Processo nº 5128492-37.2023.8.09.0051
ID: 332885555
Tribunal: TJGO
Órgão: Goiânia - 4ª UPJ Varas Cíveis e Ambientais: 13ª, 14ª, 15ª e 16ª
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5128492-37.2023.8.09.0051
Data de Disponibilização:
23/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
CARLOS MAGNO ALEXANDRE VIEIRA
OAB/GO XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DE GOIÂNIA
14ª VARA CÍVEL E AMBIENTAL
Processo nº.: 5128492-37.2023.8.09.0051
Natureza: PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Processo de Conhecimento ->…
PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DE GOIÂNIA
14ª VARA CÍVEL E AMBIENTAL
Processo nº.: 5128492-37.2023.8.09.0051
Natureza: PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Processo de Conhecimento -> Procedimento de Conhecimento -> Procedimento Comum Cível
Requerente: Glaucia Alves De Queiroz Leopoldino
Requerido: Banco Gm S.a
SENTENÇA
Trata-se de Ação Reparatória por Danos Materiais e Morais proposta por GLAUCIA ALVES DE QUEIROZ LEOPOLDINO em desfavor de BANCO GM S/A, BANCO C6 S/A e ANTÔNIO MARCOS DO NASCIMENTO, partes devidamente qualificadas nos autos.
Narra a petição inicial ser a parte autora possuidora de financiamento de veículo ativo com o primeiro requerido (Banco GM S/A) e que, em 07/06/2021, um preposto do banco entrou em contato munido de informações sensíveis do financiamento, conhecendo dados como nome do devedor, valor exato da parcela e situação de inadimplência. Afirma que este preposto enviou um boleto atualizado que era aparentemente idêntico aos boletos legítimos do financiamento, contendo logomarca do banco, razão social, CNPJ, endereço da sede e demais informações corretas. Aduz que, de boa-fé, a autora realizou o pagamento do referido boleto.
Alega que, após o pagamento, a requerente descobriu que o beneficiário era na verdade o segundo requerido (Banco C6) e o beneficiário final seria Antonio Marcos do Nascimento (CPF 297.254.568-07), informações que não constavam visivelmente no boleto antes do pagamento. Sustenta que tentou cancelar a operação junto ao primeiro requerido, mas foi informada da impossibilidade, ocasião em que lavrou reclamação no Procon, mas o primeiro requerido negou-se a ressarcir o valor, alegando ter sido vítima de fraude de terceiros. Menciona que houve vazamento interno de dados no Banco GM S/A, já que nenhum estelionatário poderia ter acesso às informações específicas do financiamento sem colaboração interna.
Atribui responsabilidade também ao Banco C6, alegando que esta instituição permite a emissão de boletos personalizados que facilitam a aplicação de golpes.
Diante de tal narrativa, pleiteia a aplicação do Código de Defesa do Consumidor com inversão do ônus da prova, responsabilização solidária e objetiva dos réus, restituição em dobro do valor pago indevidamente (R$ 1.852,52) e indenização por danos morais no valor de R$ 40.000,00, além da produção de provas documentais e testemunhais.
A inicial veio acompanhada de documentos (evento 01).
Por força da decisão proferida no evento 06, os benefícios da gratuidade da justiça foram deferidos à parte autora, bem como foi invertido o ônus da prova e determinada a citação da parte ré.
A parte requerida Banco C6 S/A foi citada e apresentou contestação (evento 30), em que arguiu preliminar de ilegitimidade passiva e falta de interesse de agir. No mérito, argumenta pela ausência de relação de consumo, pois a parte autora não é cliente do banco requerido. Alega a ausência de ato ilícito e ausência de nexo de causalidade entre o dano alegado e a atividade realizada pelo banco requerido. Ressalta sobre a culpa exclusiva da parte autora e de terceiros. No mais, pontua sobre a inexistência de danos morais e materiais. Requereu, ao final, a total improcedência dos pedidos.
Audiência de conciliação frustrada (evento 32).
Devidamente citada, a parte requerida Banco GM S/A apresentou contestação (evento 34), na qual aduz que a promovente apresenta fatos incongruentes ao alegar falha na prestação de serviços pelo Banco GM S/A, sustentando que algum preposto da instituição teria entrado em contato e enviado boleto fraudado para pagamento de parcela, porém sem trazer qualquer prova do alegado contato, identificação de quem ou qual banco, nem como ou quem teria enviado o referido boleto. O banco réu argumenta que a requerente não demonstrou qual contato foi estabelecido, que site acessou ou meio de comunicação utilizado, sendo impossível alegar falha na prestação de serviços sem tais elementos probatórios, especialmente considerando a total impossibilidade de produção de prova negativa pela instituição financeira. A defesa sustenta ainda que a autora possuía total conhecimento do site oficial do Banco GM S/A conforme documentação contratual (Cédula de Crédito Bancário e Ficha de Informação Cadastral), e que o impasse decorreu da não observância das orientações contratuais pela requerente ou terceiro que teria obtido o boleto. Conclui que adotou todas as medidas preventivas cabíveis, comunicou os crimes às autoridades policiais e que o ocorrido decorreu de culpa exclusiva da vítima e terceiros criminosos, não havendo nexo de causalidade que justifique sua responsabilização pelo pagamento do boleto fraudado, valor que sequer foi por ele recebido. Por fim, requereu a total improcedência dos pedidos.
Impugnação às contestações apresentada no evento 39.
No evento 83, a parte autora requereu a desistência da ação com relação ao requerido Antônio Marcos do Nascimento.
Em seguida, foi proferida decisão deferindo o pedido de desistência com relação ao requerido Antônio Marcos do Nascimento. Além disso, foi determinada a intimação das partes para indicarem as provas que pretendem produzir, especificando-as e justificando-as (evento 85).
Ato contínuo, a requerida Banco GM S/A pugnou pelo julgamento antecipado da lide (evento 89).
Por sua vez, a requerida Banco C6 S/A pleiteou a designação de audiência de instrução e julgamento para coleta do depoimento pessoal da autora (evento 90).
Por fim, a demandante informou que não possui interesse na produção de novas provas, requerendo o julgamento antecipado da lide (evento 92).
Os autos vieram conclusos.
É o relatório.
Decido.
De saída, passo à análise da preliminar de ilegitimidade passiva, aventado pela parte requerida Banco C6 S/A (evento 30).
Sabe-se que a legitimidade processual consiste em uma das condições da ação, a teor do disposto no art. 17 do Código de Processo Civil, ao especificar a indispensabilidade dessa condição para propor ou contestar demanda, acentuando o art. 18 que “ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei”.
A propósito:
“Em qualquer ação, inclusive a de natureza mandamental, é de se exigir o requisito da legitimatio ad causam, não sendo possível a alguém ingressar em Juízo, em nome próprio para defesa de direito alheio, sem que a lei autorize”. (Ac. un. Da 1ª Sec. Do STJ, de 19/05/92 no Ms. 1462-0, do Distrito Federal, rel. Min. Demócrito Reinaldo – ALEXANDRE DE PAULA, Código de Processo Civil Anotado, vol. I – Revista dos Tribunais – 3ª ed., 1986, p. 82).
O jurista Humberto Theodoro Júnior, ensinando sobre a legitimidade, enfatiza:
“(…) legitimados ao processo são os sujeitos da lide, isto é, os titulares dos interesses em conflito. A legitimação ativa caberá ao titular do interesse afirmado na pretensão e a passiva ao titular do interesse que se opõe ou resiste à pretensão”. (Curso de Direito Processual Civil, vol. I, 25ª ed., Forense, p. 57).
Outrossim, é importante ressaltar que o Colendo Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que a legitimidade das partes, por se tratar de uma das condições da ação, configura questão de ordem pública, podendo ser arguida em qualquer momento ou instância, ou mesmo ser declarada de ofício.
Confira-se:
“EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DESCONTOS INCONDICIONAIS. DISTRIBUIDORA DE BEBIDAS. ILEGITIMIDADE ATIVA. QUESTÃO DE ORDEM PÚBLICA NÃO SUJEITA À PRECLUSÃO. INEXISTÊNCIA DE REFORMATIO IN PEJUS. 1. O Superior Tribunal de Justiça registra entendimento de que a legitimidade das partes, por constituir uma das condições da ação, perfaz questão de ordem pública e pode ser alegado a qualquer tempo e grau de jurisdição ou mesmo declarado de ofício, sem que se tenha configurada a reformatio in pejus. 2. O juízo de adequação que os Tribunal ordinários realizam com base na sistemática dos recursos representativos da controvérsia constitui meio idôneo ao exame de questões de ordem pública que possam modificar o resultado do julgamento. 3. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ, AgInt no REsp: 1493974 PE 2014/0289060-2, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 19/11/2019, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/11/2019) – Grifei.
No caso em tela, verifico que a alegação de ilegitimidade passiva do banco requerido não merece prosperar.
Aplicando-se a teoria da asserção, a legitimidade deve ser aferida com base nas alegações da petição inicial, tomando-as como verdadeiras neste momento processual. A autora alega que o pagamento do boleto fraudado foi processado pelo sistema do Banco C6 S/A e que esta instituição facilitou o golpe ao permitir a emissão de boletos personalizados. Tais alegações estabelecem relação jurídica suficiente para justificar a inclusão da requerida no polo passivo.
A verificação da efetiva participação do Banco C6 S/A no evento danoso constitui questão de mérito, não de condição da ação. Havendo imputação de responsabilidade pela facilitação da fraude mediante disponibilização de ferramenta que permite criação de boletos com aparência de outros bancos, resta configurado o interesse jurídico necessário.
Nestes termos, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva.
Ademais, assevero que não merece acolhimento a preliminar de falta de interesse de agir suscitada pela instituição bancária requerida Banco C6 S/A em sua peça contestatória (evento 30).
Isso porque o interesse de agir é identificado pelo trinômio necessidade/utilidade/adequação, ou seja, necessidade concreta do processo e adequação do provimento e do procedimento para a solução útil do litígio.
A respeito da preliminar de ausência de interesse de agir entendo que, em decorrência do princípio da inafastabilidade da jurisdição, previsto no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, não há que se falar em exclusão da apreciação do Poder Judiciário de lesão ou ameaça a direito alegado pela parte.
E havendo irresignação sobre o mérito, torna-se presente a resistência à pretensão, e se há necessidade de vir ao Poder Judiciário, a fim de alcançar a tutela pretendida, cabe ao Juízo oferecer a prestação jurisdicional, não podendo ser desconstituída de plano, pois se o fato de a requerente ter ou não o direito pretendido traduz matéria de mérito, e não falta de interesse de agir.
No caso dos autos, restou demonstrado o trinômio adequação, utilidade e necessidade, uma vez que a ação é o meio adequado a satisfação do interesse perseguido pela autora. A demanda é útil, pois apenas por meio dela é possível o recebimento do direito que pleiteia.
Logo, rejeito a preliminar de ausência de interesse de agir.
Prosseguindo, observo que a requerida Banco C6 S/A pugnou pela designação de audiência de instrução e julgamento para produção de prova oral, todavia analisando os fatos narrados na inicial e contestação e as provas já produzidas no curso da lide, verifico que o depoimento pessoal das partes ou mesmo a oitiva de testemunhas em nada acrescentaria ao cenário probatório, até porque o desfecho da lide demanda o exame de prova essencialmente documental e pericial.
Na mesma direção, tem-se precedente jurisprudencial do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás:
“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. QUERELA NULLITATIS INSANABILIS. PEDIDO DE PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL E DEPOIMENTO PESSOAL INDEFERIDOS. JULGAMENTO ANTECIPADO DO MÉRITO. TENTATIVA DE REANALISAR MATÉRIA DECIDIDA. AÇÃO CUJA SENTENÇA DESEJA-SE ANULAR. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA. SENTENÇA MANTIDA. (…) 2. O julgamento antecipado da lide é permitido nas hipóteses em que a dilação probatória revela-se desnecessária à solução da questão litigiosa, sendo certo que, evidenciada a necessidade de produção de provas, o Juiz deve proceder à devida instrução processual. 3. O juiz tem, dentre outras prerrogativas, o poder de indeferir as diligências consideradas inúteis e determinar, até mesmo de ofício, as provas necessárias ao julgamento do mérito, adotando uma postura ativa que contribua para a melhor solução do litígio a fim de preservar o ideal máximo de justiça. 4. (…). (…) (TJGO, Apelação Cível 5642080-84.2020.8.09.0172, Rel. Des(a). Eduardo Abdon Moura, 3ª Câmara Cível, julgado em 29/04/2024, DJe de 29/04/2024) – Grifei.
Por conseguinte, indefiro o pedido de realização de audiência de instrução e julgamento.
Pois bem.
No mérito, é importante ressaltar que a relação jurídica entre as partes é regida pela Lei 8.078/90, vez que presente na espécie as figuras do prestador de serviços e do consumidor, conforme arts. 2º e 3º do compêndio consumerista.
Senão, vejamos:
“Art. 2º. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.”
É cediço que, nas relações de consumo, a responsabilidade do fornecedor de serviços tem natureza objetiva, cabendo ao consumidor demonstrar apenas a ocorrência do defeito em sua prestação, o dano sofrido e o nexo de causalidade, nos termos do que preceitua o art. 14 do CDC, in verbis:
“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”
Entretanto, a responsabilidade do fornecedor de serviços poderá ser afastada quando provar a inexistência do defeito ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (art. 14, § 3º, incisos I e II, CDC).
Em proêmio, o Código de Defesa do Consumidor ( CDC)é aplicável às instituições financeiras (Súmula n. 297/STJ), as quais devem prestar serviços de qualidade no mercado de consumo. Nesse contexto, respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias, restando, portanto, configurada a sua legitimidade para figurar no polo passivo da demanda.
Esse foi o entendimento do Tema Repetitivo 466/STJ, que contribuiu para a edição da Súmula 479/STJ, no sentido de que as instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros como, por exemplo, abertura de conta-corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno (REsp 1.197.929/PR, Segunda Seção, julgado em 24/8/2011, DJe 12/9/2011).
Em relação aos chamados golpes de engenharia social , os criminosos costumam conhecer os dados pessoais das vítimas e, com base neles, usam técnicas psicológicas de persuasão - a exemplo da simulação de um atendimento bancário verdadeiro - como forma de atingir seu objetivo ilícito.
Assim, para imputar a responsabilidade às instituições financeiras, em relação ao vazamento de dados pessoais que culminaram na facilitação de estelionato, deve-se garantir que a origem do indevido tratamento seja o sistema bancário. Os nexos de causalidade e imputação, portanto, dependem da hipótese concretamente analisada.(Resp. 2.077.278 - STJ)
No julgamento do recurso citado acima, a relatora, Ministra Nancy Andrighi, apontou que não poderia ser imputada ao banco a responsabilidade exclusiva no caso de vazamento de dados cadastrais básicos, como nome e CPF, porque essas informações podem ser obtidas por fontes alternativas. Por outro lado, caso os dados do consumidor sejam vinculados a operações e serviços bancários, a instituição tem o dever de armazenamento e proteção, sob pena de eventual vazamento configurar falha na prestação do serviço.
Nancy Andrighi destacou que, nos termos do artigo 44 da Lei Geral de Proteçâo de Dados Pessoais ( LGPD), o tratamento de dados será irregular quando não fornecer a segurança que o titular espera, considerando-se o resultado e os riscos desse tratamento.
No caso dos autos, a controvérsia cinge-se em determinar se as instituições financeiras requeridas – Banco GM S/A e Banco C6 S/A – devem ser responsabilizadas pelos danos materiais e morais decorrentes de fraude perpetrada por terceiro, que resultou no pagamento indevido de boleto bancário falso no valor de R$ 1.852,52, mediante utilização de dados sigilosos do financiamento da autora.
Verifica-se dos autos que a autora foi vítima de fraude efetuada por terceiro, realizando o pagamento de boleto de quitação do financiamento bancário no valor de R$ 1.852,52 (um mil, oitocentos e cinquenta e dois reais e cinquenta e dois centavos), cujo valor foi direcionado à conta de fraudador.
Segundo as informações dos autos, os criminosos detinham dados pessoais da requerente referentes às suas operações bancárias junto ao Banco GM S/A. Embora o boleto falso pudesse apresentar diferenças em relação ao documento verdadeiro, não se espera que uma pessoa comum seja sempre capaz de identificá-las, mormente quando o estelionatário tinha conhecimento específico de que a vítima era cliente da instituição financeira, sabia da existência do financiamento ativo e possuía dados sigilosos relativos ao contrato, como valor exato da parcela e situação de inadimplência.
Essas informações, sobretudo os dados pessoais bancários específicos do financiamento, são sigilosas e seu tratamento incumbe à entidade bancária com exclusividade. A obtenção dessas informações por terceiros indica inequívoca falha na segurança dos sistemas do Banco GM S/A, seja por vazamento interno de dados, seja por vulnerabilidades em seus canais de comunicação.
Assim, o nexo causal é estabelecido ao se concluir que poderia a instituição financeira Banco GM S/A ter evitado o dano sofrido em decorrência do golpe, caso adotasse medidas de segurança mais eficazes na proteção dos dados de seus clientes.
Em que pese as teses do Banco GM S/A de que em nada contribuiu com a fraude perpetrada, alegando culpa exclusiva da autora por ter realizado o pagamento sem as devidas verificações, vale ressaltar que, se o fato de terceiro ocorrer dentro da órbita de atuação do fornecedor, ele se equipara ao fortuito interno, sendo absorvido pelo risco da atividade. Em outras palavras, neste caso, o banco responde objetivamente.
Dito isso, não resta dúvida de que houve falha na prestação de serviço do Banco GM S/A, bem como não se trata de hipótese de culpa exclusiva do consumidor.
A propósito:
“EMENTA: APELAÇÃO. CONTRATOS BANCÁRIOS. DECLARATÓRIA. INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. RESTITUIÇÃO DE VALORES. DANO MORAL. BOLETO FALSO. RELAÇÃO DE CONSUMO. 1. CONTROVÉRSIA. Sentença de procedência parcial. Insurgência recursal de ambas as partes. O autor pretende a restituição em dobro dos valores, bem como a condenação da ré no dano moral. A instituição bancária pretende a inversão do julgado, com o reconhecimento da culpa exclusiva da vítima e de terceiro. 2. FRAUDE BANCÁRIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. GOLPE DO BOLETO FALSO. A instituição bancária agiu com culpa, pela falha no sistema de segurança (‘vazamento de dados’) permitindo que o fraudador tivesse acesso aos dados sigilosos das contratações e tratativas de acordo que estavam sendo realizadas entre as partes, viabilizando a confecção do boleto fraudado no mesmo dia dos boletos verdadeiros. Descumprimento do dever de guarda dos dados do consumidor conforme art. 42 da LGPD. Incidência da Súmula 479 do C. STJ, que materializa fortuito interno. 3. DANO MATERIAL. RESTITUIÇÃO DE VALORES. Condenação da parte ré à devolução dos valores pagos pelo autor em boleto fraudado. Restituição de forma simples, por não se verificar má-fé da instituição bancária. 4. DANO MORAL. Caracterização. A falha no sistema de segurança das rés viabilizou a concretização do golpe. Tal fato trouxe transtornos e aborrecimentos ao autor passíveis de indenização por danos morais. Atendendo-se ao parâmetro adotado pela C. Câmara em casos semelhantes, fixa-se a indenização em R$ 10.000,00. Razoabilidade e proporcionalidade. 5. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. Decreto de procedência da ação. Condenação da parte ré ao pagamento das custas e despesas do processo e verba honorária de 10% sobre o valor da condenação (CPC/15, art. 85, § 2º). 6. RECURSO DO AUTOR PROVIDO. RECURSO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA RÉ DESPROVIDO.” (TJSP, Apelação Cível: 1001670-61.2023.8.26.0063, Relator.: Luís H. B. Franzé, Data de Julgamento: 08/04/2024, 17ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 08/04/2024) – Grifei.
No que diz respeito ao Banco C6 S/A, verifica-se peculiaridade relevante no caso em exame, pois dessume-se a verificação de clara omissão no dever de segurança em relação à emissão do boleto, que foi expedido através de sistema da instituição com a possibilidade de alteração do beneficiário final, evidenciando-se, na hipótese em apreço, o nexo causal entre os danos experimentados pela requerente e a conduta atribuída ao banco intermediador.
O boleto emitido só logrou sucesso para realização da fraude porque o sistema interno do Banco C6 S/A permite que sejam inseridas informações como beneficiário pessoa distinta do próprio correntista, possibilitando que fraudadores utilizem logomarca e dados de outras instituições financeiras para confundir consumidores.
Vê-se, pois, que há nestes autos prova da configuração da falha do serviço prestado pela empresa intermediadora de pagamentos, concretizada por negligência do Banco C6 S/A na disponibilização do serviço de emissão de boleto personalizado, sem a segurança que seria exigível, de sorte que se justifica o pedido de ressarcimento formulado.
De fato, existe peculiaridade relevante no sistema de boletos oferecido pelo Banco C6 S/A, que permite a emissão de títulos com aparência de outros bancos, facilitando a aplicação de golpes contra consumidores. Tal sistemática representa falha na prestação do serviço, uma vez que não oferece a segurança esperada pelo consumidor destinatário final.
Aliás, toda atividade empresarial envolve riscos, o que é elementar em economia e negócios. Daí a exigência de mecanismos eficientes de segurança capazes de impedir e combater fraudes. Assim, mostra-se evidente a responsabilidade solidária de ambas as instituições financeiras no golpe sofrido pela autora.
Configurada a responsabilidade solidária de ambas as requeridas, impõe-se a condenação à restituição do valor indevidamente pago pela autora no montante de R$ 1.852,52 (um mil, oitocentos e cinquenta e dois reais e cinquenta e dois centavos).
Nesse sentido, vejamos o entendimento jurisprudencial:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. AUSÊNCIA DE CUMPRIMENTO DOS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS. PRELIMINAR AFASTADA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. PAGAMENTO DE BOLETO BANCÁRIO FRAUDADO. PAGAMENTO EM DUPLICIDADE. FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. SÚMULA 479 DO STJ. CULPA EXCLUSIVA DO CONSUMIDOR AFASTADA. DANOS MATERIAL E MORAL CONFIGURADOS. RESTITUIÇÃO DO VALOR PAGO NO BOLETO FRAUDADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. RAZOABILIDADE. PROPORCIONALIDADE. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. 1. Não há que se falar em ausência de cumprimento dos pressupostos processuais essenciais ao regular desenvolvimento da lide, porquanto o parcelamento das custas iniciais deferido pelo julgador de origem vem sendo regularmente honrado pela parte apelada. 2. Descabe a preliminar de nulidade do ato impugnado por falta de fundamentação, quando o decisum é elaborado de modo que as partes e o órgão revisor possam compreender os fatos que compõem a pretensão narrada, nos termos do artigo, 93, IX, da Constituição Federal e o artigo 489, § 1º, incisos I a VI, do Código de Processo Civil. 3. As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos causados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros nas operações bancárias. 4. Compete às instituições financeiras adotar medidas de segurança em seus sistemas, a fim de se evitar a ocorrência de fraudes, como a geração de boletos falsos. 5. A culpa exclusiva de terceiros capaz de elidir a responsabilidade do fornecedor de serviços ou produtos pelos danos causados é somente aquela que se enquadra no gênero de fortuito externo, ou seja, aquele evento que não guarda relação de causalidade com a atividade do fornecedor, absolutamente estranho ao produto ou serviço. 6. (…). APELAÇÃO CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA.” (TJGO, Apelação Cível: 5732141-92.2022.8.09.0051 GOIÂNIA, Relator.: Des(a). RODRIGO DE SILVEIRA, 10ª Câmara Cível, Data de Publicação: (S/R) DJ) – Grifei.
“EMENTA: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. APELAÇÃO DA AUTORA PARCIALMENTE PROVIDA. GOLPE DO BOLETO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DAS RÉS. FALHA. SISTEMA INTERNO DE EMISSÃO DE BOLETOS QUE VIABILIZOU A FRAUDE. ACESSO DO FRAUDADOR À INFORMAÇÕES DO CONTRATO. RESTITUIÇÃO DE FORMA SIMPLES. DANO MORAL RECONHECIDO. Primeiro, reconhece-se a responsabilidade do banco réu. Consumidora induzida a pagar boleto falso (fl. 319). Responsabilidade do banco réu, que permitiu que um terceiro, por via de convênio de emissão de boletos operacionalizasse fraude em que insere como beneficiário um terceiro para crédito em sua conta-corrente naquele banco. Aplicação da Súmula 479 do STJ. Segundo, reconhece-se a responsabilidade da corré CDHU. Falha na segurança. Terceiro fraudador teve acesso à informações sigilosas da autora e que viabilizaram o golpe. Terceiro, acolhe-se o pedido de restituição do valor pago por meio do boleto falso. Prova do pagamento (fl. 31). Restituição de forma simples. litigância de má-fé do banco réu justificasse a condenação a restituição dobrada de valores. (…). Ação parcialmente procedente em segundo grau. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.” (TJSP, AC: 1008193-85.2020.8.26.0066, Relator.: Alexandre David Malfatti, Data de Julgamento: 02/05/2022, 12ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 02/05/2022) – Grifei.
Ultrapassadas tais questões, passa-se à análise da ocorrência dos alegados danos morais.
A situação vivenciada pela autora ultrapassa o mero dissabor cotidiano, caracterizando verdadeiro abalo psíquico decorrente da quebra da confiança depositada nas instituições financeiras.
A autora, agindo de boa-fé, efetuou o pagamento de parcela do financiamento através de boleto que aparentava legitimidade, mas que na verdade tratava-se de documento fraudulento. O descobrimento posterior da fraude, aliado à resistência inicial das instituições em solucionar o problema, certamente causou angústia, preocupação e sentimento de impotência.
Desta forma, inexistindo dúvidas do sofrimento experimentado pela parte autora, situação que ultrapassa o mero dissabor ou aborrecimento, é cabível a indenização a título de danos morais, conforme pleiteado.
A propósito:
“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS C/C DANOS MATERIAIS - GOLPE DO BOLETO FALSO - RESPONSABILIDADE CIVIL - FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO -SÚMULA 479 DO STJ - FORTUITO INTERNO - DANOS MORAIS - CONFIGURADOS - QUANTUM INDENIZATÓRIO - FIXAÇÃO -RECURSO NÃO PROVIDO- SENTENÇA MANTIDA. - A responsabilidade civil decorrente da falha na prestação do serviço está prevista no artigo 14, do Código de Defesa do Consumidor, demandando apenas a prova dos danos causados pela aludida falha - A instituição bancária responde pelos danos causados ao consumidor se decorreram da falha em seu dever de segurança, sobremaneira porque ela se utiliza dos meios telemáticos como forma de desenvolver sua atividade - O dano moral caracteriza-se, em regra, pela violação aos direitos da personalidade, sendo a dor, humilhação, angústia ou sofrimento em si do indivíduo meras consequências da violação a um bem jurídico tutelado - O consumidor, ao ser vítima do golpe do boleto falso, viu seus dados pessoais sensíveis apropriados por estelionatários e, além disso, teve seu nome inserido em cadastro de inadimplentes de forma indevida, o que configura danos morais que devem ser indenizados - Na fixação do quantum devido a título de danos morais, o Julgador deve pautar-se pelo bom senso, moderação e prudência, sem perder de vista que, por um lado, a indenização deve ser a mais completa possível e, por outro, ela não pode tornar-se fonte de lucro - Recurso não provido. Sentença mantida.” (TJMG, Apelação Cível: 50314992720228130027 1 .0000.24.266556-0/001, Relator.: Des.(a) Mariangela Meyer, Data de Julgamento: 24/07/2024, 10ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 29/07/2024) – Grifei.
Com relação ao quantum da indenização pelo dano moral, é cediço que a lei não prevê disposição expressa que possa estabelecer parâmetros ou dados específicos para o respectivo arbitramento, uma vez que o dano moral não é quantificável, devendo cada caso ser analisado segundo suas peculiaridades.
Considera-se também o padrão econômico das partes envolvidas, pois a condenação tem objetivos pedagógico – educativo e de punição exemplar para que o fato não se repita. Para tanto, essa condenação não deve ser tão grande que se converta em fonte de enriquecimento nem tão pequena que a torne inexpressiva, ao ponto de incentivar o ofensor a repetir o ato ilícito.
Assim, entendo que a quantia de R$ 7.000,00 (sete mil reais) para cada autor é adequada e suficiente para reparar os danos morais causados aos demandantes pela falha na prestação do serviço por parte da empresa requerida.
Nesse sentido, tem-se a jurisprudência do Egrégio TJGO – Tribunal de Justiça do Estado de Goiás:
“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANO MORAL. VALOR DA INDENIZAÇÃO. OBSERVAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE PROPORCIONALIDADE, RAZOABILIDADE E PEDAGÓGICO. MAJORAÇÃO. A fixação do quantum indenizatório deve observar os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, de modo que o valor não seja tão baixo que não baste para compensar o prejuízo moral experimentado, e nem tão alto que venha a implicar em enriquecimento sem justa causa, além de atender a sua função pedagógica, desestimulando a reiteração de atos, motivo pelo qual o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) bastam para os fins colimados. Apelação cível conhecida e provida.” (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível nº. 5200831-67.2018.8.09.0051, Relator Des. Itamar de Lima, 3ª Câmara Cível, julgado em 26/04/2021, DJe de 26/04/2021) – Grifei.
Diante do exposto, com fulcro no art. 487, inciso I, do CPC, JULGO PROCEDENTES os pedidos iniciais para confirmas a tutela concedida no evento 21 e:
a) CONDENAR as partes requeridas solidariamente a pagar a autora o valor de R$ 1.852,52 (um mil oitocentos e cinquenta e dois reais e cinquenta e dois centavos), acrescidos de correção monetária de acordo com o IPCA (art. 389, parágrafo único, CC) a contar da data do pagamento (Súmula 43 STJ) até 31/08/2024, e, a partir de 01/09/2024, juros pela SELIC (deduzido o IPCA), nos termos da Lei 14.905/2024;
b) CONDENAR as partes requeridas solidariamente a pagar a autora o valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais), acrescido da Taxa Selic de forma integral, a qual já engloba os juros de mora e a correção monetária devida a contar do arbitramento (Súmula 362 do STJ).
Condeno as partes requeridas, sucumbentes, ao pagamento das custas e honorários, estes arbitrados em apreciação equitativa no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), nos termos do art. 85, § 8º, do Código de Processo Civil.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos, com as cautelas devidas e baixas de praxe.
No caso de oposição de embargos de declaração, havendo possibilidade de serem aplicados efeitos infringentes, deverá a parte contrária ser intimada para manifestação no prazo legal.
Interposto recurso de apelação, intime-se a parte recorrida para apresentar contrarrazões, no prazo legal de 15 (quinze) dias, conforme preconiza o art. 1.010, § 1º, do Código de Processo Civil.
Se apresentada apelação adesiva pela parte recorrida, na forma do art. 997 do Código de Processo Civil, intime-se a parte contrária para contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, de acordo com o art. 1.010, § 2º, do Código de Processo Civil.
Caso as contrarrazões do recurso principal ou do adesivo ventilem matérias elencadas no art. 1.009, § 1º, do Código de Processo Civil, intime-se a parte recorrente para se manifestar, no prazo de 15 (quinze) dias, conforme o artigo 1.009, § 2º, do Código de Processo Civil.
Após, encaminhem-se os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, com as homenagens de estilo, ressaltando-se que o juízo de admissibilidade do recurso será efetuado direta e integralmente pela Corte, segundo o teor do artigo 932 do Código de Processo Civil.
Cumpra-se.
Goiânia, datado e assinado digitalmente.
(assinado digitalmente)
Tatianne Marcella Mendes Rosa Borges Mustafa
Juíza de Direito
04
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