâncias descritas neste artigo da Lei de Drogas podem e devem servir de parâmetro para o Julgador quando da diminuição da pena (art. 33, § 4º). No caso em tela, o acusado foi flagrado na posse de 85g (oitenta e cinco gramas) de “cocaína”, 27g (vinte e sete) gramas de “maconha”, 05g (cinco gramas) de “crack”, considerável quantidade de droga de alto poder lesivo. Por isso, reduzo a pena supra auferida de 1/2 (metade), resultando na pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 250 (duzentos e cinquenta) dias-multa. Pena Definitiva: Vencidas as etapas do artigo 68, do Código Penal, e na ausência de outras causas ou circunstâncias legais e/ou judiciais capazes de alterá-la, fica o réu definitivamente condenado à pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos, 06 (seis) meses de reclusão e 250 (duzentos e cinquenta) dias multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época do fato, corrigido monetariamente. Regime: Diante do julgamento proferido nos autos de Habeas Corpus nº 118533 pelo Supremo Tribunal Federal, tendo restado afastada a natureza hedionda do crime de tráfico privilegiado, estabeleço ao denunciado o regime inicialmente aberto para o cumprimento da sua pena, nos termos do artigo 33, § 2º, alínea “c”, do Código Penal. Substituição Da Pena Privativa De Liberdade Por Restritivas De Direitos: Não há dúvidas que o artigo 44 da Lei nº. 11.343/2006 vedava a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos para os crimes previstos nos artigos 33, caput e § 1o, e 34 a 37 da referida lei. Todavia, é ressabido que o Senado Federal, com base no artigo 52, inciso X, da Constituição Federal de 1988, por meio da Resolução nº. 05, de 15.02.2012, suspendeu a execução da expressão "vedada a conversão em penas restritivas de direitos" do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal nos autos do Habeas Corpus nº 97.256/RS. Destarte, o óbice legal à substituição deixou de existir, cabendo a análise da possibilidade da substituição em cada caso concreto pelo magistrado. Assim, arrimada nas regras contidas nos artigos 43, IV, 44, §2º, 45 e 46, todos do Código Penal, e verificando, em situação excepcional, que tal benesse legal deve ser concedia ao réu, SUBSTITUO a pena privativa de liberdade aplicada por DUAS restritivas de direitos (art. 44, do CP), optando pela PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA, na forma de pagamento do valor correspondente à 02 (dois) salários-mínimos vigentes ao CONSELHO DA COMUNIDADE LOCAL, podendo o valor ser parcelado em até 10 (dez) prestações mensais e continuadas, e PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE, a ser realizada na forma do art. 46, do Código Penal, em local a ser designado por ocasião da audiência admonitória conforme indicarem as especiais habilidades do sentenciado, sem prejuízo à sua normal jornada de trabalho. Do Valor Mínimo Para A Reparação Dos Danos: Não há o que se falar em valor mínimo para reparação dos danos na espécie. Do perdimento: Nos termos do artigo 63, da Lei nº 11.343/2006, na sentença o juiz decidirá sobre o perdimento de produto, bem ou valor apreendido em processo de tráfico. Sendo assim, considerando que o dinheiro apreendido certamente decorre da prática da traficância, decreto seus perdimentos, em favor da União, tudo na forma do artigo 63, da Lei nº 11.343/2006, ressalvados eventuais direitos de lesados ou terceiros de boa-fé. DO PEDIDO DE OFERECIMENTO DE PROPOSTA DE ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL – DEFERIMENTO APÓS RECONHECIMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO A defesa pugna pela aplicação do Acordo de Não Persecução Penal (art. 28-A do CPP), após o eventual reconhecimento da causa especial de diminuição de pena prevista no §4º do art. 33 da Lei de Drogas. De fato, inicialmente, a pena mínima cominada ao delito de tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei 11.343/2006) é superior ao limite estabelecido no art. 28-A do CPP. No entanto, conforme fundamentação supra, houve o reconhecimento da forma privilegiada do tráfico, com pena mínima reduida, enquadrando-se assim no limite legal de 4 anos previsto para o cabimento do ANPP. Sobre a possibilidade de análise de possibilidade de oferta de ANPP após a prolação da sentença, o Tribunal de Justiça do Paraná possui firme jurisprudência nesse sentido: Ementa: DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, CAPUT, C/C § 4º, DA LEI 11 .343/2006). ABSOVIÇÃO. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ACOLHIMENTO . PROVAS ROBUSTAS. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. APREENSÃO DE DROGAS EM QUANTIDADE SIGNIFICATIVA E EM VARIEDADE. APLICAÇÃO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO . RETORNO DO AUTOS AO PRIMEIRO GRAU PARA MANIFESTAÇÃO DO MP SOBRE A POSSIBILIDADE DE ANPP. RECURSO PROVIDO. I. Caso em ExameApelação interposta pelo Ministério Público contra sentença absolutória, requerendo a condenação dos réus pela prática de tráfico de drogas (art . 33, caput, da Lei 11.343/2006), em razão de apreensão de quantidade significativa de maconha, haxixe, ecstasy, balanças de precisão e valores em espécie. II. Questão em Discussão1 . Suficiência do conjunto probatório para condenação pelo crime de tráfico de drogas.2. Alegação de uso pessoal das drogas apreendidas. 3 . Pretensão de nulidade da busca domiciliar e da cadeia de custódia. 4. Possibilidade de aplicação do tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei 11 .343/2006). 5. Necessidade de remessa dos autos ao Ministério Público para manifestação sobre a proposta de Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), em observância ao art. 28-A do CPP .III. Razões de Decidir1. Conjunto probatório robusto, consistindo em apreensão de drogas de diversas naturezas, balanças de precisão e dinheiro em espécie, além dos depoimentos dos policiais que revela destinação ao tráfico.2 . A condição de usuário não afasta, por si só, a caracterização da traficância, nos termos da jurisprudência consolidada.3. Busca domiciliar e pessoal válida no caso em concreto, a qual decorre do flagrante. In casu, inexiste nulidade ou violação da cadeia de custódia .4. Cabimento do tráfico privilegiado por serem réus primários e sem envolvimento com organização criminosa.5. Determinação de remessa dos autos ao juízo de origem para que o Ministério Público analise o cabimento, ou não, do ANPP, conforme as inovações trazidas pelo Pacote Anticrime . Na hipótese de não oferecimento do acordo, que o juízo de origem proceda o retorno dos autos à esta instância para dosimetria da pena e fixação do regime inicial de cumprimento de pena.IV. Dispositivo e TeseRecurso provido. Sentença reformada para condenar os réus como incursos no art . 33, caput, da Lei 11.343/2006. (TJ-PR 00438129720218160014 Londrina, Relator.: ruy a, Data de Julgamento: 09/11/2024, 5ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 19/11/2024)grifei. APELAÇÃO CRIMINAL – CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS PRIVILEGIADO (ART. 33, “CAPUT” E § 4º, DA LEI Nº 11.343/06)– SENTENÇA CONDENATÓRIA – INSURGÊNCIA DEFENSIVA – PRELIMINAR - SÚPLICA DE REMESSA DOS AUTOS AO MINISTÉRIO PÚBLICO, PARA OFERECIMENTO DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL – ACOLHIMENTO – AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO DEFINITIVA – MODIFICAÇÃO DO ENQUADRAMENTO JURÍDICO PARA A MODALIDADE PRIVILEGIADA, QUE RESULTOU NA DIMINUIÇÃO PENAL PARA O LIMITE PERMISSIVO DISPOSTO NO ART. 28-A, DO CPP – RECENTE ENTENDIMENTO DO STF E STF – PROCESSO QUE DEVE SER REMETIDO À PRIMEIRA INSTÂNCIA PARA AVALIAR A POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA ANPP - MÉRITO - TESES ABSOLUTÓRIA E DESCLASSIFICATÓRIA PARA O TIPO DE POSSE DE ENTORPECENTES PARA CONSUMO PESSOAL – INVIABILIDADE – COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE E AUTORIA DO TIPO PENAL DENUNCIADO – PALAVRA UNÍSSONA DOS POLICIAIS MILITARES, CORROBORADA PELOS DEMAIS DOCUMENTOS INVESTIGATÓRIOS E LAUDO PERICIAL POSITIVO – CONVENCIMENTO CONDENATÓRIO IRREPARÁVEL . apelo conhecido e PARCIALMENTE provido, COM A CONVERSÃO DO FEITO EM DILIGÊNCIA E fixação, de ofício, da verba honorária. (TJ-PR 00038518920198160089 Ibaiti, Relator.: Carvilio da Silveira Filho, Data de Julgamento: 17/10/2024, 4ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 24/10/2024) grifei. Diante disso, considerando o novo enquadramento jurídico, certificado o trânsito em julgado, encaminhem-se os autos ao Ministério Público para que avalie a possibilidade de propositura do ANPP, observando-se as condições legais e, se necessário, adaptadas ao caso concreto. V- Disposições Gerais: Independentemente do trânsito em julgado desta decisão, nos termos do artigo 58 §1º da Lei 11.343/06, determino a incineração do material entorpecente apreendido. Oficie-se à autoridade policial para dar cumprimento imediato à determinação na forma do Art. 946 do Código de Normas observadas as demais disposições sobre o tema. Certificado o trânsito em julgado: Expeçam-se as respectivas guias de recolhimento, em conformidade com os artigos 835 e seguintes do Novo Código de Normas da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça; Providencie-se a liquidação da multa e custas processuais, elaborando-se a conta geral, e intimando-se o denunciado para pagamento, no prazo de 10 (dez) dias; Caso não haja recolhimento da multa, no prazo acima, extraia-se certidão, encaminhando-se ao Ministério Público para a competente execução, nos termos do artigo 51, do Código Penal[2] e STF/ADI 3150; certificado o não pagamento das custas processuais, cumpra-se a IN nº 12/2017. Cumpram-se as disposições do Código de Normas da Egrégia Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Paraná, (em especial o item artigo 824), procedendo-se às anotações e comunicações que se fizerem necessárias, comunicando-se, inclusive ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE), para os devidos fins. Custas na forma regimental. Publique-se. Registre-se e Intimem-se. Cambé, 04 de julho de 2025. Jessica Valéria Catabriga Guarnier Juíza de Direito [1] in Lei de Drogas Comentada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 161 [2] Com a nova redação dada pela Lei nª 13964/2019
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